Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos
Alexandre Morais da Rosa

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18/03/2012

STJ, Informativo 492


   CC. VEREADOR. FORO ESPECIAL.  

Cinge-se a controvérsia em verificar se vereador possui foro especial por prerrogativa de função em ação penal na qual se apura crime cometido em município diverso de sua vereação. Em princípio, ressaltou-se que, embora a CF não estabeleça foro especial por prerrogativa de função no caso dos vereadores, nada obsta que tal previsão conste das constituições estaduais. O Min. Relator destacou que, segundo o STF, cabe à constituição do estado-membro prever a competência dos seus tribunais, observados os princípios da CF (art. 125, § 1º). In casu, sendo o acusado titular de mandado de vereador de município mineiro, apenas a constituição do respectivo estado poderia atribuir-lhe o foro especial. Porém, o art. 106 daquela Constituição não prevê foro especial para vereador, devendo, nesse caso, prevalecer a regra de competência do art. 70 do CPP. Assim, como a prisão em flagrante ocorreu em município diverso daquele de sua vereação, por estar o vereador supostamente mantendo em sua residência um veículo objeto de furto, compete ao juízo desse local processar e julgar o feito. Precedentes citados do STF: ADI 541-PB, DJ 6/9/2007; do STJ: HC 86.177-PI, DJe 28/6/2010, e HC 57.340-RJ, DJ 14/5/2007. CC 116.771-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 29/2/2012.

DENÚNCIA. INÉPCIA. CONDUTA. INDIVIDUALIZAÇÃO.  

A Turma reiterou que, nos crimes de autoria coletiva, é prescindível a descrição minuciosa e individualizada da ação de cada acusado, bastando a narrativa das condutas delituosas e da suposta autoria, com elementos suficientes para garantir o direito à ampla defesa e ao contraditório. Entretanto, consignou-se que, embora não seja indispensável a descrição pormenorizada da conduta de cada denunciado em tais delitos, não se pode conceber que o órgão acusatório deixe de estabelecer qualquer vínculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada. In casu, não foi demonstrada a mínima relação entre os atos praticados pelo paciente com os delitos que lhe foram imputados, isto é, o efetivo nexo de causalidade entre a conduta e os crimes pelos quais responde. Dessa forma, concluiu-se que a ausência absoluta de elementos individualizados que apontem a relação entre os fatos delituosos e a autoria ofende o princípio da ampla defesa, tornando, assim, inepta a denúncia. Dessarte, a Turma concedeu a ordem para reconhecer a inépcia da denúncia apenas em relação ao ora paciente, determinando o trancamento da ação penal em seu favor, sem prejuízo do oferecimento de nova peça acusatória contra ele, com observância do disposto no art. 41 do CPP. Precedentes citados do STF: HC 88.600-SP, DJ 9/3/2007; e HC 73.271-SP, DJ 4/10/1996; do STJ: HC 107.503-AP, DJe 9/2/2009, e HC 117.945-SE, DJe 17/11/2008. HC 214.861-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 28/2/2012.

JÚRI. DESAFORAMENTO. IMPARCIALIDADE DOS JURADOS.  

A Turma decidiu que, em caso de desaforamento fundado na dúvida de imparcialidade do corpo de jurados (art. 427 do CPP), o foro competente para a realização do júri deve ser aquele em que esse risco não exista. Assim, o deslocamento da competência nesses casos não é geograficamente limitado às comarcas mais próximas, que são preferíveis às mais distantes. De fato, o desaforamento deve garantir a necessária imparcialidade do conselho de sentença. Na hipótese, o paciente tem grande influência política na região do distrito da culpa e é acusado de ser integrante de organização criminosa atuante em várias comarcas do estado. Nesse contexto, o Min. Relator não enxergou ilegalidade no desaforamento requerido pelo juiz de primeiro grau, que resultou no deslocamento do feito para a capital do estado. Asseverou, ainda, com base na doutrina e jurisprudência, que no desaforamento é de enorme relevância a opinião do magistrado que preside a causa por estar mais próximo da comunidade da qual será formado o corpo de jurados e, por conseguinte, tem maior aptidão para reconhecer as hipóteses elencadas no art. 427 do CPP. Precedentes citados: HC 43.888-PR, DJe 20/10/2008; HC 34.574-RJ, DJ 5/11/2007, e HC 134.314-PI, DJe 2/8/2010. HC 219.739-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/3/2012.

TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO. PROPOSITURA. AÇÃO PENAL.  

A Turma, prosseguindo o julgamento, por maioria, reconheceu ser possível a propositura de ação penal quando descumpridas as condições impostas em transação penal (art. 76 da Lei n. 9.099/1995). Destacou-se que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do tema, firmando o posicionamento de que não fere os preceitos constitucionais a propositura de ação penal em decorrência do não cumprimento das condições estabelecidas em transação penal, uma vez que a decisão homologatória do acordo não faz coisa julgada material. Dessa forma, diante do descumprimento das cláusulas estabelecidas na transação penal, retorna-se ao status quo ante, viabilizando-se, assim, ao Parquet a continuidade da persecução penal. Precedentes citados do STF: RE 602.072-RS, DJe 26/2/2010; do STJ: HC 188.959-DF, DJe 9/11/2011. HC 217.659-MS, Rel. originária Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Og Fernandes, julgado em 1º/3/2012. 
OBS. Fico com o voto da Min. Maria Thereza, evidente... mas

ESTELIONATO JUDICIAL. TIPICIDADE.  

A Turma deu provimento ao recurso especial para absolver as recorrentes – condenadas como incursas nas sanções do art. 171, § 3º, do CP – por entender que a conduta a elas atribuída – levantamento indevido de valores por meio de tutela antecipada, no bojo de ação civil – não configura o denominado “estelionato judicial”. A Min. Relatora asseverou que admitir tal conduta como ilícita violaria o direito de acesso à justiça, constitucionalmente assegurado a todos os indivíduos nos termos do disposto no art. 5º, XXXV, da CF. Sustentou-se não se poder punir aquele que, a despeito de formular pedido descabido ou estapafúrdio, obtém a tutela pleiteada. Destacou-se, ademais, a natureza dialética do processo, possibilitando o controle pela parte contrária, através do exercício de defesa e do contraditório, bem como a interposição dos recursos previstos no ordenamento jurídico. Observou-se, inclusive, que o magistrado não estaria obrigado a atender os pleitos formulados na inicial. Dessa forma, diante de tais circunstâncias, seria incompatível a ideia de ardil ou indução em erro do julgador, uma das elementares para a caracterização do delito de estelionato. Acrescentou-se que eventual ilicitude na documentação apresentada juntamente com o pedido judicial poderia, em tese, constituir crime autônomo, que não se confunde com a imputação de “estelionato judicial” e, in casu, não foi descrito na denúncia. Ponderou-se, ainda, que, em uma análise mais detida sobre os elementos do delito de estelionato, não se poderia considerar a própria sentença judicial como a vantagem ilicitamente obtida pelo agente, uma vez que resultante do exercício constitucional do direito de ação. Por sua vez, concluiu-se que o Direito Penal, como ultima ratio, não deve ocupar-se de questões que encontram resposta no âmbito extrapenal, como na hipótese dos autos. A deslealdade processual pode ser combatida com as regras dispostas no CPC, por meio da imposição de multa ao litigante de má-fé, além da possibilidade de punição disciplinar no âmbito do Estatuto da Advocacia. REsp 1.101.914-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/3/2012.

