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13/03/2013
TJSC - REceptação e inversão do ônus da prova. Não dá.
Apelação Criminal n. 2010.059739-1, da Capital
Relator: Des. Jorge Schaefer Martins
CRIME DE RECEPTAÇÃO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
MATERIALIDADE DEMONSTRADA. AUTORIA QUE NÃO RESTOU COMPROVADA. RES FURTIVA APREENDIDA EM PODER DO ACUSADO QUE ESTAVA ACOMPANHADO DO IRMÃO DO DONO DA CASA QUE SERIA OBJETO DE BUSCA E APREENSÃO. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS QUE NÃO AUTORIZAM O ÉDITO CONDENATÓRIO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2010.059739-1, da comarca da Capital (4ª Vara Criminal), em que é apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e apelado Mauro Alves Machado:
ACORDAM, em Quarta Câmara Criminal, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado no dia 28 de fevereiro de 2013, os Excelentíssimos Desembargadores Roberto Lucas Pacheco e José Everaldo Silva. Emitiu parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça a Dra. Jayne Abdala Bandeira.
Florianópolis, 7 de março de 2013.
Jorge Schaefer Martins
PRESIDENTE E RELATOR
RELATÓRIO
O Ministério Público ofereceu denúncia contra Mauro Alves Machado pelo cometimento, em tese, do delito descrito no art. 180, caput, do CP, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória:
No dia 03 de setembro de 2005, por volta das 09:00 horas, a residência da vítima Letícia Sell Leite, localizada na Rua Francisco Vieira nº 830, Morro das Pedras, nesta Capital, foi arrombada por elementos desconhecidos que subtraíram diversos pertences, incluindo equipamentos eletrônicos, jóias, roupas e outros pertences.
Contudo, policiais militares, cumprindo o mandado de busca e apreensão a ser realizado na casa de um dos suspeitos do furto, localizada na Servidão João Basílio da Cunha, próximo ao trevo do Erasmo, Ribeirão da Ilha, Fpolis/SC, abordaram o veículo Fiat Pálio Weekend, placas LYT 4586, conduzido pelo denunciado Mauro Alves Machado, que estava parado em frente ao referido imóvel, dando conta de que este transportava uma serra circular, uma plaina elétrica e uma lixadeira elétrica, mesmo sabendo ser produto de crime, eis que tais objetos foram reconhecidos pela vítima como sendo alguns dos que subtraíram do interior de sua residência (Termo de Reconhecimento e Entrega – fl. 26)." (fls. 02-A e 02-B).
Recebida a denúncia em data de 4-10-2006 (fl. 66), o réu foi regularmente citado (fl. 77v), interrogado em Juízo (fls. 79-80) e, por intermédio de defensor dativo, apresentou defesa prévia (fls. 82-83), por meio da qual impugnou os fatos narrados na peça acusatória e arrolou testemunhas.
Na audiência de instrução e julgamento, a vítima foi ouvida (fl. 99), e, em seguida, foram inquiridas três testemunhas.
Na fase do art. 402 do CPP, o Ministério Público requereu a atualização dos antecedentes criminais do acusado.
Certidões de antecedentes criminais do réu (fl. 156).
Apresentadas as alegações finais, o Dr. Juiz de Direito proferiu sentença nos seguintes termos:
Por tais razões, JULGO IMPROCEDENTE a denúncia de fls. 02-A e 02-B para ABSOLVER o acusado Mauro Alves Machado, já qualificado nos autos, da imputação do crime descrito no art. 180, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Fixo a remuneração do defensor nomeado à fl. 78, Dr. Hélio Rubens Brasil, em 10 URHs, devendo-se expedir certidão.
Realizada a intimação da sentença, o Ministério Público interpôs recurso de apelação, requerendo a condenação do acusado nos termos da denúncia.
Com as contrarrazões, ascenderam os autos a este Tribunal.
Instada, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Dra. Jayne Abdala Bandeira, opinou pelo provimento do recurso.
VOTO
Inicialmente, com relação à almejada condenação, verifica-se que a materialidade do delito encontra-se demonstrada por meio do Boletim de Ocorrência (fl. 04), Termo de Apreensão (fl. 13), Termo de Reconhecimento e Entrega (fl. 26), bem como pelas declarações constantes dos autos.
