Habeas Corpus n. 2011.051022-0, de Joinville
Relator Designado: Des. Jorge Schaefer Martins
AÇÃO PENAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. ACUSADO PRIMÁRIO E COM RESIDÊNCIA FIXA. EVENTUAL POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ABAIXO DE 4 (QUATRO) ANOS, COM APLICAÇÃO DE REGIME ABERTO OU SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITO. PRISÃO COMO MEDIDA DE EXCEÇÃO QUE NÃO SE ADEQUA AO CASO CONCRETO. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES QUE SE ENQUADRAM AOS FATOS NARRADOS NA DENÚNCIA. ORDEM CONCEDIDA PARCIALMENTE.
Com o advento da Lei 12.403/2011, a prisão provisória passou a ser a exceção da exceção, ou seja, impõe-se ao Magistrado antes de decretá-la, verificar diversas probabili-dades, sendo elas o risco à sociedade, ao processo, ou à própria execução da pena, como observar se, ao final da persecução penal, poderá vir a ser aplicada pena privativa de liberdade suficiente para impor ao acusado a privação da li-berdade. Sendo negativas as observações, a medida extre-ma não se mostrará adequada, devendo, quando cabível, ocorrer a imposição de uma ou mais das medidas cautelares, doravante previstas nos incisos do artigo 319 do Código de Processo Penal.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 2011.051022-0, da comarca de Joinville (2ª Vara Criminal), em que são impetrantes Paolo Alessandro Farris e Juliana Ferreira de Moraes Farris e paciente Marcelo João de Oliveira:
ACORDAM, em Quarta Câmara Criminal, por maioria, vencido o Excelentíssimo Desembargador Relator, conceder parcialmente a ordem para substituir a pena de prisão do paciente pelas medidas cautelares previstas no artigo 319, II (proibição de comparecimento no estabelecimento comercial que ocorreu o fato criminoso e outros similares) e V (recolhimento domiciliar no perío-do noturno entre 20:00h e às 06:00h e em dias de folga), do Código de Processo Penal. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado no dia 28 de julho de 2011, os Excelentíssimos Desembargadores Substitutos Carlos Alberto Civinski e José Everaldo Silva. Emitiu parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Odil José Cota.
Florianópolis, 1º de agosto de 2011.
Jorge Schaefer Martins
PRESIDENTE E RELATOR DESIGNADO PARA O ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Paolo Alessandro Farris e Juliana Ferreira de Moraes Farris impe-traram habeas corpus em favor de Marcelo João de Oliveira, alegando que o pa-ciente vem sofrendo constrangimento ilegal em razão do indeferimento do pedido de revogação da prisão preventiva decretada nos autos de ação penal movida pelo Ministério Público para apurar a prática, em tese, do crime de receptação qualificada (§ 1º do artigo 180 do Código Penal).
Sustentam, em síntese, que não há justa causa para a prisão pre-ventiva do paciente, ao argumento de que tecnicamente é réu primário e, por-tanto, provavelmente eventual pena privativa de liberdade não ultrapassará o mí-nimo legal de 3 (três) anos, o que acarretará o cumprimento da pena em regime aberto.
Além disso, afirmam que, com o advento da Lei 12.403/2011, a pri-são preventiva é admissível apenas se não for possível a substituição por outras medidas cautelares.
Finalmente, enfatizam que na mesma ação penal foi concedida li-berdade provisória ao acusado Altemar Joaseiro, o qual possui os mesmos predi-cados do ora paciente, o que viola o princípio da igualdade.
Indeferida a liminar pelo Relator Originário e prestadas as informa-ções, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Odil José Cota, opinou pela denegação da ordem.
VOTO
Primeiramente, percebe-se dos autos que a Autoridade Judiciária de Primeiro Grau motivou a prisão preventiva do paciente, da seguinte forma:
As circunstâncias dos fatos são extremamente graves e extravasam a mera tipicidade do delito em questão. Os réus Marcelo e Maycon valendo-se de estabelecimentos comerciais que comandam, em tese, comercializam peças usadas de automóveis objeto de ilícito (furto/roubo etc), tudo com grande alcan-ce territorial.
No mais, mirando-se ainda aos antecedentes criminais dos réus Marcelo e Maycon (fls. 168-72), ao que tudo indica, eles fazem da prática relatada na de-núncia meio de subsistência (fl. 176 da fotocópia dos autos apensada).
E, na fl. 235, manteve a custódia preventiva, nestes termos:
Apesar da comprovação de endereço, emprego e família constituída, não havendo alterações fáticas ou jurídicas no bojo dos autos, MANTENHO a deci-são de fls. 175-6 pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.
Por oportuno, considerando a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, regis-tre-se que não se demonstram adequadas ou suficientes medidas cautelares alternativas à prisão, pelos mesmos motivos já tecidos na referida decisão.
Ora, não se pode olvidar que prisão preventiva não é antecipação de pena, e
Nessa conformidade, toda e qualquer medida antecedente caracterizar-se-á como medida de prevenção, de acautelamento de uma eventual e futura con-denação, sem que isso represente uma antecipação dos efeitos da sentença, mesmo por não se poder vislumbrar, com certeza absoluta, qual resultado advi-rá do processo-crime correspondente (Martins, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2008, p. 71).
