Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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04/10/2012

TJSC - Sexo entre adolescentes. Grande voto


Apelação / Estatuto da Criança e do Adolescente n. 2011.098397-3, de Campo Erê
Relator: Desembargador Ricardo Roesler
APELAÇÃO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. RECURSO DA DEFESA. ATO INFRACIONAL
ANÁLOGO AO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART.
217-A, CAPUT E § 1º, DO CP). CONJUNÇÃO CARNAL ENTRE
PRIMOS ADOLESCENTES, DE 13 E 15 ANOS. PRESUNÇÃO
DE VIOLÊNCIA, QUER REAL QUER PRESUMIDA, A
PROPÓSITO DE SUPOSTA ENFERMIDADE MENTAL DA
VÍTIMA. AUSÊNCIA DE SUBSÍDIOS QUE PERMITAM
CONCLUIR QUE O APELANTE TENHA FEITO USO DE FORÇA.
AUSÊNCIA, TAMBÉM, DE PROVA DE QUE A VÍTIMA FOSSE
ACOMETIDA DE ALGUMA PATOLOGIA MENTAL.
NECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL QUE ATESTE SUA
INCAPACIDADE DE DISCERNIMENTO. VÍTIMA MENOR DE 14
ANOS. RELAÇÃO CONSENTIDA. PROVA DE EXPERIÊNCIAS
SEXUAIS PRETÉRITAS. PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE
RELATIVIZADA E EXCEPCIONALMENTE AFASTADA.
RECURSO PROVIDO.
A violência ficta contra menor de 14 anos, que alicerça o
crime de estupro de vulnerável (art. 217-A, do CP), pressupõe a
incapacidade de plena autodeterminação e de defesa do menor,
em contrapartida à previsível maturidade do adulto. Bem por isso,
tratando-se de prática sexual entre adolescentes - uma com 13
anos (vítima) e outro com 15 anos (autor) - não incide
livrevemente a presunção para caracterizar o fato como ato
infracional análogo ao crime de estupro; é necessário que se
evidencie que o adolescente tinha exata compreensão das
circunstâncias e, principalmente, o intuito deliberado de satisfazer
a própria lascívia, contando com a prematuridade e a
inexperiência da vítima.
No caso concreto, não há prova de violência real, quer pelas
características físicas da vítima - que, por si, serviria à indagação
substancial da forma pela qual, eventualmente, houvesse sido
subjugada pelo adolescente, em duas ocasiões distintas - nem
tampouco da alegada deficiência mental. Muito embora se tenha
deduzido que a vítima frequentaria entidade de educação
especial (APAE), não se fez prova alguma de sua particular
condição, nem em que grau eventualmente se pudesse verificar
tal deficiência. Na verdade, nem mesmo a efetiva frequência
naquela entidade foi documentalmente revelada. Não se pode, apartir de um exercício de diagnose informal, sem algum subsídio
material pressupor deficiência dessa natureza, que exige prova -
técnica - da impossibilidade de autodeterminação. Conforme
Celso Delmanto, "é necessário que a vítima seja alienada ou débil
a ponto de ter abolida sua capacidade de entendimento ou de
governar-se de acordo com essa compreensão; não basta que
seja mentalmente fronteiriça; ou com subnormalidade metal leve;
a deficiência mental se não for pericialmente determinado seu
grau não basta para que se presuma a violência, sendo
insuficientes termos vagos ou imprecisões de médicos legistas
sem a devida especialidade" (Código de processo penal
comentado).
Ademais, não fosse a própria vítima e sua genitora refluírem
em juízo, a ponto de desmentir qualquer tipo de violência, outras
testemunhas ouvidas - parentes próximas da ofendida -
afirmaram sua aparente capacidade de autodeterminação; por
outro lado, há prova nestes autos, vinda de outro processo de
mesma natureza, revelando alguma experiência sexual da vítima.
