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29/04/2010

Os limites totalitários sempre se superam...

Inacreditável....

A zona obscura da contenção do crime

A anormalidade é o critério para internação no Special Commitment Center, um centro de segurança máxima que retém detentos cujas penas já chegaram ao fim, mas que não podem voltar ao convívio em sociedade por serem considerados potenciais reincidentes nos crimes

por Jérémie Droy
(Publicado na Le Monde Diplomatique Brasil de abril/2010)


O Special Commitment Center (SCC), um centro de detenção de segurança máxima do Estado de Washington, nos Estados Unidos, está localizado na ilha de McNeil, no condado de Tacoma, a cerca de uma hora e meia de estrada até Seattle. É preciso pegar um barco fretado pela administração penitenciária e, em seguida, um transporte terrestre, antes de chegar ao complexo destinado à carceragem dos “predadores sexuais” que, depois de terem cumprido a totalidade de sua pena de prisão, foram julgados muito perigosos para serem soltos.

A criação do centro aconteceu como forma de reação a um caso bizarro e particularmente trágico. Em 1989, Earl Shriner, um criminoso reincidente, foi libertado mesmo depois de ter abertamente declarado sua intenção de cometer novos delitos contra crianças. Pouco depois, violou e mutilou um garoto de 11 anos.

Uma comissão foi então criada, a pedido do governador, para apontar as falhas do sistema. O primeiro diagnóstico era de que o novo regime de penalidade fixa, em vigor desde 1981, havia substituído aquele em que as penas poderiam ser reajustadas a depender do comportamento dos prisioneiros. Ao mesmo tempo, a hospitalização obrigatória, uma possibilidade antes mais comum para aqueles que, ao fim da condenação, ainda apresentam um comportamento perigoso, foi classificada como cada vez menos acessível. Isso se devia, em grande medida, ao início do movimento de desinstitucionalização nos anos 19701 e à restrição dos critérios de admissão nas clínicas psiquiátricas2.

Uma terceira via foi então escolhida: o centro fechado de tratamento. A ideia se espalhou com rapidez por outros Estados e atualmente, cerca de 20 deles possuem centros de retenção de segurança máxima.

Ainda que acompanhadas de um discurso extremamente vingativo em relação às pessoas envolvidas, essas medidas se descrevem, antes de qualquer coisa, como um dispositivo “preventivo” e uma determinação de ordem pública sem caráter penal. Em 1996, uma sentença produzida pela Corte Suprema a propósito de um centro similar consagrou essa interpretação: no processo Kansas vs. Hendricks, o juiz conservador Clarence Thomas esclareceu, em sua exposição de motivos, que a detenção não era inconstitucional porque não se tratava de uma segunda pena, mas uma medida de cautela “aceitável”. Os centros fechados se inscrevem, então, num ato contínuo de vigilância, que vai do credenciamento e registro de todos os indivíduos presos até o seu encarceramento permanente3.

Em junho de 2009, o SCC contava, em sua ala mais fechada, com 276 detentos. Dezenove outros permaneciam em estruturas menos restritivas, dos quais nove estavam repartidos em dois centros semiabertos. Desde a lei sobre infrações de caráter sexual, somente uma pessoa foi liberada de toda coerção ou supervisão. Vários morreram já idosos no centro ou no hospital vizinho. E com o passar do tempo, a manutenção a longo prazo de “residentes” se torna um problema cada vez maior: simplesmente não há vagas. A construção de uma extensão já está prevista, ainda que os fundos não tenham sido liberados. Afinal, esse tipo de instituição custa caro: o orçamento anual do SCC chega a US$ 50 milhões – US$ 171 mil por residente/ano na estrutura fechada, e US$ 399 mil nas semiabertas. A taxa de encarceramento e as exigências terapêuticas fazem subir muito a fatura, em especial para dissimular o aspecto “prisão”, inúmeras vezes criticado nos tribunais – ora, não se trata de carceragem stricto sensu!

O SCC é composto de várias celas separadas por gramados bonitos e bem cuidados; o programa de horticultura é um dos orgulhos da instituição. Os prédios têm nomes de árvores. As placas pedem para não alimentar os guaxinins que abundam na ilha... É, mas o verniz campestre não resiste muito tempo ao cimento e às portas automáticas. Trata-se sim de uma prisão.

