Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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18/12/2009

Tráfico - Multa - Inconstitucionalidade - art. 33, 4o

Estabelece o art. 33 da Lei 11.343/06, além da aplicação de pena privativa de liberdade, a pena de multa no patamar de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Se por um lado se comina a elevada pena de multa, por outro se concede inegável tratamento diferenciado aos traficantes eventuais e de menor porte, por meio da causa especial de diminuição de pena apresentada no § 4º do referido artigo, pela qual é possível o abrandamento da pena na proporção de 1/6 a 2/3.

Faticamente, a diminuição do § 4º aplicada em sua proporção máxima (dois terços), considerando que seja a reprimenda corporal aplicada em seu mínimo legal (cinco anos de reclusão), reflete na pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão. Por outro lado, em relação à pena de multa, se também aplicada em seu mínimo legal (quinhentos dias-multa), igualmente diminuída de 2/3, gera a elevada quantia de 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, que, traduzida em reais, soma quantia superior a R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Da simples análise acima, não é difícil constatar a desproporcionalidade da pena de multa imposta ao condenado pelo crime de tráfico privilegiado (§ 4º do art. 33). Assim, entendo que a pena de multa imposta ao agente que satisfaz as condições do privilégio concedido pelo § 4º, se aplicada nos moldes estabelecidos pela Lei 11.343/06, está eivada de inconstitucionalidade, por mácula aos princípios da transcendência, da individualização da pena e da isonomia.

Em lição acerca do princípio da transcendência mínima (ou intranscendência), explicam Zaffaroni e Nilo Batista (Direito Penal Brasileiro – I. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 232): "No estado de direito a responsabilidade penal deve ser individual e não pode transcender a pessoa do delinquente. Daí o fato da nossa Constituição prescrever que 'nenhuma pena passará da pessoa do condenado' (art. 5º, inc. XLV CR). Entretanto, essa transcendência do poder punitivo na direção de terceiros é, de fato, inevitável: a comunicação, o conhecimento, a estigmatização, a queda dos rendimentos etc., são todos efeitos que inevitavelmente alcançam a família do simples acusado e mesmo outras pessoas.".

In casu, a norma em questão fere incontestavelmente o princípio da transcendência mínima, ao impor ao acusado comprovadamente hipossuficiente a sanção penal de multa em valor exacerbadamente elevado, de modo que a reprimenda passa a atingir não só a pessoa do acusado, mas sim diretamente a sua família ou pessoas próximas, que absorvem o ônus de arcar com as despesas de futura execução cível dos valores (art. 164, § 2º, da Lei de Execuções Penais), até mesmo porque o acusado, estando preso, não aufere renda.

No escólio de Luigi Ferrajoli (Derecho y Razón. 5. ed. Madrid: Trotta, 2001. p. 416) "La pena pecuniaria es una pena aberrante desde varios puntos de vista. Sobre todo, porque es una pena impersonal, que puede pagar cualquiera. De modo que resulta doblemente injusta: en relación con el reo, que no paga y se sustrae así a la pena; en relación con el tercero, pariente o amigo, que paga y queda así sometido a una pena por un hecho ajeno. Además, la pena pecuniaria es una pena desigual, al ser su formal igualdad bastante más abstracta que la de la pena privativa de libertad." – grifou-se.

Juarez Cirino dos Santos (Direito Penal: parte geral. Curitiba: ICPC, Lumen Juris, 2006. p. 542), discorrendo acerca da pena de multa, afirma que "Nesse sentido, a pena de multa seria modalidade punitiva definível como pena igual, porque considera desigualmente indivíduos concretamente desiguais; na prática, a seletividade do processo de criminalização, concentrada na população pobre e excluída do mercado de trabalho e do sistema de consumo, frustra a aplicação igualitária da pena de multa." – grifou-se.

Não dissente a opinião de Paulo de Queiroz (Direito Penal: parte geral. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008):"Trata-se em realidade de um tipo de pena tão criticável quanto a própria prisão, que na prática tem se revelado grandemente inócua, haja vista que a maior parte dos condenados é formada por miseráveis que ordinariamente não dispõem de recursos para pagá-la.".

Da mesma forma, a pena de multa no, quantum determinado pela Lei de Drogas, aplicada nos casos de tráfico privilegiado, fulmina outro princípio constitucional insuprimível de um Estado Democrático de Direito: o da individualização da pena. Assevera Paulo S. Xavier de Souza (Individualização da Pena no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006. p. 26), sobre o princípio referido: "Diante de tal exigência, o princípio da individualização integra o rol dos princípios constitucionais penais e a idéia de Estado Democrático de Direito, encontrando-se em harmonia com os valores constitucionais, se firmando como uma importante garantia, sobretudo, relacionada com a cominação, aplicação e execução das penas. Isso supõe ter havido certa preocupação e avanço de técnica por parte do legislador constitucional, merecendo o referido princípio observância fiel, a fim de que não resulte inerte ou desviado do seu objetivo central, ou seja, 'circunscrever e limitar a atuação punitiva do Estado".

Assim é que, cominando pena de multa evidentemente desproporcional ao crime cometido, desconsiderando demais circunstâncias extrapenais como as condições do acusado, a norma penal acaba por impedir uma resposta penal constitucionalmente adequada quando da fixação da pena, embaçarando a aplicação de pena coerente para o caso específico. Tais impropriedades se mostram ainda mais avivadas no caso particular do crime descrito no art. 33, § 4º da Lei 11.343/06, já que, compreendendo que o tipo penal abrange basicamente os traficantes ocasionais e de pequeno porte, estes geralmente de baixa renda, a fixação de pena de multa em elevado valor é claramente incoerente.

Flagra-se também o desrespeito ao princípio da isonomia/igualdade, contemplado na Constituição da República em seu art. 5º, "caput", porquanto, por meio de imposição da pena de multa desproporcional, obsta-se o contrapeso no tratamento dos desiguais, na medida que comina penas igualmente altas aos grandes controladores do tráfico - que movimentam quantias exorbitantes de dinheiro - e aos pequenos traficantes - geralmente subordinados a estes, que sequer possuem renda para a sua subsistência ou, ao menos, riqueza bastante para a satisfação do pagamento das penas pecuniárias estabelecidas pela lei. Paulo S. Xavier de Souza (op. cit. p. 201) assinala que "Admitir-se que situações diferentes sejam tratadas de maneira igual não é a recomendação do princípio da individualização, muito menos do princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput, CF/88). A reprimenda somente estará corretamente individualizada quando todas as circunstâncias do caso concreto forem, corretamente, ponderadas pelo juiz, pois o princípio da individualização é irrenunciável, sendo imprescindível que as decisões judiciais estendam tais princípios até às máximas possibilidades de instrumentalização prática, posto que, se os juízes estão a eles vinculados, não poderão contrariá-los nas suas decisões.".

Desta forma, diante dos argumentos expostos, em sendo flagrante a inconstitucionalidade da pena de multa aplicada nos moldes da Lei 11.343/06 para o crime do art. 33, em sua modalidade privilegiada insculpida no § 4º, desconsideram-se os patamares por ela estabelecidos para o crime em comento, aplicando-se a regra estabelecida no art. 49 do Código Penal (KIKUTI, Otoniel Katumi. Da inconstitucionalidade da pena de multa na lei de drogas. Boletim IBCCRIM, n. 185, abril, 2008).

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