Nesse contexto, a imposição de medida socioeducativa, como
proposto na inicial e concedida ao fim (medida de internação)
caminha em franco descompasso não só com as circunstâncias,
mas sobretudo com a particular condição dos envolvidos -
adolescentes ainda em processo de maturação - impondo o
provimento do recurso.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Estatuto da
Criança e do Adolescente n. 2011.098397-3, da comarca de Campo Erê (Vara Única),
em que é apelante R. A. R., e apelado Ministério Público do Estado de Santa
Catarina:

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do
recurso e dar provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs.
Desembargadores Sérgio Izidoro Heil, presidente com voto, e Volnei Celso Tomazini.
Florianópolis, 18 de setembro de 2012.
Ricardo Roesler
Gabinete Des. Ricardo RoeslerRELATOR
Gabinete Des. Ricardo Roesler

RELATÓRIO
Ao relatório da sentença de fls. 69-76, acrescento que foi aplicada ao
adolescente R.A.R. a medida socioeducativa de internação em estabelecimento
educacional, em tese até completar a idade de 21 anos (contava à época com quinze
anos), pela prática da conduta equiparada ao crime capitulado no artigo 217-A, caput
e § 1º, do Código Penal.
Irresignado, o representado interpôs o presente recurso de apelação, no
qual pugnou, em síntese, a improcedência da representação, ao argumento de que
inexistem provas quanto à autoria e materialidade delitivas. Afirmou, ainda, que as
relações sexuais ocorreram de forma consentida, além de desconhecer a idade da
vítima, bem como de que sofria de problemas mentais. Subsidiariamente, pleiteou
medida socioeducativa menos severa (fls. 78-81).
Com as contrarrazões os autos ascenderam a esta superior instância, e
a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Exmo. Sr. Dr. Norival
Acácio Engel, opinou pelo conhecimento e provimento do apelo (fls. 98-105).
É o relatório.
Gabinete Des. Ricardo RoeslerVOTO
Tratam os autos de apuração de ato infracional, que teve início em
virtude da visita do Conselho Tutelar de Saltinho à residência da genitora da vítima,
em 25/2/2010, diante da existência de denúncia de que a menor S.R.F., com 13 anos
de idade, havia sido vítima de estupro e que estaria grávida em virtude do acontecido.
Encaminhada ao serviço médico da localidade, não foi constatada a
gravidez; porém restou confirmado que manteve, por duas vezes, relações sexuais
com o adolescente R.A.R, seu primo, de 15 anos de idade.
A representação pelo Ministério Público não esclareceu datas e horários,
remetendo-se à apuração durante a instrução do procedimento.
Ao menor R.A.R., de 15 anos de idade, foi aplicada medida
socioeducativa de internação, pelo fato de ter mantido conjunção carnal com sua
prima S. R. F., à época com 13 anos de idade, em tese portadora de deficiência
mental. Considerou-se não só a violência presumida em face da idade, mas também
a deficiência mental que supostamente acometeria a vítima.
O caso é daqueles que inspira particular atenção, sobretudo porque a
violência que se anuncia é ambientada no seio familiar, entre primos. Além disso, não
se trata daquelas hipóteses que admitem uma solução afeita simplesmente ao
cotidiano protocolo jurídico.
A liturgia da imputação de reprimenda pela prática de ato infracional
presume, de antemão, conduta tipificada como crime. Cuida-se de um estratagema
para tentar a correção de menor pelo que, se fosse maior, responderia criminalmente.
Logo, não é preciso muito para concluir que em relação a determinadas condutas
tipificadas como crime não será possível – ou será ao menos muito difícil – alguma
equiparação objetiva. Nesse passo, o crime de estupro, sobretudo o presumido, é
daqueles, creio, cuja prova seja das mais complexas e delicadas quando envolve
adolescentes.
No caso, fala-se no cometimento de ato equiparado a estupro contra
uma menor de 13 (treze) anos, à época, praticado, veja-se, por um menor de então 15
(quinze) anos. A se cuidar de ato infracional, praticado mediante violência concreta, é
possível a configuração à maneira do que ocorre com a verificação do crime de
mesma espécie: basta a verificação dos sinais externos de agressão. Por outro lado,
pela própria condição do agente - menor - é particularmente difícil nesta hipótese a
apuração de violência presumida.
