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12/03/2010
Falsas Memórias
Uma decisão antes de conhecer o livro da Cris Di Gesu - Um próximo post
xxxxxxxx
Vistos para sentença.
I – Relatório.
O representante do Ministério Público em exercício nesta Comarca ofereceu denúncia contra D.S.S., já qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, tendo em vista os atos delituosos assim narrados na denúncia:
"No dia 14 de novembro de 2008, por volta das 17h10, no Estacionamento do Shoping Americanas, situado na Rua Leite Ribeiro, s/n, Bairro Anita Garibaldi, nesta cidade, o denunciado abordou a vítima V.Q.F. quando entrava em seu carro e, mediante grave ameaça exercida com emprego de uma arma de fogo, subtraiu R$ 1.500,00 e diversos documentos os quais estavam em uma pasta"
.
Em apenso, consta o pedido de prisão preventiva nº XXX. Certificados os antecedentes criminais do acusado (fls. 28/31). Citado (fl. 34) o acusado apresentou defesa (fls. 36/55). Durante a instrução criminal foram ouvidas a vítima (fl. 72), bem como duas testemunhas e um informante da defesa (fls. 74/76). Foi realizado o reconhecimento em sala própria (fl. 73). Por fim, procedeu-se ao interrogatório do acusado (fls. 77/79). O Ministério Público apresentou alegações finais, requerendo a condenação do acusado nos termos da denúncia (fls. 80/83); a defesa, por sua vez, sustentou a negativa de autoria, alegando a fragilidade do conjunto probatório firmado unicamente na palavra da vítima, bem como contestando o reconhecimento havido (fls. 87/95).
Os autos vieram conclusos.
É o breve relatório.
II – Fundamentação.
1. A decisão no processo penal não é ato de conhecimento, mas sim de compreensão, em que os sujeitos incidentes, no evento semântico denominado sentença, realizam uma fusão de horizontes, para usar a gramática de Gadamer. Neste contexto, diante da apresentação de uma hipótese fático-descritiva pela acusação, procede-se a um debate em contraditório, entre partes, nos quais os ônus são compartilhados. O resultado da produção válida de significantes será composta em uma decisão judicial, a qual não se assemelha, nem de longe, ao mito ultrapassado da verdade real. A verdade real é empulhação ideológica que serve para "acalmar" a consciência de acusadores e julgadores. O que existe é a produção de significantes e uma decisão no tempo e espaço. As únicas garantias existentes são: a) um processo como procedimento em contraditório; b) processo acusatório, entre partes, sem atividade probatória do juiz, com as garantias constitucionais (presunção de inocência, etc.; c) decisão fundamentada por parte dos órgãos julgadores. A legitimidade desta decisão decorre, também e fundamentalmente, da sua concordância com a Constituição (MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006).
2. Destaque-se, por básico, que a pseudo-prova produzida no 'Inquérito Policial' somente pode servir para análise da condição da ação (GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Justa Causa no Processo Penal: Conceito e Natureza Jurídica. In: BONATO, Gilson (Org.). Garantias Constitucionais e Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 199-200), ou seja, dos elementos necessários para o juízo de admissibilidade positivo da ação penal. No mais, não há qualquer possibilidade de valoração democrática, no Processo Penal constitucionalizado, por ser ela desprovida das garantias processuais. A recente reforma do CPP, dando nova redação ao art. 155, ao indicar a possibilidade de seu uso é flagrantemente inconstitucional (MORAIS DA ROSA, Alexandre; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um Processo Penal Democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 83-97; BARROS, Flaviane de Magalhães. (RE)Forma do Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 23-27; GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) Do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008)23-36). É que quando de sua produção ainda não existia acusação formalizada, despreza o defensor – além de alguns ainda negarem a publicidade dos atos, embora sumulada a situação – e, ademais, viola a garantia de que seja produzida em face de juiz imparcial, sob contraditório (PIZA, Evandro. Dançando no escuro: apontamentos sobre a obra de Alessandro Baratta, o sistema penal e a justiça. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de (Org.). Verso e reverso do controle penal: (des) aprisionando a sociedade da cultura punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 106-108.). Decorrência direta do princípio da publicidade é a conclusão de somente as provas produzidas (significantes) em face do contraditório é que podem ser levadas em consideração nos debates e também na decisão judicial. Os elementos indiciários não devem adentrar validamente no debate porque, por evidente, não havia acusação quando colhida, violando, dentre outros, o princípio da publicidade. Logo, as declarações prestadas naquele momento são – para se utilizar o estatuto probatório italiano, perfeitamente aplicável ao brasileiro –, absolutamente inutilizáveis, conforme lição de Paolo Tonini (A prova no processo penal italiano. Trad. Alexandra Martins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 76): "O termo inutilizabilidade descreve dois aspectos do mesmo fenômeno. Por um lado, indica o 'vício' que pode conter um ato ou um documento; por outro lado, ilustra o 'regime jurídico' ao qual o ato viciado é submetido, ou seja, a não possibilidade de ser utilizado como fundamento de uma decisão do juiz. A inutilizabilidade é um tipo de invalidade que tem a característica de atingir não o ato em si mas o seu 'valor probatório'. O ato pode ser válido do ponto de vista formal (por exemplo, não é eivado de nulidade), mas é atingido em seu aspecto substancial, pois a inutilizabilidade o impede de produzir o seu efeito principal, qual seja, servir de fundamento para a decisão do juiz." No Processo Penal democrático, o conteúdo do Inquérito Policial está maculado pela ausência de contraditório, sendo utilizável exclusivamente para análise das questões prévias (condições da ação e pressupostos processuais aplicáveis – MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A natureza cautelar da decisão de arquivamento do Inquérito Policial. In: Revista de Processo, São Paulo, n. 70, p. 49-58, 1993.). Enfim, é absolutamente antidemocrática a utilização dos elementos do Inquérito Policial para efeito de condenar o acusado. Claro que se for consultar Damásio, Mirabete e Capez, todos dirão da validade, pois ainda não fizeram o giro democrático que a Constituição de 1988 preconiza!
3. Com efeito, ao acusado é imputada a prática do crime de roubo circunstanciado pelo uso de arma de fogo, tipificado no art. 157, § 2º, I, do Código Penal.
4. A materialidade restou comprovada pelo boletim de ocorrência de fl. 03, bem como diante do material constante no CD em anexo, com a gravação das câmeras de segurança do Shopping Center Americanas, o qual demonstra claramente o momento do crime, bem assim as suas circunstâncias.
5. Contudo, a questão dos autos gira toda em torno da autoria, imputada ao ora acusado diante do reconhecimento da vítima. O primeiro reconhecimento foi realizado na Delegacia de Polícia, após a informação, por policiais militares, do provável suspeito, informação esta oriunda de fonte desconhecida, eis que não consta em local algum dos autos. Seria muito simples diante do reconhecimento havido, inclusive judicial, acolher a pretensão. Entretanto, presidi a instrução e demorei para firmar o convencimento desde o seu final, especialmente vendo e revendo o DVD da ação, no qual não se consegue ver, com nitidez, as feições do acusado, nem mesmo sua cor de pele, enfim, o DVD deixa evidenciado que a conduta ocorreu, sem propiciar elementos de autoria. Com o acusado não foi encontrada a res furtiva, nem mesmo houve prisão em flagrante. Do relatório da autoridade policial se extrai que o acusado é conhecido por praticar furtos e assaltos a mão armada na Comarca de Joinville, porém, em análise dos antecedentes criminais, constata-se que não há nenhuma condenação, apenas processos em andamento, de modo que, diante do princípio da presunção de inocência, impossível a prévia condenação do acusado, sob pena de grave ferimento de ordem constitucional. Desta feita, em sendo o reconhecimento a única prova produzida pela acusação, nele devem centrar-se as discussões.
