19/11/2012-03h35
Geração sinopse
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Em teoria não faz sentido. Ao disponibilizar instantaneamente dados até há pouco inacessíveis, a rede mundial de informação deveria ter como finalidades únicas o estímulo à reflexão e o aumento do intelecto, não a propagação de boatos e a superficialidade generalizada. Bem se vê que, projetada por engenheiros, a internet parece não ter levado em conta o componente social das relações humanas.
Ao contrário do que sugere nossa bandeira, ordem não leva necessariamente ao progresso. A ideia de velocidade e volume para redução de erros é característica dos avanços tecnológicos do século 20, em que o vagar de processos e o limite na oferta eram grandes problemas.
Com a abundância de conteúdo, passamos a viver um paradoxo de eficiência: há respostas demais para que se possa fazer bom uso delas. Por mais que um passeio nas paisagens informativas digitais dê a impressão de que a cultura se enriquece, o que acontece muitas vezes é o contrário: nos tornamos depósitos de dados e citações impensadas.
Antes do surgimento de YouTube, blogs e Wikipédia, dizia-se que informação era poder. A hierarquia, antes baseada em sigilo, não desapareceu. Foi transferida para a administração da complexidade das bases de dados. O livre acesso levou à sobrecarga de informação sem precedentes, em que são imprescindíveis filtros e intérpretes para dar sentido a tudo que se acumula.
Esses filtros não são neutros. É possível que nunca sejam. Isso se deve em boa parte à ganância de muitos que, apoiados na facilidade de acesso à rede, passaram a demandar mais tarefas do que seriam necessárias, eliminando o tempo necessário para a reflexão e a assimilação de informações.
Situações que até recentemente eram consideradas desconhecidas ou imprevisíveis hoje demandam respostas, ainda que imprecisas, inadequadas ou mesmo incorretas. Basta que sejam apresentadas em PowerPoint com vídeos e recitadas por alguém com assertividade que podem ser aceitas como verdade.
Como não é possível ser especialista em tudo nem estar presente em todos os lugares, são comuns ambientes de aparências, em que cada um busca saber o mínimo para não desmontar sua argumentação.
Dessa forma se constrói uma cadeia de falsas informações, citações e referências que não levam a lugar algum. Quando boa parte da fundamentação vem da primeira página de resultados do Google, fica fácil criar uma confusão superficial.
O conteúdo raso fica evidente na grande quantidade de livros de negócios que dizem quase nada, simplificam o não dito em "resumos executivos" e exploram argumentos rasos em mais de 300 páginas.
Para simplificar o trabalho de leitura do não escrito, serviços como GetAbstract e BizSum vendem resumos de seu conteúdo em páginas na internet, audiobooks e slides, facilitando o consumo em trânsito e sua replicação em reuniões. Se tudo isso ainda der muito trabalho, uma sinopse resume a ideia central e destaca os principais conteúdos em cem palavras ou menos.
Por mais que muitos executivos tenham boas intenções, não há como negar que esse terreno é extremamente fértil para a picaretagem. A pressa, já diziam nossas avós, é inimiga da perfeição. E da reflexão.
Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro "Enciclopédia da Nuvem", em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blogwww.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas na versão impressa de "Tec" e no site da Folha.
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