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28/09/2013

Droga e Insignificância - Decisão do Juiz do Juizado Especial Criminal de Tubarão - SC Maurício Mortari

Autos n°
Ação: Ação Penal - Sumaríssimo/Juizado Especial Criminal
Autor:  Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Acusado: 





Vistos, etc.



O MINISTÉRIO PÚBLICO moveu a presente Ação Penal contra XX, pela prática, em tese, do crime previsto no art. 28 da Lei 11.343/06.
Dispensado o relatório, na forma do art. 81, § 3º, da Lei 9.099/95, passo a decidir.
Imputa-se ao agente a infração de porte de substância entorpecente para consumo pessoal, conduta típica prevista no art. 28 da Lei Antitóxicos, in verbis:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Anote-se, de início, que as condutas enumeradas na norma legal mencionada constituem-se, ao menos em tese, em crime e a princípio não cabe falar em despenalização do porte de drogas para consumo próprio ou que se trata de uma infração penal sui generis e, portanto, atípica.
Essa é a posição defendida por Damásio de Jesus[1], além do que consta da jurisprudência das Turmas Recursais deste Estado[2]:
APELAÇÃO CRIMINAL. ENTORPECENTES. INFRAÇÃO PREVISTA NO ART. 28, CAPUT, DA LEI 11.343/2006. TRAZER CONSIGO ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO. PORTE DE MACONHA. PORTE DE MACONHA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DENÚNCIA REJEITADA POR CARÊNCIA DE AÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. A Lei n.º 11.343/06, em relação a posse de drogas para uso próprio (art. 28), tem natureza jurídica de crime, apesar da não previsão de pena de reclusão ou detenção, isolada, cumulativa ou alternativamente com multa, pois tem o interesse de educar o usuário, advertindo-o acerca dos malefícios causados, prescrevendo o comparecimento a programa ou curso educativo e ainda, prestação de serviços a comunidade.
Não bastasse isso, observa-se que a materialidade do delito encontra-se positivada no Termo de Apreensão de fls. 6, Laudo Preliminar de Constatação de fls. 8 e, finalmente, no Laudo Pericial encartado às fls. 16/19, pois a substância entorpecente periciada  pode causar dependência física e/ou psíquica – estando seu uso proibido em todo o território nacional – segundo a Portaria n. 344/98 da Secretaria da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (atualizada pela RDC n. 79).
No entanto, isso não afasta a possibilidade de apreciação da existência de justa causa para a instauração da ação penal em determinadas situações envolvendo a posse de substância entorpecente para uso próprio, sobretudo em razão da aplicação do princípio da insignificância.
A questão, como se sabe, é polêmica e vem prevalecendo o entendimento de que não é possível aplicar o princípio da insignificância para nenhum dos delitos da Lei de Drogas, nem mesmo no caso de porte ou posse para consumo próprio.
Há, inclusive, diversas decisões do e. Superior Tribunal de Justiça a respeito, cabendo destacar[3]:
1.   Não merece prosperar a tese sustentada pela defesa no sentido de que a pequena porção apreendida com o paciente - 9 g (nove gramas) de maconha - ensejaria a atipicidade da conduta ao afastar a ofensa à coletividade, primeiro porque o delito previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/06 trata-se de crime de perigo abstrato e, além disso, a reduzida quantidade da droga é da própria natureza do crime de porte de entorpecentes para uso próprio.
2.   Ainda no âmbito da ínfima quantidade de substâncias estupefacientes, a jurisprudência desta Corte de Justiça firmou entendimento no sentido de ser inviável o reconhecimento da atipicidade material da conduta também pela aplicação do princípio da insignificância no contexto dos crimes de entorpecentes.
3.   Ordem denegada.
De um modo geral, os argumentos contrários à possibilidade de aplicação do princípio da insignificância podem assim ser sintetizados:
Ÿ  O objeto jurídico da norma em questão é a saúde pública, não apenas a do usuário, uma vez que sua conduta atinge não somente a sua esfera pessoal, mas toda a coletividade, diante da potencialidade ofensiva do delito de porte de drogas.
Ÿ  O crime de porte ilegal de drogas é crime de perigo abstrato ou presumido, de modo que, para a sua caracterização, não se faz necessária efetiva lesão ao bem jurídico protegido, bastando a realização da conduta proibida para que se presuma o perigo ao bem tutelado.
Ÿ  A presunção de perigo decorre da própria conduta do usuário que, ao adquirir a droga para seu consumo, realimenta esse comércio, pondo em risco a saúde pública. Além disso, existe a real possibilidade do usuário de drogas vir a tornar-se mais um traficante, em busca de recursos para sustentar seu vício.
Ÿ  Desse modo, estaria presente a periculosidade social da ação, o que inviabiliza o reconhecimento do princípio da insignificância.
Contudo, apesar dos respeitáveis argumentos em contrário, entendo que o princípio da insignificância deva ser aplicado em determinadas situações envolvendo o porte de substância entorpecente para uso próprio, mormente naqueles casos em que a quantidade de droga seja ínfima e bem por isso seja baixo o potencial de lesividade da conduta.
O fato de o tipo configurar um delito de perigo abstrato não pode impedir a aplicação do princípio da insignificância. Isso porque, mesmo nesses casos, não se afasta a necessidade de aferição da lesividade da conduta, ou seja, se capaz ou não de atingir, concretamente, o bem jurídico resguardado pela norma. É indispensável que se demonstre a aptidão da conduta em lesar o bem jurídico, não bastando que, pelo simples fato de figurar no rol de substâncias proibidas pela lei, se pressuponha, de forma absoluta, que qualquer quantidade de droga seja capaz de produzir danos à saúde pública.
Não há dúvida de que o Estado deva promover a proteção de bens jurídicos supraindividuais, tais como a saúde pública, mas não poderá fazê-lo em casos em que a intervenção seja de tal forma desproporcional, a ponto de incriminar uma conduta absolutamente incapaz de oferecer perigo ao próprio objeto material do tipo.
Com efeito, (...) o princípio da intervenção mínima, que possui, igualmente, assento constitucional, embora não formalizado, propugna a atuação do Direito Penal como ultima et extrema ratio, subsidiária e fragmentariamente, com a função de proteger os bens jurídicos de vital importância social dos ataques mais insuportáveis e apenas nas hipóteses em que os demais mecanismos de controle social mostrarem-se ineficazes (FRANCO, ob. cit., pp. 37 e 38), enfim, nas palavras de Nilo Batista, como “um sistema descontínuo de ilicitudes” (ob.cit., p. 85).[4]
Na mesma senda, ainda que de maneira isolada, a Quinta Turma do STJ acolheu a tese da insignificância:
PENAL - ENTORPECENTES - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA — Sendo ínfima a pequena quantidade de droga encontrada em poder do réu, o fato não tem repercussão na seara penal, à míngua de efetiva lesão do bem jurídico tutelado, enquadrando-se a hipótese no princípio da insignificância. — Habeas Corpus concedido (HC 17956 SP, j. 3.12.01, DJU 167.8.02, maioria).
O Supremo Tribunal Federal, em julgamento paradigmático sobre a questão, assim se manifestou[5]:
PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ÍNFIMA QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. WRIT CONCEDIDO.
1.   A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica.
2.   O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
3.   Ordem concedida.
Não diverge o magistério de Luiz Flávio Gomes:
