Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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11/03/2013

TJSC - Liberdade de Expressão -


Apelação Cível n. 2013.000089-7, da Capital
Relator: Des. Fernando Carioni
APELAÇÃO CÍVEL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. REGISTRO DE ESTATUTO SOCIAL. ASSOCIAÇÃO CIVIL DE DIREITO PRIVADO CUJO OBJETIVO PRINCIPAL É INSTAURAR DEBATE SOBRE A DESCRIMINALIZAÇÃO DO USO DA CANNABIS SATIVA LINNAEUS. ALEGADA ILICITUDE DO OBJETO PELO REPRESENTANTE DO PARQUET. APOLOGIA AO CRIME (ART. 287 DO CÓDIGO PENAL). DEFESA DA LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS QUE NÃO TIPIFICA O CRIME. INTERPRETAÇÃO DO DISPOSITIVO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. JULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. LICITUDE VERIFICADA. REGISTRO AUTORIZADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
À luz do decidido pela Suprema Corte, o artigo 287 do Código Penal deve ser interpretado "de forma a excluir qual-quer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entor-pendente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos" (STF, ADPF n. 187/DF, rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. em 15-6-2011).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2013.000089-7, da comarca da Capital (Vara de Sucessões e Reg Pub da Capi-tal), em que é apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e apelado Cartório do Registro Civil Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas da Capital:
A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime,  negar provimento ao recurso. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 19 de fevereiro de 2013, os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Maria do Rocio Luz Santa Ritta. Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Fran-cisco José Fabiano.
Florianópolis, 1º de março de 2013.


Fernando Carioni
PRESIDENTE E RELATOR

 RELATÓRIO
A Oficial do Cartório de Registro Civil, Títulos e Documentos e Pes-soas Jurídicas da Capital, Iolé Luz Faria, apresentou suscitação de dúvida, na qual relatou que o Instituto da Cannabis (InCa), associação civil de direito priva-do, pretende registrar seu estatuto social perante o 1º Ofício do Registro de Títu-los e Documentos e Pessoas Jurídicas.
Afirmou que o objeto principal do instituto, dentre outros, é instaurar o debate aberto acerca da descriminalização do uso da cannabis. Acrescentou que o objeto social descrito, em si, não é ilícito, contudo a formalização de um instituto com a finalidade específica de laborar em prol da permissão de uso de droga, mesmo que de forma recreativa ou medicinal, pode dar causa a atos ile-gais.
Mencionou, ainda, que a sigla escolhida pelo instituto é a mesma do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o que poderá causar constrangimentos ao INCA original.
Por essas razões, requereu o recebimento da suscitação de dúvida, sobrestando os registros desde já, para que ao final se esclareça a dúvida apon-tada, com a manifestação sobre a legalidade do registro requerido.
Instado, o Ministério Público, por seu Promotor, Dr. Henrique Li-mongi, sob o fundamento de que a associação que pretende o registro se dedica à apologia de crime (art. 287 do Código Penal), opinou pela procedência da dúvi-da, com remessa de cópia do processado a uma das Promotorias Criminais da comarca da Capital (fls. 18-19).
Após, sobreveio sentença, na qual o Magistrado a quo Dr. Alexan-dre Morais da Rosa julgou parcialmente procedente a suscitação de dúvida para autorizar o registro do Instituto, mediante exclusivamente a modificação de sua sigla (fls. 20-22).
Inconformado, o Ministério Público, por seu representante, interpôs recurso de apelação.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Mário Gemin, que reiterou o pedido de conhecimento e provimento do re-curso (fl. 43).
Este é o relatório.


