Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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Alexandre Morais da Rosa

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27/02/2010

Encontro Cainã - 9 edição




"O" evento do ano chama-se Cainã. Nele professores de direito brasileiros, argentinos e portugueses, unidos em torno do pensar crítico, encontram-se para dialogar sobre um tema específico do contemporâneo e apresentar, cada um, as pesquisas que andam desenvolvendo. Este ano foi em Santa Fá - Argentina, sob a coordenação de Carlos Maria Carcova e Alicia Ruiz. Nos dois dias do evento discutiu-se basicamente a questão da Jurisdição, especialmente a tensão em juiz, democracia e decisão. Seguem algumas fotos do fantástico evento. Abs

26/02/2010

Marco Aurélio STF - Ditadura. Assutador ou não

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STJ - Informativo 423

Destaques:

BUSCA E APREENSÃO. HD. EXTENSÃO.


Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar em que o impetrante busca a declaração de ilegalidade de extensão de mandado de busca e apreensão o qual resultou na apreensão de disco rígido (HD) do banco (supostamente de propriedade do paciente). Também pretende a impetração a análise de nulidade e suspensão de diferentes ações em razão da prova supostamente ilícita. Note-se que o paciente foi investigado em duas operações deflagradas pela Polícia Federal em momentos diferentes. A primeira ensejou a apreensão dos HDs na residência, no escritório e no banco, esse ato é atacado no writ. A segunda operação, investigação ainda em curso, refere-se a crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. O Min. Relator descartou a análise dos pedidos de suspensão de ações penais, inquéritos, bem como procedimentos incidentais, ainda não apreciados pelo tribunal a quo, para não incorrer em indevida supressão de instância. Dessa forma, a impetração foi parcialmente conhecida: só quanto à extensão da busca e apreensão do HD do banco. Ressalta o Min. Relator que a cópia acostada nos autos revela que o mandado de busca e apreensão está destinado ao endereço domiciliar e profissional do paciente e tinha como alvo documentos, bens, computadores, arquivos em meio magnético ou óptico ou outros elementos de convicção da prática de eventuais crimes em poder de quem os detiver os quais tenham relacionamento direto com os fatos. Assim, reconhece o Min. Relator que o mandado autorizava a diligência, ao determinar que a apreensão dos objetos fosse realizada por fundadas suspeitas de se relacionarem com o crime em apuração. Ademais, depois do cumprimento do mandado na residência, no escritório, no mesmo prédio do banco, por informação da secretária do paciente, chegou-se à conclusão de que também os dados estariam no HD do banco. Daí o delegado ter solicitado por telefone ao juiz de plantão autorização judicial para efetuar a cópia por espelhamento do HD do banco, o que foi concedido por fac-símile. Nesse contexto para o Min. Relator, há indícios da existência de provas relativas à investigação no servidor do banco, a justificar a apreensão, embora não tenha sido expresso o endereço do banco situado em andar no mesmo prédio em que sito o escritório. Sendo assim, conclui que o ato de busca e apreensão do HD do banco não apresenta nenhuma ilegalidade, uma vez que realizado conforme o disposto nos arts. 240 e 243 do CPP. Observa que, quanto ao acesso a dados sigilosos dos correntistas e investidores do banco, o mandado só buscou elementos que indicassem os delitos investigados contra o paciente. Asseverou, ainda, que, com o atual desenvolvimento da informática, é possível separar dados de um HD por meio digital, evitando-se quebra de sigilo de dados de terceiros acobertados por garantia constitucional e que o tribunal a quo enumerou todas as cautelas a serem observadas no caso. Por outro lado, destacou que, segundo a jurisprudência, o direito ao sigilo bancário bem como ao sigilo de dados, a despeito de ser direito constitucional, não é absoluto quando presente, em dimensão maior, o interesse público. Por fim, quanto à perda de objeto da apelação alegada pelo impetrante, considerou que o juízo de primeiro grau não revogou a decisão que determinou a busca e apreensão do HD do banco, apesar de ter discorrido sobre eventual ilegalidade, tanto que utilizou-se de medidas acautelatórias para preservar o objeto apreendido e aguardou o pronunciamento do TJ na apelação, assim, cabia ao tribunal a quo pronunciar-se. Diante do exposto, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, conheceu parcialmente da ordem e, nessa extensão, denegou-a. Os votos vencidos declaravam nula a extensão da busca e apreensão. Precedente citado: HC 15.026-SC, DJ 4/11/2002. HC 124.253-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 18/2/2010.

2 -
ANULAÇÃO. SUSTENTAÇÕES ORAIS. CORRÉUS. APELAÇÃO.


Em habeas corpus, alega-se que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal por cerceamento de defesa, pois havia 44 corréus na apelação, cada qual com seu defensor, e o TJ determinou que o prazo em dobro fosse dividido entre os defensores, o que fez caber a cada um menos de um minuto e meio. O Min. Relator ressaltou que, em recente precedente da Corte Especial, estabeleceu-se que, havendo vários corréus com diferentes advogados, cada um teria o prazo de 15 minutos para sustentação oral, somente se ressalvando os casos em que há mais de um patrono para o mesmo réu, situação em que o prazo deve ser dividido entre os advogados. Ademais, citou julgados deste Superior Tribunal e do Supremo Tribunal que consideram a frustração da sustentação oral violar as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Com esse entendimento, a Turma concedeu a ordem para anular o julgamento da apelação criminal em relação a todos os réus para que outro julgamento seja realizado com a observância do prazo para sustentação oral de 15 minutos de cada advogado. Precedentes citados do STF: HC 69.142-SP, DJ 10/4/1992; HC 71.551-MA, DJ 6/12/1996; HC 70.727-RS, DJ 10/12/1983; do STJ: HC 41.698-PR, DJ 20/3/2006, e HC 32.862-RJ, DJ 16/8/2004. HC 150.937-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 18/2/2010.

3 -
PRESCRIÇÃO. PRETENSÃO PUNITIVA.


A Turma reafirmou que não cabe aplicar o benefício do art. 115 do CP, ou seja, redução dos prazos de prescrição, quando o agente contar mais de 70 anos na data do acórdão que se limita a confirmar a sentença. Precedentes citados do STF: HC 96.968-RS, DJe 5/2/2010; AgRg no HC 94.067-RO, DJe 13/3/2009; do STJ: HC 131.909-GO, DJe 30/11/2009; HC 104.557-DF, DJe 3/11/2008, e HC 67.830-SC, DJ 18/6/2007. HC 123.579-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 18/2/2010.

4 -
INTERNET. QUEIXA. ADITAMENTO.


In casu, foi oferecida queixa-crime pela suposta prática dos crimes de calúnia, injúria e difamação por meio de mensagens eletrônicas contra só uma das autoras do delito. Posteriormente se realizou emenda à inicial para incluir a segunda recorrente. Daí o habeas corpus da defesa, denegado no TJ. Para o Min. Relator, na mensagem eletrônica acostada, afigura-se clara a ocorrência de coautoria, que deixou de ser incluída na queixa-crime. Explica caber à querelante propor a ação penal privada obrigatoriamente contra todos os supostos coautores do delito que, no caso, são perfeitamente identificáveis. Observa, ainda, que o direito de queixa é indivisível; assim, a queixa contra qualquer autor do crime obrigará ao processo de todos os envolvidos (art. 48 do CPP). Consequentemente, o ofendido não pode limitar a acusação a este ou aquele autor da conduta tida como delituosa. Esclarece que não observar o princípio da indivisibilidade da ação penal, que torna obrigatória a formulação da queixa contra todos os autores, co-autores e partícipes do crime, além de acarretar a renúncia ao direito de queixa a todos, é causa da extinção da punibilidade (art. 107, V, do CP). Diante do exposto, a Turma deu provimento ao recurso em habeas corpus, declarando a extinção da punibilidade em relação a ambas as recorrentes. Precedentes citados: HC 19.088-SP, DJ 22/4/2003; APn 186-DF, DJ 17/6/2002; HC 15.989-RJ, DJ 4/2/2002, e HC 12.203-PE, DJ 12/6/2000. RHC 26.752-MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 18/2/2010.

5 -
HC. INTERPRETAÇÃO. ART. 212 CPP.


