Por Rizzatto Nunes
Continuo hoje a desenvolver a série do título, muito em voga no país. Como eu disse no primeiro episódio da série (no dia 6-2-2012) retirei o nome de uma comédia. É uma brincadeira que, de todo modo, ilustra um fato importante: se, de um lado, a mentira pode ser conscientemente utilizada, de outro, muitas vezes, a pessoa enganada, estava mesmo interessada em sê-lo. Aceita a mentira porque lhe soa cômoda ou está de acordo com seu próprio interesse ou, ainda, porque não desenvolveu senso crítico capaz de percebê-la.
Do ponto de vista da sociedade de consumo – e também do sistema mais amplo da sociedade em geral, como demonstrarei abaixo -- há muito tempo que os consumeristas descobriram que um dos fundamentos da sociedade capitalista de consumo é a mentira, mentira nem sempre detectável, mas que pode muitas vezes ser.
Cuido, a seguir, de dois casos: um, que é, -- para ficar com a ideia do título que extraí de um filme – uma reprise: o das sacolas plásticas. O outro, escancarado e abertamente praticado nas ruas e avenidas de nossa megalópole de São Paulo congestionada assombrosamente. Começo por esta.
No início deste ano, foram divulgados os valores que a Prefeitura de São Paulo arrecadou com as multas de trânsito no ano de 2011. Foram aproximadamente R$ 748.000.000,00, um crescimento de quase 35% em relação ao ano de 2010 (naquele ano a Prefeitura arrecadou a bagatela de R$ 556.000.000,00).
Meu amigo Outrem Ego, examinando o valor das cifras, reclamou e me perguntou se eu tinha percebido o retorno dessa montanha de dinheiro no setor dos transportes em São Paulo? "O trânsito está melhor? As ruas estão menos esburacadas? Os funcionários da CET estão melhor preparadores? Eles te ajudam, ajudam o trânsito, te respeitam ou só pensam em multar?", prosseguiu indignado. E ele tem boas razões. Veja, na sequência, duas situações, uma vivida por ele e outra por sua esposa, Bete.
No final do ano passado, em um começo de noite, após uma forte chuva, meu amigo, ouvindo uma buzinação enorme na rua, foi até a janela de seu quarto. De lá observou que o semáforo quase em frente de seu prédio estava quebrado, o que ocasionava transtorno no trânsito e, naturalmente, as buzinadas.
De repente, ele viu um carro da CET estacionar na rua. Pensou: "Ainda bem que eles chegaram". Uma moça desceu do veículo, olhou para o trânsito e ao redor.
Você sabe o que essa servidora, que trabalha para uma empresa que administra o trânsito, fez? Veja.
Ela sacou do talonário, foi até um veículo estacionado num local proibido, aplicou uma multa, colocou no para-brisa, olhou de novo para a balbúrdia do trânsito por causa do semáforo quebrado, entrou no carro e foi embora, deixando o caos do trânsito para trás!
A outra história foi protagonizada pela Bete e ocorreu no dia 07.12.2012 na porta de um importante colégio na região de Pinheiros. Como é de costume, mais ou menos em torno das 12:30 horas, ela dirigiu-se à porta do colégio à espera da saída dos filhos. Ficou parada na fila, que normalmente se forma à porta.
De repente, quando fez menção de tirar o cinto de segurança, eis que estava ali parada, surgiu na frente dela um funcionário do colégio gesticulando pedindo que ela abrisse o vidro, o que ela fez. Ele então disse: "Minha senhora, não retire o cinto de segurança até que seus filhos cheguem à porta do carro e a senhora tenha que descer para ajudá-los. Veja ali aqueles fiscais (e apontou para dois servidores da CET). Eles multam todas as pessoas que ficam aqui paradas esperando os filhos sem o cinto de segurança."
Bete, indignada, verificou que o trânsito era bastante confuso na região, aliás, como é todo dia, mas os dois servidores públicos, ao invés de ajudarem as pessoas, realmente passavam devagar ao lado dos carros com o talão na mão, apenas para lançar o maior número de multas possíveis.
Depois de me contar as histórias, Outrem Ego repetiu as questões incisivamente: "Você acredita que a enorme arrecadação com a aplicação de multas reverte a favor da administração do trânsito? Acredita que existe alguma preocupação com a qualidade de vida da população?". Depois para terminar disse: "A eficiência tecnológica beneficia apenas o lado do faturamento " e lembrou que sempre que chove na cidade de São Paulo, o noticiário das rádios aponta como é interessante que os semáforos deixem de funcionar, mas os radares que lavram as multas não!
Eis, agora, o caso da ladainha das sacolas plásticas.
Albert Camus disse no seu livro "A queda", que, no futuro, para definir o homem moderno bastará uma frase: "Fornicava e lia jornais". Meu amigo Outrem Ego, que é fã do famoso escritor francês-argelino disse, nele inspirado, que, no futuro, os historiadores poderão definir os paulistas como pessoas que acreditam em Papai Noel e carregam sacolas plásticas pelas ruas...
De fato, os supermercados já foram um lugar agradável de frequentar. Aliás, o slogan de uma grande rede é "um lugar de gente feliz". É caso de mudar o refrão, mas penso que os marqueteiros de plantão baterão o mesmo martelo na esperança de que, de tanto o consumidor ouvir o slogan, passe nele a acreditar. Ora, atualmente, as pessoas não devem estar muito felizes nos supermercados, especialmente nas saídas dos caixas.
Eu, particularmente, nunca pensei que algum empresário pudesse tratar seus clientes com tamanho desprezo e antipatia, como estão fazendo esses do setor. Agora, é levar tudo nas caixas, se existirem, nos braços ou em pequenas ou grandes e caras sacolas adquiridas na hora.
Mas, ouvi numa rádio, de um dos dirigentes do setor, que eles estudam transformar essas grandes sacolas em retornáveis. Disse ele, constatando o óbvio, como faria o antigo personagem Pedro Bó: as pessoas simplesmente se esquecem de levar as sacolas ou, de repente, resolvem ir ao supermercado sem, naturalmente, estarem com uma sacola no bolso ou na bolsa.
Outrem Ego, estupefato, lembrou-me que as pessoas não vão ao supermercado comprar sapatos – embora até isso alguns vendam. E que ele não gostaria nem um pouco de utilizar sacolas retornáveis usadas por muitas outras pessoas que passaram sabe-se lá por onde para colocar os mantimentos que ele leva para casa. "Sacolas retornáveis? E sujas? Será que haverá desconto por bactérias?" Serão também laváveis e lavadas?" É! Talvez.
Como diria meu amigo, isso mudaria se os consumidores simplesmente deixassem de ir ao supermercado e o substituísse por quitandas, padarias e feiras ou fossem até lá para comprar apenas o estritamente necessário que coubesse nos braços. Só com a queda no faturamento, esse setor voltará a respeitar seus clientes.
E, para terminar mais este capítulo do filme "Engana-me que eu gosto", colo abaixo a foto que recebi via internet.
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