ECA, 241-B - Leonardo de Bem



http://atualidadesdodireito.com.br/leonardodebem/2011/12/20/o-direito-penal-de-conduta/


Sobre o art. 241-B destaco o que consta no artigo acima citado:


O art. 241-B da Lei n. 8.069/90 – o Estatuto da Criança e do Adolescente – pune com pena de reclusão as ações de “adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”. [6] Sabe-se que a luta contra a pedofilia é uma constante – e é reforçada com a proposta legislativa acima narrada –, mas não deve ser realizada buscando evitar condutas inofensivas a um bem jurídico.
É normal que um casal de namorados, no qual o homem seja maior de idade e a mulher maior de catorze anos, relacione-se sexualmente. E atualmente também é uma constante que as meninas se deixam fotografar nuas a pedido do namorado e, geralmente, em fotos com colorido sexual, e depois se vejam circulando pela internet. Essa conduta, por si só, é considerada criminosa porque atinge de forma relevante a dignidade sexual da vítima. Contudo, pode suceder do namorado ser muito querido e apenas fotografar a namorada com o fim de todas as noites antes de dormir, porque mora longe e deseja ser fiel até o casamento, satisfazer a sua lascívia. Até aí nada de relevante. Mas o rapaz querido, em certo dia, ao sair da faculdade, acaba parado numa blitz policial e ao telefonar para seu pai avisando o acontecido tem seu celular apreendido, pois o policial observa a foto com colorido sexual. Com efeito, é preso. Terá cabimento a imposição de uma pena?
Ninguém pode dizer que a intenção do agente era mostrar as fotografias para os amigos ou revelá-las virtualmente, porque, assim, consagrar-se-ia o Direito Penal de autor e não um Direito Penal de ação. Poderá vir um moralista e dizer que o jovem é bastante pervertido. Isso até poderá estar correto, porém é totalmente equivocado puni-lo penalmente se os pressupostos de convivência social não foram afetados. Trata-se somente de conduta com propósito pessoal. Pode parecer jocoso, e mesmo o será, no entanto o faço para realmente aclarar o contexto: a intenção de “fazer justiça com as próprias mãos” será aplacada por meio da justiça penal. É para isso que serve o Direito penal? Sim, quando deixarem os togados de observar o princípio da ofensividade ou lesividade.

Vontade do LEgislador?

STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do júri: símbolos e rituais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 52: "Ainda se acredita na ficção da vontade do legislador, do espírito do legislador, da vontade da norma. Aliás, de que ‘legislador’ falam os comentadores? Santiago Nino, citado por Ferraz Jr., ironiza as ‘propriedades que caracterizam o legislador racional’, uma vez que ‘ele é uma figura singular, não obstante os colegiados, etc.; é permanente, pois não desaparece com a passagem do tempo; é único, como se todo o ordenamento obedecesse a uma única vontade; é consciente, porque conhece todas as normas que emana; é finalista, pois tem sempre uma intenção; é onisciente, pois nada lhe escapa, sejam eventos passados, futuros ou presentes; é onipotente, porque suas normas vigem até que ele mesmo as substitua; é justo, pois jamais comete uma injustiça; é coerente, ainda que se contradiga na prática; é onicompreensivo, pois o ordenamento tudo regula, explícita ou implicitamente; é econômico, ou seja, nunca é redundante; é operativo, pois todas as normas têm aplicabilidade, não havendo normas nem palavras inúteis; e, por último, o legislador é preciso, pois apesar de se valer de palavras da linguagem natural, vagas e ambíguas, sempre lhes conferem sentido rigorosamente técnico...É de se perguntar: pode alguém, ainda, acreditar em tais ‘propriedades’ ou ‘características’ do ‘legislador’?"

Anistia - O caso Chileno

O gambito chileno
No Chile, o novo Judiciário civil estava com as mãos atadas pela anistia, o que fez os promotores se tornarem gradualmente mais criativos no questionamento da lei
ANTHONY W. PEREIRA
A recente medida de promotores do Ministério Público Federal de indiciar um ex-coronel do Exército pelo sequestro de cinco suspeitos de participação na guerrilha do Araguaia em 1974 atraiu os olhares para o Judiciário brasileiro. Embora o juiz federal de Marabá tenha rejeitado denúncia, o MPF prepara recurso. O que está em discussão é se a anistia de 1979, que cobre crimes políticos ocorridos entre 1961 e 1979, e foi sustentada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010, se aplica nesse caso. Se a decisão final for de que não se aplica, todos os casos de desaparecimentos políticos ocorridos durante a ditadura militar de 1964-85, em que os corpos ainda não tiverem sido recuperados, poderiam ser objeto de processo. O que expandiria as tentativas judiciais de se levar a julgamento crimes ocorridos no regime militar.