O impetrante pedia a concessão de medida liminar para que, preventivamente, fosse determinada a paralisação da ação penal até o julgamento do writ e a concessão da ordem, no mérito, para que fosse decretada a nulidade da audiência, conforme determina o art. 212 do CPP, com a nova redação conferida pela Lei n. 11.690/2008. O Min. Relator deferiu a liminar para suspender, até o julgamento final do habeas corpus, a tramitação da ação penal na qual figura como réu o paciente. Segundo o impetrante, com o novo texto, tal dispositivo alterou a ordem de quem pergunta, estabelecendo que, primeiramente, as partes devem perguntar e, apenas ao final, poderá o juiz, de forma suplementar, formular perguntas. Assim, tal ordem não teria sido observada, o que, na sua visão, ensejaria nulidade absoluta. Mas o Min. Relator observou que a matéria fora examinada recentemente pela Sexta Turma no HC 121.212-RJ e reiterou seu entendimento de que a oitiva da testemunha sem a observância da ordem prevista no novel modelo processual não altera o sistema acusatório. Diante disso, a Turma cassou a liminar e denegou a ordem. HC 133.655-DF, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 18/2/2010 (ver Informativo n. 421).

6 -
ROUBO. ARMA BRANCA. MAJORANTE.


Trata-se de roubo qualificado pelo emprego de arma branca (art. 157, § 2º, I, do CP) e o impetrante pleiteia a concessão da ordem para que seja cancelada a agravante. Inicialmente, destacou o Min. Relator que a orientação da Sexta Turma em reiterados julgados é no sentido de que, para a aplicação da causa de aumento pelo uso de arma, é imprescindível a apreensão dela, a fim de que sua potencialidade lesiva seja apurada e atestada por um expert. Exemplificou que, nos casos em que não há apreensão, mas a vítima e demais testemunhas afirmam de forma coerente que houve disparo com a arma de fogo, não é necessária a apreensão e a perícia do objeto para constatar que a arma possuía potencialidade lesiva e não era de brinquedo, uma vez que sua eficácia mostra-se evidente. Contudo, nos demais casos, sua apreensão é necessária. Isso decorre da mesma raiz hermenêutica que inspirou a revogação da Súm. n. 174-STJ. A referida súmula, que autorizava a exasperação da pena quando do emprego de arma de brinquedo no roubo, tinha como embasamento a teoria de caráter subjetivo. Autorizava-se o aumento da pena em razão da maior intimidação que a imagem da arma de fogo causava na vítima. Então, em sintonia com o princípio da exclusiva tutela de bens jurídicos, imanente ao Direito Penal do fato, próprio do Estado democrático de direito, a tônica exegética passou a recair sobre a afetação do bem jurídico. Assim, reconheceu-se que o emprego de arma de brinquedo não representava maior risco para a integridade física da vítima; tão só gerava temor nela, ou seja, revelava apenas fato ensejador da elementar "grave ameaça". Do mesmo modo, não se pode exacerbar a pena de forma desconectada da tutela do bem jurídico, ao se enfrentar a questão da arma branca. Afinal, sem a apreensão, como seria possível aferir sua potencialidade? Sem a perícia, como saber se a faca utilizada não estava danificada? Logo, sob o enfoque do conceito fulcral de interpretação e aplicação do Direito Penal (o bem jurídico), não se pode majorar a pena pelo emprego de arma de fogo sem a apreensão e a perícia para determinar se o instrumento utilizado pelo paciente, de fato, era uma arma de fogo, circunstância apta a ensejar o maior rigor punitivo. Portanto, no caso, cabe o cancelamento da agravante referente ao uso de arma branca. Diante disso, a Turma concedeu a ordem. HC 139.611-MG, Rel. Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 18/2/2010.

22/02/2010

Bullying escolar e justiça restaurativa Alexandre Morais da Rosa e Neemias Moretti Prudente

Bullying escolar e justiça restaurativa
Alexandre Morais da Rosa e Neemias Moretti Prudente

Alexandre Morais da Rosa
Doutor em Direito.
Professor do Programa de Mestrado/Doutorado da UNIVALI.
Juiz de Direito.

Neemias Moretti Prudente
Professor de Direito Penal e Processo Penal (UNERJ/PUC-SC).
Mestre em Direito Penal (UNIMEP/SP).
Especialista em Direito Penal e Criminologia (ICPC/UFPR).
Membro fundador e conselheiro do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa (IBJR).




O objetivo deste ensaio é tecer algumas considerações sobre o bullying, sobretudo quando ocorre no âmbito escolar, e apresentar a justiça restaurativa como uma das formas de resolver os conflitos que envolvem a prática do fenômeno.

O bullying é uma prática presente no cotidiano, um problema mundial que todas as sociedades, desenvolvidas ou em desenvolvimento, enfrentam. Embora a maioria das pessoas desconheça o fenômeno, sua gravidade e abrangência, ultimamente este fenômeno tem chamado a atenção e aos poucos está sendo reconhecido como causador de danos e merecedor de medidas para sua prevenção e enfrentamento.

O bullying (termo inglês que significa tiranizar, intimidar) é um fenômeno que pode ocorrer em qualquer contexto no qual os seres humanos interagem, tais como, nos locais de trabalho (workplace bullying, mobbing ou assédio moral, como vem sendo chamado no Brasil), nos quartéis, no sistema prisional, na igreja, na família, no clube, através da internet (cyberbullying ou bullying digital) ou do telefone celular (móbile bullying), enfim, em qualquer lugar onde existam pessoas em convivência(1).

Todavia, é principalmente no ambiente escolar que a prática está mais presente. Ela pode acontecer em qualquer parte da escola, tanto dentro, como fora. Ainda que não tão visíveis quanto agora, este fenômeno pode ser encontrado em toda e qualquer instituição de ensino. A escola, que não conhece o assunto, que não desenvolve programas ou afirma que lá não ocorre bullying, é provavelmente aquela onde há mais situações desta prática(2).

Mas, o que é bullying escolar? Numa definição bastante utilizada no Brasil, o termo bullying “compreende todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder, tornando possível a intimidação da vítima” (3). Segundo Dan Olweus, cientista norueguês, o comportamento agressivo e negativo, os atos executados repetidamente e o desequilíbrio de poder entre as partes são as características essências do fenômeno(4).

Os protagonistas do bullying nas escolas são: os alunos-alvo/vítima (que sofrem o bullying), os alunos-autores/agressores (que praticam o bullying) e os alunos testemunhas/espectadores (que assistem aos atos de bullying)(5).

Entre as atitudes agressivas mais comuns praticadas pelo bully “valentão, brigão, tirano” estão às ofensas verbais (v.g. apelidos ofensivos, vergonhosos), agressões físicas (v.g. bater, chutar, empurrar, ferir, agarrar), e sexuais (v.g. estupro), maus-tratos, humilhações, intimidação, exclusão, preconceitos e descriminação (v.g. em razão da cor, da opção sexual, das diferenças econômicas, culturais, políticas, morais, religiosas), extorsão (v.g. “cobrar pedágio” ou extorquir o dinheiro do lanche), perseguições, ameaças, danificação de mate riais, envio de mensagens, fotos ou vídeos por meio de computador ou celular, bem como postagem emblogs ou sites cujo conteúdo resulte em sofrimento psicológico a outrem(6).

Geralmente a vítima de bullying é escolhida conforme características físicas, psicológicas ou de comportamento diferenciado. O alvo da agressão costuma ser quem o grupo considera diferente (v.g. o gordinho, o magrinho, o baixinho, o calado, o pobre, o CDF, o deficiente, o crente, o preto, o “quatro olho” etc.)(7). As vítimas podem apresentar os seguintes sinais e sintomas, entre eles, baixa autoestima, dificuldade de relacionamento social e no desenvolvimento escolar, ansiedade, estresse, evasão escolar, atos deliberados de autoagressão, alterações de humor, apatia, perturbações do sono, perda de memória, desmaios, vômitos, fobia escolar, anorexia, bulimia, tristeza, falta de apetite, medo, dores não especificadas, depressão, pânico, abuso de drogas e álcool, podendo chegar ao suicídio e até atos de violência extrema contra a escola(8).

Aliás, agressores e vítimas têm grandes chances de se tornarem adultos com comportamentos antissociais, podendo vir a adotar, inclusive, atitudes criminosas(9).

Na escola, o bullying não afeta apenas o agressor e a vítima, mas também as testemunhas, que são alunos que não sofrem nem praticam bullying, mas convivem com o problema e se omitem por medo ou insegurança. Presenciam muitas vezes o abuso, mas calam-se, por que, se delatarem o autor, poderão se tornar as “próximas vítimas”. Daí a omissão, o silêncio. Mas elas terminam por serem cúmplices da situação. Muitas se sentem culpados por toda a vida(10).