A posse de droga para consumo pessoal configura uma das modalidades do chamado delito de posse (“delitos de posesión”), que retrata uma categoria penal muito singular no Direito penal. Mister se faz, para a consumação da infração, constatar a idoneidade ofensiva (periculosidade) do próprio objeto material da conduta. Se a droga concretamente apreendida não reúne capacidade ofensiva nenhuma, em razão da sua quantidade absolutamente ínfima, não há que se falar em infração (pouco importando a sua natureza, penal ou “para-penal”). Não existe, nesse caso, conduta penalmente ou punitivamente relevante.[6]
O critério para aferição do potencial lesivo da conduta em comento em geral relaciona-se com a quantidade de droga apreendida, pois sendo esta ínfima é extremamente baixa a possibilidade de geração de dependência e também para produzir distorções psíquicas relevantes, especialmente porque em geral o entorpecente posto na venda a varejo é acrescentando de outras substâncias para aumento do lucro do traficante, bem como nem toda a substância é absorvida pelo organismo em razão de fatores metabólicos[7].
Bem por isso, além da quantidade de droga apreendida é necessário considerar também a espécie da droga, pois algumas são mais viciantes que outras, e por tal razão apresentam maior potencial de lesividade à saúde do usuário e da saúde pública 
No caso em apreço, ocorreu a apreensão de 0,3 decigramas de cocaína, sendo evidente que a quantidade pode ser considerada como mínima, advindo daí o baixo potencial de lesividade da conduta do agente, não havendo assim justa causa para a propositura da ação penal.
Isso porque a cocaína sabidamente é adulterada e em sua composição são encontrados frequentemente açúcar, a procaína, a cafeína, o pó de vidro, o pó de mármore, o pó de giz, o talco e o amido e anestésicos locais, variando o teor da droga entre 15 a 90%.[8] Em tal contexto, apenas doses superiores a 1 grama apresentam o potencial de risco que justifica a deflagração da ação penal.      
Recorde-se:
Crime de tóxico - É crime de perigo contra a saúde pública. Não se tipifica, portanto, quando a maconha, por ser tão pequena sua quantidade, não pode conter o mínimo de tetrahidrocanabinol capaz de criar aquele perigo, que é o estado de dependência. Por isso não se pode considerar como típica a conduta de portar substância entorpecente sem a indispensável presença do perigo comum, que vem a ser, precisamente, o elemento necessário para que haja a consumação delituosa (RJTJRS 116/131).
Não se pode perder de vista, ademais, o pensamento de Claus Roxin[9], para quem é atípica a conduta que não tenha o potencial de acarretar risco ao bem jurídico, pois ausente a lesividade não se concebe a imposição de uma pena.
Além disso, necessário considerar que não se justifica na hipótese em comento a movimentação do aparato estatal com a finalidade de punir conduta irrelevante à luz da norma incriminadora, não podendo ser desconsiderado o custo que um processo judicial representa em termos de recursos materiais e humanos envolvidos, isso sem falar no afastamento de policiais civis e militares – em geral testemunhas nessas ações penais – de suas atividades de repressão a crimes de maior relevância, justamente porque precisam comparecer em juízo para prestar depoimento.
Sobre os diversos aspectos acerca do "custo do processo", cumpre anotar a lição de João Paulo Orsini Martinelli[10]:
A primeira questão deve ser resolvida considerando não a situação da vítima, e sim os altos custos de um processo criminal. Quando nos referimos aos custos, não são apenas os de ordem econômica, em especial as despesas do Estado para conduzir o trabalho policial e o processo, do oferecimento da denúncia ao esgotamento dos recursos. A estes custos somam-se os de caráter pessoal dos participantes da relação conflituosa. Isto é, além dos gastos econômicos que, não raramente, ultrapassam em muito o valor da lesão, há o desgaste do autor e da vítima.
Sobre o autor do crime pesa o status de acusado de prática delitiva, cujas proporções podem ser incalculáveis. A repercussão pode interferir na vida familiar, no círculo profissional, na obtenção de créditos, enfim, o sujeito fica estigmatizado e, seja qual for o desfecho do processo, a marca poderá nunca ser apagada. À vítima, apesar do provável desejo de punição, cabe o ônus de comparecer aos atos de investigação e processuais. Nesses momentos deverá relembrar o fato, expor os detalhes e encarar o suposto criminoso. Ao juiz a ao promotor resta utilizar parte do seu tempo, que seria mais útil em casos graves, nas situações de pouca monta e que poderiam ser resolvidos de forma menos repressiva.
Considerar o valor da lesão e os custos totais do processo criminal parece atender aos anseios do Estado democrático de direito, uma vez que deixar de usar a máquina repressiva, sempre que possível, significa sua racionalização e restrições ao poder punitivo. Estigmatizar é um preço alto que deve ser compensado com uma lesão relevante ao bem jurídico protegido. O prejuízo de um furto de pequeno valor, por exemplo, e a imposição de alguém na condição de réu são duas medidas muito diferentes e isso pode gerar o desperdício da força do Estado. Enfim, parece ser inevitável considerar, acima da condição da vítima, o custo total da estigmatização.
Aliás, lembre-se que (...) em tempo de pensar a gestão e a estrutura do Poder Judiciário, notadamente após a Emenda Constitucional 45, e face ao acúmulo de processo que gera insuportável morosidade aos jurisdicionados, o princípio da insignificância representa sofisticado mecanismo obstaculizador de demandas cujo custo é injustificável.[11]
Portanto, não se verificando na hipótese vertente a existência de uma conduta penalmente relevante e que gere perigo, mesmo abstrato, é imperativa a conclusão de que a conduta em tese praticada pelo denunciado não está revestida pela tipicidade e bem por isso não se constitui em crime, situação que torna evidente a impossibilidade de recebimento da denúncia por falta de justa causa.
Destaque-se, mutatis mutandis:
Penal e Processual. Crime contra o meio ambiente. Poluição. Artigo 54, § 2º, inciso V, e art. 60 da Lei nº 9.605/98. Prefeito Municipal. Devido exercício da gestão pública. Ausência de tipicidade da conduta. Responsabilidade objetiva. Inadmissão. Falta de justa causa para ação penal. Art. 395, III, do CPP. Rejeição da denúncia.
1.             Não há como imputar os crimes de poluir ou fazer funcionar equipamento causador de poluição ao chefe do executivo municipal, quando ele, além de não ter produzido o lixo urbano, tem envidado todos os esforços possíveis para o avanço do sistema de limpeza urbana da cidade.
2.             Não merece prosperar a tese do Parquet Federal de que o acusado teve tempo suficiente (dois mandatos) para solucionar a questão porquanto o acúmulo de lixo é resultado inevitável do ritmo avançado da produção de detritos.
3.             Antes de determinar a instauração do processo criminal, o julgador, ao fazer o exame da peça acusatória deverá, em juízo de cognição sumária, verificar se na descrição do fato típico, a conduta imputada ao agente possui condições mínimas de subsistir à persecução penal.
4.             Foge à mens legis da norma penal a imputação de crime ambiental para acontecimentos naturais, sob pena de se incorrer na figura da responsabilização penal objetiva.
5.               In casu, considerando o conjunto de informações, e não havendo indícios de materialidade, autoria nem do elemento subjetivo do tipo, mostra-se de rigor a rejeição da denúncia, nos termos do artigo 395, III, do CPP. [12]
Ante o exposto, REJEITO A DENÚNCIA oferecida contra, por reconhecer a ausência de justa causa para a ação penal, isso com base no art. 395, III, do Código de Processo Penal.
No que toca à substância entorpecente apreendida nos autos, uma vez transitada em julgado a sentença, cumpra-se o contido no art. 292 do Código de Normas[13].
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.