No tocante à autoria, inicia-se pela transcrição do interrogatório do réu, colhido durante a fase inquisitiva:
[...] na data de ontem, informa que na segunda-feira, dia 26 p.p, por volta das 14:00 horas, foi ao Posto de Saúde, pois estava sentindo dores nas costas; que recebeu uma declaração médica e retornou para casa, onde pegou uma prancha [...] e dirigiu-se para o Morro das Pedras, conduzindo o veículo Fiat Palio [...] que, no momento em que estava se dirigindo ao mar, um elemento galego, deconhecido, [...] ofereceu-se para arrumar o veículo Fiat Palio [...] que o declarante concordou e forneceu-lhe seu endereço, telefone e fez inclusive um mapa de onda mora; que não pegou o endereço e nem telefone do mesmo, sendo que este disse apenas que se chamava Otto e morava no bairro Campeche [...] que ficou combinado de que ele iria no dia seguinte, terça-feira, na casa do declarante, ocasião em que este solicitou ao declarante, que deixasse em seu carro as ferramentas que havia trazido para trabalhar, pois estava de bicicleta e eram pesadas; que o declarante concordou [...] que perguntado como foi que Renato, vulgo "Quinho" estava consigo em seu veículo, informa que haviam combinado de irem surfar, porém antes forma numa oficina, e retornaram ocasião em que este convidou para passar na casa de seu irmão, local onde estacionou e em seguida chegou [sic] que ao revistarem o veículo encontraram os objetos que Otto havia lhe entregue para guardar; [...] (Réu – fls. 14-16).
Já na fase judicial, o réu foi novamente interrogado e apresentou uma versão completamente diferente para os fatos:
[...] que no dia anterior à abordagem do interrogado, encontrou com um conhecido seu de nome "Quinho"; que o interrogando comentou que tinha que consertar o seu carro no dia seguinte; que "Quinho" apareceu e pediu uma carona, comentando que conhecia uma oficina e que precisava visitar seu irmão que estava convalescendo após uma facada; que foram até a referida oficina, onde "Quinho" pegou as ferramentas apreendidas, explicando para o interrogando que eram suas e que precisava vendê-las; que seguiram até as proximidades da casa do irmão de "Quinho" [...] que por estar o veículo do interrogando estacionado na frente, o delegado efetuou busca no seu interior, localizando as ferramentas; que o delegado avisou o interrogando que as mesmas teriam sido objeto de furto e perguntou ao interrogando a sua origem; que tentou explicar que as ferramentas eram de "Quinho", mas este o interrompeu; [...] (Réu – fls. 79-80).
Ao final de seu interrogatório, o réu disse "que foi levado à delegacia para prestar esclarecimentos, onde prestou uma declaração diferente da presente; que agiu deste modo porque "Quinho" falou para o interrogando que alguma coisa poderia acontecer se o mesmo delatasse a origem das ferramentas, uma vez que pessoas armadas teriam envolvimento com o crime" (fl. 80).
A propósito, o Magistrado a quo Dr. Alexandre Morais da Rosa foi preciso ao analisar a questão:
Pois bem, embora reconhecida a apreensão de parte dos bens subtraídos da vítima Letícia Sell Leite (f. 26), esta disse em juízo: "que confirma que efetivamente foram subtraídos todos os objetos do interior de sua residência, que dos objetos furtados uma serra circular, uma plaina elétrica, uma lixadeira elética foi encontrado no interior do veículo conduzido pelo denunciado Mauro; que os comentários na localidade são no sentido que o denunciado juntamente com uma terceira pessoa também teriam participado do furto dos objetos do interior da residência da vítima; que alega que somente teria recuperado uma serra circular, uma plaina elétrica e uma lixadeira elétrica; que o denunciado reside próximo à casa da depoente." (f. 99). Enfim, judicialmente, de prova oral, é isto. Houve, claro, a apreensão dos bens no veículo do acusado. Entretanto, cabe ressaltar que o pedido de Busca e Apreensão formulado (f. 06-07) faz referência a terceiros (Duca e Pupa), que residiriam na servidão João Basílio da Cunha, próximo ao Trevo do Erasmo/Ribeirão da Ilha, inexistindo referência ao acusado, tanto assim que estava na frente da casa. A versão apresentada pelo acusado foi a de que os bens eram de "Quinho", o qual não veio aos autos. A prova testemunhal da defesa nada esclareceu (f. 125-126 e 143).