Segundo pesquisa divulgada em 2008 pela organização não-governamental Internacional Plan, por dia, cerca de 1 milhão de crianças em todo o mundo sofre algum tipo de violência nas escolas(11). Já Numa pesquisa publicada, também em 2008, pela Faculdade de Economia e Administração da USP – pesquisa feita em 501 escolas com 18.599 estudantes, pais e mães, professores e funcionários da rede pública de todos os Estados do País – pelo menos 10% dos alunos relataram ter conhecimento de situações em que alunos, professores ou funcionários foram vítimas do bullying. A maior parte (19%) foi motivada pelo fato de o aluno ser negro. Em segundo lugar (18,2%) aparecem os pobres e depois a homossexualidade (17,4%). No caso dos professores, o bullying é mais associado ao fato de ser idoso (8,9%). Entre funcionários, o maior fator para ser vítima de algum tipo de violência - verbal ou física - é a pobreza (7,9%). A deficiência, principalmente mental, também é outro motivo para ser vítima(12).

Pesquisas do tipo têm comprovado, enfim, aquilo que os estudiosos do tema têm sustentado há muitos anos: o bullying é prática cotidiana e os seus efeitos podem mesmo ser devastadores. Aliás, o aumento de visibilidade do fenômeno, através dos conhecimentos adquiridos com os estudos, devem ser utilizados para orientar e direcionar a formulação de políticas publicas e para delinear técnicas de identificação e enfrentamento do problema, buscando respostas adequadas que possam reduzir o fenômeno de forma eficaz.

Não há duvida de que esta prática necessita de respostas. As respostas repressoras (como a expulsão de alunos ou recorrer ao judiciário) são validas, mas nem sempre é a solução mais adequada, por isso devem ser evitadas, tanto quanto possível. Assim, devem-se privilegiar mecanismos alternativos/complementares de resolução de conflitos, como a justiça restaurativa.

Imagine a cena: um aluno ofende um colega de sala com um apelido humilhante. Pouco tempo depois, a pedido da vítima, os dois se reúnem na presença de outras pessoas (famílias, professores etc.) e, após das devidas desculpas, é feito um acordo para que o confronto não volte a acontecer. Sem mágoas. Isso é possível? Sim, além de possível tem se mostrado muito eficiente através da implementação da justiça restaurativa nas escolas, entre estudantes e entre os mesmos e os respectivos quadros executivos e administrativos.

As práticas restaurativas nas escolas são centradas não em respostas repressoras e punitivas, mas numa forma reconstrutiva das relações e preparativas de um futuro convívio respeitoso. Os processos restaurativos (mediação, conferências familiares ou círculos) proporcionam a vítima e o agressor, e outros interessados no caso (v.g. familiares, amigos, comunidade escolar), a oportunidade de se reunirem, exporem os fatos, falarem sobre os motivos e consequências do ato, ouvirem o outro, visando identificar as necessidades e obrigações de ambos. A vítima pode dizer que a atitude a incomoda e ele está mal com isso. O agressor entende o que ocorreu, conscientiza-se dos danos que causou a(s) vítima(s) e assume a responsabilidade por sua conduta, reparando o dano e demonstrando como pode melhorar. Em seguida, firma-se, então, um compromisso. Em muitos casos é possível o arrependimento, a confissão, o perdão e a reconciliação entre as partes. O encontro é acompanhado por um facilitador capacitado para esta prática (v.g. professor, aluno, assistente social, psicólogo), que tem como objetivo ajudar as partes a se entenderem, refletirem e chegarem a uma solução para o caso. Enfim, com a justiça restaurativa, escolas aprendem que, em vez de punir, é melhor dialogar para resolver os conflitos.

No Brasil, embora o bullying tenha despertado atenção crescente, ainda são raras as iniciativas e políticas anti-bullying. Para se combater o bullying é necessário que a sociedade (especialmente a comunidade escolar e os pais) reconheça que o bullying existe, é danoso e não pode ser admitido. Todos devem se envolver no problema e, em conjunto, buscarem soluções preventivas e resolutivas para o combate do fenômeno. Uma destas soluções, válidas e eficazes, é a implementação, em todas as escolas, de programas de justiça restaurativa.

Por fim, junte-se a nós e diga não ao bullying!

Bibliografia

DEVOE, Jill F; KAFFENBERGER, Sarah. Student Re ports of Bullying: Results From the 2001 School Crime Supplement to the National Crime Victimization Survey. Statistical Analysis Report. U.S. Department of Education, National Center for Education Statistics. Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 2005.

ESCOREL, Soraya Soares da Nóbrega; BARROS, Ellen Emanuelle de França. Bullying não é brincadeira. João Pessoa/PB: Gráfica JB, 2008. 21p.

FANTE, Cleo. Bullying Escolar: a prevenção começa pelo conhecimento. Jornal Jovem, setembro 2008, n. 11. Disponível em: <http://www.jornaljovem.com.br/edicao11/convidado02.php>. Acesso em: 2 outubro 2008.

MONTEIRO, Lauro. O que todos precisam saber sobre o bullying. Jornal Jovem, setembro 2008, n. 11. Disponível em: <http://www.jornaljovem.com.br/edicao11/convidado03.php>. Acesso em: 2 outubro 2008.

NETO, Aramis Lopes. Bullying – Comportamento Agressivo Entre Estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, vol. 81, 5 edição, Ed. Porto Alegre – nov. 2005, p. S164-S172. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-75572005000700006&script=sci_arttext>. Acesso em: 15 novembro 2009.

PRUDENTE, Neemias Moretti. Justiça Restaurativa em Debate. Revista IOB de Direito Penal e Processo Penal, Porto Alegre, vol. 8, n. 47, dez./jan. 2008, p. 203-216.

THOMAS, Milene Ferrazza. TIRANIA - Combatendo o ‘bullying’ escolar, Folha de Londrina. Disponível em: <http://www.bonde.com.br/folha/folhad.php?id=29336LINKCHMdt=20080422>. Acesso em: 22 abril 2008.

Sites:

http://www.bullying.pro.br;

http://www.observatoriodainfancia.com.br.

http://www.bullying.com.br.

NOTAS

(1) Cf. MONTEIRO, Lauro. O que todos precisam saber sobre o bullying. Jornal Jovem, setembro 2008, n. 11. Disponível em: <http://www.jornaljovem.com.br/edicao11/convidado03.php>. Acesso em: 2 outubro 2008.

(2) Idem.

(3) NETO, Aramis Lopes. Bullying – Comportamento Agressivo Entre Estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, vol. 81, 5 edição, Ed. Porto Alegre – nov. 2005, p. S164-S172. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-75572005000700006&script=sci_arttext>. Acesso em: 15 novembro 2009.

(4) Cf. OLWEUS, Dan apud DEVOE, Jill F; KAFFENBERGER, Sarah. Student Reports of Bullying: Results From the 2001 School Crime Supplement to the National Crime Victimization Survey. Statistical Analysis Report. U.S. Department of Education, National Center for Education Statistics. Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 2005, p. 1.

(5) Cf. MONTEIRO, Lauro. Op. Cit., 2008.

(6) Cf. FANTE, Cleo. Bullying Escolar: a prevenção começa pelo conhecimento. Jornal Jovem, setembro 2008, n. 11. Disponível em: <http://www.jornaljovem.com.br/edicao11/convidado02.php>. Acesso em: 2 outubro 2008; MONTEIRO, Lauro. O que todos precisam saber sobre o bullying, 2008.

(7) Cf. THOMAS, Milene Ferrazza. TIRANIA - Combatendo o ‘bullying’ escolar, Folha de Londrina. Disponível em: <http://www.bonde.com.br/folha/folhad.php?id=29336LINKCHMdt=20080422>. Acesso em: 22 abril 2008.

(8) Cf. ESCOREL, Soraya Soares da Nóbrega; BARROS, Ellen Emanuelle de França. Bullying não é brincadeira. João Pessoa/PB: Gráfica JB, 2008, p. 8, 12-14; MONTEIRO, Lauro. Op. Cit., 2008.

(9) Inclusive, numa pesquisa feita na Europa, que acompanhou jovens que, entre 12 a 16 anos, eram agressores, verificou que até os 24 anos, 60% deles tinham pelo menos, uma acusação criminal (FELIZARDO, Mário. O Fenômeno Bullying. Disponível em: <http://www.diganaoaobullying.com.br/biblioteca/artigo_mario.pdf>. Acesso em: 27 outubro 2009).

(10) Cf. ESCOREL, Soraya Soares da Nóbrega; BARROS, Ellen Emanuelle de França. Op. Cit., 2008, p. 13.

(11) UM milhão de crianças sofrem violência escolar por dia. Disponível em: < http://www.plan.org.br/noticias/conteudo/um_milhao_de_criancas_sofrem_violencia_escolar_por_dia-204.html>. Acesso em: 7 outubro 2008.

(12) Escola é dominada por preconceitos, revela pesquisa. O Estado de São Paulo, 18 de junho de 2009. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090618/not_imp389064,0.php>. Acesso em: 02 novembro 2009.

