Uma carta de Freud a Marie Bonaparte (13/08/1937)
Minha cara Marie*:
Posso responder-lhe
sem demora, pois tenho pouco a fazer. O "Moisés" II foi concluído anteontem, e
as pequenas dores esquecemos melhor numa troca de idéias com amigos.
Para o escritor, a
imortalidade significa que ele será amado por muitas pessoas desconhecidas. Mas
eu sei que não chorarei sua morte. Pois você sobreviverá a mim por muitos anos
e, espero, se consolará rapidamente, e me deixará seguir vivendo em sua memória
amiga, a única espécie de imortalidade limitada que reconheço.
No momento em que
nos perguntamos sobre o valor e o sentido de uma vida, estamos doentes, pois
objetivamente tais coisas não existem. Ao fazê-lo, apenas admitimos possuir um
quê de libido insatisfeita, a que algo mais deve ter acontecido, uma espécie de
fermentação que conduz à tristeza e à depressão. Essa minha explicação não é
grande coisa, certamente. Talvez porque eu mesmo seja muito pessimista. Anda em
minha cabeça um advertisement que considero o mais ousado e
bem-sucedido exemplo de propaganda americana:
"Why live, if
you can be buried for ten dollars?"
["Por que viver, se
você pode ser enterrado por dez dólares?"].
Lun** refugiou-se
junto a mim depois de um banho. Se a compreendo bem, manda que lhe agradeça a
lembrança. Topsy já sabe que está sendo traduzida?
Escreva
breve!
Afetuosamente,
Freud.
Notas:
*Marie
Bonaparte (1882-1962), princesa da Grécia, foi paciente, depois discípula e
amiga de Freud.
** Lun era uma
cadela de Freud, da raça chow. Topsy, também uma cadela chow, pertencia a Marie
Bonaparte; a referência da última frase é ao trabalho que Marie Bonaparte
escreveu sobre ela, que estava sendo traduzido por Freud e por sua filha
Anna.
(In:Sigmund Freud e o Gabinete do Dr. Lacan. 2 ed.
São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 129).
http://litura-terra.blogspot.com.br/2012/04/uma-carta-de-freud-marie-bonaparte.html
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