A violência presumida é, por fácil constatação, uma ficção; considera-se
a imaturidade da vítima, ou alguma condição particular que lhe impeça o completo
discernimento da realidade. Conforme explicita Magalhães Noronha, a par da antiga
tipificação do estupro com violência presumida, "tal presunção origina-se da menor
possibilidade de defesa que tem a vítima, e, como sói acontecer, maior se torna então
a defesa pública, através da lei, onde a defesa particular inexiste ou é por demais
precária" (Direito penal, v. 3, p. 212)
Assim, se um adulto comete algum ato libidinoso com um menor,
Gabinete Des. Ricardo Roesleraponta-se o domínio daquele sobre este, por ter plena consciência dos
desdobramentos de sua conduta - quer em relação à vítima, quer em relação a si
mesmo - e, de outro vértice, supõe-se que a imaturidade da vítima a torna refém do
adulto, mais experimentado. A vitima menor é, enfim, apenas objeto de satisfação de
sua lascívia.
Bem porque a presunção de violência é tomada a partir da suposição de
experiência de um (o adulto) e da imaturidade do outro (a vítima); a mesma conclusão
não pode ser simplesmente tomada quando em jogo a prática de ato sexual entre dois
menores.
A presunção de violência exige da vítima, formalmente, a idade 14 anos;
é o critério com qual, por ficção legal, afirma-se a imaturidade sexual. Todavia, no
Brasil não apenas o menor de quatorze, mas o menor de 18 é considerado
legalmente incapaz do ponto de vista penal (critério também objetivo com o qual se
qualifica a capacidade do autor). Veja-se que, num e noutro cenário, credita-se a
incapacidade àquele com dezoito anos incompletos, seja como vítima (aqui até os
quatorze), seja como autor do fato.
Não há palco para que se discuta aqui a precisão do critério. Como
lembra Guilherme de Souza Nucci, trata-se de livre disposição do legislador. Assim,
"é possível que o agente, com 17 anos, por exemplo, saiba perfeitamente bem o que
está fazendo, tendo plena consciência do caráter ilícito do fato, embora, para a lei
penal, seja presumidamente inimputável (art. 27)". Por outro lado, a se cuidar de
menor de 14 anos, "ainda que consinta no ato, portanto, presume a lei que o fez sem
aquiescência válida" (Código penal comentado, 2009, p. 897).
Bem por isso esse critério não pode ser simplesmente desconsiderado
se a acusação tem como pano de fundo a sujeição da vítima ao agente,
pressupondo-se que este tenha maturidade para tanto (o suficiente, inclusive, para
subjugar a vitima); a mesma presunção que agrava a conduta é a que impede o
agente de submeter-se aos rigores de uma condenação criminal: cuida-se, enfim, da
imaturidade dos atores.
Nesse passo, o contexto e os atores (vítima e autor) não permitem
concluir, pela presunção, que a menor tenha sido persuadida simplesmente pelo
recorrente a satisfazer sua lascívia. Ambos são sujeitos em formação e, tendo em
conta que a prática de ato sexual não é em si conduta incriminadora – ao contrário, é
de regra uma das fontes de grande satisfação de prazer – a correção de um menor
por ato dessa natureza exige alguma prova, bastante robusta, da plena consciência e
da intenção deliberada de satisfazer-se a partir da inocência alheia. Afinal, se a
própria lei penal preserva o menor de 18 anos por tê-lo imaturo (considera-se,
evidentemente, a percepção do senso comum), a quebra da presunção deve se dar
por obra da acusação - que implica, é certo, na prova do domínio do fato e das
circunstâncias. Do contrário, o panorama revelaria uma perigosa inversão de valores,
e a imposição de medida socioeducativa singelo exercício de presunção, em todos os
sentidos.
Assim, alguma imputação demandaria prova de que o apelante tivesse
submetido a vítima a seu jugo - quer física, quer psicológica - tendo vista não ser o
Gabinete Des. Ricardo Roeslercaso de presumir a violência. Nesse passo, ainda inicialmente cogitou-se, de
passagem, de eventual violência real. Isso porque, quando ouvida pela autoridade
policial, afirmou a vítima que o apelante a teria conduzido à força para manter
relações sexuais (teria lhe pego pelo braço e levado a uma das dependências da casa
da vítima para cometer o ato - isso em duas ocasiões distintas - fl. 6).