Tubarão (SC), 17 de julho de 2013.





Mauricio Fabiano Mortari
Juiz de Direito



[1] Lei Antidrogas Anotada, 9ª ed., Saraiva, 2009, p. 40.
[2] Apelação Criminal nº 2009.500859-6, de Araquari. Rel. Juíza Hildemar Meneguzzi de Carvalho. Órgão Julgador: 5.ª Turma de Recursos do Estado de Santa Catarina. Data: 15/03/2010.
[3] HC 174.361/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 03/02/2011.
[4] Cristiano Ávila Maronna. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade em casos de pequena quantidade de droga. Extraído de http://www.novacriminologia.com.br/Artigos/ArtigoLer.asp?idArtigo=1238, consulta efetuada em 11/10/2011.
[5] HABEAS CORPUS 110.475 de SANTA CATARINA, RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI, j. em 14/02/2012, PRIMEIRA TURMA.
[6] Drogas e princípio da insignificância: atipicidade material do fato. Extraído de   http://ww3.lfg.com.br/artigos/DROGAS_E_INSIGNIFICANCIA.pdf. Consulta realizada em 14/06/2013.
[7] Em 1 g de maconha, o THC, que é seu componente responsável pela euforia corresponde a 10 mg. Destes, apenas metade é absorvida, o que é insuficiente para gerar distorções psíquicas no agente, em face do metabolismo.” (TJ⁄SP, AC 24.048-3, rel. Paulo Neves, RT 585⁄290).
[8] Cocaína. Extraído de http://ltc.nutes.ufrj.br/toxicologia/mVIII.coca.htm. Consulta efetuada em 14/06/2013.
[9] Derecho Penal, parte general. Trad. Luis Arroyo Zapatero. Barcelona: Ariel, 1989.
[10] Princípio da insignificância precisa de parâmetros. Extraído de http://www.conjur.com.br/2011-abr-09/principio-insignificancia-parametros-aplicacao. Consulta realizada em 14/06/2013.

[11] Artigo escrito coletivamente por Salo de Carvalho, Alexandre Wunderlich, Rogério Maia Garcia e Antônio Carlos Tovo Loureiro intitulado Breves Considerações sobre a Tipicidade Material e as Infrações de Menor Potencial in AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de e CARVALHO Salo de (organizadores). A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de administração da Justiça Criminal. Sapucaia do Sul – RS: Notadez, 2006, p. 144.
[12] TRF-4ª Região - INQUÉRITO POLICIAL Nº 0030789-81.2010.404.0000/RS, RELATOR: Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro.
[13] Art. 292. Após o trânsito em julgado da sentença, a autoridade judiciária comunicará o fato, por ofício, à autoridade responsável pelo depósito das substâncias entorpecentes e explosivas, para as providências cabíveis, as quais serão comunicadas ao juízo. 

Direito e Libertação, por Ricardo Prestes Pazello


Direito e libertação: breves notas introdutórias
Ricardo Prestes Pazello 

Provocado positivamente pelo filósofo Euclides André Mance, trago à tona estas breves notas a respeito da relação entre a teoria do direito e a categoria “libertação”, com especial ênfase para a produção teórica brasileira. O debate ocorreu por conseqüência de discussões internas ao Instituto de Filosofia da Libertação, do qual tanto Mance quanto eu fazemos parte.

Ainda não há, por incrível que pareça, um estudo dentro do direito que identifique o surgimento da categoria "libertação" nas reflexões jurídicas. O que é certo, porém, é que a problemática da "libertação" já estava colocada muito antes da difusão do chamado "direito alternativo".

Talvez tenha sido o juiz João Batista Herkenhoff o primeiro a utilizar a idéia na literatura jurídica brasileira, em tese de livre docência apresentada à Universidade Federal do Espírito Santo. A tese foi publicada no mesmo ano de sua defesa, 1979, e recebeu o título de “Como aplicar o direito” (com o subtítulo: “à luz de uma perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológico-política”). No capítulo de conclusão, Herkenhoff abre um subitem, de quatro parágrafos, denominado “A justiça como instrumento de libertação” (além disso, o texto apresenta citações de A. Paoli, Paulo Freire e Gustavo Gutiérrez). Só em 1986, porém, quando da segunda edição da obra, referidas notas conclusivas seriam ampliadas para quatro páginas, dividindo a temática a partir do item geral “A justiça, o juiz e a libertação do oprimido” em três seções: “A justiça como instrumento de libertação” (repetindo a subtitulação da primeira edição); “A salvação do direito pela arte do juiz”; e “Em busca de um direito de libertação”.

No entanto, parece ser Roberto Lyra Filho aquele que no Brasil introduziu a idéia de se poder construir um "direito de libertação" com mais fôlego. Até por ter se tratado de teórico do direito de ampla formação, gabaritado não apenas para as questões técnico-jurídicas, mas também para a reflexão filosófica, sociológica, antropológica e teológica, deu centralidade para a questão da “libertação” em suas análises. Ainda que seja o caso de verificar com mais cuidado se não há livros anteriores, em 1980 aparece o tema na obra "O direito que se ensina errado" (ver aqui no blogue vários livros disponíveis na Biblioteca Roberto Lyra Filho).