Alexandre Morais da Rosa
Doutor em Direito.
Professor do Programa de Mestrado/Doutorado da UNIVALI.
Juiz de Direito.

Neemias Moretti Prudente
Professor de Direito Penal e Processo Penal (UNERJ/PUC-SC).
Mestre em Direito Penal (UNIMEP/SP).
Especialista em Direito Penal e Criminologia (ICPC/UFPR).
Membro fundador e conselheiro do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa (IBJR).

Livro novo Valerio Mazzuoli - Recomendo

Queridos amigos,

Saiu esta semana (finalmente) a publicação da minha tese doutoral (UFRGS, 2008) pela Editora Saraiva. Nela propomos que as soluções de antinomias entre o direito internacional dos direitos humanos e o direito interno deve ser alcançada pela convivência das fontes de proteção, em vez da exclusão de uma pela outra, como ocorre num sistema intransigente (afastameto dos critérios tradicionais de solução de antinomias pela aplicação do "diálogo das fontes" e princípio internacional pro homine).


Tratados Internacionais de Direitos Humanos e Direito Interno
Editora: Saraiva

21/02/2010

STF - 44 11.343


Do conjur

Supremo dá liberdade a dois acusados de tráfico

O ministro Cezar Peluso, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, concedeu liberdade a dois homens que haviam sido presos em flagrante por traficar 32 quilos de maconha. O ministro afirmou que a 2ª Turma do STF, da qual ele faz parte, não aceita mais o artigo 44 da Lei de Tóxicos (Lei 11.343/2006) como justificativa suficiente para manter alguém preso. O artigo classifica o tráfico de drogas como crime inafiançável e insuscetível de liberdade provisória.

“Tal determinação é expressiva de afronta aos princípios da presunção da inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana”, disse. Peluso também afirmou que o juiz de primeiro grau, ao prestar informações sobre a demora do julgamento - os acusados estão presos desde outubro de 2008 -, não rebateu os argumentos da defesa de que houve notificação incompleta dos acusados.

Além disso, o ministro considerou o fato de um terceiro acusado pelo mesmo crime ter conseguido Habeas Corpus por conta do excesso de prazo. Nesse ponto, aplicou o artigo 580 do Código de Processo Penal, que diz: “No caso de concurso de agentes a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros”.

O Superior Tribunal de Justiça já havia negado HC aos acusados. O tribunal fundamentou a prisão cautelar na garantia da ordem pública, levando em conta a grande quantidade de maconha apreendida. O STJ também se baseou no artigo 44 da Lei de Tóxicos. O argumento da defesa de demora excessiva da justiça estadual para começar o julgamento de mérito foi rejeitado pelo STJ. Segundo os ministros, a demora é justificável devido à complexidade do caso, além da quantidade de acusados, que, na época, eram três, e a necessidade de expedição de cartas precatórias. Com informações da Assessoria de Imprensa do Supremo Tribunal Federal.

HC 101.272

19/02/2010

CP, 213 - Estupro - STJ. E agora José?

A notícia ao lado refere-se
aos seguintes processos:
18/02/2010 - 08h06
DECISÃO
Após mudança no CP, estupro e atentado violento ao pudor contra mesma vítima em um mesmo contexto são crime único

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu como crime único as condutas de estupro e atentado violento ao pudor realizadas contra uma mesma vítima, na mesma circunstância. Dessa forma, a Turma anulou a sentença condenatória no que se refere à dosimetria da pena, determinando que nova reprimenda seja fixada pelo juiz das execuções.
No caso, o agressor foi denunciado porque, em 31/8/1999, teria constrangido, mediante grave ameaça, certa pessoa às práticas de conjunção carnal e coito anal. Condenado à pena de oito anos e oito meses de reclusão, a ser cumprida, inicialmente, no regime fechado, a pena foi fixada, para cada um dos delitos, em seis anos e seis meses de reclusão, diminuída em um terço em razão da sua semi-imputabilidade.

No STJ, a defesa pediu o reconhecimento do crime continuado entre as condutas de estupro e atentado violento ao pudor, com o consequente redimensionamento das penas.

Ao votar, o relator, ministro Og Fernandes, destacou que, antes das inovações trazidas pela Lei n. 12.015/09, havia fértil discussão acerca da possibilidade, ou não, de se reconhecer a existência de crime continuado entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor.

Segundo o ministro, para uns, por serem crimes de espécies diferentes, descaberia falar em continuidade delitiva. A outra corrente defendia ser possível o reconhecimento do crime continuado quando o ato libidinoso constituísse preparação à prática do delito de estupro, por caracterizar o chamado prelúdio do coito.

“A questão, tenho eu, foi sensivelmente abalada com a nova redação dada à Lei Penal no título referente aos hoje denominados ‘Crimes contra a Dignidade Sexual’. Tenho que o embate antes existente perdeu sentido. Digo isso porque agora não há mais crimes de espécies diferentes. Mais que isso. Agora o crime é único”, afirmou o ministro.

Ele destacou que, com a nova lei, houve a revogação do artigo 214 do Código Penal, passando as condutas ali tipificadas a fazer parte do artigo 213 – que trata do crime de estupro. Em razão disso, quando forem praticados, num mesmo contexto, contra a mesma vítima, atos que caracterizariam estupro e atentado violento ao pudor, não mais se falaria em concurso material ou crime continuado, mas, sim, em crime único.

O relator ainda destacou que caberia ao magistrado, ao aplicar a pena, estabelecer, com base nas diretrizes do artigo 59 do Código Penal, reprimendas diferentes a agentes que pratiquem mais de um ato libidinoso.

Para o relator, no caso, aplicando-se retroativamente a lei mais favorável, o apenamento referente ao atentado violento ao pudor não há de subsistir. Isso porque o réu foi condenado pela prática de estupro e atentado violento ao pudor por ter praticado, respectivamente, conjunção carnal e coito anal dentro do mesmo contexto, com a mesma vítima.

Quanto à dosimetria da pena, o ministro Og Fernandes entendeu que o processo deve ser devolvido ao juiz das execuções. “A meu juízo, haveria um inconveniente na definição da sanção por esta Corte. É que, em caso de eventual irresignação por parte do acusado, outro caminho não lhe sobraria a não ser dirigir-se ao Supremo Tribunal. Ser-lhe-ia tolhido o acesso à rediscussão nas instâncias ordinárias. Estar-se-ia, assim, a suprimir graus de jurisdição”, afirmou o ministro.


Blog Felipe Pereirinha

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Fazer-se olhar

O que aconteceu à deflação da palavra (já ninguém dá a sua palavra) no nosso tempo? Proponho: a inflação do olhar. Vivemos numa "civilização do olhar" (Gérard Wajcman)

Tudo devém objecto de "olhar" desde o mais íntimo e privado até ao mais público: a videovigilância, a imagiologia cerebral, a tele-realidade...

Inumeráveis dispositivos que visam tornar-nos completamente visíveis e transparentes. E cada um de nós participa activamente, festivamente, nessa desocultação da face e da alma.

A ciência e a técnica fabricam novos deuses omnividentes (após a "morte de Deus"), um novo Argos dotado de milhões de olhos que nunca dormem. Outrora, apenas os criminosos eram objecto de vigilância, hoje somos todos.

O "olhar global" infiltra cada pedacinho da nossa existência, do nascimento à morte. Novas ferramentas são criadas todos os dias para que cada um saiba o que todos os outros andam a fazer: facebook, twitter, buzz, etc., etc.etc. Tudo visível, tudo registável.

Se ver é uma arma de poder, então cada um de nós participa neste novo poder do "olho absoluto". Uma nova ideologia do "hipervisível".

Como resistir a tal uma omnivisão se cada um de nós é cada vez mais sujeito, como diria Étienne de La Boétie, a uma "servidão voluntária"?

11.2.10

Quem é Michel Onfray?

Um filósofo contemporâneo. Vivo. Jovem. Tem apenas 51 anos, salvo erro. É talvez um dos filósofos mais lidos de França, um país onde ainda se lê...filosofia. Há mesmo revistas de filosofia que se vendem em quiosques. Procurei por todo o lado, em Portugal, mais concretamente em Lisboa, em busca de uma delas (Philosophie Magazine) e só encontrei Playboy, Maxmen e outras que tais em grandes quantidades. Não está mal... e tem, aliás, algo a ver com este filósofo jovem, hedonista, libertário e defensor de um "erotismo solar".

