Entrevista: Camila Caldeira Nunes Dias
Por Luís Antônio Francisco de Souza
Camila Caldeira Nunes Dias é Doutora em Sociologia pela USP, Professora Adjunta da UFABC, Pesquisadora-associada ao NEV-USP, colaboradora do OSP, associada ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e membro do Conselho da Comunidade da Comarca de São Paulo-SP.
OSP. Há uma guerra entre as duas forças no Estado? Penso que há uma guerra entre o PCC e a Polícia Militar que teve início em meados deste ano (junho/julho) e que persiste até esse momento (novembro).
OSP. Como o crime exerce o controle junto às comunidades? Para usar um termo menos abstrato prefiro dizer que alguns grupos detêm um controle econômico sobre o comércio ilícito em bairros periféricos, sobretudo sobre o tráfico de drogas e, em decorrência disso, exercem um controle político, ligado à regulação dos conflitos, principalmente dos conflitos vinculados com a economia criminal.
OSP. Como o crime se organiza a partir de dentro dos presídios? As prisões se constituem, hoje, em lócus de organização e de articulação da criminalidade. O processo de encarceramento massivo, a superlotação, as condições precárias das instituições, da falta de direitos básicos e de condições minimamente dignas de cumprimento da pena, favorecem as formas de articulação entre os presos e de aprofundamento de seu envolvimento na economia criminal mais organizada, através da sua inserção em redes comerciais mais amplas e complexas.
OSP. A base econômica do crime é majoritariamente a droga?
Há grupos criminais ligados a todo tipo de delito. Penso que o comércio de drogas ilícitas é a atividade mais constante e regular de boa parte desses grupos e isso porque se trata de uma atividade de menor risco em comparação com outras, como o roubo e o sequestro, por exemplo. Não é possível manter a atividade de roubo ou sequestro de forma regular e constante. São atividades episódicas, cujos resultados financeiros são incertos e irregulares. A economia ligada às drogas, ao contrário, justamente por ser uma atividade comercial, pode ser mantida com poucas interrupções. Enfim, embora as formas de organização e as dinâmicas criminais variem muito de um caso a outro, é muito comum que os grupos ligados ao comércio de drogas ilícitas estejam, ainda, envolvidos em outras atividades criminais (e não criminais) de forma inconstante e irregular.
OSP. A disseminação do sistema prisional no Estado de SP facilitou o esquema montado pelo crime? A expansão da rede de instituições prisionais pelo interior do Estado pode ter favorecido a expansão, a ramificação e, portanto, a pulverização de alguns grupos, sobretudo o PCC. Mas, esse problema só pode ser compreendido se considerarmos não apenas a expansão do sistema prisional em si, mas, sobretudo, o processo de encarceramento massivo que, em São Paulo, assumiu maiores proporções a partir da década de 1990. Este último fez com que a expansão do sistema prisional não se revertesse em qualquer melhora de qualidade das condições da pena de prisão. Ocorreu exatamente o oposto disso.
OSP. As mortes de PMs, em sua maioria, incide sobre policiais em folga. O que isto pode significar? Significa uma nova estratégia de enfrentamento, diferente da que ocorreu durante a crise de maio de 2006. Desta vez, os enfrentamentos estão ocorrendo de forma menos intensa, de forma mais fragmentada e assumindo uma duração muito maior. Podemos afirmar que a “crise” atual teve início ainda em julho, persistindo ainda, em novembro. Policiais de folga se encontram em situação de maior vulnerabilidade e, por isso, acabam sendo alvos mais fáceis.
OSP. Fala-se pouco sobre as mortes e chacinas que aumentaram nos últimos 4 ou 5 meses. O que estas mortes representam? O que eles representam, de concreto, é que assistirmos a uma desestabilização em São Paulo, originada, na minha opinião, pela violência policial. O que essas chacinas sugerem, mas que não se tem certeza (ou provas) é que grupos de extermínio podem ter se fortalecido dentro das polícias – ou que eles voltaram a atuar com mais intensidade. A hipótese sustentada pelo governo de que essas mortes são o resultado de brigas de gangues, eu acho improvável dada as suas características e pela ausência de evidências de que há grupos que se opõem ao PCC. Há as denúncias mais recentes da emergência de milícias em São Paulo. Não sei dizer se têm consistência. Sobretudo, o que é mais grave e chocante disso tudo é que não vemos qualquer sinalização do governo de que há interesse ou empenho em investigar essas mortes. Tudo se passa como se apenas policiais estejam sendo executados. Nada, nem uma palavra sobre os jovens moradores da periferia paulistana que estão sendo executados noite após noite. Nem uma palavra do governo federal pressionando para o esclarecimento dessas mortes e dessas denúncias. Nenhuma palavra do Ministério Público Estadual. Aliás, por onde anda o MP diante deste cenário de crise? A única manifestação que vi foi essa representação pedindo a transferência de líderes do PCC para presídios federais. Nada sobre as execuções de civis, as chacinas, os toques de recolher, as suspeitas de milícias ou grupos de extermínio. Nada.
OSP. Como está a situação das mulheres encarceradas em face do controle do PCC nos presídios? A situação das mulheres encarceradas é tão dramática quanto a dos homens, em termos das condições (ou falta de) para o cumprimento da pena. Celas abarrotadas, falta de atendimento médico, social e jurídico, ausência de materiais básicos de higiene pessoal, falta de estrutura física adequada – agravada, ainda, pelo fato de que as prisões não são adaptadas às necessidades das mulheres. No que se refere ao controle do PCC, a dinâmica também é a mesma dos presídios masculinos: todas tem que “correr junto”. Caso não queiram, deve pedir transferência ou ‘seguro’. A diferença é que as mulheres integrantes do PCC são, em sua absoluta maioria, de escalões mais baixos da hierarquia da organização, não ocupam posições importantes e nem possuem autonomia decisória para questões importantes.
OSP. Qual é a saída a partir da perspectiva da pesquisa acadêmica? Não há receita. Contudo, é possível ver claramente o que não deu e não dará certo. Enquanto o modelo de segurança pública for pensado somente a partir de aspectos repressivos, a partir do binômio polícia militar/sistema prisional, nós vamos continuar escorregando, sem sair do lugar. Enquanto não se fizer as reformas estruturais das polícias e não houver um combate efetivo à corrupção, à violência arbitrária, a tortura, aos abusos de toda sorte, não avançamos. Enquanto o judiciário e o Ministério Público não se engajarem para pensar alternativas à pena de prisão, enquanto não fiscalizarem de fato a execução penal e permanecerem omissos com relação à violência policial e as arbitrariedades ocorridas nas delegacias e prisões do Estado (e do Brasil inteiro) seus discursos serão o que eles são hoje, apenas discursos. Enquanto as instituições do sistema de justiça criminal, enfim, não forem inseridas no processo de democratização, ou seja, funcionarem de forma transparente, com necessidade de dar respostas claras para a população e forem alvo de controles externos eficientes sobre as suas práticas, também não avançamos. Não adianta fazer o mais fácil e o mais popular politicamente. Ficaremos estagnados ou retroagiremos enquanto parcela expressiva da população tiver negada a garantia de seus direitos fundamentais. Sim, os direitos, esse bem escasso no Brasil, privilégio de alguns grupos sociais.
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