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Torturadores riam, diz vítima da ditadura que receberá R$ 200 mil
30 de abril de 2011 • 13h22 • atualizado às 14h45
- Flavia Bemfica
- Direto de Porto Alegre
Preso e torturado aos 16 anos durante o regime militar, hoje, Airton Joel Frigeri, 57 anos, tem um escritório de contabilidade em Caxias do Sul, na Serra gaúcha, no mesmo bairro onde cresceu e para onde voltou após ter sido libertado. Passados 41 anos, fala dos episódios de 1970 com indignação, mas não se lamenta. Apesar de omitir os detalhes mais escabrosos das torturas, eles são quase visíveis em sua narrativa.
O caso de Frigeri ganhou repercussão após o Tribunal de Justiça do RS considerar o dano moral gerado pela tortura ponto central. A história recente está repleta de casos de vítimas ilustres da ditadura, que seguiram carreira política, ao contrário de Frigeri, que permaneceu um "cidadão comum".
Entre as referências estão figuras como a presidente Dilma Rousseff (PT) e seu ex-marido, o ex-deputado pedetista Carlos Araújo, o deputado estadual gaúcho Raul Pont (PT), o coordenador do Assessoramento Superior do governador Tarso Genro, o secretário Flávio Koutzii (PT), e o juiz do Tribunal Militar do Estado do RS, João Carlos Bona Garcia (PMDB).
"Na época, ele (Frigeri) era só um adolescente, nunca foi provado nada contra ele. Podia ser meu filho, podia ser o seu. É a humanidade deste caso que chama a atenção", resume o desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto, relator da ação no TJ. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista que Frigeri concedeu com exclusividade ao Terra.
Terra - O que significa para o senhor esta decisão do Tribunal de Justiça?
Airton Joel Frigeri - Essa ação ingressou em 2008 e, na primeira instância, a Justiça entendeu que estaria prescrito. Ainda cabe recurso, mas a Procuradoria Geral do Estado (PGE) já informou que não vai recorrer da prescrição. O importante é que se eles recorrerem é de valor, algo assim, ou seja, o que mais importa nisso tudo é a decisão de que a tortura é um crime de lesa-humanidade. Não fui só eu que fui torturado, foi todo mundo lá, e barbaramente. Acho importante que isso desperte o interesse da imprensa e de quem atua na educação, para que se conte essa história recente do país, que está escondida e mal contada. Não se pode simplesmente com a anistia colocar uma pedra em cima e dizer que entre 1964 e 1985 não aconteceu nada.
Hoje ainda ouvimos pessoas dizendo que desejavam que os militares voltassem ao poder porque aí a corrupção acabava. Ora, na verdade, naquela época, havia corrupção e banditismo. Só que não tinha divulgação, havia censura prévia. E além de haver tudo isso na política, as pessoas que tentavam fazer alguma coisa iam presas. A gente até 68 conseguia fazer alguma coisa. Depois, ia para a clandestinidade e tentava motivar os demais.
Quando o senhor começou a ser perseguido?
Comecei no movimento estudantil com 15 anos. E começaram a me perseguir logo depois, no final de 69. Eu viajei para o Rio de Janeiro e fiquei clandestinamente lá até fevereiro de 70. Voltei e no dia 9 de abril me prenderam. A acusação era de que eu era subversivo.
Quanto tempo o senhor ficou preso?
Do início de abril ao final de agosto de 1970. Fui preso em Caxias por ordem do DOPS (o então Departamento da Ordem Política e Social) porque apreenderam alguns documentos em que havia meu nome. Um colega meu já havia sido torturado. O DOPS contatou Caxias e a Delegacia Regional, por coação moral, tentou arrancar alguma coisa de mim. Antes eu já havia sido detido inúmeras vezes. Fui preso às 20h, em casa, quando a gente estava jantando. Eu era um guri de 16 anos, desarmado, e eles cercaram a casa com 15, 20 homens da Brigada Militar (a PM gaúcha) com fuzis, e policiais civis com metralhadoras.
