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04/03/2010
Clarice Lispector e a Hora da Estrela
1. É possível dizer que na "Hora da Estrela" tudo é "quase de verdade"... título da história infanto-juvenil de Clarice sobre o cachorro Ulisses que late, não sem razão, uma "história que até parece de mentira e até parece de verdade". O deslocamento proporcionado pelo texto que faz trabalhar, todavia, não se deu sem uma certa "angústia pela opacidade".
2. Desde que Macabéia nasceu até o dia em que foi atropelada pela estrela do Mercedes-Benz, ela, sem saber, praticou atos da vida civil sem que se tenha a noção exata, se é que tinha, de todas as normas que regulamentam (ou tentam) a ação humana. Nem os juristas sabem.... Carlos Cárcova chama isto de opacidade do mundo jurídico. O discurso jurídico refuta categoricamente o desconhecimento da lei, cuja obrigação se mostra como indissociável ao "sujeito de direito" (aquele capaz de contrair obrigações), cidadão cumpridor de sua função social, pela ficção de que todos devem conhecer a lei. O problema que Carlos Cárvoca levanta é o de que os próprios sujeitos de direito, os quais deveriam pautar suas condutas conforme as normas, ou a desconhecem ou não as compreendem, isto é, ainda que devam cumprir as normas jurídicas, por diversas razões (analfabetismo – funcional –, ausência de publicidade da norma, situações concretas, sociais e pessoais de cada sujeito e do conjunto de sujeitos, etc.), os atos com efeitos jurídicos que realizam não são percebidos em conformidade com a norma, justamente porque não é possível, sem certa confusão, dominar o regime jurídico em vigor. A isto Carlos Carcova chama de "não compreensão", "efeito do desconhecimento" ou "opacidade", com a qual é preciso conviver diz Paolo Grossi. É neste contexto que se promove uma narrativa imaginária:
3. Narrativa Imaginária: Não havia entendido muito bem porque o senhor Raimundo havia dito para ela se dirigir ao Fórum da cidade. Nem mesmo sabia o que era Fórum, mas Glória lhe deu o endereço e disse para se cuidar. O que será que se passa neste lugar? Perguntou, passeando com Olímpico: o que é um Fórum? Olímpico lhe disse que mulher pura não devia colocar os pés neste lugar, embora também não soubesse o que era. Naquela noite a Rádio Relógio informou, mais uma vez, que a mosca poderia dar a volta a terra em 28 dias. Pareceu, assim, até fácil, pois se achava um pouco mais forte que uma mosca, apesar de não ter bem certeza.
Quando despertou, o movimento das demais "Marias" de quarto já era grande. Debaixo do cobertor trocou de roupa e sem tempo para tomar uma coca-cola com cachorro quente, dirigiu-se ao endereço indicado, onde havia uma grande placa escrita Fórum. Entrou. Uma sala grande, logo na entrada, estava aberta. Levada pelos demais que adentravam, chegou a um lugar todo formal, em que as pessoas estavam de preto. Sentiu um pouco de medo, pois lembrava-se dos filmes de terror em que se morria enforcado ou com um tiro no coração, e também, muito, do enterro de sua tia, o único que havia ido. Será que a chamaram por sua tia? Mas ela foi enterrada. Prestou atenção para não profanar a memória de sua tia e se pôs a rezar. Despertou abruptamente pelo chamado de seu nome: Macabéia! Levantou-se e disse: sou eu! Venha até aqui e se sente naquele local. O homem de preto taciturno apontava para um lugar ao lado dele. Eram 7 lugares. Pensou em pensar alguma coisa, mas nada lhe passava pela cabeça, a não ser um Crê-em-Deus-Pai. Agarrou-se na reza como fez na morte de seu tia, cuja imagem não saia de sua cabeça.
Lembrou-se de anotar num papel as palavras difíceis que eram repetidas pelo homem do centro, ladeado por outros de preto. Devia ser alguma coisa importante. Ficou quieta. Recebeu a advertência de que não poderia conversar com ninguém até o final do julgamento. Julgamento, pensou consigo, mas não fiz nada? Ou será que fiz? Nunca se sabe!