 VOTO
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de registro, perante o 1º Ofício do Registro de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas da comarca da Capital, do estatuto social da associação civil de direito privado intitulada de Instituto Cannabis – InCa.
O objetivo principal da referida associação vem declarado no art. 2º, inc. V, de seu instrumento de constituição, vejamos:
Art. 2º [...]
V – ser um instrumento de expressão, em âmbito regional ou nacional, na forma da lei, das contribuições e propostas, opiniões e alternativas frente ao de-safio da descriminalização da cannabis, como expressão do direito à livre ma-nifestação do pensamento, o livre desenvolvimento da pessoa humana e a li-berdade individual.
Consta, ainda, no parágrafo único do mencionado artigo que, para cumprir seus objetivos, o InCa poderá, entre outras iniciativas:
a) promover oficinas, seminários, encontros, foros de debates e grupos de trabalho, para o aprofundamento do tema;
b) produzir publicar, editar, distribuir e divulgar mensagens, seja por meio de camisetas, informativos, livros, revistas, vídeos, filmes, programas  de radio-fusão e televisivos, entre outros;
c) atuar judicial ou extrajudicialmente na defesa de quaisquer direitos difu-sos, coletivos e individuais homogêneos, relacionados à finalidade e aos objeti-vos da associação;
d) promover estudos e pesquisas sobre os temas correlatos com suas di-versas atividades.
Sabe-se que a Constituição Federal assegura, em seu art. 5º, inc. XVII, a liberdade de associação para fins lícitos, bem como determina que a cria-ção de associações independe de autorização, sendo vedada a interferência es-tatal em seu funcionamento (art. 5º, XVIII).
O "direito de associação é o direito público subjetivo que permite a coligação voluntária de algumas ou várias pessoas físicas, por longo tempo, com o propósito de alcançar objetivos lícitos, sob direção unificante" (Uadi Lammêgo Bulos. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 593).
Como visto, a liberdade de associação está condicionada à licitude de seu objeto, pelo que, na presente hipótese, cumpre examinar o objeto apre-sentado pelo Instituto da Cannabis, diante do ordenamento vigente.
A esse respeito, defende o ilustre representante do Ministério Públi-co, ora apelante, que a mencionada associação se dedicaria à apologia de crime, infração penal prevista no art. 287 do Código Penal, verbis:
Art. 287. Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.
Ocorre que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal apreciou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 187/DF, com o intuito de dar interpretação conforme a Constituição, com efeito vinculante, ao art. 287 do Código Penal, "de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a cri-minalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância en-torpendente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos" (ADPF 187/DF, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. em 15-6-2011).
Como bem advertido pelo ilustre Ministro Relator o "processo de controle de constitucionalidade não tem por objetivo discutir eventuais proprieda-des terapêuticas ou supostas virtudes medicinais ou, ainda, possíveis efeitos be-néficos resultantes da utilização de drogas ou de qualquer substâncias entorpe-centes específica, mas, ao contrário, busca-se, na presente causa, proteção a duas liberdades individuais, de caráter fundamental: de um lado, a liberdade de reunião e, de outro, o direito à livre manifestação do pensamento, em cujo núcleo acham-se compreendidos os direitos de petição, de crítica, de protesto, de dis-cordância e de livre circulação de idéias".
A partir desses pressupostos, decidiu o insigne Ministro Celso de Mello, em voto acompanhado por unanimidade de seus pares:
Em suma, Senhor Presidente: a liberdade de expressão, considerada em seu mais abrangente significado, traduz, ela própria, o fundamento que nos permite formular ideias e transmiti-las com o intuito de promover a reflexão em torno de temas que podem revelar-se impregnados de elevado interesse social.
As idéias, Senhor Presidente, podem ser fecundas, libertadoras, subversi-vas ou transformadoras, provocando mudanças, superando imobilismos e rom-pendo paradigmas até então estabelecidos nas formações sociais.
É por isso que se impõe construir espaços de liberdade, em tudo compatí-veis com o sentido democrático que anima nossas instituições políticas, jurídi-cas e sociais, para que o pensamento não seja reprimido e, o que se mostra fundamental, para que as ideias possam florescer, sem indevidas restrições, em um ambiente de plena tolerância, que, longe de sufocar opiniões divergentes, legitime a instauração do dissenso e viabilize, pelo conteúdo argumentativo do discurso fundado em convicções divergentes, a concretização de um dos valo-res essenciais à configuração do Estado democrático de direito: o respeito ao pluralismo político.