Na verdade, encontramos uma primeira e rara referência já em 1974, na revista significativamente denominada “Liberación y derecho”, publicada na Argentina pela então Universidade Nacional e Popular de Buenos Aires. No primeiro volume – e único, até onde pudemos apurar –, além do título do periódico, há pelo menos um artigo, intitulado “Historia del derecho y liberación nacional”, de Eduardo Luis Duhalde e Rodolfo Ortega Peña, que faz menção explícita à categoria "libertação". Também, a expressão já aparecia (e junto dela citações de Dussel e Paulo Freire) no livro de 1977 do jurista católico mexicano Jesús Antonio de la Torre Rangel – "Hacia una organización jurídica del estado, solidaria y liberadora". Em 1983 ele seria o primeiro a sistematizar uma teoria jurídica na perspectiva da libertação com o livro, lançado em 1984, "El derecho como arma de liberación en América Latina", prefaciado por Arturo Paoli.

A questão da temática da libertação no Brasil só vai ser sistematizada de fato (ou seja, um estudo inteiro baseado nesta perspectiva) com a dissertação de mestrado de Celso Luiz Ludwig, “A alternatividade jurídica na perspectiva da libertação: uma leitura a partir da filosofia de Enrique Dussel". Escrita entre 1988 e 1993, e defendida na Universidade Federal do Paraná, esta dissertação viria a se tornar o livro "Para uma filosofia jurídica da libertação", lançado em 2006.

Entre 1988 e 1993, porém, surgem outros estudos que recepcionam Dussel e/ou a perspectiva de libertação para o direito no Brasil. O próprio Celso Ludwig teria proferido palestra sobre esta temática já em 1984 (na Cúria Metropolitana de Curitiba), mas também em 1988 (no Instituto Vicentinos) e 1989 (na PUC/PR). Outro que lança estudos com esta base é Antonio Carlos Wolkmer (por exemplo, o artigo de 1991, "Pluralismo jurídico, movimientos sociales y práctivas alternativas" citando Dussel e Zea; depois, sua tese de doutorado, terminada em 1992, "Pluralismo jurídico" que já abordava a filosofia de Dussel). Há alguns pontos fora da curva, que mesmo sem a base da filosofia da libertação falam na relação entre direito e libertação. Cito 3 exemplos: a) o livro de Aloysio Ferraz Pereira, "Estado e direito na perspectiva da libertação: uma crítica segundo Martin Heidegger", de 1980, que faz referência a Dussel; b) artigo "O advogado e o compromisso político da libertação", lançado em 1985 pela desembargadora Shelma Lombardi de Kato na Revista dos Tribunais (em 1989, o artigo foi relançado no livro organizado por José Eduardo Faria, "Direito e justiça: a função social do judiciário"); e c) e o artigo de Jaime Yovanovic Prieto que se chamou "O direito alternativo para a libertação" lançado na Revista de Direito Alternativo, em 1993.

Quanto à questão do direito alternativo, há aí uma grande controvérsia sobre como ele teria surgido. De fato, aparece no debate europeu (em especial, na Itália, na França, na Espanha e, em alguma medida, em Portugal), estreitamente vinculado à perspectiva marxista. Não saberia dizer onde exatamente se usa pela primeira vez a expressão, mas é certo que ocorre na literatura jurídica da década de 1970. Segundo uma interpretação (em clássico texto crítico de Miguel Pressbuger, chamado "Direito, a alternativa"), o termo “uso alternativo do direito” (que é diferente de “direito alternativo” e tem conseqüências igualmente diferentes quanto a sua aplicação) aparece pela primeira vez na Itália, quando a magistratura italiana busca vincular suas decisões às classes oprimidas, contra o legado fascista do direito por aquelas bandas. E a partir dos movimentos jurídicos alternativos europeus é que se espalharia a noção de direito alternativo para a América Latina, lugar onde é feito um balanço crítico desta influência e se cria a sistematização (consolidada, talvez, pelo mexicano Óscar Correas) que divide as correntes críticas do direito em: a) uso alternativo do direito (pela magistratura); positivismo/positividade/jusnaturalismo de combate (pelos advogados); e c) direito alternativo/pluralismo jurídico/direito achado na rua/direito insurgente – todos mais ou menos equivalentes (pelos movimentos sociais).

É importante dizer que, no Brasil, o termo “direito alternativo” foi amplamente recepcionado após o grupo de juízes gaúchos ganhar fama no artigo “Juízes gaúchos colocam direito acima da lei” do Jornal da Tarde, em 1990, de Luiz Maklouf e, em 1991, quando um grupo de juristas, provocados pelo texto “jornalístico”, resolvem organizar o I Encontro Internacional de Direito Alternativo, em Florianópolis. Como resultado, foi publicado o livro organizado por Edmundo Lima Arruda Jr, “Lições de direito alternativo 1”, no mesmo ano de 1991. A partir daí, está criado o Movimento de Direito Alternativo – MDA (ver “Introdução ao direito alternativo brasileiro”, livro resultado da tese de doutorado defendida na Espanha, de orientação alternativista, pelo desembargador catarinense Lédio Rosa de Andrade, de 1995).

Antes, porém, já havia aparecido no Brasil o livro “Direito alternativo do trabalho”, de Carlos Artur Paulon, em 1984 (foi o mais antigo a que tive conhecimento). Provavelmente, o título se deve pela influência das traduções dos livros dos alternativistas e críticos do direito, como Michel Miaille, Bernard Edelman, Boaventura de Sousa Santos, dentre outros, bem como pela divulgação de várias obras em perspectiva crítica pelo grupo de Lyra Filho, de Brasília (a Nova Escola Jurídica-NAIR, da qual fizeram parte já em fins da década de 1970, Tarso Genro, Roberto Aguiar e José Geraldo de Souza Junior), assim como pela pós-graduação em direito de Santa Catarina, com as figuras de Luis Alberto Warat e Luiz Fernando Coelho, sendo que este último foi professor também em Curitiba (na década de 1980, Brasília e Florianópolis foram os principais centros difusores de teoria crítica do direito no Brasil).

Posteriormente a 1993, acumulamos vários estudos que se referenciam na proposta filosófica latino-americana da libertação para empreender uma análise crítica do direito, sendo que, hoje, seguindo a senda encampada por Enrique Dussel, o mais propalado dos autores desta corrente teórica, é comum encontrarmos, junto à filosofia da libertação, a fundamentação da crítica à colonialidade do poder e do saber.

Apesar de toda esta história, ainda é razoável questionarmo-nos sobre a possibilidade estratégica da construção de um “direito de libertação”. Ainda que não devamos afastar a sua possibilidade tática, quiçá seja do encontro entre a filosofia da libertação e o materialismo histórico que possamos extrair uma resposta mais concludente.

Hamacher



filosofía

Hamacher, explicado por Fabian Ludueña Romandini

En Lingua Amissa, el pensador alemán Werner Hamacher, en opinión del argentino Fabián Ludueña Romandini, de obra tan importante como la de Peter Sloterdijk y Jurgen Habermas, es capaz de ensayar una deconstrucción de la tradición antropo-teológica del Occidente moderno capaz de abrir una verdadera interrogación sobre el lenguaje mismo que subtiende a esa tradición.
El libro, publicado por la casa Miño y Dávila, en la serie Filosofía venidera, el autor, cercano a Jacques Derrida y Jean-Luc Nancy, pone en cuestión los dilemas que abre la economía, el derecho, la política y el mesianismo según ese régimen de verdad que intenta (y se propone) desarmar.