A receptação, nas suas diversas modalidades, autoriza a configuração do crime permanente (CP, art. 180), mas exige a prévia ciência da origem ilícita do bem. E isto deve ser avivado durante a instrução criminal, a saber, é preciso que além da posse estejam demonstrados elementos do dolo do agente. Invocando a contribuição de Hume e Popper, Ferrajoli (Direito e Razão. São Paulo: RT, 2002, p. 105, 108-109) irá apontar que no momento da 'inferência indutiva', probatória, a ser construída no decorrer da instrução processual, sem que se saiba de antemão, como acontece na dedução, a veracidade da premissa:
"Os acontecimentos, como demonstrou Hume, não seguem necessariamente um ao outro e, portanto, não é possível 'demonstrar' sua conexão causal, mas simplesmente sustentá-la como plausível, graças a generalizações idôneas baseadas na experiência passada." A conclusão, portanto, é apenas uma das hipóteses explicativas possíveis, decorrentes de um procedimento jurisdicionalizado em contraditório e, desta feita, diferente do científico em geral, balizado por restrições, limites e tempo. Porém, caso o raciocínio jurídico se apodere de um 'indutivismo ingênuo', advindo de generalizações causais, a conclusão das premissas é mascarada. Na lógica da causa-efeito, nem sempre o efeito decorre da mesma causa, deslegitimando, assim, as generalizações universais. A singularidade do caso, especialmente o conteúdo probatório, é que pode gerar hipóteses mais ou menos comprováveis, rejeitando-se a causalidade extrema entre as hipóteses de fato e as conclusões, como se verifica, por exemplo, na 'presunção' jurisprudencialmente construída de que 'quem está com o produto do furto, presume-se o seu autor'; para além da ingenuidade (SANTO AGOSTINHO. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 130-131), essa verdadeira 'inversão do ônus da prova', como se costuma afirmar, fere de morte a lógica do Processo Penal democrático, especialmente a presunção de inocência. Toda conduta resta sub-repticiamente escamoteada – satisfazendo-se, em regra, o acusador, o defensor e o juiz com essa 'presunção' inconstitucional –, acolhida, é certo, pelo manancial jurisprudencial editado pelo senso comum teórico (Warat). Esta mesma lógica, com o devido respeito, não pode ser aplicada aos casos de receptação.
Assim é que não se pode reconhecer a responsabilidade do agente em face da prova amealhada, na espécie, a vítima do furto, bem como a apreensão do agente com bens subtraídos, mas nada que comprove o dolo, nem mesmo os requisitos do tipo penal em apreço. Dito diretamente: não basta existir registro de furto. É necessário para condenação a demonstração da consciência da procedência ilícita, ausente, sequer por referência, no depoimento da vítima - que imputa genericamente o furto –, até porque o fato de ter sido furtada anteri-ormente não é prova deste vínculo subjetivo (fls. 183-184).
Ademais, ainda na fase inquisitiva, o masculino de alcunha "Pupa", disse "que teve conhecimento que seu irmão (Quinho) queria deixar algumas coisas na casa de sua avó, a qual reside com a pessoa de Juciane Bezerra (Duca)" (fl. 24).
Como visto, não se pode negar que existam indícios, porém, não há nos autos provas suficientes para comprovar a autoria dos fatos descritos na denúncia por parte do acusado.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (ART. 180, CAPUT, C/C § 6º, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO MINISTERIAL. PRETENSA CONDENAÇÃO DO APELADO. ALEGADA EXISTÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO. INVIABILIDADE. VÍTIMA QUE NA FASE POLICIAL AFIRMOU TER RECEBIDO O BEM COMO GARANTIA DE EMPRÉSTIMO. DEPOIMENTOS POLICIAIS NA FASE INVESTIGATIVA NARRANDO TER ENCONTRADO O AGENTE NA POSSE DO BEM. RELATOS NÃO CONFIRMADOS EM JUÍZO. INEXISTÊNCIA DE PROVAS NA FASE JUDICIAL APTAS A FORTALECER OS ELEMENTOS PROBATÓRIOS PRODUZIDOS DURANTE O INQUÉRITO. OBSERVÂNCIA AO ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO NECESSÁRIA DO BROCARDO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação Criminal n. 2012.036240-2 de Blumenau. Rel. Des. Marli Mosimann Vargas, Primeira Câmara Criminal, j. 11-12-2012).
Assim, nos termos acima, a manutenção da absolvição é medida que se impõe.
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