Entrou um homem que reconheceu como sendo nortista também, afinal a cabeça dele parecia com as de muitos conterrâneos seus, até mesmo de um primo-irmão-distante de sua tia que viu pela última vez no enterro. Será que teria sido ele que a chamou? Ficou com vergonha de perguntar, afinal não poderia falar. Que tinha uma morte no meio tinha, porque o homem de preto perguntou se ele foi quem matou. Até então tinha achado que sua tia havia morrido de morte natural, pois ficou com ela até o fim, mas parecia que o meio-primo-irmão dela tinha alguma coisa a ver com a sua morte. Que surpresa! Descobriu, assim, que a morte da tia estava em julgamento. Um homem de preto com um cinto vermelho, o qual achou meio estranho, porque Olímpico, cabra-macho que era, sempre dizia que homem não usava estas coisas de gay, falava palavras difíceis, que não entendia, e chegou a pensar que era como nos filmes, em inglês. Por isso não entendia. Anotou uma palavras: Meritíssimo, Preclaro, Corpo de Delito, Hialino e DeCujos. Falavam tanto de sua tia como decujos que teve a surpresa de saber que o sobrenome desta era Decujos somente no dia do julgamento de seu assassino. Achou Hialino tão lindo que jurou colocar o nome de seu filho, caso homem, de Hialino. Se menina, Hialina. Tão lindo! Suspirou. Será que Olímpico iria gostar?
Olhando bem para cara do assassino teve a sensação de que não sabia, de nada. E não saber de nada é sempre bom, porque se pode pensar noutras coisas. Lembrou-se que a Rádio Relógio havia contado quer Carlos Magno era chamado na terra dele de Carolus...... quando se apercebeu, um outro homem estava falando. Agora já diziam que o homem não era o autor do assassinato de sua tia. Lamentava ter perdido uma parte, talvez a mais importante, e dali em diante tudo era para mostrar que sua tia, Decujos, como falavam, não prestava. Diziam que era "avarento", palavra que anotou para perguntar à Olímpico, "malvado" e isto ela era, que tinha provocado. Não entendeu muito bem, mais uma vez, porque falavam que ela era homem. Será que tratam as virgens por homem naquele local?
A vontade de fazer xixi era grande e houve um intervalo. Serviram salgados e doces. Lembrou-se da casa de Glória e de como havia passado mal naquela noite em que comeu muito e ficou com medo de comer umas coisas esquisitas. Tomou café meio frio, como gosta, e ficou esperando que fossem servir goibada-com-queijo. Mas aí lembrou-se que poderia ser pecado comer goibada-com-queijo em alguma coisa que se relacionasse com sua tia, porque ela não gostava disso. Lembrou-se dos cascudos.... Voltou para o lugar, junto com os outros 6. Reparou que não conhecia ninguém e pensou que a família de sua tia deveria ser grande, pois estavam ali por causa dela. Ficou com mais vergonha ainda porque não lembrava do dia de sua morte, não havia trazido flores, nem velas brancas. Pôs-se, assim, a rezar. Rezaria até o final, ainda que não soubesse quando iria terminar.
O homem que falava no meio perguntou se estavam "aptos" a julgar. O que era "apto"? Não sabia. Olímpico não estava perto, mas também não adiantava. Ficou em silêncio. Leram uns tais de "quesitos", palavra que também anotou para perguntar, e foram para uma sala secreta. Ficou com medo de não voltar da sala (dita) secreta. Nela, todos de preto, sentou-se ao redor de uma mesa e lhe deram duas cédulas, uma com SIM, outra com NÃO. Ficou com medo de errar. Fechou-as nas mãos e lembrou-se que quando era criança escolhia dizendo unidunitesalamemingue, assim o fazendo. Colocou SIM e NÃO. Não sabe bem porque, mas pararam de passar as urnas.
CORTE.