6. Assim é que os fatos se deram em 14.11.08 e após chamar a polícia, a vítima procedeu ao reconhecimento de dois agentes de maneira negativa. Neste momento, pelo que disse em seu depoimento judicial (o único válido): "Reconheceu o agente apenas por foto (f. 07) ... Não sabe informar quem mostrou as fotos para o declarante, mas acredita que era policial militar, mas não pode dar certeza, diante das características que o declarante repassou do agente. A imagem foi mostrada por foto e não no computador. ... Depois que já possuía o nome do agente e sua foto, procedeu novo reconhecimento na polícia civil, quando foi registrar a ocorrência. Foi na polícia civil também para verificar se tinha antecedentes." (f. 72). Disto resulta que o acusado teve sua foto, sem mais, apresentada para a vítima, não se sabe por quem, logo em seguida ao fato. Era de se esperar que se houvesse reconhecimento, até porque fez dois antes, fosse o acusado investigado e novamente trazido para reconhecimento, como aliás atesta a testemunha de defesa (f. 76) ocorreu noutras oportunidades. Mas não! A vítima ficou durante quatro dias ponderando se iria fazer a ocorrência. Disse que "Demorou para fazer o registro quatro dias por ser uma pessoa pública, possui filho e ficou com medo de alguma represália." Somente foi à Delegacia de Polícia, onde fez a recordação da foto anteriormente mostrada. Pelo que disse, ficou de posse da foto durante quatro dias e, ao que parece, somente fez o registro depois de descobrir que o acusado tinha antecedentes. Isto que parece ser um mero detalhe reitera muitas vezes o que se passa no processo penal brasileiro de maneira absolutamente ilegal, a saber, em caso de dúvida, consulta-se a ficha de antecedentes.... Se há, condena-se. Tal fato é tão relevante que há legislação alemã determinando que os registros somente serão conhecidos pelo juiz depois de julgar a responsabilidade, justamente para evitar antecipações de sentido, mormente quando se instala o "quadro mental paranóico", apontado por Franco Cordero (CORDERO, Franco. Procedimento Penal, v. 1. Trad. Jorge Guerrero. Santa Fé de Bogotá: Temis, 2000. v. 1, p. 23.): "El inquisidor labora mientras quiere, trabajando en secreto sobre los animales que confiesan; concebida una hipótesis, sobre ella edifica cábalas inductivas; la falta del debate contradictorio abre un portillo lógico al pensamiento paranoide; tramas alambicadas eclipsan los hechos. Dueño del tablero, dispone las piezas como le conviene: la inquisición es un mundo verbal semejando al onírico; tiempos, lugares, cosas, personas, acontecimientos fluctúan y se mueven en cuadros manipulables. (...) Juego peligroso, pues el escribiente redacta com libertad, selectivamente atento a sordo a los datos, segúns que convaliden o no la hipótesis; y siendo las palabras una matéria plástica (los acusados las lanzan como torrentes), cualquier conclusión resulta posible; el estro poético desarrolla un sentimiento nascisista de omnipotencia, el el cual desaparece cualquier cautela de autocrítica." E não é só.
7. A influência de um reconhecimento e da palavra da vítima no campo do processo penal brasileiro precisa de atualização. Não se pode mais, ingenuamente, acreditar no que a boca diz alienadamente, porque em diversos países já se percebeu que a memória de testemunhos/vítimas oculares pode ser falível! A psicologia do testemunho dispensa um longo percurso teórico para tanto, demonstrando que o senso comum teórico parte de uma noção equivocada da memória como um arquivo, sem possibilidade de equívocos. Ubaldo Nicola (Parece mas não é. Trad. Maria Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2007, p. 46) aponta: "A metáfora da memória como arquivo tem duas consequências inaceitáveis. A primeira é a passividade da memória no que diz respeito à recordação. No armazém mnemônico, deveriam ser metodicamente conservadas todas ou quase todas as recordações, sem diferenciação quanto à sua qualidade. Mas a memória não é absolutamente neutra: ela escolhe, seleciona, modifica. Assim como para a percepção, também para a memória vale a constatação fundamental de que percebemos apenas os resultados, e não o trabalho realizado pela mente para alcança-los. Trabalho que, no caso da memória, parece comparável ao de um diretor de cinema, baseado que está na função central da montagem, ou seja, da livre construção de um fio lógico ou narrativo entre elementos diversos (impressões perceptivas, falsas recordações, eleborações cognitivas,) A segunda consequência inaceitável diz respeito à separação estabelecida entre atividade específica da memória e o resto da mente. (...) a metáfora da memória/arquivo prevê uma arquitetura da mente com quartos separados (...) que hoje se mostra totalmente inadequada." E arremata: "Poderia parecer que aquilo que normalmente consideramos mera reprodução seja, em medida muito maior do que geralmente se admite, uma verdadeira construção, criada para justificar a impressão deixada pelo original. É exatamente essa impressão, raramente definida muito precisamente, o que mais facilmente persiste, e, enquanto os detalhes foram tais que possam ser construídos em torno dela de modo racional, a maior parte de nós fica bastante satisfeita e tende a pensar que recordou literalmente aquilo que na verdade reconstruiu." (f. 39).