Em regra o testemunho da vítima é bastante para induzir o
reconhecimento da violência, sobretudo no caso em que ela se opera num contexto
de clandestinidade e sem deixar elementos residuais. Seria bem o caso, sobretudo
considerando o intervalo de tempo entre os fatos e a denúncia formal deles (o
suficiente para apagar os eventuais vestígios). De todo modo, há de considerar
também os demais elementos, que no caso não amparam aquele testemunho.
Observo de início que a compleição da vítima por si sugere alguma
dúvida de que fosse algo simples subjuga-la. Conforme relatado por sua mãe em
juízo (fl. 44), ela tinha considerável estrutura física (1,70m e 72kg). Conquanto não se
tenha informações sobre as características físicas do acusado, causa alguma
perplexidade supor que o agente, sozinho, tenha submetido a vítima manter consigo
relações sexuais, por duas vezes, com o uso de força.
Além disso, essa versão segue isolada, e é derruída pela própria vítima,
que se retratou em juízo, quando então afirmou ter consentido com as relações
havidas com o recorrente (fl. 45). No mais, o próprio apelante, desde o início, afirmou
que as relações foram permitidas. Não é, por isso, factível a hipótese de violência
real.
Há, por fim, a alegação de que a vítima não tivesse de fato
discernimento, não em si pela sua pouca idade, mas porque acometida de certa
deficiência mental. Assim concluiu-se porque a vítima, em tese, frequentaria
instituição dedicada à educação de crianças com algum tipo de deficiência dessa
natureza (APAE).
Isso, de todo modo, não é bastante para simplesmente indicar a
existência de deficiência, a ponto de afirmar que a vítima não tinha capacidade de
consentir para alguma relação - e principalmente que o apelante tenha aproveitado-se
dessa condição.
Deficiência dessa natureza, bem se sabe, pode ocorrer em diversos
graus. E não é com um exercício de diagnose informal que se afere até que ponto
alguém que necessite de educação especial não é capaz de autodeterminar-se (ao
menos naquilo que se espera de acordo com sua idade biológica); é para isso
necessário alguma prova técnica, uma avaliação feita por profissional com habilitação
para tanto. Não é algo, com o devido respeito, que se possa fazer a partir da leitura
atécnica de informações que chegam ao processo, mesmo que repetidas por várias
vozes – notadamente pelos reflexos que isso implica.
De concreto há apenas o relato de algumas testemunhas de que a
vítima supostamente frequentaria unidade de educação especial, e nada mais (não há
nem mesmo documentos atestando isso). Ademais, nem mesmo as pessoas ouvidas
foram precisas quanto à condição da vítima - algo mesmo improvável de ser obtido
somente por testemunhas, mas que toma relevo pela assimetria neste caso. Se de
Gabinete Des. Ricardo Roeslerum lado mãe e filha afirmam alguma deficiência desta, sua própria irmã, C.R.F.,
afirmou em juízo que "não sabia que a irmã tinha retardo mental" (fl. 49). Outra
testemunha, M.R.F., aduziu que "a vítima. S. não aparenta ter problemas mentais;
que ela anda e fala normalmente" (fl. 48).
Por fim, E.R.F., também prima, afirmou igualmente "que a vítima S. não
aparenta ter problemas mentais; que a vítima aparenta ter 17 ou 18 anos" (fl. 47).
Veja-se, então, que a simples afirmação de submeter-se à educação especial não é,
em si considerada, razão bastante para considerar-se a vítima incapaz de discernir
seus atos; há, no mínimo, dúvida bastante razoável dos contornos dessa limitação.
Não bastasse o entrechoque de provas neste ponto - o que por si
bastaria para afastar alguma conclusão sumária pela incapacidade da vítima - não há
outros elementos que assim indiquem. Se nem mesmo os mais próximos podem
atestar a deficiência em questão, como se há de considerá-la com tamanha
informalidade- Conforme lição de Nelson Hungria, "a doença ou deficiência mental da
vítima deve ser, pelo menos aparente, reconhecível por qualquer leigo em psiquiatria"
(Comentários ao Código Penal, v. 8., Forense, p. 226).