Nós não usávamos armas. O movimento de que eu participava aqui na região era de conscientização. Éramos da União dos Estudantes Secundaristas do Nordeste do Estado. Ela representava as entidades municipais que, por sua vez, agregavam os grêmios estudantis. Deixou de ser legal a partir do AI-5 e eu fiquei muito em evidência porque era jovem, brigava bastante pelas coisas em que acreditava e circulei em toda a região. Não me arrependo de nada.
Como era a rotina no DOPS?
Fui transferido para o DOPS naquela mesma madrugada, à 1h. Fiquei lá 25 dias. Era assim: um deles torturava, os outros riam, e demonstravam o quanto estavam gostando. O pessoal do DOPS foi treinado pelo pessoal do DOI-CODI (o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna). Aperfeiçoaram a tortura, de forma a ser pior, mas a deixar menos marcas.
A tortura, ela não dói só em ti, ela dói demais no outro. Eu lembro de quando éramos obrigados a ficar em um círculo, vários de nós. Nesse círculo havia uma moça só, que era obrigada a ficar nua, e levando choques intravaginais, na nossa frente, sendo ainda mais degradada, e nós éramos obrigados a assistir. A sala da tortura, que era chamada de "fossa", ficava no terceiro andar do Palácio da Polícia, na avenida João Pessoa. Eles empilhavam livros e jornais em todas as paredes externas, para abafar os nossos gritos, mas faziam questão de deixar aberta, para sermos ouvidos pelos outros.
Uma outra sala, também no terceiro andar, foi cedida para o serviço secreto do 3º Exército. Ficava no lado oposto, porque o prédio faz um U. Era onde eram feitos os Inquéritos Policiais Militares (os IPMs) e ali acontecia tortura também. Quem ficava lá dentro ouvia tudo. Quanto mais a gente passava por aquilo, mais difícil era de suportar.
O senhor tentou esquecer?
Isso tu não esqueces. Não tem como a gente ficar igual. Durante muito tempo eu sonhava, ficava lembrando. Tive problemas de saúde. Eles praticamente me arrebentaram, entre os choques e pancadas nas costas. Nas costas eles usavam um instrumento que chamavam de papalégua. É assim um pedaço de madeira de mais ou menos uns 40, 50 centímetros, com uma tira de borracha, de pneu. Durante o choque, eles batiam com aquilo nas minhas costas.
Eu lembro de um jornalista de Tapes, que não participava de movimento nenhum, e foi preso só porque tinha escrito umas coisas. O coronel chegava lá de manhã e dizia: "olha, daqui a pouco venho te buscar para te torturar". Aí passavam duas horas e nada. Então o coronel vinha de novo, mascando chicletes, e falava de novo. Ficava nisso o dia inteiro. Quando chegava a noite eles pegavam o cara e começavam a tortura. Teve uma ocasião em que ele ficou tão fora de si que deu um soco em uma parede de madeira e quebrou tudo. Precisaram levá-lo para o hospital. Acho que ele só não se matou porque não tinha como. Muito pouca gente presa entre 69 e 70 não foi torturada.
Os torturadores se mostravam incomodados?
Não, não. Era assim, conforme a vontade deles. Eles sabiam que muita gente ali não tinha o que revelar, às vezes perguntavam qualquer coisa. Quando a pessoa desmaiava, eles davam um tempo. Era o prazer de torturar. Eles ficavam mascando chicletes, rindo. Principalmente três pessoas do DOI-CODI do Rio de Janeiro que estavam aqui. Eles me usaram de cobaia para os ensinamentos, para aquela tortura que estava ficando mais elaborada. Ali, tu és uma coisa. Para eles, não era algo do tipo: preciso fazer isso porque cumpro ordens. Era uma coisa absurda. Acho que cria aquele poder: não tem lei e eu posso fazer tudo.