8. Citado na jurisprudência do Tribunal de Justiça Catarinense (Ap. Crim. n. 2001.022355-4, Des. Solon d'Eça Neves, j. 12.03.02), ainda que de forma tímida, Edmur de Aguiar Whitaker (Manual de Psicologia e Psicopatologia Judiciárias. 2. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1969) esclarece sobre a percepção humana: "Não podemos nos subtrair à ação dos nossos automatismos mentais. Em virtude do hábito completamos de tal modo as percepções da realidade exterior, que basta se acharem presentes alguns de seus elementos para que o nosso juízo da realidade se dê por satisfeito e aceite a presença do todo. A rigor, não percebemos a realidade e sim a sua caricatura subjetiva, o que é certo, sobretudo, em se tratando de estímulos um pouco complexos e muito dinâmicos, como o são as pessoas. Estas são em geral percebidas e reconhecidas em virtude de alguns detalhes predominantes e assim se explicam as dificuldades de qualquer testemunho para responder à autoridade sobre a presença ou ausência de outros detalhes que, por não serem essenciais para o 'esquema de reconhecimento', lhe passaram totalmente despercebidos. Em tais casos, no meio de lacunas enormes, em que nada existe concordante com a realidade, surgem ilhotas de reprodução exata e, o que é essencial, estas ilhotas diferem segundo os testemunhos, de modo que o que um recorda perfeitamente, outro olvida perfeitamente também. Ocorrendo estes elementos essenciais, a percepção se efetua e o objeto se identifica, mesmo quando haja sofrido importantes modificações de detalhes. Podemos, diz Mira y Lopez (op. cit.), passar horas em uma de nossas salas mais bem conhecidas sem nos dar conta de que mudaram de lugar ou desaparecem alguns enfeites. Podemos ler um livro qualquer sem notar erros de impressão, apesar deles abundarem. A razão de tal é muito simples: permanecendo na sala ou lendo o livro, não nos interessa especialmente contemplar os quadros ou reconhecer as erratas. Por conseguinte, a menos que exista determinado propósito que dirija voluntariamente a atenção de modo sistemático para a percepção completa de um estímulo ou situação (caso em que será necessário considerá-la sucessivamente nos seus distintos aspectos), pode-se dizer que a nossa mente percebe mais de acordo de como era do que com o conhecimento de como é. Dito de outro modo, o passado intervém mais do que o presente em nossas percepções. (Mira y Lopez, op. cit)".
9. No campo jurídico, mais especialmente no processo penal, sabe-se da falibilidade da prova testemunhal. Aury Lopes Jr. (Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007) demonstra: "A prova testemunhal é o meio de prova mais utilizado no processo penal brasileiro e, ao mesmo tempo, a mais perigosa, manipulável e pouco confiável. Esse grave paradoxo agudiza a crise de confiança existente em torno do processo penal e do próprio ritual judiciário. (...) Entre as inúmeras variáveis que afetam a qualidade e confiabilidade da prova testemunhal, propomos um recorte pouco comum na doutrina jurídica: as falsas memórias. As falsas memórias se diferenciam da mentira, essencialmente, porque, nas primeiras, o agente crê honestamente no que está relatando, pois a sugestão é externa (ou interna, mas inconsciente), chegando a sofrer com isso. Já a mentira é um ato consciente, onde a pessoa tem noção do seu espaço de criação e manipulação. Ambos são perigosos para a credibilidade da prova testemunhal, mas as falsas memórias são mais graves, pois a testemunha ou vítima desliza no imaginário sem consciência disso. (...) Finalizando, há que despertarem o direito processual penal e os atores judiciários para esse grave problema que ronda a prova testemunhal, a palavra da vítima e os reconhecimentos, buscando apurar técnicas de interrogatórios que reduzam a indução e facilitem a identificação das falsas memórias. Por elementar, o risco de tal problema jamais poderá ser eliminado. O que se deve buscar são medidas de redução de danos, com o abandono da cultura da prova testemunhal, o emprego de técnicas não-indutivas nos interrogatórios, utilização de técnicas específicas nos interrogatórios de crianças vítimas ou testemunhas (especialmente nos crimes sexuais), a inserção de recursos tecnológicos (gravação de áudio e vídeo de todos os depoimentos prestados, para controle do tipo de interrogatório empregado) e conhecimento científico na investigação preliminar. Essas são algumas formas de reduzir os danos das falsas memórias no processo penal" Defendendo também a falibilidade da prova testemunhal, a doutrina italiana, há muito, busca estabelecer mecanismos aptos ao controle jurisdicional. O Professor Cherif Bassiouni (La psicologia per un nuovo processo penal. Padova: CEDAM, 1987, p. 108-109) enfoca a questão propondo mecanismos capazes de reduzir equívocos como os provenientes de falsas memórias, nas quais o sujeito, pela substituição da dúvida por uma intervenção externa, acaba preenchendo o vazio por algo superveniente: "Segundo a teoria da interferência o esquecimento se dá por conta dos fenômenos de interferência pelos quais acontecimentos ou conhecimentos recentes interferem na lembrança dos eventos análogos, mas menos recentes ou vice e versa. (...) interferência retroativa que seria quando uma nova informação tenda a substituir a antiga, na qual um conhecimento anterior vem a ser alterado por uma nova atividade de memorização." (tradução livre). Vale consultar, ainda, Perfecto Andrés Ibáñez (Valoração da Prova e Sentença Penal. Trad. Ledio Rosa de Andrade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006) e Francisco da Costa Oliveira (O interogatório de testemunhas. Coimbra: Almedina, 2007).