CELSO JUNIOR/AE
Tese dos procuradores Ivan Marx e Tiago Rabelo é de crime continuado
O caso suscita duas questões. Uma diz respeito à tática do procuradores. Outra se relaciona às razões para a aparente relutância de juízes brasileiros em desafiar o status quo jurídico em relação ao regime militar. Essa relutância contrasta com o ativismo nos poderes Legislativo e Judiciário no Brasil, e nos judiciários de países vizinhos com histórias parecidas, como Argentina, Chile e Uruguai.
No Chile, a anistia de 1978 funcionou como a anistia de 1979 para o Brasil. Ela garantiu impunidade a todos que perpetraram violações de direitos humanos sob o regime do general Augusto Pinochet (1973-1990). O Judiciário do regime civil empossado em 1990 estava com as mãos atadas pela anistia, e não conseguia processar ninguém. Mas os promotores foram se tornando gradualmente mais criativos no questionamento da lei de anistia. Um argumento era de que a anistia não poderia ser aplicada a casos de desaparecimento. Como os cadáveres não haviam sido recuperados após esses crimes, e era impossível determinar quando o crime prescrevera, a anistia não se aplicava a eles. A Suprema Corte chilena admitiu e sustentou esse princípio em 2004, no caso de Miguel Ángel Sandoval. De lá para cá, mais de 700 agentes do Estado foram investigados e acusados de crimes em tribunais chilenos. Cerca de 30% dos condenados cumpriram penas de prisão.
Ainda não está claro, porém, se a tática funcionará no Brasil. Há muitas diferenças entre os países. Lá, grupos organizados, incluindo partidos políticos importantes, pressionaram o Estado chileno. Um padrão comparável de pressão não ocorreu no Brasil.
Houve ativismo judicial na Argentina e no Uruguai também. Na Argentina, mais de 700 pessoas foram acusadas de crimes cometidos durante a ditadura de 1976-1983 nos últimos dez anos, após uma lei que punha fim aos processos ser julgada inconstitucional. No Uruguai, alguns processos começaram desde que o Congresso derrubou a anistia naquele país, em outubro de 2011. Em contraste, os tribunais brasileiros têm visto relativamente poucas tentativas de buscar justiça por violações passadas de direitos humanos; a lei da anistia tem sido bem menos questionada do que foi nos países do cone sul. O fato de a escala de mortes no Brasil ter sido muito menor que na Argentina e no Chile parece inadequado como explicação. Afinal, houve centenas de execuções e desaparecimentos no Brasil, e um número muito grande de pessoas torturadas - 20 mil, segundo algumas estimativas. Uma exceção foi o caso do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, julgado responsável pela tortura de três pessoas num tribunal de São Paulo em 2008 - uma ação civil e não criminal, que resultou apenas numa sentença declaratória.
Uma razão para a passividade do Judiciário brasileiro é que a repressão brasileira à época foi judicializada num grau maior que na Argentina e no Chile. Em outras palavras, os tribunais militares, mas também o STF, em que poderia haver apelação, foram responsáveis pelo processo de grande número de prisioneiros políticos - e por sentenciá-los, muitas vezes, com base em evidências extraídas sob tortura. O Judiciário, ou ao menos parte dele, teve, portanto, uma razão poderosa para resistir aos apelos para investigar abusos passados. Essa não é a única razão provável para um resultado brasileiro distinto em matéria de justiça de transição. Mas é parte plausível, institucional, da história.
O indiciamento pelos promotores de um ex-oficial do Exército envolvido no Araguaia pode esquentar o debate sobre a justiça de transição no Brasil. Os juízes ainda terão de responder definitivamente a essa tentativa criativa de contornar os entraves da lei da anistia. Na controvérsia sobre a Comissão da Verdade provavelmente veremos, em breve, quanto o Brasil é parecido ou diferente de seus vizinhos do Cone Sul. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
ANTHONY W. PEREIRA É PROFESSOR E DIRETOR DO INSTITUTO BRASIL NO KING’S COLLEGE EM LONDRES E AUTOR, ENTRE OUTRAS OBRAS, DE DITADURA E REPRESSÃO (PAZ E TERRA)

05/03/2012

Democratizando a violência oficial. Manda ler a CR e o CPP, mas....


link parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=kS__pEeRwns&feature=related
link parte 2: http://www.youtube.com/watch?v=0sJ4qeif8uM&feature=related

STJ Informativo 491

TESTEMUNHAS. INQUIRIÇÃO. JUIZ. DEPOIMENTO POLICIAL. LEITURA. RATIFICAÇÃO.  

A discussão diz respeito à maneira pela qual o magistrado efetuou a oitiva de testemunhas de acusação, ou seja, a forma como a prova ingressou nos autos. Na espécie, o juiz leu os depoimentos prestados perante a autoridade policial, indagando, em seguida, das testemunhas se elas ratificavam tais declarações. O tribunal a quo afastou a ocorrência de nulidade, por entender que a defesa encontrava-se presente na audiência na qual teve oportunidade para formular perguntas para as testemunhas. Nesse panorama, destacou a Min. Relatora que, segundo a inteligência do art. 203 do CPP, o depoimento da testemunha ingressa nos autos de maneira oral. Outrossim, frisou que, desse comando, retiram-se, em especial, duas diretrizes. A primeira, ligada ao relato, que será oral, reforçado, inclusive, pelo art. 204 do CPP. A segunda refere-se ao filtro de fidedignidade, ou seja, ao modo pelo qual a prova ingressa nos autos. Dessa forma, ressaltou que a produção da prova testemunhal, por ser complexa, envolve não só o fornecimento do relato oral, mas também o filtro de credibilidade das informações apresentadas. In casu, tal peculiaridade foi maculada pelo modo como empreendida a instrução, na medida em que o depoimento policial foi chancelado como judicial com uma simples confirmação, não havendo como, dessa maneira, aferir sua credibilidade. Assim, concluiu não se mostrar lícita a mera leitura do magistrado das declarações prestadas na fase inquisitória, para que a testemunha, em seguida, ratifique-a. Com essas, entre outras considerações, a Turma, prosseguindo o julgamento, concedeu a ordem para anular a ação penal a partir da audiência de testemunhas de acusação, a fim de que seja refeita a colheita da prova testemunhal, mediante a regular realização das oitivas, com a efetiva tomada de depoimento, sem a mera reiteração das declarações prestadas perante a autoridade policial. Precedentes citados do STF: HC 75.652- MG, DJ 19/12/1997, e HC 54.161-RJ, DJ 22/4/1976. HC 183.696-ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 14/2/2012.

PORTE. ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. MUNIÇÃO INCOMPATÍVEL.  

In casu, o paciente foi flagrado em via pública com uma pistola calibre 380 com numeração raspada e um cartucho com nove munições, calibre 9 mm, de uso restrito. Em primeiro grau, foi absolvido do porte de arma, tendo em vista a falta de potencialidade lesiva do instrumento, constatada por meio de perícia. Entendeu, ainda, o magistrado que não se justificaria a condenação pelo porte de munição, já que os projéteis não poderiam ser utilizados. O tribunal a quo deu provimento ao apelo ministerial ao entender que se consubstanciavam delitos de perigo abstrato e condenou o paciente, por ambos os delitos, a quatro anos e seis meses de reclusão no regime fechado e vinte dias-multa. A Turma, ao prosseguir o julgamento, após o voto-vista do Min. Sebastião Reis Júnior, denegando a ordem de habeas corpus, no que foi acompanhado pelo Min. Vasco Della Giustina, e o voto da Min. Maria Thereza de Assis Moura, acompanhando o voto do Min. Relator, verificou-se o empate na votação. Prevalecendo a situação mais favorável ao acusado, concedeu-se a ordem de habeas corpus nos termos do voto Min. Relator, condutor da tese vencedora, cujo entendimento firmado no âmbito da Sexta Turma, a partir do julgamento do AgRg no REsp 998.993-RS, é que, "tratando-se de crime de porte de arma de fogo, faz-se necessária a comprovação da potencialidade do instrumento, já que o princípio da ofensividade em direito penal exige um mínimo de perigo concreto ao bem jurídico tutelado pela norma, não bastando a simples indicação de perigo abstrato." Quanto ao porte de munição de uso restrito, apesar de tais munições terem sido aprovadas no teste de eficiência, não ofereceram perigo concreto de lesão, já que a arma de fogo apreendida, além de ineficiente, era de calibre distinto. O Min. Relator ressaltou que, se a Sexta Turma tem proclamado que é atípica a conduta de quem porta arma de fogo desmuniciada, quanto mais a de quem leva consigo munição sem arma adequada ao alcance. Aliás, não se mostraria sequer razoável absolver o paciente do crime de porte ilegal de arma de fogo ao fundamento de que o instrumento é ineficiente para disparos e condená-lo, de outro lado, pelo porte da munição. Precedente citado: AgRg no REsp 998.993-RS, DJe 8/6/2009. HC 118.773-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/2/2012.