Hamacher es además profesor de Literatura General y Comparada en la Universidad de Frankfurt, y ha dado clases en Amsterdam, París y Nueva York. Ludueña Romandini es especialista en antropotécnicas y biopolítica.

Esta es la conversación que sostuvo con Télam.

T : ¿Cómo ubicar la posición teórica de Werner Hamacher, y cuál es su relación con (Jurgen) Habermas, la Escuela de Frankfurt y Peter Sloterdijk?
R : En principio, Werner Hamacher probablemente rechazaría cualquier tipo de clasificación de su pensamiento dentro de algún tipo de posición como las que, académicamente, se suelen utilizar para situar a los pensadores. No obstante, seguramente no sería aventurado señalar que la deconstrucción derrideana es una de las líneas filosóficas frente a la cual siente una afinidad electiva.

Hamacher ha tratado de prolongar el gesto deconstructivista incluso más allá del propio (Jacques) Derrida, abarcando así también nuevos objetos y preocupaciones. Por cierto, en el panorama alemán, sea uno de los tres máximos filósofos vivos de la actualidad, siendo los otros dos, efectivamente, Habermas y Sloterdijk. Los tres provienen de tradiciones diversas y han recibido el legado de la Escuela de Frankfurt de modo harto diverso. En no pocas ocasiones, sus posiciones filosóficas y políticas son radicalmente diferentes. Sin embargo, en el caso de Hamacher es probable que nos encontremos ante la más exquisita recepción de la filosofía francesa aclimatada a las interrogaciones del ámbito alemán, las cuales históricamente habían constituido el punto de partida de muchas tradiciones de la filosofía francesa del siglo XX. La filosofía francesa, nutrida de la alemana, es recibida nuevamente en Alemania por Hamacher para producir una nueva revolución teórica en un ida y vuelta constante entre ambas.

T : Su cercanía con Derrida y con Jean-Luc Nancy, ¿existe más allá de que hayan dado clases en las mismas universidades, al menos en los Estados Unidos? ¿Cuáles serían sus puntos de contacto?
R : La cercanía de Hamacher con Derrida y Nancy ha estado constituida por una amistad directa así como por una comunidad de pensamiento. Las preocupaciones por las diversas formas de entender la deconstrucción, el lenguaje y la experiencia política están atravesadas por intereses comunes. Pero la posición de Hamacher sobre los principios constituyentes de la soberanía, el derecho, la economía, el poder, en la larga tradición del pensamiento occidental, tal vez sea la más radical de los tres. La interrogación de Hamacher sobre las posibilidades y límites del lenguaje, muy propia de la filosofía germanoparlante, lo lleva a experimentaciones con la lengua de carácter extremo y por lo tanto, de difícil traducción. La labor de los traductores, Laura Carugati y Marcelo Burello, requirió un verdadero ejercicio de orfebrería filológica.

T : Según entiendo, hay una vieja división entre la filosofía francesa y la alemana, quebrada ocasionalmente. ¿Eso sigue siendo así, y en todo caso, si no lo es más, que habría aportado Hamacher a ese giro?
R : Hamacher ha borrado, en efecto, las antiguas divisiones entre filosofía alemana y francesa (que, no obstante, continúan existiendo en muchos ámbitos institucionales), y su gesto parte, precisamente, de una integración por un lado, de las tradiciones de lengua alemana (desde el romanticismo hasta (Ludwig) Wittgenstein, desde (Walter) Benjamin hasta Paul Celan pasando por Kafka). Y por, la herencia francesa,  encarnada en maestros como Derrida o Nancy. Pero tampoco hay que olvidar que el diálogo de Hamacher con la tradición anglosajona (desde Thomas Hobbes hasta la filosofía del lenguaje) es también parte constitutiva de su trabajo. Del mismo modo, no debemos olvidar su interrogación incesante del legado proveniente tanto del judaísmo como del cristianismo en su historia milenaria. De allí que Hamacher pueda pesquisar tanto la filosofía antigua como a Kant o Hobbes pasándolos por el tamiz de una deconstrucción radical que encuentra su punto de articulación en una incesante preocupación por la filología, entendida como philía hacia el lenguaje, donde filosofía y poesía encuentran un punto de conjunción buscando, como él lo dice, en el futuro lo que les falta del pasado.

T : ¿Qué quiere decir Lingua amissa y cuál es la importancia de ese concepto en la obra de Hamacher?
R : Esta noción surge como una poderosa reconceptualización del núcleo mismo de la teoría de los actos de habla y en consecuencia, de la filosofía del lenguaje en sus formas más ortodoxas, sobre todo en la insistencia con que cierta filosofía ha acentuado la importancia del acto de habla performativo. Ante esta perspectiva, Hamacher ha propuesto señalar el carácter amisivo que precede cualquier campo de acción. Una lengua amissa es una lengua suelta, dada de manos, liberada de sus propios conceptos. Es un poco la cifra y consecución de un proyecto que busca una lengua (y una política) no sólo dadas a la eficiencia y a la gestión sino también y sobre todo, a un dejar caer, a una pérdida. Meditar sobre la imposibilidad de toda posibilidad arriesgando la posición de soberanía implica uno de los núcleos más difíciles de la obra de Hamacher, y reclama una lectura no sólo atenta sino también con un cuidado que podríamos bien denominar talmúdico de cada una de sus frases.

T : ¿Su relación con el mesianismo, que habría que definir, y con el biopoder contemporáneo?
R : El problema del mesianismo ha ocupado, en su obra, un lugar de importancia aunque, me atrevería a decir, a modo de hipótesis, que Hamacher tomó este concepto de un modo más crítico, en un respetuoso y fructífero diálogo con Benjamin, Derrida, (Giorgio) Agamben, entre otros. Su análisis, creo yo, pretende situarse por fuera de toda la secular lógica del llamado y la vocación que han marcado las tradiciones mesiánicas de las grandes religiones monoteístas. El mesianismo que le interesa a Hamacher está más allá de los elegidos y los condenados para situar el problema de los no-llamados, es decir lejos de la vocación-llamado y del trabajo donde el Mesías es la figura que nunca puede ser esperada bajo su nombre, un Mesías sin trabajo o como también dice, de modo más provocativo, un Mesías desprovisto de todo ser y que vuelve anárquicas las estructuras del lenguaje y de la productividad. Hamacher no parece haberse interesado por el problema del biopoder en forma directa pero su obra, si se quiere, puede ser leída como una demoledora respuesta a cualquier intento de gobierno tanatopolítico de la vida, incluso de cualquier apropiación del viviente en una lógica que no sea la de la contradicción o la de la falta que impide cualquier tipo de aprehensión normalizadora. 

