Para quem o mal é necessário (?)
Há algumas semanas atrás, no programa “É notícia” da TV Record, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, mostrou que nem mesmo um integrante da Corte Suprema do país, responsável, em tese, pela defesa do Estado Democrático de Direito e da Constituição, especialmente dos Direitos Fundamentais nela insculpidos, está livre de adotar um discurso golpista, que põe por terra os valores e princípios mais caros que ele deveria ser o primeiro a defender.
Quando indagado sobre o que pensava da ditadura militar de 1964, o Ministro disse: “um mal necessário”. O entrevistador, aparentemente incrédulo, ou sem saber o que fazer com aquele carvão em brasa, perguntou o porquê, se ele atribuía a “necessidade” deste mal a uma possível ditadura comunista ou algo parecido. No melhor estilo “atiro primeiro e pergunto depois”, justificou sua singela afirmação dizendo: “Teríamos que esperar para ver. Foi melhor não esperar.”
A entrevista nos mostra algo muito grave, mas que reflete a forte herança autoritária que ainda persiste nas relações sociais, nas instituições públicas e, especialmente, entre os órgãos e poderes responsáveis pela justiça no Brasil. Não vou insistir mais uma vez em algo que já havia registrado antes neste blog: João Goulart não era comunista e o único grupo armado pronto para tomar o país de assalto, rasgar a Constituição, depor um presidente eleito democraticamente e desrespeitar os direitos humanos como política de Estado eram os militares. O que Goulart queria era realizar uma série de reformas sociais coerentes, ademais, com suas origens político-trabalhistas, reformas que, contudo, eram uma ameaça para vários grupos encastelados no poder, e que não eram nem um pouco convergentes com os objetivos estadunidenses para a América Latina.
Eu fico me indagando sobre o quê exatamente era necessário ou melhor do que esperar: O “suicídio” de Herzog? A morte a machadadas sofrida por Bacuri nas mãos do delegado Sérgio Paranhos Fleury? Os mais de 400 assassinatos e desaparecimentos forçados realizados pelos agentes da ditadura? Os milhares e milhares de torturados em paus-de-arara, cadeiras do dragão, palmatórias, choques elétricos nas partes genitais, afogamentos, espancamentos, estupros ? Ou será que foi a censura, a expulsão em massa de professores e alunos das universidades, a proibição da liberdade de pensamento e associação, a repressão violenta a qualquer greve ou mobilização social? Quem sabe os exílios, os banimentos, os presos jogados de cima dos aviões no meio do mar, os médicos que reanimavam presos torturados para que fossem mais torturados?
Mais constrangedor do que as declarações do Ministro sobre a ditadura é o silêncio que se fez diante disto. Há certas coisas que, em um Estado que se pretenda democrático, não podem deixar de serem ditas e mostradas. Uma delas, penso eu, é a declaração de um Ministro da Suprema Corte do país, na qual, ao invés de defender a democracia e o respeito aos direitos humanos, acaba por ignorá-los e contrariá-los (ZK – 14/03/2010).
POSTADO EM ANISTIA E MEMÓRIA POLÍTICA, DESTAQUES DO STF, OPINIÃO | 1 COMENTÁRIO »
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15/03/2010
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É lamentável vermos alguém que admirávamos expressar entendimentos desse calado, como fez o Ministro.
ResponderExcluirContudo, jamais podemos perder a esperança e força na luta contra as agressões aos direitos fundamentais.