Além disso, e de todo modo, é de se ter em conta que a comprovação
de eventual incapacidade mental, como circunstância de agravamento, exige laudo
(Guilherme de Souza Nucci, op. cit., p. 904); ou, como quer Celso Delmanto,
"É necessário que a vítima seja alienada ou débil a ponto de ter abolida sua
capacidade de entendimento ou de governar-se de acordo com essa compreensão;
não basta que seja mentalmente fronteiriça; ou com subnormalidade metal leve; a
deficiência mental se não for pericialmente determinando seu grau não basta para
que se presuma a violência, sendo insuficientes termos vagos ou imprecisões de
médicos legistas sem a devida especialidade" (Código penal comentado, 7. ed.,
Renovar, 2007).
Há, por outro lado, outras variáveis a considerar. Observo que esta não
é a primeira demanda dessa natureza em que a menor figura como vítima. Parte da
prova aqui reunida é emprestada de outros autos (inclusive a que fiz referência). Lá, a
propósito, algumas das testemunhas que referi sugerem que a menor já tinha alguma
experiência sexual: por E.R.F., veja-se, foi dito "que a vítima manteve relacões
sexuais com várias pessoas (...)", justificando que não denunciara o ocorrido "porque
os autores do fato em sua maioria são casados" (fl. 47). O mesmo é afirmado por
M.R.F., e também por C.R.F. - esta última, irmã mais velha, aduziu que ela teria,
inclusive, engravidado aos 13 anos (fl. 49), fato também confirmado pela genitora (fl.
44), tendo adiante abortado.
Evidentemente não se confunde certa experiência com maturidade em
qualquer hipótese, mas diante do panorama, em que se afirma que até mesmo houve
uma gravidez interrompida em outros tempos, não há como considerar-se típico o fato
narrado na inicial. Em dado panorama, em que se chegou a cogitar a perpetração de
toda sorte de violência, expondo-se os envolvidos de modo muito cru, quem sabe
fosse o caso de indagar, agora, quem de fato pode, afinal, ser tida vítima na acepção
da palavra. O que me soa insofismável é a impossibilidade de sujeitar-se o apelante a
qualquer medida socioeducativa.
Por fim, deixo anotado que não sou indiferente aos fatos aqui discutidos.
Gabinete Des. Ricardo RoeslerO que se anuncia é mais um caso de tragédia familiar, como tantos outros desvelados
frequentemente nos processos judiciais. O histórico da vítima, aliás, é bastante para
induzir às mais variadas avaliações e sugerir um sem-número de indagações. De todo
modo, alguma solução desse drama familiar está para além do frio processo judicial,
que até aqui serviu mais à exposição desmedida da intimidade daquela que se aponta
vítima do que a qualquer solução efetiva. Aqui vítima e autor transformam-se apenas
em elementos de informação, explorados sem cuidados e sem preocupações reais
com suas especiais condições, sem alguma indagação mais apurada sobre os fatos e
seus atores. Por ora confundem-se, mimetizam-se, sem que isso seja percebido.
Olvidou-se neste caso - ou quem sabe não se tenha tido sensibilidade
para observar - que os envolvidos, ambos, são sujeitos em formação. Os fatos
acontecem no frescor da adolescência, em período fundamentalmente marcado por
transformações, boa parte delas, ligadas à sexualidade, impulsionada pelas
modificações hormonais. Bem por isso é um período marcado sobretudo por
descobertas, da transição entre a percepção lúdica e fantástica do mundo, ainda
amarrada no fim da infância, para a maturidade. Não à toa Quintana, transitando entre
os dois períodos da vida assim se refere: "infância - A vida em tecnicolor./ Velhice - A
vida em preto-e-branco" (A vaca e o hipogrifo, Globo, 2006). Logo, longe de ser uma
idade de certezas, é um período naturalmente conflitante - muitas vezes, inclusive, de
falsas convicções - o meio-caminho para a maturidade e a serenidade que exige a
vida adulta. Não há, em regra, bem por isso, pleno discernimento das consequências
e desdobramentos de muitas condutas, entre elas do contato afetivo e sexual, que
são pouco a pouco absorvidos nesta fase. É antes de tudo com essa percepção que
se deve observar os jovens, sobretudo considerando os efeitos de regra muito pouco
saudáveis decorrentes da intervenção penal (nesta seara, principalmente, sempre
crua e indulgente).