STJ, Informativo 526

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR O CRIME DE PECULATO-DESVIO.

Compete ao foro do local onde efetivamente ocorrer o desvio de verba pública – e não ao do lugar para o qual os valores foram destinados – o processamento e julgamento da ação penal referente ao crime de peculato-desvio (art. 312, "caput", segunda parte, do CP). Isso porque a consumação do referido delito ocorre quando o funcionário público efetivamente desvia o dinheiro, valor ou outro bem móvel. De fato, o resultado naturalístico é exigido para a consumação do crime, por se tratar o peculato-desvio de delito material. Ocorre que o resultado que se exige nesse delito não é a vantagem obtida com o desvio do dinheiro, mas sim o efetivo desvio do valor. Dessa forma, o foro do local do desvio deve ser considerado o competente, tendo em vista que o art. 70 do CPP estabelece que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração. CC 119.819-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 14/8/2013.

23/09/2013

AGAMBEN





Agamben e a estreita relação entre filosofia e teologia

DICKINSON, Colby. Agamben and theology (London: T & T Clark International, 2011) Campos do saber estão imbricados e apontam para a necessidade de diálogo, frisam Colby Dickinson e Adam Kotsko. Política é “espetáculo religioso mal disfarçado” e é preciso que Agamben aprofunde o nexo entre Paulo e o desenvolvimento do pensamento econômico

Por: Márcia Junges/Tradução: Luís Marcos Sander

“Todo o projeto da teologia precisa ser repensado a partir de seus fundamentos, e a filosofia — ou a ‘filosofia da teologia’, talvez — desempenha um papel central na redefinição das tarefas teológicas com que nos defrontamos atualmente”, assinala Colby Dickinson, autor de Agamben and theology (London: T&T Clark International, 2011), na entrevista que concedeu juntamente com Adam Kotsko, por e-mail, à IHU On-Line. Kotsko menciona que, a partir da obra agambeniana, teologia e filosofia estão conectadas e se comunicam mutuamente. “Ele reconhece a existência de uma distinção, mas elas parecem ser duas maneiras de realizar uma tarefa fundamentalmente semelhante”, assevera.
Dickinson acentua que a política funciona hoje “como um espetáculo religioso mal disfarçado, completada com suas conclamações à glória para permear cada gesto seu. Pode-se observar, em primeiro lugar, quão ‘sagrados’ se tornaram certos espaços e pessoas políticas ao longo do tempo”. Kotsko, por sua vez, gostaria que Agamben “tivesse dito mais a respeito de como entende o lugar de Paulo no desenvolvimento do pensamento econômico”.
Colby Dickinson é professor assistente de Teologia na Universidade Loyola, em Chicago. Ele é autor de Agamben and Theology (London: T&T Clark, 2011) e Between the Canon and the Messiah: The Structure of Faith in Contemporary Continental Thought (London: Bloomsbury, 2013) e de vários artigos sobre a filosofia e teologia continental contemporânea. É editor de The Postmodern ‘Saints’ of France (London: T&T Clark, 2013) e The Shaping of Tradition: Context and Normativity (Leuven: Peeters, 2013).
Adam Kotsko é professor assistente de Ciências Humanas no Shimer College, em Chicago. Ele é autor de Žižek and Theology, Politics of Redemption: The Social Logic of Salvation, Awkwardness e Why We Love Sociopaths: A Guide to Late Capitalist Television.
Ele traduziu várias obras de Giorgio Agamben. Escreve no blogue An und für sich (itself.wordpress.com).
Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é a peculiaridade do nexo entre filosofia e teologia na obra de Agamben ?
Colby Dickinson - De muitas formas, quero responder essa pergunta dizendo simplesmente que, de acordo com a leitura que Agamben faz dessas disciplinas, no fim das contas há pouca diferença entre elas, exceto que a teologia — falando do ponto de vista histórico — entendeu as coisas errado bem cedo, e só agora tem uma oportunidade de assumir sua “missão” de novo. Quando ele fala da compreensão paulina do “messiânico” e sua capacidade de derrubar qualquer uma de nossas representações através de uma “divisão da própria divisão” (em Il tempo che resta: un commento alla Lettera ai Romani. Torino: Bollati Boringhieri editore, 2000), está sinalizando o cerne “teológico” de nossos mais básicos empreendimentos filosóficos. É por isso que acho que a mais filosófica obra de Agamben sempre terá seu equivalente teológico, assim como seus escritos sobre teologia sempre terão importantes conclusões filosóficas.
Adam Kotsko - Concordo que na concepção de Agamben as duas disciplinas estão necessariamente conectadas ou se comunicam mutuamente. Ele reconhece a existência de uma distinção, mas elas parecem ser duas maneiras de realizar uma tarefa fundamentalmente semelhante. E penso que uma parte do que o leva a ver essa conexão necessária é sua rejeição absoluta de tentativas modernas de estabelecer a “religião” como um âmbito separado, encerrado em si mesmo — abrindo um caminho para uma forma nova e diferente de conceber a relação entre teologia e filosofia fora do paradigma de religioso/secular.
Colby Dickinson - E esta é a razão pela qual sua noção de “profanação” é tão intrigante para mim, embora talvez seja muito desconcertante para outros. Há um sentido, penso eu, em que “profanar” aquilo que nos parece “sagrado” é um ato blasfemo, mas é um ato que parece muito central para a tradição cristã, pois isso é algo que Jesus deve ter conhecido. Seus muitos atos de “blasfêmia” poderiam, na verdade, ser reinterpretados como atos de profanação, no uso que Agamben faz desse termo. Acho que esse também é um ponto cuja significância estamos apenas começando a vislumbrar.
Adam Kotsko - Com certeza. Esse foi um aspecto realmente intrigante de O sacramento da linguagem (Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011) para mim — uma das poucas vezes em que ele comentou efetivamente sobre a prática do próprio Jesus. Certamente essa é uma fonte relevante para pensar sobre o “messiânico”!

