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05/11/2012

Um legítimo gol de mão. Jorge Luiz Souto Maio


Um legítimo gol de mão.

Jorge Luiz Souto Maior(*)


Indo direto ao assunto: observados os critérios admitidos até aqui, o Palmeiras tem razão.
Não se trata de defender a esperteza ou de impedir que a ética impere no futebol. Trata-se de demonstrar que, de fato, esses valores não estão envolvidos no polêmico gol do atacante do Palmeiras, Barcos, contra o Internacional.
Gol de mão não vale, assim como não são válidos os gols com o jogador em posição de impedimento, gols frutos de pênalti que não ocorreu, mas que mesmo assim foi marcado pelo juiz, gol em que a bola de fato não entrou...
A questão não está, portanto, em defender a validade de um gol feito de forma irregular. A questão é de outra ordem e diz respeito à competência: quem tem a competência para invalidar o gol?
Em termos jurídicos, pode-se dizer que há o direito, mas há, também, a atribuição institucional do poder de dizer o direito, o poder jurisdicional, que, para não ser absoluto, dentro da ordem democrática, é distribuído por atribuições, a competência. A um juiz, admitido por concurso, respeitadas as regras de distribuição de competências, cabe dizer o direito, obedecido o devido processo legal, isto é, o direito de defesa e as oportunidades na produção de provas pertinentes ao caso. A decisão do juiz é submetida a recurso por iniciativa da parte que a considere equivocada. O que não se admite é que alguém vá ao juiz e diga como ele deve julgar.
No futebol, o denominado “juiz” também deve observar as regras para dizer o “direito”. Mas, sua decisão é muito mais dinâmica, pois diz o direito no momento em que fato está ocorrendo. Não há um tempo para a depuração do fato, mediante produção de provas e apresentação de versões das partes envolvidas. Fosse de outro modo, o jogo não se realizaria. Dentro dessa dinâmica, o juiz de futebol, homem que é, está sujeito a errar e não raro seus erros são induzidos pelos atletas, que simulam situações ou mesmo sentem agressões que de fato não ocorreram, envolvidos que estão, emocionalmente, com o jogo. O futebol é um jogo, não é um debate acadêmico que se realiza em salas climatizadas.
Para possibilitar a ocorrência do jogo, o juiz atua como um árbitro, ou seja, sua decisão não está submetida a recurso. É por isso que, abstraindo a má-fé, que não pode ser presumida, muitas partidas de futebol ao longo da história foram resolvidas a partir de equívocos do juiz, pois é dele a competência para dizer o direito naquele instante e de forma definitiva, ou seja, sem possibilidade de recurso.
Esse é um problema com o qual o futebol, pelo menos até o presente momento, teve que conviver.
Não se trata, pois, de um problema ético e sim de definição das atribuições para a aplicação das regras do futebol no sentido de permitir o desenvolvimento do jogo.
É possível e necessário aprimorar essa distribuição de competência? Essa é uma discussão infindável nos meios futebolísticos, que tem encontrado na própria entidade que organiza o esporte, a FIFA, muita resistência.
Mesmo assim, já houve evolução a respeito, por exemplo, com o aumento do número de árbitros e com a instauração de mecanismos de comunicação entre eles, tendo havido, inclusive, o compartilhamento da competência do árbitro principal com seus auxiliares.
Mas, não houve, ao menos até agora, a instituição de um mecanismo externo para auxiliar o juiz na verificação de casos complexos, inclusive com o estabelecimento do procedimento para definição de quais seriam as situações em que se admitiriam a adoção do recurso e as formas de sua instauração (requerimento da parte etc.). Em outros esportes, como o tênis e o hóquei na grama, é possível aos competidores pleitearem que um mecanismo externo, tecnológico, seja utilizado para dirimir uma dúvida acerca da arbitragem, mas há regras procedimentais definidas para tanto.
No futebol mudança neste sentido seria bastante oportuna, pois há que se privilegiar o esporte, favorecendo o mérito de quem o de fato tenha e não o esperto, o que faz gol de mão, o que finge uma falta, o que faz cera etc.
Mas, não estamos falando do futuro. No presente, as regras estabelecidas são estas e não é possível que a decisão dos árbitros seja influenciada por elementos externos, até porque não se procedimentalizando a forma da externalização não se tem qualquer garantia de que a interferência não venha a ser realizada por razões alheias ao mérito esportivo ou mesmo de que não seja fruto de outra avaliação equivocada. Quem tem autoridade para dizer ao árbitro que ele errou e que mude sua decisão?
Mas, deve prevalecer o gol de mão impunemente? Chegar a essa conclusão não seria beneficiar o infrator? Seria ético defender um gol de mão?
Como dito, não se trata de uma questão ética, mas de definição prévia das regras de competência e do respeito ao procedimento estabelecido. E, de todo modo, se não é ético defender um gol de mão, menos ético ainda é forjar a situação para que seja artificialmente adaptada, dizendo que o juiz foi avisado pelo quarto árbitro quando topo mundo que viu o jogo (mesmo pela TV, como foi o meu caso) percebeu que nenhum dos árbitros viu o gol de mão. O tal quarto árbitro chegou a dizer, depois, que viu “alguém” batendo a mão na bola, mas daí a chegar à conclusão de que foi o Barcos vai uma distância muito grande...
Então, aqueles que estão defendendo a ética deviam também se preocupar em preservá-la no aspecto do procedimento, admitindo que houve a interferência externa. E, ao chegarem a esta conclusão, do permissivo da interferência externa, devem explicar com base em que procedimento ela foi legitimada, sendo que, doravante, tal procedimento deverá valer em todos os jogos, vez que não se podem fixar regras procedimentais por exceção, como não pode haver juízo de exceção. Não se podem criar regras procedimentais específicas e juízes específicos para situações especiais, ainda que os propósitos sejam, em princípio, bastante dignos, pois que isso abre a porta para a derrocada do Estado Democrático de Direito.
De forma mais clara, se o que ocorreu no jogo do Palmeiras for legitimado, dever-se-á abrir a possibilidade para que qualquer time, o próprio Palmeiras, por exemplo, diante de um gol sofrido que considere irregular, mas que tenha sido validado pelo juiz, peça, ainda durante a partida, que se acionem os meios televisivos para que se “tire a teima”, devendo o juiz voltar atrás em sua decisão, caso seja demonstrado o erro.
Se não for assim, estaremos assistindo um grave atentado à ordem jurídica democrática, notadamente no ferimento das regras do juiz natural e da legitimidade do procedimento, ainda que pautado por bons propósitos.
São Paulo, 1º./11/12.




(*) Juiz do Trabalho. Professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP.

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