Separação autoritária

As celas estão organizadas segundo os níveis de segurança. A unidade Gingko, por exemplo, reúne aqueles que resistem ao tratamento, os “caras surtados que não acreditam em terapia”, como explica Mark Davis, um responsável administrativo. A unidade das Sequóias está reservada àqueles que se comportam corretamente e aceitam cooperar. Estes têm mais liberdade de circulação. A unidade A é dedicada aos “piores entre os piores”, a tal ponto que para ela foi “esquecido” o nome de árvore. Esses residentes, com reputação de serem os mais violentos, passam a maior parte do tempo trancados em seus quartos com barras de ferro e têm acesso a um número restrito de objetos.

Um laboratório de análise clínicas implantado na enfermaria busca detectar o uso ilegal de entorpecentes. Uma unidade de informação persegue os objetos proibidos, em particular as revistas pornográficas, mas também os catálogos de lingerie feminina ou até mesmo qualquer imagem que, representando mulheres ou crianças, poderia ser utilizada para finalidades eróticas. “Não estou aqui para ser punido, não sou um prisioneiro. Porém, é o que me fazem sentir cotidianamente. Mesmo o tratamento é infligido como uma punição coletiva”, testemunha um residente. Nesse híbrido de prisão e hospital, o clima de segurança e de punição gera conflitos permanentes. Desde sua criação, os centros de detenção foram objetos de dezenas de recursos perante os Tribunais Federais, tanto que diferentes Estados tiveram de colocar em vigor “mediadores de conflitos” para limitar seus custos com os processos judiciais, cujos gastos atingiam valores astronômicos.

É no que diz respeito à questão da terapia onde se cristalizam as ambiguidades da estrutura. Aparentemente há uma insistência no tratamento. Mas mesmo as violações do regulamento interno não são qualificadas de infração, apenas integram “relatórios de gestão comportamental”. Ou seja, no coração da instituição continua arraigada a ideia que os residentes são pessoas perversas e incuráveis, apesar de toda a reabilitação. Não são “doentes”, mas sim “monstros”, pensam alguns.

A anormalidade é o critério para internação no centro. No Estado de Washington, todas as pessoas condenadas por uma infração de caráter sexual passam por uma comissão que avalia sua periculosidade e a eventualidade de sua liberação. “Devemos provar que a pessoa foi atingida por uma perturbação mental, que ela é ameaçadora, e que ela apresenta um forte risco de recidiva”, explica uma jurista do escritório da Procuradoria Geral do Estado, encarregada desses processos. “As testemunhas [os experts] se baseiam em estatísticas específicas”, continua ela. Segundo métodos atuariais do cálculo de riscos, aqueles que se interessam por desconhecidos apresentariam um perigo de reincidência muito mais elevado. Aquelas pessoas nas quais um psiquiatra notou uma anormalidade mental são convocadas em audiência, perante um juiz e um júri popular. O processo segue os trâmites penais, porém não leva em conta tanto os fatos em si, fundamentando-se simplesmente sobre uma periculosidade potencial e vislumbrando as medidas de prevenção aplicáveis.

Psiquiatra e diretor do SCC, o doutor Henry Richards, considera que existe efetivamente uma categoria de criminosos particularmente perigosos e suscetíveis de reincidir. Eles são definidos por um diagnóstico psiquiátrico de coocorrência de sintomas de desvio sexual (parafilia) e de distúrbios da personalidade (antissocial ou narcisista, por exemplo). Dr. Richards está convencido de que se trate de apenas uma ínfima parcela dos autores de crimes sexuais – que, enquanto grupo, são menos suscetíveis de reincidência –, passível de detecção por testes psíquicos específicos. “Essas são pessoas que apresentam desordens agudas. Um terço delas é psicopata.
Trata-se de um grupo extremo, não são criminosos comuns”, explica.

Ao mesmo tempo, esses detentos não são propriamente doentes mentais, já que não têm vínculos com hospitais psiquiátricos. Saindo do domínio médico, o pervertido entra no domínio do monstruoso: o do “predador sexual”.

Vários autores descreveram o “pânico moral” em que entraram os Estados Unidos. Em 2007, o The New York Times mostrou uma descrição arrasadora do local: sempre apresentada por seus defensores como a solução milagrosa, a detenção de segurança máxima estava longe de ser uma solução razoável. Ninguém pode demonstrar o interesse terapêutico de um sistema extremamente custoso e que frequentemente consagra apenas algumas horas semanais a sessões de tratamento, além de manter presas pessoas muito idosas que se tornaram inválidas e impotentes, e que apresenta mecanismos de seleção muitas vezes surpreendentes4.