10. Com efeito, retomando o caso em testilha e de acordo com o que se tem nos autos, o acusado já é conhecido das polícias militar e civil da cidade, tanto é que sua foto de pronto foi mostrada à vítima com vistas à sua identificação. Tal atitude, por certo, tem o condão de induzir a vítima ao reconhecimento, mormente se as características da foto e aquelas do real autor do crime forem semelhantes, o que é de se considerar, já que o ora acusado possui fisionomia comum em nosso País, ainda mais de acusado no processo penal (f. 07). Causa estranheza, também, a demora na feitura do Boletim de Ocorrência, bem como a busca, por parte da vítima, de informações sobre o acusado, como quando "foi na polícia civil também para verificar se tinha antecedentes" (fl. 72). Não se pode olvidar, também, a incoerência quanto a reconstrução do fato por parte da vítima, a qual alegou que "a porta do passageiro foi aberta" no momento da abordagem quando, em análise do vídeo gravado pelas câmeras de segurança, facilmente se verifica que o autor do delito realizou a abordagem junto à porta do motorista. Em suma, li e reli os autos por diversas vezes e a dúvida preponderou, acreditando, entretanto, que a vítima não mentiu, apenas foi induzida pela apresentação de foto do acusado, a qual veio preencher o vazio do reconhecimento duvidoso operado por oportunidade dos fatos e somente confirmado quando consultado os antecedentes do acusado, em manifesta preponderância dos estigmas da criminalização (ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997). É importante deixar-se bem claro: não se trata da possibilidade de falsa imputação por parte da vítima e sim a ausência de outros elementos que embasassem o seu relato (pois nenhum policial, nem mesmo o que apresentou a foto, que não se recorda, foi ouvido), bem como a consideração de que o reconhecimento judicial é passível de falhas, principalmente quando induzido por outras circunstâncias, advindas inclusive da fase policial. Neste sentido: "Reconhecimento pessoal: Valor probante: doutrina e jurisprudência salientaram os cuidados que se devem tomar quando se trata de tentar reconhecer o autor de um crime, pois inúmeros são os fatores que podem levar a erro, especialmente a sugestão." (TACrim-SP – 5ª Câm. Ap. 304.491 – v.u. – Rel.: Adauto Suannes).
11. Instalada a dúvida, mais uma vez cabe apontar que quanto às imagens gravadas, constantes no CD em anexo, estas impossibilitam o reconhecimento do acusado, devido à baixa qualidade da gravação. Não há sequer como afirmar que as características são semelhantes. Por outro lado, o álibi apresentado pelo acusado, embora referido por uma testemunha (f. 75), não encontra conforto nos demais elementos dos autos, sendo que é seu companheiro de futebol e amigo pessoal, razão pela qual o descarto.
12. Assim, impossibilitada a condenação, dado que a fazer com base apenas no reconhecimento, sem que haja embasamento em qualquer outra força probante, afronta o princípio do in dubio pro reu, consoante apontou-se acima. Assim decidiu o Tribunal Catarinense: "A condenação exige prova escorreita e segura da autoria e da materialidade da infração penal, sendo insuficiente até mesmo a alta probabilidade da participação do acusado na prática de crimes de roubo, que eqüivale à ausência de prova e justifica a aplicação do clássico princípio in dubio pro reu." (TJSC, Ap. Crim. n. 99.003608-1, da Capital, Rel. Des. Paulo Gallotti). E ainda: "No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica. Condenação exige certeza absoluta, fundada em dados objetivos indiscutíveis, de caráter geral, que evidenciem o delito e a autoria, não bastando a alta probabilidade desta ou daquele. E não pode, portando, ser a certeza subjetiva, formada na consciência do julgador, sob pena de se transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio' (RT 619/267).' (TJSC, Ap. Crim. n. 2003.022793-8, Des. Sérgio Paladino, j. 11.11.03).
III – Dispositivo.
Por tais razões, JULGO IMPROCEDENTE a denúncia ofertada, para absolver o acusado D.S.S. da imputação de violação ao disposto no art. 157, § 2º, I, do Código Penal, na forma do art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se
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Sem custas.
Expeça-se alvará de soltura se por al não estiver preso.
Transitada em julgado, arquive-se.
--
Alexandre Morais da Rosa
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEra tudo o que procurava.
ResponderExcluirValeu
Sempre me salvando!
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