A livre circulação de idéias, portanto, representa um signo inerente às for-mações democráticas que convivem com a diversidade, vale dizer, com pensa-mentos antagônicos que se contrapõem, em permanente movimento dialético, a padrões, convicções e opiniões que exprimem, em dado momento histórico-cultural, o “mainstream”, ou seja, a corrente dominante em determinada socie-dade.
É por isso que a defesa, em espaços públicos, da legalização das drogas, longe de significar um ilícito penal, supostamente caracterizador do delito de apologia de fato criminoso, representa, na realidade, a prática legítima do direito à livre manifestação do pensamento, propiciada pelo exercício do direito de reu-nião, sendo irrelevante, para efeito da proteção constitucional de tais prerrogati-vas jurídicas, a maior ou a menor receptividade social da proposta submetida, por seus autores e adeptos, ao exame e consideração da própria coletividade.
Decidiu, ainda, o Supremo Tribunal Federal:
ACÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE “INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO” DO § 2º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/2006, CRIMINALIZADOR DAS CONDUTAS DE “INDUZIR, INSTIGAR OU AUXILIAR ALGUÉM AO USO INDEVIDO DE DROGA”.
[...]
A utilização do § 3º do art. 33 da Lei 11.343/2006 como fundamento para a proibição judicial de eventos públicos de defesa da legalização ou da descri-minalização do uso de entorpecentes ofende o direito fundamental de reunião, expressamente outorgado pelo inciso XVI do art. 5º da Carta Magna. Regular exercício das liberdades constitucionais de manifestação de pensamento e ex-pressão, em sentido lato, além do direito de acesso à informação (incisos IV, IX e XIV do art. 5º da Constituição Republicana, respectivamente).
Nenhuma lei, seja ela civil ou penal, pode blindar-se contra a discussão do seu próprio conteúdo. Nem mesmo a Constituição está a salvo da ampla, livre e aberta discussão dos seus defeitos e das suas virtudes, desde que sejam obe-decidas as condicionantes ao direito constitucional de reunião, tal como a prévia comunicação às autoridades competentes.
Impossibilidade de restrição ao direito fundamental de reunião que não se contenha nas duas situações excepcionais que a própria Constituição prevê: o estado de defesa e o estado de sítio (art. 136, § 1º, inciso I, alínea “a”, e art. 139, inciso IV).
Ação direta julgada procedente para dar ao § 2º do art. 33 da Lei 11.343/2006 “interpretação conforme à Constituição” e dele excluir qualquer si-gnificado que enseje a proibição de manifestações e debates públicos acerca da descriminalização ou legalização do uso de drogas ou de qualquer substância que leve o ser humano ao entorpecimento episódico, ou então viciado, das suas faculdades psicofísicas (ADI 4274, Relator Ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, j. em 23-11-2011) (sublinhei).
Assim, conclui-se, como bem assentou a Suprema Corte, que a mera proposta ou discussão acerca de descriminalização do uso de drogas, aí incluída a maconha, não se confunde com o ato de incitação à prática do delito, nem com o de apologia ao crime, razão pela qual não pode ser considerado ilícito o objeto da associação civil que se destina a instaurar o debate acerca da des-criminalização do uso da Cannabis Sativa Linnaeus.
Salienta-se, por oportuno, as razões do Excelentíssimo Juiz de pri-meiro grau, Dr. Alexandre Morais da Rosa, que, com propriedade, enfatizou: "Longe, portanto, de qualquer crime de apologia, o debate proposto é democráti-co, bastando ver o objeto e finalidades do Instituto (artigo 2º, do Estatuto). Rea-firmo que o Estatuto proposto indica a finalidade de buscar a Liberdade de Mani-festação. Somente. Eventuais atos criminosos praticados pessoalmente ou pela pessoa jurídica demandam apuração posterior, não se podendo falar em vedação de registro. Isso porque não se pode punir uma conduta que não ocorreu, base-ando-se apenas na possibilidade de que ocorra" (fl. 21).
Por essas razões, entende-se como plenamente viável o registro do Instituto da Cannabis.
Por fim, urge salientar que, com o presente julgamento, não se al-meja discutir ou defender a legalização do uso de qualquer substância entorpen-cente, tampouco questionar os incontestáveis malefícios que o uso da maconha causa aos indivíduos, tão bem descritos pelo ilustre representante do Parquet. Mas, tão somente, examinar a licitude do objeto da associação que pretende ofi-cializar seu registro à luz do entendimento proclamado pelo Supremo Tribunal Federal.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso para o fim de man-ter intacta a sentença de primeiro grau que julgou parcialmente procedente a suscitação de dúvida para autorizar o registro do Instituto, mediante exclusiva-mente a modificação de sua sigla.
Este é o voto.

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