Na época, o deputado Pedro Simon (hoje senador pelo PMDB-RS) tentou me visitar. A gente ficava incomunicável nos primeiros 30 dias, justamente porque nos arrebentavam. Aí, só permitiram que ele falasse comigo assim, ele em uma janela e eu na outra. Eu estava todo arrebentado. Mas, por baixo, um agente ficava me mandando dizer que estava tudo bem porque, senão, eles iam deixar as coisas piores.
Eles também jogavam para a opinião pública. Lembro que no jogo em que o Brasil ganhou o tricampeonato, o DOPS nos surpreendeu. Arrumou umas mesas, colocou uns aparelhos de TV e nos convidou a assistir o jogo. Tinha até refrigerante. A gente achou aquilo muito estranho, mas logo entendeu. Não deu cinco minutos e entrou na sala toda a imprensa, para testemunhar o quanto éramos bem tratados. E nós na verdade todos arrebentados.
Depois do DOPS o senhor foi para onde?
Fui transferido para a Ilha do Presídio (Pedras Brancas). Lá não havia tortura. Quando precisavam torturar alguém, buscavam e levavam para o DOPS. A ilha era só concreto e grades, que davam para o (lago) Guaíba. Os colchões eram no chão e o frio era terrível mesmo. Ali fiquei o resto do tempo. Eu tinha advogado e eles não tinham mais como me manter preso. Como não havia julgamento, precisaram ir liberando as pessoas. Depois, quando aconteceram os julgamentos, um que outro foi condenado. Mas já haviam cumprido parte das penas.
No meu caso, fui julgado pela Justiça Militar em Porto Alegre e absolvido. A Procuradoria de Justiça Militar recorreu ao Superior Tribunal Militar, que também me absolveu. Mas nunca mais tive sossego. Recebia ameaças do DOPS e do SNI (o antigo Serviço Nacional de Informações) e era chamado aqui no 3º Exército para prestar esclarecimentos.
A decisão favorável ao seu caso tem sido considerada inovadora porque se refere a tortura em específico, ao dano moral, ao reconhecimento por parte de um tribunal estadual. Os torturadores devem ser apontados e responsabilizados? Ou há como se valerem da Lei da Anistia?
Um dos motivos que me levou a ingressar com a ação foi esse, que eu falei, de ouvir as pessoas defendendo a ditadura. O dinheiro é importante, porque o que aconteceu me prejudicou muito. Mas eu pensei: "espera aí, isso não pode ficar escondido". E tem gente defendendo. Houve tortura e ela foi absurda. As pessoas precisam ser responsabilizadas.
Entendo que a anistia é ampla e irrestrita. Mas ela é política. O crime de tortura não é político. Não há conflito no momento em que tu estás dominado pelo Estado. Como é que um menino que na ocasião tinha 47kg, 50kg, e estava sob a guarda do Estado, pode passar por aquilo? A tortura não é caso de anistia política. Ela é um crime previsto em tratados internacionais que o Brasil assinou. O preso comum hoje, ele não pode ser torturado. Isso também é importante nesta decisão. Ela tem reflexos nos dias atuais, vai fazer mais gente pensar que tortura nunca mais. Uma democracia, por pior que ela seja, sempre vai ser melhor que a melhor das ditaduras.
O caso de Frigeri ganhou repercussão após o Tribunal de Justiça do RS considerar o dano moral gerado pela tortura ponto central. A história recente está repleta de casos de vítimas ilustres da ditadura, que seguiram carreira política, ao contrário de Frigeri, que permaneceu um "cidadão comum".
Entre as referências estão figuras como a presidente Dilma Rousseff (PT) e seu ex-marido, o ex-deputado pedetista Carlos Araújo, o deputado estadual gaúcho Raul Pont (PT), o coordenador do Assessoramento Superior do governador Tarso Genro, o secretário Flávio Koutzii (PT), e o juiz do Tribunal Militar do Estado do RS, João Carlos Bona Garcia (PMDB).