Confesso que esta personagem me é de alguma forma simpática. Habituado a um país de "fado" e "fadistas" (de fatalistas de toda a laia), cantando a eterna ladainha do sofrimento, do ressentimento, da vitimização - tudo nos serve para chorar, lamentar e descrer de nós -, do "sacrifício" (agora erigido, por alguns políticos, em nova religião nacional), é bom saber que há alguém que se propõe afirmar a vida (à maneira de Nietzsche), "desteologizar" e "descristianizar" a existência (no que ela tem de paixão pelo "valor" do sofrimento) e de empreender uma crítica a toda a "razão dietética"...

Além disso, para o bem ou para o mal, ele teve de "esculpir-se" a si próprio, não herdando (quase) nada para além de uma história que parecia ter todos os condimentos para não não dar certo (tal a série de abandonos sucessivos: a avó que abandona a mãe, a mãe que o abandona a ele...num orfanato dirigido por padres salesianos, onde viveu, ou "morreu", segundo conta, quatro anos de Inferno)...

Apesar disso - quem o diz é o próprio - a filosofia salvou-o, permitindo-lhe viver. A filosofia que recupera aqui o sua vertente prática "terapêutica", como meio para viver...melhor, antes de se transformar numa especulação demasiadamente abstracta.

É por isso que Michel Onfray se propõe recuperar muitos dos filósofos "abandonados" pela história oficial da filosofia, propondo uma "contra-filosofia" (Cf. La Puissance d'exister, Grasset, 2006). Uma filosofia do avesso, por assim dizer. Levantando do chão, como diria Saramago, todos aqueles que a tradição filosófica (de Platão a Heidegger) deixou cair.

Para isso, criou sozinho uma Universidade Popular: livre, aberta a todos, sem burocracias (ai de nós, atolados cada vez mais em normas, legislações, avaliações...), sem elitismos balofos, movida tão pelo pelo "gosto" (também no sentido culinário do termo, ele que escreveu um livro que se chama: "A razão gulosa - filosofia do gosto"); enfim, um lugar onde reina o prazer e a descontracção. É isso possível? Michel Onfray mostrou, ao longo de mais de dez anos, que (pelo menos em França) é ainda possível.

Por fim, dá gosto ler um autor que escreve muito (mais de trinta livros em poucos anos), mas sempre com uma agilidade, uma frescura assinaláveis. Dá vontade de ler, de voltar a ler.

Pois bem, este filósofo propôs-se recentemente, no curso da sua Universidade Popular, tomar Freud como o seu inimigo e desmontar as suas ideias. Confesso que fiquei algo desiludido ao ler alguns dos argumentos que ele desfiou na seu debate com o psicanalista Jacques-Alain Miller: dizer que Freud era "cocainómano", por exemplo, não tem novidade e é irrelevante; além disso, Freud não esperou que viessem os críticos denunciar os seus "erros", pois ele foi o primeiro a reconhecer grande parte deles.

Já sou mais sensível à denúncia de um certo pessimismo (alicerçado, por exemplo, na "Pulsão de morte") que parece emanar da obra de Freud. Como se a cultura do "sofrimento" (o "cristianismo" do sofrimento) continuasse a laborar, por outros meios, na teoria e na prática freudianas. Desse ponto de vista, ante o projecto de "descristianização" da vida e da existência, não deixa de haver aqui uma certa coerência.

Mas tudo isto em nome de quê?

Não pude deixar de estremecer ao ler a seguinte frase no seu livro "La puissance d'exister": "(...) a conclusão impõe-se: nós somos o nosso cérebro" (p. 239). Mais arrepiado fiquei quando percebi que ele era, finalmente, um dos adeptos do Livro Negro da Psicanálise (Éditions les Arènes), apesar de não estar de acordo com muitas coisas que aí se diziam.

Será este o desfecho de uma filosofia que se pretende libertária, hedonista, descristianizada: a rasura da "singularidade" em nome dos novos imperativos generalistas, uniformizadores? A ser assim, como dizia Clotilde Leguil numa "Carta aberta a Michel Onfray" (Le Nouvel Âne, nº 10, pp. 36-39): "a psicanálise - essa mesma que Freud inventou - não se tornará jamais a regra, visto que, por natureza, ela é feita para convidar cada um a não renunciar a ser uma excepção

Forum des Psy

Forum des Psy sobre la evaluación
Domingo 7 febrero 2010
De 10.00 a 19.00
Gran Mitin en la Mutualité
24, rue Saint-Victor – París 5
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EVALUAR MATA

Programa

Bernard-Henry Lèvy: Apertura

Agnès Aflalo: La cifra mortal

Eric Laurent: Nuevos semblantes de la evaluación

Cómo los afables “empujones” y las brutales obligaciones contribuyen a la muerte subjetiva

Cyntia Fleury: Conciencia y ciencia panóptica

O cómo obligar al individuo a una doble elección: estar muerto/ser criminal

Roland Gori: La evaluación: un dispositivo de servidumbre voluntaria.

Las prácticas de la evaluación en la Universidad constituyen nuevos dispositivos de servidumbre voluntaria que participan del arte neoliberal de gobierno de los individuos y de las poblaciones. Para llegar hasta ahí, el Poder con fiebre de evaluación, ha debido, insidiosa y progresivamente, cambiar la significación de esa noción concebida como una extensión social de la norma gerencial en los sectores de la vida social que hasta ahora eran respetados.

Bernard-Henry Lèvy: Una cultura de muerte

Jean-Claude Milner: El retorno del trabajador ideal

El capitalismo supone un trabajador ideal. Es decir, un ser hablante del que no se espera sino una sola cosa: que ponga al trabajo su saber-hacer. Evaluar es verificar que el sujeto funciona lo más cercano posible de su reducción sistémica: un saber que no piensa, que no calcula, que no enjuici, pero que sí trabaja. La verificación será tan concluyente como aleatorios, infundados y sin recurso posible sean los criterios. La posibilidad de la desesperanza no está incluida en el dibujo. La mortalidad tampoco.

Yves-Charles Zarka: La evaluación: ¡tribunal de inquisición!

Tengo la intención de mostrar que la evaluación es una forma secularizada de los tribunales medievales de la Inquisición. Es una máquina de vigilancia, persecución, de represión, y de matar, pero también una máquina de encuesta, de escrutinio, de establecimiento de pruebas supuestas, y todo ello con vistas a dar un juicio sin recurso posible. Es un tribunal sin ninguna garantía de apelación para todos los desprevenidos virtuales, es decir, para todos aquellos que no se benefician de la protección del poder. Y la religión ha cambiado: la evaluación es el instrumento de la nueva religión gerencialista.

Mathias Gokalp: La evaluación y el cómico en la empresa

Fuentes documentales y reflexión a propósito de la película “Nada personal”.

Margaret Moreau: Vínculos entre Evaluación, Lean et MTM (Métodos de Medida del Tiempo)

Experiencia adquirida por un médico del trabajo en grandes empresas francesas.

Carole D. La Sagna: Educación terapéutica y buen trato, las dos palabras calves de la HAS

François Ansermet: Contra los veredictos del futuro

La evaluación tiene hoy día una vocación predictiva que reglaría el futuro a partir de certezas segregativas que, siguiendo una lógica mortífera, fija un destino. Frente a ella y en contrapunto, el psicoanálisis lucha por mantener el acceso a lo inesperado.

Clotilde Leguil: Contra el diluvio de la evaluación, retorno a Freud.

La consigna de Lacan de un retorno a Freud toma un sentido nuevo en el siglo XXI, porque tenemos que luchar contra la evaluación en tanto nueva ideología de una racionalidad técnica desengañada que toma sus dogmas de la religión de la cuantificación, contra cualquier deseo de cultura. En estos primeros compases del año 2010 la obra de Freud, en tanto de dominio público, debe poder ser el lugar desde el que puede entablarse una nueva lucha por la civilización.

Guy Briole: La sociedad de los Mortícolas realizada

En el país de los Mortícolas o bien uno es médico o uno es enfermo. La casta médica decide el sitio de cada uno en una sociedad redistribuída por la evaluación. Autista, hiperactivo, asocial, suicida, toxicómano, inadaptado, inmigrante que reivindica, consumidor excesivo, parado deprimido, Alzheimer: la sociedad de la evaluación médica tiene una respuesta, un protocolo aplicable a todas las etapas y circunstancias de la vida. El médico moderno (evaluador-evaluado) colabora porque está convencido de que ¡esa es su responsabilidad moral! La evaluación médica mata al sujeto; a un sujeto que grita ante el bisturí pero al que el médico no quiere ni oír porque está muy ocupado sirviendo al poder.

Jean-Pierre Deffieux: Crónicas de la acreditación

Traducción de Jesús Ambel (from JJ 89)




UFSC - Ildemar Egger

Valeu conferir o trabalho sério.