Autor de um livro sobre a questão, Eric Janus5 estima que a noção de predador sexual desvia a atenção da violência estrutural (a violência sexual que é produzida por fatores sociais e culturais) para a violência individual (a violência sexual como sintoma de uma disfunção singular, de uma perversidade incurável). Essas medidas, na verdade, são consideradas para casos criminais extremamente raros e deixam de lado a agressão sexual mais frequente, que é aquela dirigida contra o cônjuge, as crianças ou os familiares em geral, contra as quais, aliás, medidas de prevenção seriam muito bem-vindas.

Concepções ultrapassadas

Janus adianta assim que, se a atenção sobre a violência sexual, em geral, foi possível por meio dos movimentos feministas, é uma reação conservadora contra esses valores e que está no coração das novas políticas de luta contra os “predadores sexuais”. No lugar de uma decisão de bom senso, as medidas de detenção seriam marcadas ideologicamente por concepções ultrapassadas.

Esse tipo de dispositivo específico não significa uma escolha puramente utilitarista e um cálculo racional de custos e benefícios, mas representa uma economia moral da catástrofe: o evento que buscamos impedir é tão grave que justifica a despesa de meios desproporcionais e a criação do que Janus chama “uma zona de direitos reduzidos”.

Assim, se o processo de internação prevê, em teoria, que a acusação fique com o ônus da prova e demonstre que o indivíduo apresenta um sério perigo e um forte risco de reincidir, na prática, uma simples repetição dos fatos para aqueles que já foram condenados antes (e para aqueles que cumpriram sua pena) é suficiente para provar sua periculosidade. Uma vez tomada a decisão de internação, uma revisão anual deve avaliar se a pessoa apresenta ainda algum risco para a sociedade. E, a bem da verdade, se não temos nenhuma razão para acreditar que um delinquente sexual mudou, então supomos que ele continua sendo perigoso. Dr. Richards admite: “não importa o que [os residentes] façam em termos de tratamento, seu passado continua agindo contra eles”.

Defensor dos direitos dos residentes no SCC, William Bailey pensa de forma semelhante: a “decisão de encarceramento nesse centro tem implícita a questão de que a pessoa não deve mais sair”. Ele acrescenta ainda que o tratamento nada mais é do que uma formalidade para agradar a Justiça. A instituição funciona, de fato, baseada nos princípios disciplinares, mais do que nos terapêuticos.

Ex-assistente social no meio carcerário, Bailey estima que somente a minoria dos residentes é incapaz de viver em sociedade. Para os outros, as medidas de encarceramento e de segurança são excessivas; e soluções menos restritivas, como a supervisão em meio semiaberto, deveriam ser mais utilizadas. “Em teoria, a lei prevê que o indivíduo perca sua liberdade, mas não seus direitos. Mas quando você investiga a instituição, vê bem que eles perderam todos os seus direitos”, salienta Bailey.

Essa questão de equilíbrio entre a liberdade e a segurança torna-se particularmente delicada quando o princípio de precaução impõe prever o pior dos cenários possíveis. Se a gravidade dos fatos que procuramos prevenir leva a adoção de medidas radicais, é necessário ir além da emoção e procurar saber se os dispositivos colocados em vigor podem evitar o crime e se, por outro lado, é moral e politicamente aceitável abrir as zonas de exceção, para cidadãos retratados sob o ângulo de uma alteridade irreconciliável.
Jérémie Droy é sociólogo.






1 Diminuição da importância da hospitalização e da extensão dos tratamentos extra-hospitalares.
2 Os critérios de internação de praxe em hospital psiquiátrico pedem que seja provado que o individuo apresenta risco imediato para si e para os outros.
3 As “Leis de Megan”, adotadas em nível federal depois da violação e o assassinato, em 1994, da pequena Megan Kanka por seu vizinho, criminoso reincidente, tornaram obrigatório o registro das pessoas condenadas por infração sexual. Logo depois, vários Estados americanos votaram leis autorizando a difusão pública desses registros, acessíveis às vezes na internet.
4 Nessa série de matérias publicadas entre 4 e 6 de março de 2007, quando o Estado de Nova York se preparava para criar um centro de detenção de segurança máxima, as jornalistas Mônica Davey e Abby Goodnough, lembram especificamente que Leroy Hendrick se tornou célebre no seu caso contra o Estado do Kansas, perante a Corte Suprema, quando era, no momento do seu encarceramento no centro, um idoso de 72 anos enfraquecido por seu estado de diabetes e que se movimentava apenas numa cadeira de rodas.
5 Eric Janus, Failure to Protect. America’s sexual predator laws and the rise of the preventive State, Imprensa da Universidade de Cornell, Nova York, 2006.

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