4. Há, pode-se dizer, uma "tentação paranóica" em consertar, ajudar, dar o caminho para Macabéia, a qual, julgam, perde-se numa direção sem sentido. A pergunta ingênua é: sem sentido para quem? Clarice, falando de Macabéia aponta para a angústia de um Real que arrosta, e faz marcar. A dureza de um não sentido que mostra o impossível de se dizer. Talvez resida justamente neste sem nexo, desarticulado de sentido, em que a palavra vai atropelada por brilhos ofuscantes de uma saída da cadeia de significantes: a morte.
5. Permito-me, assim, quem sabe, buscar alguns traços do que "faz questão", a saber, a tentação paranóica de se consertar Macabéia, postura atravessada na narrativa do texto. Charles Melman (Como se tornar um paranóico) mostra que "a paranóica é a certeza para um sujeito de ter o saber da verdade, da verdade absoluta." Este possuir a verdade alça o sujeito na posição imaginária de conhecer as causas do mundo e a de poder, do seu lugar, melhorar a vida de Macabéia, com fórmulas, conselhos, enfim, toda forma de ajuda! O traço paranóico faz com que o sujeito não se sinta um caído, um culpado. Acredita que está fora do seu destino, justamente porque a Lei do Pai, no caso opera desde um outro lugar. Embora isto, o paranóico quer se parado, ou seja, procura um limite, o qual, de fato, não possui. E "todas as paranóias terminam pelo êxito da autopunição". A psicanálise, quem sabe, pode nos ensinar a ser um pouco menos paranóicos.
6. Isto porque no Direito, especialmente no campo que toca boa parte de nós, a hermenêutica paranóica coloca o sujeito numa recusa de qualquer tipo de imposto, a saber, o Direito não faz barreira, justamente porque não se sente devedor de ninguém e de nada, podendo, do seu lugar, estabelecer o sentido do Justo, do Bem, do Bom. No campo do Direito em que o lugar do juiz é paranóico por excelência, Vossa Excelência diz a Verdade do seu lugar, formal, sem que as barreiras Simbólicas, pois, façam limite. O seu lugar de Um o autoriza a acreditar que sabe da natureza e das causas das coisas, enfim, que não precisa de ninguém, nem de nada. Não é castrado. Ele é o todo, se basta! Deste lugar de exclusão surgem, não raro, 3 grandes traços: delírio de grandeza, delírio de reivindicação e delírio de ciúmes. E disto, o Direito, pode falar... O Direito, dizem, é completo, pode conceder tudo e não aceita ser enganado, embora se sinta neste lugar... Como ele Sabe cobra, como preço, o sacrifício. Enfim, um objeto de amor! Schreber bem sabia....
7. Na narração se deixa escapar, aparentemente sem sentido, a bela ária "Una furtiva lacrima"
"Uma furtiva lágrima
Em seus olhos despontou
Aquelas alegres jovens
Pareceu invejar.
Que mais estou procurando?
Ama-me, vejo!
Por um só instante,
As palpitações do seu belo coração sentir!
Os meus suspiros confundir um pouco com seus suspiros
Céus, agora posso morrer!
Nada mais peço...
Posso morrer de amor!"
8. A novela prossegue, em seguida, com outros pontos fixos e suas angústias. Obrigado!
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Adorei!!! (na falta de ter outra palavra...)
ResponderExcluir‘Imprimir palavras não ditas (?) ou (re)velar as palavras que faltam’
ResponderExcluirEis Macabéia incitando a paranoia no outro, a saber, nós mesmos. Essa impossibilidade de sua fala oriunda de suas próprias censuras, origem da própria ignorância vazia. Não paramos por aí, um protagonista dito central, (o julgador) ‘apto’ a julgar a vida do outro, que pretensamente acredita dominar por suas certezas, pela paranoia que lhe é característica.
Amputar a paranoia como se todos não tivéssemos tentações paranoicas?
O afã angustiante de apontar no outro o tu és (no nível de fala) aquele a quem odeias.
E disto se faz uma decisão democrática?
ResponderExcluirOu como se faz uma decisão democrática?
ResponderExcluirNo dia em que li, gostei mto desse post, especialmente pq é raro te ver escrevendo assim... e lembrei de uma melodia que, agora, ouvindo Gardel, me dei conta ser o 'Por Una Cabeza'... Belíssimo, também!
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