IHU On-Line - Quais são os diálogos fundamentais que esse pensador estabelece entre esses dois campos do saber?
Colby Dickinson - O que parece singular em sua obra é que Agamben oferece à teologia uma chance genuína de vislumbrar seu próprio funcionamento interior em termos de seus movimentos políticos, especificamente da maneira como foram empregados ao longo do tempo. Em O reino e a glória (São Paulo: Boitempo, 2011), por exemplo, ele salienta repetidamente como o discurso cristão da trindade está atolado numa economia que é muito deste mundo, repleta de implicações comunitárias e até financeiras. Ele também faz a mesma coisa em seus comentários sobre o “corpo glorioso”, o corpo pós-Ressurreto que é realmente outra forma de falar de nossos corpos muito terrenos (em Nudez). Faz um bom tempo agora que muitos teólogos e teólogas vêm tentando expressar como cada teologia realmente fala muito sobre nosso contexto pessoal (p. ex., as teologias feminista, negra, hispânica, etc.). O que Agamben parece estar dizendo a esses esforços é que eles têm razão em reconhecer a importância de olhar nosso próprio terreno a partir do qual falamos, mas também que esse discurso igualmente não vai longe o suficiente. Todo o projeto da teologia precisa ser repensado a partir de seus fundamentos, e a filosofia — ou a “filosofia da teologia”, talvez — desempenha um papel central na redefinição das tarefas teológicas com que nos defrontamos atualmente.
Adam Kotsko - Parece-me que o “ponto de contato” é, na verdade, a noção do messiânico, que, em algumas obras (como O sacramento da linguagem), pode parecer um sinônimo do filosófico, de modo que Agamben consegue detectar padrões messiânicos de pensamento em Aristóteles, por exemplo, e, implicitamente, reivindicar São Paulo  como parte integrante da tradição filosófica. Será interessante ver o que acontece com a distinção entre filosofia e teologia em sua obra subsequente a Opus Dei (Opus Dei. Arqueologia do ofício (Homo Sacer, II, 5. São Paulo: Editora Boitempo, 2013), onde ele postula duas ontologias, uma do ser e outra do mando, o que pode corresponder (ou servir como objeto de) à filosofia e à teologia, respectivamente.
Colby Dickinson - Uma das coisas que mais apreciei em Opus Dei, na verdade, foi a volta dele ao ético-filosófico ao criticar o senso de “dever” kantiano — algo que, na opinião de muitas pessoas, está muito ligado a um senso interno de mandar ou controlar a si mesmo, se posso expressá-lo assim. Há muito a ser repensado ainda dentro da tradição ocidental cristã em relação ao dever, à obrigação e à responsabilidade, para mencionar apenas alguns conceitos centrais, e acho que Agamben está aqui apontando o caminho para tal reformulação, e o está fazendo de formas muito profundas.
Adam Kotsko - A maneira como Agamben fala do imperativo categórico kantiano combina muito com a explicação psicanalítica do relacionamento desse imperativo com o superego — junto com toda a crueldade e o sadismo aí implicados. Ele reconhece a existência dessa conexão escrevendo uma longa nota sobre “Kant avec Sade”, de Lacan , e, embora esteja claro que ele quer se distanciar até certo ponto da interpretação psicanalítica, não está tão claro qual é sua própria posição. Acho que essa é uma área em que a obra de Eric Santner  é realmente valiosa para entender Agamben, porque ele complementa continuamente os conceitos de Agamben com conceitos psicanalíticos, e, olhando retrospectivamente, a proposta do próprio Agamben pode, às vezes, parecer incompleta. É como se ele precisasse desse complemento psicanalítico e, ainda assim, não quisesse lidar com ele.

IHU On-Line - Para Agamben, a assinatura do sagrado foi transferida da religião para o espaço da política. Quais são as consequências desse deslocamento de perspectiva em termos filosóficos e teológicos?
Colby Dickinson - Em suma, a consequência dessa transferência é que a política, atualmente, funciona como um espetáculo religioso mal disfarçado, completada com suas conclamações à glória para permear cada gesto seu. Pode-se observar, em primeiro lugar, quão “sagrados” se tornaram certos espaços e pessoas políticas ao longo do tempo. De uma maneira profundamente irônica, então, Agamben tenta, em certo sentido, preservar a capacidade (“original”, ou talvez simplesmente paulina) da teologia de criticar a esfera política e sua dependência das reduções violentas cometidas no tocante a suas representações dadas, normativas. Embora ele seja altamente crítico em relação ao legado da teologia, falando do ponto de vista histórico, há também algo na tradição cristã especificamente — desde os escritos de Paulo até a tentativa de São Francisco de Assis  de encarnar uma “forma de vida” para além da lei, como vimos na obra mais recente Altíssima pobreza (São Paulo: Boitempo, 2013) — que tem condições de formular uma crítica substancial do uso do “sagrado” por parte da esfera política. Ao mesmo tempo, tal interpretação das coisas também lhe permite descartar qualquer senso de “sacralidade” como manobra política para o poder soberano. Tais percepções motivam sua busca de uma “profanação absoluta” de nosso mundo como única forma de ser autenticamente “religioso”, e, no fim das contas, suspeito que essa profanação tenha algo fundamental em comum com as tentativas do próprio Jesus de despojar as pessoas de seus ídolos “sagrados” falsos.
Adam Kotsko - O que é o mais interessante para mim, a partir da perspectiva da teoria da religião, é que Agamben crê que esse deslocamento da sacralidade da religião para a política só é possível porque a própria noção do sagrado aponta para uma época “anterior” à separação inicial da religião e da política. Poder-se-ia pensar que uma noção como “a sacralidade da vida humana” se parece mais a uma metáfora tirada da esfera religiosa, que visa a enfatizar a importância extrema da vida humana — mas, se o religioso e o político estão sempre conectados porque compartilham a mesma raiz na experiência humana, então uma metáfora nunca pode ser apenas uma metáfora.
Colby Dickinson - Percebo aqui o potencial para uma vasta desconstrução de grande parte da retórica política atual, algo que, ao menos nos Estados Unidos, parece ligar, muito à vontade, o político com o religioso, e isso sob o falso pretexto de um senso predeterminado do que exatamente é o “sagrado”. Acho que muitas pessoas fora dos Estados Unidos geralmente ficam surpresas quando veem como as pessoas aqui ligam o político com o religioso, mas, pelo menos, Agamben parece ilustrar bem habilmente por que certos grupos político-religiosos têm tanta influência nos Estados Unidos.
Adam Kotsko - Essa certamente é uma área em que ele é muito benjaminiano. Estou pensando na parte de Sobre o conceito de história (W. Benjamin, Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994) em que ele critica severamente os liberais progressistas por ficarem chocados com o fato de essas coisas “ainda” serem possíveis — e o mesmo poderia ser dito sobre os liberais progressistas dos Estados Unidos que estão constantemente esperando que a religião se extinga para que nossa história possa finalmente tomar o curso “normal”.