Filmagem da entrevista realizada junto a RBS/TV no programa Bom dia Santa Catarina:


http://www.youtube.com/watch?v=vyxemKPVZCc

18/02/2010

Noga Sklar - Entrevista no Digestivo cultural

CLIQUE AQUI

Sexta-feira, 19/2/2010
Noga Sklar
Julio Daio Borges

Noga Sklar – arquiteta, turma de 76 da Santa Úrsula – é vanguardista, desde os anos 80, quando participou da criação da Polén Design, do bar Graal e do SubClube (todos no Rio de Janeiro). Trabalhou com Ron Arad em Londres, ainda nessa década, e começou a escrever no final dos anos 90.

Depois de conhecer seu marido através da internet, lançar um
blog, um romance e um livro de crônicas (todos nos anos 2000), fundou, com ele, aKindleBookBr – a primeira conversion house do Brasil, especializada no formato da Amazon.

Nesta Entrevista, Noga Sklar fala das vantagens de se publicar em formato eletrônico. Também do que considera o “presente” (e, não, o futuro) do escritor. Revela que recebe mais em direitos autorais hoje do que antes recebia. E prevê grandes transformações nas edições em papel, nas editoras “pré-Kindle” e mesmo nas livrarias... – JDB


1. Eu descobri, pela internet, que você esteve na vanguarda, desde os anos 80, no Rio... – acha que o espírito vanguardista pode ter te levado ao Kindle?

Foi mais o que há por trás de um “espírito vanguardista”, eu acho: a inquietação, a curiosidade e a disposição de ralar, desvendar a novidade. E, no caso do Kindle, algo mais precioso: milhares de livros ali, na hora, bem ao alcance da mão, por um preço acessível e sem sair da minha casa no mato...

2. Como é ter a primeira editora 100% digital no Brasil? Muita gente ainda não acredita que o livro eletrônico já existe?

Há um preço por se estar na frente: é preciso convencer muitas pessoas de que o que a gente faz não é só criativo e competente, mas necessário, essencial à sobrevivência profissional do cliente (risos).

O que me lembra como foi optar por trabalhar em casa, há 20 anos: todo mundo acreditava que eu estava “desempregada” e eu só produzindo, confortável e desencanada.

Mas foi o “100% digital” da sua pergunta que me possibilitou a realização de um sonho antigo: dar à luz (no caso, à tela) livros de qualidade, desde a capa até a impecabilidade do texto – começando pelos meus, claro –, e poder colocá-los no mercado em igualdade de condições com as grandes editoras. Tudo isso... através do computador – imagine –, podendo estar ativa 24 horas por dia (se for preciso), permanentemente em contato com clientes e colaboradores...

3. O editor do Verdes Trigos – com quem a sua editora KindleBookBr tem uma parceria – me contou que seus livros vendem mais eletronicamente do que em papel, é verdade?

É verdade, sim. Veja: como autora, eu sempre lutei contra a maré. Há quem diga que a minha postura literária – absolutamente aberta, transparente e confessional – é uma ameaça à sanidade nacional... E, embora de livro em livro eu venha paulatinamente subindo no ranking, nunca me encaixei de fato nas regras do “comercial”, nem tive a distribuição que merecia (que qualquer bom autor mereceria também)... Mas, na Kindle Store, a história é outra. Só de estar lá você tem à disposição o melhor esquema de marketing on-line de que se tem notícia, e encontrar seu leitor só depende de você, do seu carisma, da sua simpatia: é aí que a coisa pega, não é? (Brincadeira.) E depende do seu apelo literário, claro. Você pode pegar qualquer leitor pelo interesse da “amostra grátis”, e nem precisa ter um Kindle para se ler um Kindle book: qualquer um pode baixar o software no seu PC (é grátis), ou no iPhone, iPod etc.

E do clique à compra é um pulo: quer dizer, um mero toque, esteja você onde estiver, na praia, no bar, no trabalho, no trânsito engarrafado, na sala de espera do cinema, no banheiro da sua casa, sabe como é...

E o fato é que, como blogueira, me sinto à vontade no mundo on-line – põe aí uma ênfase na palavra “mundo”, pois é isso mesmo: estando on-line você está no mundo, livre de todas as amarras territoriais (bem, de quase todas) – e, no meio eletrônico, estou no meu elemento, entende? Sei como a coisa funciona e, além do mais, agora a gente ficou livre do atravessador, ops, distribuidor...!

4. Você me disse, pelo telefone, que não leu mais nenhum livro em papel depois do Kindle. Não tem medo de ser chamada de “xiita”, pelos defensores do tato, do paladar, do olfato?

Mas eu sou xiita ao contrário! Como vou me aborrecer? Eles, que são dinossauros, que se entendam, não? E, cá entre nós, não estou interessada em comer, tocar ou cheirar livros, mas na leitura do que eles contêm... Aliás, uma questão de gosto, de paladar mais apurado (risos).

5. Achei interessante você chamar a “ficção autobiográfica” de “estilo contemporâneo”, no seu CV. Acredita que é um tipo de “ficção” quase natural hoje em dia (digo, numa época em que as pessoas estão se expondo mais)?

Julio, vou ser curta e grossa: literatura não é jamais “natural”. É sempre trabalhada, cuidadosamente elaborada, uma arte. Não acredite em nada diferente disso. Agora: a experiência vivida foi desde sempre a melhor, mais confiável fonte de assunto para bons livros, só que antes ninguém confessava isso (pronto, confessei). Contemporânea é a postura mais transparente, mais exposta, como você disse. Adoro, porque sempre fui assim...

6. Eu fiquei interessado na história sua e do seu marido, norte-americano – vocês se conheceram através da internet etc. No início, era vergonhoso; depois, virou “normal”; agora, é literatura?

Acho que já respondi na pergunta anterior. Modéstia à parte, a literatura está no talento de quem escreve, e, quanto mais vergonhoso o relato, melhor, não? Eu disse vergonhoso, não “envergonhado”. Olha aí, um exemplo: embora o dicionário afirme que sejam uma mesma coisa (o amor nunca é vergonhoso, só envergonhado, às vezes – e é isso que atrapalha tudo...).

Mas é bem verdade que o treino intensivo da comunicação “por escrito”, praticado na internet por quase todo mundo hoje (até para namorar), é um bom “primeiro passo” para quem já leva jeito. Ou nasceu com o desejo da escrita, coitado (mas aí já virei clichê, não é mesmo?). Escrever é um vício; uma delícia. Quase tão bom quanto se sentir vivo.

7. Você editou suas crônicas em livro, no Kindle. Tendo passado, nesse intervalo, pelo blog. Acredita que o futuro do escritor é misturar – como você – jornalismo, internet e livro eletrônico?

Aí você misturou tudo, vamos separar.

O jornalismo é uma praia diferente, tem aquele compromisso formal com a realidade, embora hoje em dia, a gente sabe, muita coisa que se publica não tem um dedo de verdade, o que é uma pena, polui e corrompe a internet, que é apenas um meio, não uma mensagem.

Já o blog é um caderno de testes e anotações do jeito que sempre existiu, só que agora público, prático, interativo e aberto para palpites. O que não exclui o trabalho extenso para transformá-lo em livro, através da seleção de textos, das habituais centenas de releituras e dos cortes que delas resultam: apenas o enriquece, dá uma nova dimensão e uma boa mãozinha na divulgação.

O livro eletrônico, por outro lado, facilita bastante o acesso do autor a seu público leitor, por questões de custo, agilidade, disponibilidade, etc. Nada disso exclui o editor, mas amplia, democratiza o processo de publicar e diminui o risco financeiro de fracassar, o que para ambos, autor e editor, é um alívio, eu acho. Dá mais vontade de arriscar.

Isso tudo, aliás, não é, como você disse, o futuro do escritor: é o presente.

8. O que acha que vai acontecer com as editoras de livros de papel?

Vão continuar a ser editoras de livros: todo escritor precisa de editor. Mas pode cortar o “de papel”, isto é, vão ter que se adaptar para sobreviver, ampliar sua visão e eliminar o apego a formatos.

O processo de edição continua igual, com a mesma atenção dispensada ao enredo, à revisão, à originalidade, etc. Só o output é que é diferente: em vez de mandar o livro pronto para a gráfica, basta enviá-lo por e-mail para aagência de conversão, um novo tipo de empresa especializada que responde à constante necessidade de atualização do mercado editorial.

É claro que haverá, neste momento, um importante investimento inicial para converter os catálogos existentes: a KindleBookBr está aí pra isso.

Já “risco de vida”, em curto prazo, correm as gráficas e os distribuidores: o livro de papel, embora eu não acredite que tão cedo desapareça como querem os mais radicais, vai virar raridade, com certeza. Outra coisa condenada à extinção é o estoque físico. Todo livro impresso o será “sob demanda”, só depois de comprado e pago, conferido na tela e a pedido do cliente, isto é, do leitor.