Terrorismo e Garantias Constitucionais: a questão do “analfabetismo jurídico funcional” e a caneta que pode(ria) pesar.

Terrorismo e Garantias Constitucionais: a questão do "analfabetismo jurídico funcional" e a caneta que pode(ria) pesar.

 
Alexandre Morais da Rosa
 
"Na luta do Bem contra o Mal, sempre é o povo que contribui com os mortos."
Eduardo Galeano
 

1 – Perguntaram a um louco que havia perdido a sua chave na floresta, por que estava a procurando sob a luz do poste da rua, no que ele respondeu: aqui tem mais luz. Procurar flexibilizar as garantias constitucionais na perspectiva de resolver os problemas de Segurança Pública é procurar, como o louco, a chave no mesmo lugar. Lugar caolho, a saber, dos neoliberais.

2 – Jacinto Nelson de Miranda Coutinho há muito denuncia a maneira pela qual o discurso da eficiência, inclusive Princípio Constitucional (CR, art. 37), para os incautos de plantão, embrenhou-se pelo processo penal em busca da sumarização dos procedimentos, da redução do direito de defesa, dos recursos, enfim, ao preço da democracia (Júlio Marcellino). A razão eficiente que busca a condenação "fast-food" implicou nos últimos anos na "McDonaldização" do Direito Processual Penal: Sentenças que são proladas no estilo "peça pelo número". A "standartização" da acusação, da instrução e da decisão. Tudo em nome de uma "McPena-Feliz". Nada mais cínico e fácil de ser acolhido pelos atores jurídico, de regra, "analfabetos funcionais."

3 – A primeira questão, com efeito, a ser enfrentada é a do "ator jurídico analfabeto funcional", ou seja, ele sabe ler, escrever e fazer conta; vai até na feira sozinho, mas é incapaz de realizar uma leitura compreensiva. Defasado filosófica e hermeneuticamente, consegue ler os códigos, mas precisa que alguém – do lugar do Mestre – lhe indique o que é o certo. Sua biblioteca é composta, de regra, pela "Coleção de Resumos", um livro ultrapassado de Introdução ao Estudo de Direito – destes usados na maioria das graduações deste imenso país –, acompanhado de uma lamúria eterna de que o Direito é complexo, por isso lê Paulo Coelho. Quem sabe, com alguns comprimidos de "prozac" ou algo do gênero, para, imaginariamente, dar conta. Complementa o "kit nefelibata" – dos juristas que andam nas nuvens – com um CD de Jurisprudência ou acesso aos "sites" de pesquisa jurisprudencial, negando-se compulsivamente a pensar. O resultado disto, por básico, é o que se vê: um deserto teórico no campo jurídico, em que cerca de 60% – sendo otimista – dos atores jurídicos são incapazes de compreender o que fazem. Para além da "opacidade do direito" (Carcova) e sua atmosférica mito-lógica (Warat), existe uma geléia de "atores jurídicos analfabetos funcionais". Estes, por certo, não sabem compreender hermeneuticamente, porque para isso precisariam saber pelo menos do giro lingüístico (Rorty), isto é, deveriam superar a Filosofia da Consciência em favor da Filosofia da Linguagem. Seria pedir muito? Talvez. Mas é preciso entender que o sentido de uma norma jurídica (norma: regra + princípio) demanda um círculo hermenêutico (Heidegger e Gadamer), incompatível com os essensialismos ainda ensinados na graduação: vontade da norma e vontade do legislador, tão bem criticados por Lenio Streck.

4 – No campo Direito e Processo Penal, a situação é patológica. É que as gerações antecedentes, a saber, os atuais atores jurídicos (professor, juiz, promotor, procurador, advogado, delegado, etc), em grande parte, não sabem também compreender. São, na maioria, "juristas analfabetos funcionais" que pensam que pensam juridicamente e, não raro, ocupam as cátedras de ensino, incapazes, porque não dominam, de repassar uma cultura democrática. Estes, portanto, muitos de boa-fé – reconheço –, acreditam que ensinam Direito, quando na verdade ensinam o estudante de Direito a fazer a "feira da jurisprudência". Este processo de fazer a "feira da jurisprudência" significa encontrar uma decisão consolidada, remansosa – como gosta de dizer o "senso comum teórico dos juristas" (Warat). É facilitada atualmente pela adoção de posturas totalitárias, como a do Supremo Tribunal Federal ao editar no seu "site" a Constituição da República interpretada pelos Ministros! Aplaudida pelos incautos de sempre, este documento é fascista, porque sob a fachada de informação, esconde interesses inconfessáveis de "normatização", de uma "Constituição do Conforto Hermenêutico". Não foi à toa que a Emenda Constitucional n. 45 consagrou a Súmula Vinculante, no que tem o meu total desdém e resistência constitucional, como quer Lenio Streck, redundando no que aponta como a "baixa constitucionalização do Direito".

5 – Cabe destacar, também, no campo penal, que com a queda do Muro de Berlim e o fim da guerra fria, para justificação da opressão, precisou-se de um novo inimigo, não mais externo, mas interno. Neste contexto, o discurso de almanaque tornou, por razoável tempo, a droga o grande bode expiatório dos males mundiais, justificando, assim, a intervenção dos "Guardiães Mundiais", os Estados Unidos da América – EUA – na preservação do "bem mundial" (Rosa del Omo). Entretanto, com os ataques de 11 de setembro, o foco modificou-se para os "terroristas" (Walter Russel Mead). Esta figura oculta, de difícil compreensão, desde uma intolerância ocidental, num mundo globalizado (Beck), autoriza, pela "necessidade" a suspensão do Estado Democrático de Direito. O desconhecido, o estrangeiro (Julia Kristeva, com base na psicanálise, sabe que ele atua justamente em nós), o mito, o demônio com nova roupagem, materializado pelo "terrorista" que funciona como um estereótipo de tudo o que atrapalha a "paz" da nova "ordem mercadológica neoliberal mundial".