Talvez por desmedida pudicícia, talvez mesmo por um contraditório
sentimento puritano ou por simples hipocrisia sacralizamos qualquer contato sexual,
e, no mais das vezes, ainda amarrados a alguns ranços seculares associamos
qualquer forma de prazer à necessidade de penitência, própria ou alheia. Essa
inconfissão do desejo e do sexo faz lembrar a contradição relatada por João Cabral
de Melo Neto em Agrestes: “não haverá nesse pudor/de falar-me uma confissão,/uma
indireta confissão,/pelo avesso, e sempre impudor-". Talvez haja. E a eventual
dificuldade em dar tratamento mais consentâneo ao tema tem forte apelo simbólico: o
sexo continua tabu, símbolo de luxúria e devassidão. O pecado original assim
permanece, o fruto continua proibido. Por isso a insistência, normalmente cega, de
demonização do acusado, independentemente de sua idade e do cenário, signo de
um sentimento ambivalente, que exige incondicionalmente prazer e suplício juntos.
Se não somos capazes de admitir a nós mesmos nossas limitações, que
tenhamos apenas alguma sensibilidade com a alma humana, e tomemos como
paradigma o exemplo hoje adotado nos Estados Unidos – país notoriamente
reconhecido pela repreensão a crimes sexuais cometidos por jovens (notadamente os
homossexuais), mas que tem admitido a atipicidade da conduta quando a relação
sexual ocorre entre adolescentes. É o que se convencionou chamar Romeo and Juliet
Gabinete Des. Ricardo RoeslerLaw. O dispositivo, de inspiração shakespereana, tem se firmado como forma de
impedir o apenamento de jovens que mantenham relações sexuais, cuja diferença de
idade não ultrapasse cinco anos.
A medida, de elevada racionalidade e sensibilidade, considera o fato de
que o fim da infância e o início da adolescência simbolizam um período de
transitoriedade, onde o jovem abre-se à descoberta da sexualidade, ao mesmo tempo
em que completa importante ciclo de sua formação e maturidade (João Batista Costa
Saraiva, O "Depoimento sem Dano" e a "Romeo and Juliet Law": uma reflexão em
face da atribuição da autoria de delitos sexuais por adolescentes. Revista Jus
Vigilantibus, 21.12.2009, em http://jusvi.com/artigos/41924). Penso que se deva tomar
por imperativo essa ruptura da vazia dialética punitiva que tanto tem conduzido à
condenação cega quando se discute práticas dessa natureza.
O direito, sobretudo o direito penal há de se ocupar necessariamente
daquilo que deva ser submetido à sua correção. E para identificar o que é passível de
intervenção pelo Judiciário do que não é se exige mais, bem mais do que a burocracia
e a arrogância dos protocolos jurídicos: exige-se sensibilidade, atenção com o outro;
requer-se alguma ampliação de horizontes da sensibilidade. A solução de todas as
misérias humanas não é tarefa do Judiciário, que quando muito tem figuração
coadjuvante. Quando os papéis se invertem, quando o Judiciário intervém para além
de suas cercanias, sem cuidado e cautela, o resultado pode ser desastroso. Soluções
que possam parecer, num olhar desavisado, um sintoma de justiça poética (belíssima
nas obras literárias, mas de regra patética como pauta de julgamento) podem, na
prática, desdobrar efeitos colaterais muito mais perniciosos do que a efetiva inércia
judicial. Eis um caso cuja alguma solução deve ser buscada longe, muito longe da
intervenção direta do Judiciário.
Isso posto, voto pelo provimento do recurso, de modo a julgar
improcedente a representação ofertada pelo Ministério Público.
É como voto.

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