9. E as livrarias, o que você acha que vai acontecer com elas?

Vão se adaptar também, né? Tendem a virar pontos de encontro, locais de palestras, festas de lançamento de livros (mas, peraí, o autor vai assinar o quê?), debates literários, essas coisas: sua sobrevivência diária vai depender diretamente da qualidade do cafezinho (risos).

Ou da impressora instalada in loco para a imediata produção, a pedidos, do objeto livro: um item caro, raro, precioso e tradicional (digno de museu). E para isso, sejamos francos: basta um quiosque num corredor de shopping, não é mesmo?

10. O livro eletrônico pode ser a volta da remuneração de quem escreve (que se viu desvalorizado depois que a internet tornou quase tudo “grátis”)?

Tô esperando que sim, e faz tempo, cansei de dar de graça, se é que você me entende. Já estou louca para disponibilizar meu blog de crônicas no Kindle, por exemplo, só para assinantes, mas bem baratinho, claro: um real por cabeça todo mês (multiplicado pelas 577 mil visitas mensais do Digestivo, faz a conta aí)...

E já que tocamos no delicado (e vergonhoso) assunto do dinheiro, compare os 35% de royalties pagos mensalmente ao autor pela Amazon com os magros 7 ou 8% pagos pelas editoras tradicionais (duas vezes por ano).

Nós, na KindleBookBr, fazemos jogo limpo, transparente, contemporâneo: cobramos pelos serviços de edição e conversão, mas repassamos osroyalties integralmente.

E é justamente na remuneração ao autor que está a grande revolução do livro digital, já anunciada no mês passado pela Amazon (para se defender da feroz concorrência e da pressão dos preços): a partir de junho deste ano, os direitos na Kindle Store engordarão para 70%, imagine. E nós, da KindleBookBr, continuaremos repassando tudo, como sempre – fazemos questão.

Longa vida ao autor, o verdadeiro e justo destinatário, de fato e de direito, do tão suado lucro literário – é no que acreditamos.

Para ir além
KindleBookBr


Julio Daio Borges
São Paulo, 19/2/2010

Evento Aracajú


No período de 11 a 13 de março de 2010, no Teatro Tobias Barreto, acontecerá o I CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO PROCESSUAL EM ARACAJU, promovido pela Escola Sergipana de Direito - ESD, com o apoio institucional do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, do Tribunal Regional Eleitoral e do Tribunal Regional do Trabalho, além das Faculdades Estácio-FASE e FANESE, e o patrocínio do Governo do Estado e da Editora e Livraria Lumen Juris.
Já estão confirmadas as presenças dos seguintes palestrantes: Alexandre de Freitas Câmara (RJ), Alexandre Morais da Rosa (SC), Marco Aurélio Buzzi (SC), Eugênio Pacelli de Oliveira(DF), Min. Luiz Fux (RJ), Min. João Otávio de Noronha (MG), Min. Eliana Calmon (BA), Cezar Britto (SE), Misael Montenegro (PE), Evânio Moura (SE), Flávia Pessoa (SE), José Anselmo de Oliveira (SE) e Pedro Durão (SE).
As inscrições podem ser feitas através do site www.congressoprocessualaju.com.br


17/02/2010

Vladimir Safatle - Do uso da violência contra o Estado Ilegal

Do uso da violência contra o Estado ilegal
Por Vladimir Safatle

Nenhum país conseguiu consolidar a democracia sem acertar contas com os crimes de seu passado

A meu pai


"Quem controla o passado, controla o futuro"
George Orwell, "1984"


Os fascistas fizeram de Auschwitz o paradigma da catástrofe social. Contra ele, o século XX cunhou o imperativo “fazer com que Auschwitz nunca mais ocorra”. Mas talvez não seja supérfluo perguntar, mais uma vez: o que exatamente aconteceu em Auschwitz que sela este nome com o selo do que nunca mais pode retornar?

É verdade que, diante da monstruosidade do acontecimento, colocar novamente uma questão desta natureza pode parecer algo absolutamente desnecessário. Pois, afinal, sabemos bem o que aconteceu em Auschwitz, acontecimento que sela este nome com a marca do nunca visto. Todos conhecem a resposta padrão. Auschwitz é o nome do genocídio industrial, programado como se programa uma meta empresarial quantitativa. Ele é o nome do desejo de eliminar o inumerável de um povo com a racionalidade instrumental de um administrador de empresas.

Mas, se devemos recolocar mais uma vez esta questão é para insistir na existência de um aspecto menos lembrado da lógica em operação nos campos de concentração. Até porque, infelizmente, a história conhece a recorrência macabra de genocídios. Começo com este ponto apenas para dizer que é bem provável que a dimensão realmente nova de Auschwitz esteja em outro lugar. Talvez ela não esteja apenas no desejo de eliminação, mas na articulação entre esse desejo de eliminação e o desejo sistemático de apagamento do acontecimento.

Devemos ser sensíveis ao caráter absolutamente intolerável do desejo de desaparecimento. Lembremos, neste sentido, desta frase trazida pela memória de alguns sobreviventes dos campos de concentração, frase que não terminava de sair da boca dos carrascos: “Ninguém acreditará que fizemos o que estamos fazendo. Não haverá traços nem memória”. O crime será perfeito, sem rastros, sem corpos, sem memória. Só fumaça que se esvai no ar saída das câmaras de gás. Pois o crime perfeito é aquele que não deixa cadáveres e o pior cadáver é o sofrimento que exige justiça. Valeria trazer, a este respeito, uma frase precisa de Jacques Derrida: “O que a ordem da representação tentou exterminar não foi somente milhões de vidas humanas, mas também uma exigência de justiça, e também nomes: e, primeiramente, a possibilidade de dar, de inscrever, de chamar e de lembrar o nome"1.

Foi nesse sentido que Auschwitz teve o triste destino de expor como o núcleo duro de todo totalitarismo se transforma em ação ordinária. Pois o totalitarismo não é apenas o aparato político fundado na operação de uma violência estatal que visa a eliminação de todo e qualquer setor da população que questiona a legalidade do poder, violência que visa criminalizar sistematicamente todo discurso de questionamento. Na verdade, o totalitarismo é fundado nesta violência muito mais brutal do que a eliminação física: a violência da eliminação simbólica. Assim, ele é a violência da imposição do desaparecimento do nome. No cerne de todo totalitarismo, haverá sempre a operação sistemática de retirar o nome daquele que a mim se opõe, de transformá-lo em um inominável cuja voz, cuja demanda encarnada em sua voz não será mais objeto de referência alguma.

Este inominável pode, inclusive, receber, não um nome, mas uma espécie de “designação impronunciável”, que visa isolá-lo em um isolamento sem retorno. “Subversivo”, “terrorista”. A partir desta designação aceita, nada mais falaremos do designado, pois simplesmente não seria possível falar com ele, porque ele, no fundo, nada falaria, haveria muito “fanatismo” nestes simulacros de sons e argumentos que ele chama de “fala”, haveria muito “ressentimento” em suas intenções, haveria muito “niilismo” em suas ações. Ou seja, haveria muito “nada”.

Claro está que este inominável nada tem a ver com as estratégias (tão presentes na política do século XX) de recusar o nome atual, o regime atual de nomeação, isto a fim de abrir espaço a um nome por vir2. Antes, ele é a redução daquele colocado na exterioridade à condição de um inominável sem recuperação ou retorno3.

Que a violência simbólica do desaparecimento do nome, da anulação completa dos traços seja o sintoma mais brutal do totalitarismo, eis algo que explica porque, no momento em que a experiência da democracia ateniense começava a chegar ao fim, o espírito do povo produziu uma das mais belas reflexões a respeito dos limites do poder. Ela é o verdadeiro núcleo do que podemos encontrar nesta tragédia que não cessa de nos assombrar, a saber, "Antígona"4.

Muito já se foi dito a respeito desta tragédia, em especial seu pretenso conflito entre leis da família e leis da pólis. No entanto, vale a pena lembrar como no seu seio pulsa a seguinte ideia: o Estado deixa de ter qualquer legitimidade quando mata pela segunda vez aqueles que foram mortos fisicamente, o que fica claro na imposição do interdito legal de todo e qualquer cidadão enterrar Polinices, de todo e qualquer cidadão reconhecê-lo como sujeito apesar de seus crimes.

Pois não enterrá-lo só pode significar não acolher sua memória através dos rituais fúnebres, anular os traços de sua existência, retirar seu nome. Uma sociedade que transforma tal anulação em política de Estado, como dizia Sófocles, prepara sua própria ruína, elimina sua substância moral. Não tem mais o direito de existir enquanto Estado. E é isto que acontece a Tebas: ela sela seu fim no momento em que não reconhece mais os corpos dos “inimigos do Estado” como corpos a serem velados.