6 – Agamben aponta que o poder encontra-se na "exceção", a saber, na possibilidade de que se exclua a regra de aplicação geral e se promova, para o caso, uma outra decisão, apartada dos Princípios da Legalidade e da Igualdade. Este poder encontra-se indicado pela estrutura, segundo a qual existe um lugar autorizado a escolher, que se encontra, ao mesmo tempo, dentro e fora de uma estrutura jurídica, conforme o pensamento de Carl Schmitt, na interseção entre o jurídico e político. Esta distinção, todavia, entre jurídico e político precisa ser problematizada, não se podendo colocar, em absoluto, incomunicáveis, apesar de ocuparem lugares diversos (Zizek e Werneck Vianna). Neste pensar, segundo Agamben, "o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal." Desta maneira, rompendo com uma concepção platônica de Verdade e Justiça, bem assim de que a linguagem não é o meio de adequação da realidade (Heidegger e Streck), o processo ganha um lugar de limite (Fazzalari e Catoni). Um limite que cerca, mas não consegue segurar o "poder de exceção", até porque se mantido o discurso da salvação, em nome da "bondade dos bons" (Agostinho Ramalho Marques Neto), vale tudo.

7 –. Evidentemente que esta afirmação precisa ser adubada com muita empulhação ideológica – Direito Penal do Inimigo de Günter Jakobs, ou Teoria das Janelas Quebradas – importada do aplaudido primeiro mundo. Esta postura Pangloss (Voltaire) serve, muito bem, aos interesses ideológicos que manipulam os atores jurídicos. Com estes ingredientes, facilmente instaura-se o processo penal de exceção, cujo fundamento de conter as mazelas sociais e brindar os privilegiados consumidores com segurança, encontra antecedente histórico no nazismo. Plenos poderes, apreensões de averiguação, prisão provisória de regra, tortura (psicológica, física e química), tudo passa a ser justificado em nome de um argumento cínico maior: o "bem comum", consistente na segurança de todos, inclusive de quem está sendo apreendido e, eventualmente, excluído. O Direito de Exceção, em nome do bem dos acusados, e antes da Sociedade, suspende as garantias processuais, previstas na Constituição da República e nos Tratados de Direitos Humanos, por entender que elas são um entrave à redenção moral do infrator e à Segurança Coletiva. Assim é que, seguindo Agamben, é necessário se buscar parar esta máquina, para que os acusados não se transformem – mais ainda – na figura do "musulmán" de Auschwitz retratada por Agamben. Embalados pela necessidade de conter a (criada) escalada de atos criminal, ou seja, a estrutura cria a exclusão e depois sorri propondo a exclusão novamente, via sistema penal, e os excelentes funcionários públicos nefelibatas – tal qual Eichmann –, na melhor expressão Kantiana, cumprem suas funções, sem limites. Existe uma co-responsabilidade social (Zafaroni-Pierangeli), da qual somente se pode tangenciar – como de costume – cinicamente. Para estes, no interesse do acusado, a necessidade derruba qualquer barreira processual, pois, sabe-se com Agamben, que a necessidade não tem lei, isto é, não reconhece qualquer lei limitadora, criando sua própria lei. A construção fomentada e artificial de um estado de risco, adubada pelo terrorismo, faz com o que o discurso se autorize, em face das ditas necessidades, a suspender o Estado Democrático de Direito, promovendo uma incisão de emergência e total.

8 – Em nome da "claridade" surge a explosão do controle total, lembrando George Orwell, em seu "1984". Entretanto, a obscena pretensão de transparência total, em nome do (dito) interesse público, bem demonstrada na tese de doutorado de Túlio Lima Vianna, esconde interesses ideológicos obliterados da discussão manifesta. É no latente, no que marca o "sublime objeto da ideologia", para usar uma expressão de Zizek, que desponta o que tocaia. Por isto que estas considerações procuram estabelecer um diálogo a partir da Economia. A eficiência do controle é compartilhada pela questão dos custos. A Análise Econômica do Direito Penal – "AEDP" – defendida por muitos, dentre eles Posner, inclusive uns que se alastram no Brasil, defende que o "crime" precisa, ainda e necessariamente, atender o critério de custos. O cárcere é caro, custa muito. O RDD – Regime Disciplinar Diferenciado – é simbolicamente importante para o discurso totalitário (e inconstitucional), mas não justifica sua universalização por aumentar despesa. Logo, a pretensão de muitos é o estabelecimento de controles em liberdade, de toda a sociedade, tornando-se esta num "panóptico digital". Perceba-se que com isto se controla, via um simples GPS ou um fone NEXTEL, a localização, por rua, do assujeitado, ou mesmo via cartão de crédito e telefone celular, por suas antenas. Além disso, se controla onde se esteve e se impede, pensam, as re-uniões criminosas. Daí é que em nome da eficiência do controle, invoca-se "Tim Maia" e "vale tudo". O Direito que procura fazer obstáculo é tornado, em nome da segurança de todos, reflexivo. Puro embuste.

9 – De qualquer forma, isto é evidente, existe um inescondível condicionante econômico para que a realidade, entendida como os limites simbólicos, seja manipulada na ambivalência "medo-segurança", que toca no mais íntimo e estranho do sujeito (Freud). Monitorar, registrar e reconhecer, diz Túlio Vianna, para o seu próprio bem, implica, necessariamente numa versão de Estado Totalitário. A banalização ideológica, em nome do discurso único do capital, apresenta sob a flâmula sedutora da Liberdade toda sorte de justificativas para o fenecimento da solidariedade. Com o egoísmo, os meios, tudo passa a se justificar. As pretensões éticas (bem) e morais (bom) devem se adaptar às necessidades de um Mercado sem lei, sem limite, cujo muro se avizinha. Sem limite, por básico, não há desejo. A questão parece ser que a destruição da ficção Estado abre espaço para a Liberdade representada pelo Mercado. Nesta ironia de defender a Liberdade de todos mediante o agigantamento do controle, parece-me, num giro de linguagem, aplicável plenamente ao discurso neoliberal e suas teorias (Justiça, Direito Penal do Inimigo, etc..). O Direito Penal, no projeto Neoliberal, possui um papel fundamental na manutenção do sistema, eis que mediante a (dita) legitimação do uso da coerção, impõe a exclusão do mundo da vida com sujeitos engajados no projeto social-jurídico naturalizado, sem que se dêem conta de seus verdadeiros papéis sociais. Acredita-se que se é um excepcional funcionário público, tal qual Eichmann (em Jerusalém), ou seja, um sujeito cuja normalidade indicava a "Normalpatia" apontada por L.F. Barros, isto é, no seu excesso patológico. Esta a submissão alienada é vivenciada dramaticamente pelos metidos no processo penal.

10 – O discurso do ‘determinismo positivista’ é realimentado em face das condicionantes sociais, reeditando a necessidade de ‘tutelar’ os desviantes – consumidores falhos, "lixo humano", como se refere Bauman – mediante prevenção, repressão e terapia. O Estado Intervencionista da ‘Nova Escola Penal’ está de volta na sua missão de defender os cidadãos ‘bons e sadios’ dos ‘maus e doentes’, desenterrando o discurso etiológico, perfeitamente conveniente para mídia e para classe dominante. Sob o mote de curar ao mal, tendo a sociedade como um organismo vivo, na perspectiva de uma vida social sadia, a violência oficial se mostra mais do que justificada: é necessária à sobrevivência social, ainda mais contra o "terrorista social".