IHU On-Line - Do que se trata a “ateologia poética” de Agamben? E como podemos compreender a cisão entre poesia e filosofia em seu pensamento?
Colby Dickinson - A poesia, para Agamben, e principalmente em sua forma fragmentária moderna, dirige nossa atenção para a desintegração do “sujeito”, passando de sua “assinatura” teológica para uma nova forma de viver “para além” dos limites do sujeito tradicional (metafísico, teológico, soberano). Nesse sentido, a poesia — especialmente nos poetas que mais diretamente procuraram abrir tal espaço para nós, como Giorgio Caproni  ou Rilke , por exemplo — torna-se um exercício “ateológico” e um movimento em direção a uma esperança para a humanidade encontrar sua libertação de tais forças opressoras. Tradicionalmente, na compreensão dele, era a teologia que preenchia o espaço vazio entre a filosofia e a poesia, dois campos inter-relacionados com focos diferentes: respectivamente, o conhecimento e a experiência. O movimento entre esses dois pontos deveria, na avaliação de Agamben, ficar não preenchido e aberto para as riquezas que tal travessia poderia trazer, embora tais coisas estivessem, muitas vezes, para além de palavras, certamente para além da representação.
A teologia, entretanto, procurou tapar esse espaço aberto com suas próprias conjeturas e redes representacionais, com a intenção de manter uma estrutura específica de poder (soberano), algo muitas vezes ligado ao direito divino dos reis de governar e coisas afins. A busca de Agamben por uma “ateologia poética” é a esperança que ele oferece a nosso mundo contemporâneo de ficar livre de tais estruturas e reivindicações “divinas”, de modo que a própria humanidade possa tomar a tarefa (mais justa) de assumir responsabilidade por si mesma, e não amortecer suas experiências, como querem muitos atualmente. De fato, a palavra que Agamben usa para designar esse amortecimento da experiência — a “museificação” de nosso mundo — diz muito sobre como o “teológico” realmente deve ser entendido. Assim como um museu tira coisas do uso diário, também o religioso reivindica tirar objetos de seu uso diário, conferindo-lhes certa sacralidade. Os esforços de Agamben, pelo contrário, visam tirar a aura sacra de tais objetos e fazê-los voltar a seu uso. Penso muitas vezes na forma como as igrejas hoje em dia se tornaram museus e os museus funcionam como igrejas e os dois atendem cada vez mais a indústria turística.

IHU On-Line - Que aproximações são possíveis entre Agamben, Benjamin e Girard ?
Colby Dickinson - Acho que esse nexo de autores pode ser ligado através do foco de cada um no papel da violência em relação à religião, especialmente porque cada um quer tomar, mais ou menos, o partido das forças fracas, messiânicas da história contra os poderes fortes, soberanos que, do contrário, tendem a governar as coisas. Essa certamente era uma convergência importante de ideias para Benjamin, e creio que para Agamben também. Para este último, especialmente em sua série Homo Sacer e, anteriormente, em Linguagem e morte, há uma forte ligação entre sacrifício, violência e — o que Girard nomearia — mecanismos avulsos da vítima. Embora eu não chegasse a dizer que a obra deles se sobrepõe inteiramente — e estou falando principalmente de Agamben e Girard aqui —, certamente sou levado a ver suas respectivas obras como que formando um esforço conjunto para iluminar as injustiças feitas à vítima, as noções falsas de sacralidade que atuam dentro de tais mecanismos e coisas afins. Penso que o fato de Gianni Vattimo  ter conseguido interpretar Girard como alguém cuja obra nos leva, em última análise, rumo a uma sociedade mais “secular”, parece apenas confirmar a leitura independente que Agamben faz das coisas  (embora o próprio Agamben preferisse usar a palavra “profano”, e não “secular”). É interessante, ao menos de relance, pensar sobre como o principal ponto salientado por Girard — que a sociedade está essencialmente fundamentada na exclusão (“bode expiatório”) de uma vítima fraca e que nossas mais básicas estruturas políticas se baseiam nessa lógica — é também aquilo que subjaz, em última análise, à crítica da política feita por Agamben. Seria possível fazer muito mais com isso, e acho que muita coisa está sendo desenvolvida nesse sentido pelos muitos girardianos atualmente.

IHU On-Line - O que significa a figura do trono vazio utilizada por Agamben em O Reino e a Glória?
Adam Kotsko - Em O reino e a glória, o objetivo de Agamben é revelar que o poder soberano está fundamentalmente vazio, e o trono vazio é uma imagem vigorosa para expressar essa realidade (ou falta de realidade). Mas ele faz uma coisa interessante com essa imagem. Ela parece ser meramente uma maneira de desmascarar a ilegitimidade do poder soberano, mas ele sustenta que também há algo positivo a ser dito. O vácuo no cerne da soberania pode ser uma fonte de transformação e criatividade. Isso porque ele corresponde à inoperatividade fundamental da humanidade: o fato de não termos uma finalidade ou tarefa dada previamente no mundo. O poder soberano mascara essa inoperatividade reivindicando ser a finalidade de toda atividade humana, e desmascarar o poder soberano nos dá a possibilidade de criar finalidades ou tarefas novas e diferentes para nós.
Colby Dickinson - Eu acharia muito interessante colocar essa concepção do “vácuo” no cerne da soberania em diálogo com a noção de “pericorese” de Moltmann , em que é dito que a própria trindade tem um vácuo em seu cerne. Nesse livro, Agamben retoma muito brevemente a noção de trindade de Moltmann, mas não trata diretamente dessa conexão, e penso que em algum lugar aí se perde uma oportunidade de explorar noções “alternativas” do divino, noções que estão além da compreensão de soberania divina que é a usual dele.
Adam Kotsko - Fiquei desapontado com a forma como ele lida com Moltmann, em que se limita a um comentário ferino onde ele sustenta que Benjamin já tinha se saído melhor na tarefa que Moltmann se propõe cumprir e à citação que identifica a trindade econômica e a imanente (que, na verdade, provém de Karl Rahner !). Agamben se envolve muito bem com a tradição teológica, mas, como a maioria dos outros filósofos, pode rejeitar teólogos contemporâneos.

IHU On-Line - E o que podemos compreender com a categoria de “profanação” a que se refere nessa mesma obra?
Colby Dickinson - Essa questão realmente chama a atenção, em minha opinião, para a influência da obra de Foucault  sobre sua própria obra ao longo da última década ou algo assim. As aulas de Foucault sobre a governamentalidade realmente deram ênfase às formas pelas quais o paradigma econômico-gerencial pareceu governar em lugar do que muitos têm visto como o ator político dominante, o ator estatal-político soberano. De muitas formas, entretanto, Agamben parece não conseguir inserir essa ideia na crítica do poder soberano que vem desenvolvendo na série Homo Sacer (Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002).
Adam Kotsko - Esse é um aspecto do argumento de Agamben em O reino e a glória que acho difícil de entender. Primeiramente, ele parece estar apresentando o paradigma econômico como uma alternativa melhor ao paradigma político-teológico da soberania, especialmente na medida em que o localiza nas epístolas paulinas. Contudo, perto do fim do livro ele tachou o paradigma econômico de, em última análise, “infernal” e sem redenção e voltou ao paradigma soberano em sua análise da glória. Eu gostaria que ele tivesse dito mais a respeito de como entende o lugar de Paulo no desenvolvimento do pensamento econômico.
Colby Dickinson - E isso torna a despertar em mim o desejo de vê-lo lidar com algo como a noção de “pericorese” de Moltmann, ou o vácuo no cerne de Deus. Penso que tal noção poderia ser a única forma de voltar — teologicamente, ao menos — a uma exposição do que, exatamente, pode ser feito com o paradigma soberano no fim das contas.

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