19 de novembro de 2012. | N° 1682
ARTIGOS
Por uma política de Estado para o sistema prisional, por João Marcos Buch*
É muito difícil para vítimas da violência, como passageiros de ônibus incendiados, agirem com racionalidade. Qualquer um numa situação dessas, em defesa da vida, abandonaria obviamente o discurso e partiria para a defesa, inclusive com igual ou maior força. É por isso que os agentes públicos, representantes do Estado, precisam manter a racionalidade, pois para isso são legitimamente constituídos. É só a partir dessa racionalidade que é possível ter uma discussão baseada na ética e alteridade. Assim, trago algumas considerações a respeito da violência que vivenciamos, utilizando-me de estudos já feitos sobre o PCC em SP e que, penso, podem servir de lição para SC.
De início, é preciso eliminar o maniqueísmo. Seria mais simples para os “bons cidadãos” que houvesse subculturas delitivas que pudessem ser reprimidas a fim de permitir a estes “bons cidadãos” uma vida em paz. Não é assim que as coisas funcionam. O crime organizado é amorfo, complexo, faz parte da sociedade, com múltiplas posições e variantes. Boa parcela da população, inclusive, o vê de forma positiva, outra parcela de forma negativa e outra nada vê. O que dizer, por exemplo, do microempresário que, numa situação hipotética, consegue recuperar um carro roubado por meio de um “irmão” que toma cerveja com seu filho em um bar de esquina?
Ao que se sabe, em SP o PCC se fortaleceu a partir de três pontos: a) superlotação das cadeias, que na última década duplicou sua massa carcerária, com precariedade dos estabelecimentos e incapacidade do Estado em fornecer condições mínimas de cumprimento de pena conforme a lei determina (isso não foge à regra em Santa Catarina); b) falta de reconhecimento pelo poder público da dimensão e força do PCC; c) investimento na polícia ostensiva como combatente da violência e esvaziamento da Polícia Civil no mister de suas funções.
A atuação para enfrentamento do fenômeno demanda, portanto, muito mais conhecimento. Sua solução passa pela compreensão certa do porquê dessa onda de violência, a que e a quem servem e como se sustentam. Como sugestão e ponto de partida, penso que: a) A segurança pública e o sistema prisional devem ser políticas de Estado e não de governo. Precisam apontar projetos sólidos de investimento junto às unidades prisionais, com salubridade para os presos, atendimento mínimo da sua saúde e fornecimento de estudo e trabalho. Enfim, o Estado precisa definitivamente superar os modelos medievais e violadores de nossos presídios e lá se fazer presente. b) A Polícia Militar, Polícia Civil e gerentes e diretores de presídios e penitenciárias devem dialogar em caráter permanente, agindo de forma integrada, cada um dentro de suas atribuições, todos parte do Estado, além do que igualmente precisam de investimentos em número de servidores, valorizados e capacitados. E mais: precisam essas instituições compreender que violência gera violência e, portanto, sua atuação deve ser nos estritos termos da lei. c) O Judiciário deve se fazer presente dentro das unidades prisionais, em diálogo franco com a população carcerária e com os agentes penitenciários, como verdadeiro guardião da Constituição, determinando o respeito aos direitos fundamentais e à aplicação da lei, que existe tanto para obrigar o cumprimento correto das penas como e, principalmente, para garantir o respeito aos direitos dos detentos.
Espera-se que a situação volte à normalidade logo. Porém, sem uma política de Estado séria de investimento nos presídios, será apenas questão de tempo para novos incidentes, talvez mais graves. Pois, como já disse Dostoyevsky, o grau de civilização em uma sociedade pode ser medido entrando em suas prisões.
*Juiz da vara de execução penal de Joinville
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