11 – Agamben deixa evidenciado que o poder soberano se apropria do poder de dizer o direito, podendo o Princípio da Legalidade cercar, sem nunca segurar, por básico, o sentido que advém de um processo constante de compreensão. Entre texto (fato gráfico) e norma (produto da interpretação), diz Cordero, existem opções múltiplas que somente os iludidos de sempre conseguem acreditar, em sua fé inabalável, em sentidos unívocos, ou seja, em segurança jurídica. O Princípio da Legalidade e a Segurança Jurídica, assim, são dois presentes trazidos por "Papai Noel" aos felizes "atores jurídicos analfabetos funcionais" em Direito e que se esgueiram, todos os dias, nos foros deste imenso país. A sensação que tenho, cada vez que adentro na teia do processo penal, é a de que se vive numa fantasia paranóica, a saber, imaginária: uma farsa. Algo que escrevi em minha tese de doutorado (Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006) como sendo Complexo de Truman. Muitos acreditam que o processo é a realidade, perfeitamente construída para apaziguar a falta nossa de cada dia, graças a Deus. Uma fraude para manter os atores jurídicos artificialmente felizes. Não há mundo além do processo, do semblante construído por significantes. É a posição calhorda. No filme foi preciso arrombar a porta para se dar conta de que existe mais. Enfim, que existe um mundo para além do construído artificialmente. Este é o desafio. Zizek e Mellman falam do homem sem gravidade, de baixa calorias, que vive por viver, vai – talvez embalado por uma destas teorias orientais da moda – sem eira nem beira. Mas existem vítimas! Que se danem – dizem –, não sou eu. Esta lógica "do meu umbigo" move, de regra, os enleados no processo penal. Uma fraude encenada em que se mantém a pose de democrata, com muita maquilagem cínica e a vítima, o Homo-Sacer de Agamben, não tem pena, se aplica pena.

12 – As vidas que se escondem nos processos penais, na sua grande maioria, são irreais para os promotores, advogados e juízes que assistem como se fosse mais um filme de mau-gosto, protagonizado por artistas que não merecem o papel. Deveriam ser retirados de cena. E são. É preciso retornar ao que Zizek aponta como o "Deserto do Real", saindo do semblante do universo processual artificial construído para que nos esqueçamos que existem pessoas morrendo. Gente. Como eu e você. Mas como não conseguimos ter a dimensão do que acontece, substituímos pelo semblante da ficção e suas verdades, para alguns Real. Este discernimento entre o real e o ficcional é o desafio num mundo sem perspectivas que não o "Shopping Center".

13 – Acrescente-se a isto tudo um vagaroso e eficaz processo de cooptação ideológica, na linha de Gramsci, dos atores jurídicos, pretensamente participantes da classe média e do consumo. Sedentos por segurança querem excluir, prender, matar simbolicamente, os de sempre: o diferente. A perspectiva de que querem acabar com a nossa paz social – nunca obtidade ou mesmo existente – que transforma um "furtador" – de xampu a carteiras – no "terrorista" responsável por nossa toda a nossa infelicidade. Então, cadeia neles. Penas mais altas. Exclusão. Mas como não funciona, porque não dá conta, mesmo, surge a compulsão por mais condenações, prisões, execuções, ideías loucas de castração, coleiras, Sex offender, apitos....

14 – Esses dias, um amigo – o Zé –, pessoa do povo, perguntou-me porque quem é preso em flagrante não vai direto cumprir pena? Por que o processo? Respondi que estamos, ainda, numa democracia em que o processo como procedimento em contraditório (Fazzalari) é o mecanismo democrático para se apurar a responsabilidade de alguém. Ele me respondeu que não precisa. Entendi a posição dele, até porque um homem pragmático. No Brasil, esta posição de execução antecipada, embora vedada pela Constituição, continua sendo a prática. Basta perceber que se homologa flagrante formalmente em diversas comarcas, nega-se a soltura de meros acusados com as justificativas mais loucas, tudo em nome da paz da sociedade, como Bush faz para atacar o mundo, bem sabem os Iraquianos. Isto bem demonstra a estrutura Inquisitória do Sistema Processual Penal brasileiro que mantém a pose democrática, mas exerce a mais violenta forma de seqüestro preliminar da liberdade. Todavia, quem respira um pouco de oxigênio democrático, sabe que somente o processo pode fazer ceder, via decisão transitada em julgado, a presunção constitucional da inocência, justamente porque é a Jurisdição a única que pode assim proceder. Ferrajoli bem sabe da impossibilidade de se extinguir as prisões cautelares (Leandro Goernick). Entretanto, mostra-se intolerável que as pessoas fiquem presas sem culpa, sem processo, presas pelo que são e não pelo que fizeram, em processos decorrentes de "furtos de moinhos de ventos". O processo precisa de tempo, e tempo é dinheiro. No mundo da eficiência, todavia, quer-se condenações no melhor estilo dos Tribunais Nazistas. Imediatamente. Sem direito de defesa e transmitidas ao vivo, com patrocidores a peso de ouro e muita audiência: plim-plim. A fórmula é a de sempre: Juvenal dizia: Pão e Circo. E quando acontecem prisões como a de Paulo Maluf a coisa fica pior, porque a Esquerda Punitiva é caolha, bem sabe Maria Lúcia Karam, não se dá conta de que relegitima o sistema penal, indica Juarez Cirino dos Santos. "Agora até o Maluf vai preso". E se Ele vai preso, com mais razão o "ladrãozinho" de frango de Televisão de Cachorro também. Então, quando se fala, na EC/45 de prazo razoável para os processos, muitos aplaudem a novidade, não fosse ela já uma velha disposição Constitucional, aderida ao corpo dos direitos fundamentais por força do art. 5, § 2o, da CR/88. Para saber disso, contudo, seria preciso conhecer os Direitos Humanos, coisa que poucos conhecem. Daí que a barbárie se instaura e dá no que dá. Mediante um giro de sentido, os nazistas de plantão passaram a dizer que o a Sociedade (e não o acusado) precisa de uma decisão num prazo razoável e por isso a sumarização do processo, com a restrição da defesa. As alquimias, como fala Aury Lopes Jr, começaram. Inverte-se a lógica em nome do Bem, do Justo, lugar sempre empulhador.