É neste sentido que algo de fundamental do projeto nazista e de todo e qualquer totalitarismo alcançou sua realização plena na América do Sul. A Argentina forneceu uma das imagens mais aterradoras desta catástrofe social: o sequestro de crianças filhas de desaparecidos políticos. Porque a morte física só não basta. Faz-se necessário apagar os traços, impedir que aqueles capazes de portar a memória das vítimas nasçam. E a pior forma de impedir isto é entregando os filhos das vítimas aos carrascos.

O desaparecimento deve ser total, ele deve ser objeto de uma solução definitiva. Não são apenas os corpos que desaparecem, mas os gritos de dor que têm a força de cortar o contínuo da história. “Não haverá portadores do seu sofrimento, ninguém dele se lembrará, nada aconteceu”, são as palavras que as ditaduras sul-americanas não cansaram de repetir àqueles que elas procuraram exterminar.

No entanto, na maioria dos casos, esse desejo de desaparecimento não teve força para perdurar. Na Argentina, por exemplo, amplos setores da sociedade civil foram capazes de forçar o governo de Nestor Kirchner a anular o aparato legal que impedia a punição de torturadores da ditadura militar. A Justiça não teve medo de novamente abrir os processos contra militares e de mostrar que era possível renomear os desaparecidos, reinscrever suas histórias no interior da história do país.

Da mesma forma, no Chile, graças à mobilização mundial produzida pela prisão de Augusto Pinochet em Londres, carrascos como Manuel Contrera foram condenados à prisão perpétua. O Exército foi obrigado a emitir nota oficial em que reconheceu não se solidarizar mais com seu passado. Em uma decisão de forte significado simbólico, mesmo o soldado que assassinou o cantor Victor Jara no Estádio Nacional também será processado. Nesse sentido, o único país que realizou de maneira bem sucedida as palavras dos carrascos nazistas foi o Brasil: o país que realizou a profecia mais monstruosa e espúria de todas. A profecia da violência sem trauma.


Toda violência se equivale?

Levando em conta tais questões, trata-se neste artigo de discutir a seguinte tese, tão presente nos últimos meses nos principais meios de comunicação deste país: o esquecimento dos “excessos” do passado é o preço doloroso pago para garantir a estabilidade democrática.

Não se trata simplesmente de insistir na falsidade patente, na ausência completa de amparo histórico desta tese. Antes, trata-se de mostrar como ela, longe de ser a enunciação desapaixonada e realista daqueles que sabem defender a democracia possível, é apenas o sintoma discreto de uma profunda tendência totalitária da qual nossa sociedade nunca conseguiu se livrar. Por isto, a aceitação tácita desta tese é, na verdade, a verdadeira causa do caráter deformado e bloqueado de nossa democracia. Assim como em Tebas, ela será o início da nossa ruína.

Antes de discuti-la, vale a pena, no entanto, dar às palavras seu verdadeiro lugar. Ao invés de falar do “esquecimento dos excessos do passado”, talvez seja o caso de falar em “amnésia sistemática em relação a crimes de um Estado ilegal”. Certamente, tal formulação não será aceita imediatamente por todos. Pois os defensores, brandos, amedrontados ou ferrenhos do Partido da Amnésia costumam utilizar dois argumentos, de acordo com a conveniência do momento.

Primeiro: “Não houve, no Brasil, tortura e assassinato como política sistemática de segurança de Estado; logo, não houve crime”. Alguns, como o coronel Carlos Alberto Brilhate Ustra, em processo impetrado contra ele pela família Teles, declaram aos autos que simplesmente nunca torturaram, que tudo isto é uma invenção de ressentidos esquerdistas. Os casos isolados de tortura e assassinato (se houver, já que ninguém até hoje foi obrigado pela Justiça a reconhecê-los perante os tribunais) teriam sido casos que ocorreram sem o consentimento do comando militar que dirigia o país. São casos a respeito dos quais o Estado brasileiro não poderia ser responsabilizado.

No entanto, se lembrarmos que há farta documentação internacional a respeito da participação do governo brasileiro na montagem da Operação Condor, aparato responsável pelo assassinato de opositores aos regimes militares sul-americanos, documentação que mereceria ao menos uma investigação séria, nada disto será ouvido.

Da mesma forma, de nada adianta lembrar que, pela primeira vez na história, ex-presidentes da República brasileira (como João Baptista Figueiredo) estão sendo julgados em processo referente a crimes contra a humanidade que tramita atualmente na Itália5, que torturadores internacionais declarados (como o general francês Paul Aussaresses) já disseram ter estado no Brasil à época para “treinamento militar”, que um ex-espião do serviço secreto uruguaio declarou ter envenenado um ex-presidente brasileiro (João Goulart) dando detalhes assustadores.

De nada adianta porque, como diziam os partidários de Pinochet à ocasião de sua prisão na Inglaterra, tudo isto é um complô internacional de esquerdistas. Os mesmos esquerdistas que possivelmente inventariam histórias horrendas sobre tortura, talvez a fim de simplesmente receber indenizações compensatórias.

Mas é interessante perceber como o primeiro argumento (“não houve, no Brasil, tortura e assassinato como política sistemática de segurança de Estado”) é enunciado ao mesmo tempo que um outro argumento: “Houve tortura e assassinato, mas estávamos em uma guerra contra ‘terroristas’ (como disse, por exemplo, o sr. Tércio Sampaio Ferraz, não em 1970, no auge da Guerra fria, mas em 20086), que queriam transformar o país em uma sucursal do comunismo internacional”. “O outro lado não era composto de santos”, costuma-se dizer.

Ao utilizar tal argumento, trata-se principalmente de tentar passar a ideia de que toda violência se equivale, que não há diferença entre violência e contra-violência ou, ainda, e aí em um claro revisionismo histórico delirante, que a violência militar foi um golpe preventivo contra um Estado comunista que estava sendo posto em marcha com a complacência do governo Goulart. Lembremos como alguns ainda falam atualmente em “contra-revolução” a fim de caracterizar o que teria sido o golpe de 1964. O que não escapa da tendência clássica de todo golpe de Estado procurar se legimitar ao se colocar como “contra-revolução”.

Vale a pena inicialmente lembrar que, em qualquer país do mundo, os dois argumentos (“Houve tortura” e “não houve tortura”) seriam vistos como exemplos clássicos e patéticos de contradição, o que mostraria claramente a inanidade intelectual de uma posição que precisa, a todo momento, bailar por entre argumentos contraditórios. No entanto, como se não bastasse, o segundo argumento é simplesmente uma aberração inaceitável àqueles para quem a ideia de democracia não é simplesmente uma palavra vazia. E, se levarmos em conta a situação atual em que se encontra, no Brasil, o debate a respeito do dever de memória, fica clara a necessidade de insistir na natureza aberrante de tal argumento.

1 - Jacques Derrida, "Força de Lei" , São Paulo, Martins Fontes, 2007, p. 140.


2 - Para esta discussão, ver Alain Badiou, "Ethique: Essai Sur la Conscience du mal", Paris, Nous, 2003.


3 - Se levarmos a sério a centralidade desta operação de desaparecimento do nome em todo totalitarismo, será necessário um certo complemento à crítica de Giorgio Agamben à desagregação normativa própria ao lugar de exceção do poder soberano. Agamben demonstra como a definição de Carl Schmitt sobre a soberania (“É soberano quem decide pelo Estado exceção”) expõe a maneira como o ordenamento jurídico é assombrado pela possibilidade legal de sua suspensão. Aproveitemos o que outros disseram e afirmemos: “É soberano aquele que define quem é terrorista”, ou seja, quem será excluído da possibilidade mesmo de ser sujeito de direitos. O uso extensivo e pouco rigoroso do termo em contextos os mais inacreditáveis (chama-se atualmente de terrorista até integrantes do MST, operadores de rádios piratas e grupos neossituacionistas) apenas demonstra o caráter eminentemente político de seu uso.


4 - Para uma leitura mais articulada da tragédia, remeto a Vladimir Safatle, “Sobre a Potência Política do Inumano: Retornar à Crítica ao Humanismo”, em Adauto Novaes (org.), "Mutações: A Condição Humana " (no prelo).


5 - Processo em que Figueiredo e mais dez civis e militares brasileiros de alta patente são acusados de co-responsabilidade no desaparecimento de oitos cidadãos de origem italiana em 1980, ou seja, depois da anistia de 1979.


6 - Tércio Sampaio Jr., “Anistia ampla, geral e irrestrita”, "Folha de S. Paulo", 16/08/2008.

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