A Mobilização dos Estudantes da PUC/SP e a Democracia
Jorge Luiz Souto Maior(*)
Os estudantes da PUC/SP deflagraram greve geral e estão mobilizados contra o ato do presidente do Conselho Superior da Fundação São Paulo, que nomeou o menos votado para o cargo de reitor da Universidade.
A situação faz lembrar o que ocorreu, em novembro de 2009, na nomeação do atual Reitor, João Grandino Rodas, pelo governador, José Serra, na Universidade de São Paulo.
Contra a mobilização pode-se argumentar que a indicação de qualquer nome da lista é uma prerrogativa do grão-chanceler, não havendo, pois, nenhuma irregularidade no ato, vez que previsto na regra.
Esse argumento positivista, no entanto, enquadra, indevidamente, a lógica democrática, que deve ser construída, constantemente, pela ação política.
O fato é que por meio da atuação política, que é essência da democracia, pode-se questionar, a qualquer instante, a validade constitucional da regra, pondo em relevo a sua função antidemocrática.
Em outras palavras, ainda que prevista regimentalmente, não se pode conceber como legítima, tendo como parâmetro a ordem constitucional pautada pelo Estado Democrático de Direito, a possibilidade de uma única pessoa ferir a vontade coletivamente construída. Assim, a regra que permite a um grão-chanceler, governador ou presidente nomear qualquer um dos integrantes de uma lista, não respeitando a ordem da votação, é antidemocrática, gerando o grave efeito de que o “nomeado” não se vê comprometido com a democracia, ou seja, com a vontade da maioria dos eleitores, tendendo a retro-alimentar a lógica do clientelismo e do desenvolvimento das atribuições do poder no contexto das relações pessoais.
Em se tratando de entidades públicas esse defeito é muito mais grave, pois as funções públicas devem ser desenvolvidas a partir do princípio da impessoalidade, voltando-se, sempre, ao interesse da coletividade, que transcende a perspectiva exclusiva dos próprios membros que a integram. A PUC, dir-se-á, não é uma instituição pública e, portanto, não precisaria atender a esses pressupostos, podendo o presidente da Fundação nomear quem bem entender sob qualquer interesse, até mesmo sem consulta prévia. No entanto, uma vez institucionalizado o procedimento, este deve seguir os preceitos democráticos. Além disso, como revelam os fatos divulgados, a regra consuetudinária, construída ao longo de anos, foi a de que sempre fora respeitada a vontade da maioria, sendo a presente inversão, ainda que prevista na norma positivada, uma quebra do pacto instituíd o, traindo as expectativas de todos que participaram do processo e constituindo um retrocesso perigoso para as práticas democráticas na PUC e fora dela.
Em concreto, o que menos a sociedade brasileira precisa neste momento é de argumentos que legitimem as práticas antidemocráticas. Bem ao contrário, o que necessitamos é de mobilizações políticas de inconformismo e de luta como a dos estudantes da PUC, para que possamos revelar a existência de autênticos atentados à democracia que estão institucionalizados entre nós e para que possamos nos sentir incentivados a discuti-los.
Dentro das perspectivas da lógica democrática e do Estado de Direito, pautado pela divisão de poderes, já passou da hora de denunciarmos a impropriedade, por exemplo, do chefe do Poder Executivo, no âmbito federal, nomear, livremente, sem qualquer critério objetivo, os membros do Supremo Tribunal Federal (fala que não tem o objetivo de negar os evidentes méritos dos atuais Ministros), ou de nomear, dentre os integrantes de uma listra tríplice, na vaga por merecimento, os membros dos Tribunais Superiores e dos Tribunais Regionais, sem respeitar os parâmetros da votação, o que se dá, também em nível estadual.
No caso dos membros do Judiciário, a indevida interferência choca-se com o pressuposto essencial da atuação do magistrado que é a independência. No caso de Reitores de Universidades públicas, a “prerrogativa” conferida ao chefe do Executivo de nomear o membro que não foi o mais votado gera um descompasso desestimulante entre a administração e a comunidade acadêmica, fazendo com que os propósitos daquela sejam contrários aos desta. Neste sentido, a formação das listas tríplices não se justifica.
Os estudantes da PUC/SP, portanto, estão de parabéns pela luta democrática, constituindo a sua atitude, ao mesmo tempo, um aprendizado e um ensinamento, o qual deve servir, por exemplo, à Universidade de São Paulo na busca da reconstrução de seus procedimentos eletivos internos, a começar pela eleição direta do Reitor, com participação igualitária de professores, alunos e servidores.
São Paulo, 15 de novembro de 2012 (dia da Proclamação da República)
(*) Professor Livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro da Associação Juízes para a Democracia
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