15 – Demora-se muito para julgar porque fora a esculhambação que são os Juizados Especiais Criminais, onde vale tudo e se dá um tratamento rápido e inconstitucional a questões sociais, a saber, dificilmente um Termo Circunstanciado é crime: pode ser briga entre parentes, vizinhos, xingamentos, latido de cachorro, direito de vizinhança. Mas como não se têm acesso ao Judiciário no Cível, resta a "queixa" na Delegacia. Um programa de auditório de mau-gosto, onde os pobres entram com sua ficha de antecedentes e, até, com o corpo. No juízo comum, denuncia-se falta de pagamento de imposto, furto de sabonete, calcinha e coisas do gênero. Não sobra tempo, de fato, para o que importa numa sociedade em que o Direito Penal deveria ser mínimo (Ferrajoli e Salo de Carvalho). Se for mínimo, contudo, não faz o que é sua função oculta (Baratta): criminalizar a pobreza, os consumidores falhos, mantendo a "hi-Society" nas suas coberturas sociais.

16 – Alguma coisa anda fora da ordem, dizia Caetano há um tempo. Hoje as coisas já estão dentro da nova ordem neoliberal mundial, inclusive o processo penal: Sumário, eficiente. De outro lado, o Conselho Nacional da Justiça, órgão criado para ser o Grande Irmão de Orwell. Diretamente de 1984 para 2004, começa a fazer seus estragos, apesar de seu possível papel democrático. Um "denuncismo" sem precedentes, onde não raro surgem as vaidades afloradas, os narcisismos das pequenas diferenças, diria Freud. Números, eficiência, empulhação. Para que direito de defesa se tenho que baixar o meu mapa? Para que ouvida de testemunhas se o processo vai ficar no mapa? O Juiz Astrólogo: só quer saber de mapa. Ainda mais quando depende da produtividade para conseguir uma promoção! A pretensão de transparência e eficiência do Judiciário tornou a situação extemamente ambígua. Por outro lado, defende-se a formação permanente dos magistrados via Escolas da Magistratura que escondem o efeito de normatização dos juristas analfabetos funcionais. Eficiência, facilidade, cursos "rápidos de como fazer uma decisão" para aprender a posição dominante, controlar as idéias e do acesso à carreira, bem sabia Lyra Filho. Enfim, a docilização, normatização indicada por Foucault.

17 – O Processo Penal Democrático, assim, parafraseando Dworkin, precisa ser levado a sério. O problema fundamental reside no fato de que a justificativa para a exceção encontra-se encoberta ideologicamente. Acredita-se, muito de boa-fé, a maioria, de que se está realizando um bem. Salvando a Sociedade de um "Terrorista Social". Esqueceu-se de que para o uso do poder existem pelo menos dois limites: o processo e o ético (Dussel). Exercer uma parcela do poder em face dos acusados é muito mais tranqüilo para os kantianos de sempre, fiéis cumpridores das normas jurídicas, sejam elas quais forem. Os "acusados-terroristas-sociais" passam a ser uma das faces da vida nua, isto é, "homo sacer", a que é matável, mas não sacrificável. Assim, os rostos do poder encontram-se maleáveis, mutantes, em torno de um lugar pensado para não pensar, mas para cumprir acriticamente. Os soldados juízes estão aí para aplicar a regra, numa Filosofia de "Cruz Vermelha" (Cyro Marcos da Silva), rumo a salvação eficiente das almas destes pobres de espírito. Até quando viverão felizes para sempre? Rever e compreender a mirada é o desafio, sempre. A tarefa, percebe-se, não é singela, mormente porque é necessário abjurar o que se acreditou com tanta fé, além de se expor à crítica virulenta dos iludidos de sempre, cujo véu moral cega qualquer pretensão democrática, já que acreditam – o Imaginário deslizando – estar comprando um lugar no céu, na Ilha dos Abençoados. Não podemos ter medo de resistir. É preciso resgatar a Constituição Originária, na linha de Paulo Bonavides, exercitar o controle de constitucionalidade difuso e deixar de fazer como todo mundo faz. Porque assistir de camarote o que se passa com as vítimas do sistema penal não exclui nossa responsabilidade ética com as mortes: somos co-autores, do nosso lugar, por omissão.

18 – Quando Georg Lukács foi preso, o policial perguntou se estava armado, tendo este lhe entregue calmamente a caneta. É preciso que as canetas pesem democraticamente, mediante um processo penal garantista (Ferrajoli), para que se possa dar um basta. Temos que correr riscos sempre, porque prefiro perecer pelas extremos do que pelas extremidades, como aponta Baudrillard. Que me entendam fugazmente se forem capazes, disse, sabiamente, Lacan. Muito Obrigado.

Arsenal Tupiniquim, por Rafael Crocetta Rabelo.

Para pensar:

Arsenal Brasileiro.

Notícia do G1 informou em manchete:

Operação conjunta com PM do Ceará apreende armas emunições na PB. Conforme a PM, comerciante de 72 anos seria dono doarsenal encontrado.
Material foi recolhido pela polícia em Cachoeira dos Índios, no Sertão.
O jornalista, sagaz emseu furo de reportágem deu conta que:[...]
Segundo a PM, na casado aposentado foram encontrados três revólveres, sendo um calibre 22 e doiscalibre 38, uma espingarda calibre 12 e outra calibre 28, além de cinco espingardas artesanais e mais de 100 munições compatíveis com as armas apreendidas.
              
                Oarsenal tupiniquim relatado pelo jornalista e pela polícia demostra muito bem aignorância que permeia o jornalismo brasileiro com as armas de fogo no país eaté mesmo o sensacionalismo polícial, que incapaz de alcançar crimes de algumamonta, faz propaganda torpe de seu feito.

                Qualquer um que tenha algum conhecimento em armas de fogo é sabedouro que o respectivo “arsenal” não passa de um punhado de armas de pequeno poder fogo na posse de um coitado aposentado, que no auge de seus 72 anos talvez tivesse o “infeliz” gosto por caçar alguns animais para comer com suas espingardas e a proibida vontade dedefender seu lar com seus ultrapassados revólveres, talvez única razão quemantinha esse pobre aposentado em vida.

                Caçar velhinhos com seus “arsenais” é coisa típica de uma legislação torpe e pouca sabedoura em diferenciar criminosos reais de criminosos imaginários. A injustiça propagada por esse tipo de lei põe na mesma vala comum um pobre aposentado,provavelmente alinhado, e que muito provavelmente mal algum faria com um montante de armas de pequeno poder de fogo, com verdadeiros criminosos.

                Enquanto isso segue a temporada de explosões a caixas eletrônicos e a contabilização do grande números de jovens mortos no país, em sua grande maioria vítimas da falta de oportunidade, que os leva para guerrear no rentável mundo do tráfico de drogas.    

Rafael Crocetta Rabelo.

04/03/2012

Leonardo de Bem sobre o 306 do CTB




Tem bastante material no meu blog sobre o assunto. Confira aíwww.professordebem.blogspot.com

Concordo. Criminalização do Cotidiano.