E, mais adiante invoca-se que
se afigura um contra-senso restringir-se a liberdade de alguém durante o curso das investigações criminais ou do próprio processo-crime, quando se tem por presente a possibilidade de que posteriormente condenado o seja ao cum-primento de pena diversa da privativa de liberdade.
[...]
Ainda a considerar a hipótese em que se tenha indivíduo submetido a pro-cesso-crime com registro de condenação pretérita, raciocinando-se, de regra, ser esta condição indicativa da necessidade de se mantê-lo preso.
A ótica absoluta é imperfeita, pois também deverá abranger a antevisão de que possa vir ele a sofrer condenação à pena privativa de liberdade, com a substituição preconizada pelo art. 44 do Código Penal. Não se pode esquecer que a reincidência somente é obstáculo intransponível para a concessão de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando for específica. Em tal conformidade, sendo genérica e caso seja viável vislumbrar-se a real perspectiva do benefício, ter-se-ia um obstáculo à prisão, pois que es-taria colocada como mais gravosa que a futura punição (ob. cit. p. 156 a 158).
A par disso, levando-se em consideração que no caso concreto o réu sequer é reincidente, muito menos reincidente específico e, portanto, eventu-al condenação poderá ser abaixo de 4 (quatro) anos, o que permite antever a possibilidade de fixação da pena privativa de liberdade em regime aberto, sem afastar a possibilidade de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, a manutenção da prisão preventiva não se mostra a medida mais adequada.
Ademais, ao contrário do que ocorre quanto ao corréu Maycon, o paciente é tecnicamente primário, seus envolvimentos anteriores são com práti-cas delituosas diversas (a maioria da competência dos Juizados Especiais Crimi-nais e referentes a delitos de trânsito), não se observando razões para a conti-nuidade de seu encarceramento, ainda mais que, na atual realidade ditada pela Lei n. 12.403/11, o paradigma em relação à prisão provisória deve ser a exceção da exceção.
Assim, além da obrigatória verificação do risco que a liberdade do paciente possa trazer à sociedade, ao processo em si, ou mesmo à concretiza-ção de seus efeitos, doravante impõe-se ao Magistrado verificar a viabilidade de substituição do aprisionamento por outras medidas menos drásticas, que possam vir a atingir o mesmo objetivo.
A propósito, acerca do assunto, colhem-se os comentários de Silvio Maciel, verbis:
A criação das medidas cautelares diversas da prisão, como se vê, é uma necessária reverência ao princípio constitucional da presunção de inocência. Uma determinação legislativa de concretização desse princípio. A prisão provi-sória deixou de ser a única saída do juiz para acautelar os escopos do processo penal. Como se sabe, a prisão provisória, desde que efetivamente necessária, não viola o princípio do estado de inocência, ao contrário, significa uma legítima exceção a ele. Ocorre que na prática essas prisões ditas cautelares, não raras vezes, são decretadas sem o pressuposto da real necessidade, numa indevida antecipação de pena cuja aplicação é incerta. Prova disso é a torrencial juris-prudência das Cortes Superiores que, diuturnamente, revogam e relaxam pri-sões provisórias decretadas sem um mínimo de fundamentação consistente e de demonstração empírica de necessidade. A morosidade judicial em dar uma resposta ao delinquente transformou a prisão cautelar num indevido sucedâneo da pena.
Por isso, em boa hora vieram para o nosso ordenamento jurídico as medi-das cautelares diversas da prisão, para se evitar encarceramentos demasiada-mente prolongados e decretados sem o cuidado devido e sem a efetiva neces-sidade. Encarceramentos que, justamente em razão dessa falta de cuidado na sua decretação, muitas e muitas vezes não se confirmam ao final do processo, fazendo com que o absolvido seja irreparável e indevidamente cerceado de sua liberdade.
[...]
Em outras palavras, a prisão cautelar, de medida mais usual, passou a constituir a ultima ratio das cautelares, somente podendo ser decretada se de-monstrada, de forma fundamentada, a fragilidade das outras medidas (art. 286, § 6º e art. 312 do CPP) (Prisão e medidas cautelares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 173 e 174).
Destarte, no caso em tela atribui-se ao paciente a manutenção de atividade ilícita relacionada à peças automotoras. Então, afastá-lo de tal atividade é uma das formas de evitar sua reiteração. Além disso, deve-se estabelecer um controle mais efetivo sobre o seu deslocamento, restringindo-o ao período diurno, com recolhimento durante a noite e dias de folga.
Nesse contexto, concede-se parcialmente a ordem para substituir a pena de prisão provisória do paciente pelas medidas cautelares previstas nos incisos II e V do artigo 319 do Código de Processo Penal, a fim de proibir o com-parecimento no estabelecimento comercial que ocorreu o fato criminoso e outros similares, além de determinar o recolhimento domiciliar no período noturno entre 20:00h e às 16:00h e em dias de folga).
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