A gravidade da mera opinião de um promotor - Ilana Casoy


A gravidade da mera opinião de um promotor


Assisti ao júri de Josef K., personagem de Franz Kafka. Sentada, ali no plenário, o desenrolar e desfecho desse processo do Senhor J. não poderia ser mais igual. Um senhor, 53 ou 56 anos, não se sabe se o registro de nascimento foi feito exatamente na data certa ou tempos depois, como é comum nos confins do norte/nordeste do país, com a aparência de alguém de 70 anos. Surdo, esticava algumas vezes a orelha direita, “seu melhor ouvido”, para tentar encontrar uma pista do que se passava.  Homem mais do que simples, brasileiro que mal fala português, e quando escuta finalmente o que lhe está sendo dito, não compreende nem ao menos a metade. Logo desistiu de alcançar o teor das cenas e diálogos que se desenrolavam frente à sua vista.
O Senhor J. se desentendeu com uma vizinha, que arrancou sua plantação mínima de milho cultivada entre - limites dos dois terrenos, e arrancou da terra sua colheita próxima. Tratou-se de uma discussão sobre 30 centímetros de terra. Fútil? Era a qualificadora que a ele foi imposta. Um homem para quem a terra plantada tudo significa. A vizinha, diabolicamente articulada, pediu ajuda ao marido da amiga, pessoa culta de bairro próximo, para resolver a situação com o “velho safado”. Assim inicia-se uma tragédia. O homem chamado pede o auxílio do bicheiro e traficante seu amigo, aquele com uma ficha criminal extensa e “respeitável”, e dirigem-se à casa do senhor J. , cheios de “justiça” nas mãos.
Armados de pedaços de pau levam o “usurpador” para os fundos e aplicam-lhe uma lição. Assim que escapa, sangrando, o Senhor J., que lembrem-se, não deve ter escutado ou entendido sobre o que se tratava a surra que levava, entrou em seu pequeno cômodo. Quando viu seu portãozinho ser derrubado, e de tão pequeno que era o cômodo o portão lhe bateu no peito, alcançou uma faca, e cego pelo sangue que lhe escorria pelas faces, alvejou o primeiro que pode e saiu correndo pela porta. Acertou a jugular do indivíduo, sem ao menos saber o que é uma veia jugular ou onde fica, matando-o. Assustado, correu quanto pode, arrumou dinheiro e fugiu para o Piauí, com medo da revanche e da polícia. Fugiu para a roça, de onde nunca deveria ter saído. Aí está nosso “criminoso” do dia.
Anos depois, capturado em sua rotina pacata, algemado, voltou à grande cidade, dessa vez para morar nos porões das penitenciárias paulistanas. Até, ao menos, seu julgamento. Quase dois anos se passaram, até que fosse marcado finalmente o dia de seu juízo final, assistido por jovem advogado pro Bono, há menos de um mês no caso. E as cortinas se abrem para que a “justiça” seja feita.
Assisti um conhecido promotor, com carreira inigualável em número de inocentes condenados, espremer sua próxima vítima. O método utilizado por esse profissional é execrável, pois se utiliza o que seriam “dados periciais” para rechear uma história que compromete o réu. Funciona de maneira simples: se está escrito no laudo necroscópico que uma facada veio de cima para baixo, da direita para a esquerda, na região clavicular, ele bradará que a vítima foi atingida pelas costas “indubitavelmente”, de forma indefensável. Ampara-se em livros de anatomia bem desenhados, e reconstrói o crime utilizando pseudociência há muito banida das cortes americanas pelo Teste de Frye.
Esse teste refere-se a um padrão para admitir a evidência científica no julgamento, aceita ou rejeitada pelo juiz, pois um jurado pode, pela incompreensão do processo científico em que se baseia o pressuposto utilizado, condenar injustamente um réu. E assim foi feito contra o Senhor J., mais um na lista daqueles josés em que o processo não tem fotografias, laudo de local, reconstrução de crime feita por profissionais cientistas, nada. Não um Caso Nardoni ou Lindemberg, amparado por centenas de milhares de fotografias, exames, análises, pareceres. Dessa vez, nada.
O promotor completa a perversidade utilizando-se do velho e gasto, mas ainda competente discurso do medo. Aponta para o surdo ali sentado, como se fora a ameaça do aumento da impunidade e criminalidade, e brada teatralmente que, ao condenar, o jurado pode dormir tranquilo. Sem nenhuma vergonha de prometer o que sabe jamais ter possibilidade de ser cumprido, completa dizendo que o Senhor J. terá sua progressão de pena em dois meses apenas, caso seja condenado a doze anos de prisão. Sim, já cumpriu mesmo quase dois anos, 700 longos dias até aqui, o que seria 1/6 de sua sentença, e então é só ir ali, na Vara de Execuções Penais, pedir a liberdade e sair da prisão. Então, senhores jurados, pelo sim pelo não, vamos condenar o Senhor J., dormir tranquilos, porque, mesmo se não estiver exatamente correto, não faremos mal nenhum a ele.
Vi um jovem advogado de defesa tentar, em vão, explicar aos jurados, a legítima defesa e o homicídio privilegiado por violenta emoção após injusta provocação. Vi um jovem advogado tentar convencer os jurados, a maioria em seu primeiro júri, que se fizessem isso poderiam acompanhar o caso e ter a prova de que, em menos de um ano, culpa de nosso sistema abarrotado, o Senhor J. jamais veria a luz do sol novamente. Vi um jovem advogado, ainda acreditando no ser humano, explicar a situação kafkaniana do Senhor J., para quem talvez nem saiba que uma vez existiu um escritor chamado Kafka...Vi um jovem advogado explicar insistentemente que aquela conclusão baseada em uma frase do laudo necroscópico não era científica, e sim a mera opinião de um promotor apenas preocupado em condenar, não em fazer Justiça. Sim, um promotor chamado para condenar quando outro promotor vai pedir absolvição de réus obviamente inocentes, como em caso acontecido recentemente em Tribunal de São Paulo. Troca-se o promotor, troca-se o veredicto.
Vi um jovem advogado tentar, bravamente, trazer um pouco de humanidade em almas juradas sem esperança, talhadas por promotores com quem se relacionam cotidianamente, até com alguma intimidade, e em quem acreditam facilmente. Vi um jovem advogado se emocionar ao olhar seu próprio réu, ali sentado, alheio, sem escutar nenhuma testemunha. Garantido que ele escutou a pronúncia, como manda a lei. Mas compreendeu as palavras que lhe foram lidas? Nem em sonho!
E assim acaba o julgamento do pobre Senhor J., condenado por homicídio duplamente qualificado, a doze anos de prisão. Pobre em todos os sentidos que o dicionário pode trazer. Mas não se preocupem, em dois meses estarei no Tribunal, verificando se seu pedido de progressão de pena foi atendido. E enviarei correspondência pessoal a cada jurado, para que acompanhem o engodo no qual caíram. E publicarei a data em que o Senhor J. finalmente estará livre, para voltar às roças do Piauí.
Ilana Casoy é criminóloga, escritora e intergante do Núcleo de Antropologia do Direito na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH-USP).
Revista Consultor Jurídico, 1º de março de 2012

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