"Na época, ele (Frigeri) era só um adolescente, nunca foi provado nada contra ele. Podia ser meu filho, podia ser o seu. É a humanidade deste caso que chama a atenção", resume o desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto, relator da ação no TJ. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista que Frigeri concedeu com exclusividade ao Terra.
Terra - O que significa para o senhor esta decisão do Tribunal de Justiça?
Airton Joel Frigeri - Essa ação ingressou em 2008 e, na primeira instância, a Justiça entendeu que estaria prescrito. Ainda cabe recurso, mas a Procuradoria Geral do Estado (PGE) já informou que não vai recorrer da prescrição. O importante é que se eles recorrerem é de valor, algo assim, ou seja, o que mais importa nisso tudo é a decisão de que a tortura é um crime de lesa-humanidade. Não fui só eu que fui torturado, foi todo mundo lá, e barbaramente. Acho importante que isso desperte o interesse da imprensa e de quem atua na educação, para que se conte essa história recente do país, que está escondida e mal contada. Não se pode simplesmente com a anistia colocar uma pedra em cima e dizer que entre 1964 e 1985 não aconteceu nada.
Hoje ainda ouvimos pessoas dizendo que desejavam que os militares voltassem ao poder porque aí a corrupção acabava. Ora, na verdade, naquela época, havia corrupção e banditismo. Só que não tinha divulgação, havia censura prévia. E além de haver tudo isso na política, as pessoas que tentavam fazer alguma coisa iam presas. A gente até 68 conseguia fazer alguma coisa. Depois, ia para a clandestinidade e tentava motivar os demais.
Quando o senhor começou a ser perseguido?
Comecei no movimento estudantil com 15 anos. E começaram a me perseguir logo depois, no final de 69. Eu viajei para o Rio de Janeiro e fiquei clandestinamente lá até fevereiro de 70. Voltei e no dia 9 de abril me prenderam. A acusação era de que eu era subversivo.
Quanto tempo o senhor ficou preso?
Do início de abril ao final de agosto de 1970. Fui preso em Caxias por ordem do DOPS (o então Departamento da Ordem Política e Social) porque apreenderam alguns documentos em que havia meu nome. Um colega meu já havia sido torturado. O DOPS contatou Caxias e a Delegacia Regional, por coação moral, tentou arrancar alguma coisa de mim. Antes eu já havia sido detido inúmeras vezes. Fui preso às 20h, em casa, quando a gente estava jantando. Eu era um guri de 16 anos, desarmado, e eles cercaram a casa com 15, 20 homens da Brigada Militar (a PM gaúcha) com fuzis, e policiais civis com metralhadoras.
Nós não usávamos armas. O movimento de que eu participava aqui na região era de conscientização. Éramos da União dos Estudantes Secundaristas do Nordeste do Estado. Ela representava as entidades municipais que, por sua vez, agregavam os grêmios estudantis. Deixou de ser legal a partir do AI-5 e eu fiquei muito em evidência porque era jovem, brigava bastante pelas coisas em que acreditava e circulei em toda a região. Não me arrependo de nada.
Como era a rotina no DOPS?
Fui transferido para o DOPS naquela mesma madrugada, à 1h. Fiquei lá 25 dias. Era assim: um deles torturava, os outros riam, e demonstravam o quanto estavam gostando. O pessoal do DOPS foi treinado pelo pessoal do DOI-CODI (o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna). Aperfeiçoaram a tortura, de forma a ser pior, mas a deixar menos marcas.
A tortura, ela não dói só em ti, ela dói demais no outro. Eu lembro de quando éramos obrigados a ficar em um círculo, vários de nós. Nesse círculo havia uma moça só, que era obrigada a ficar nua, e levando choques intravaginais, na nossa frente, sendo ainda mais degradada, e nós éramos obrigados a assistir. A sala da tortura, que era chamada de "fossa", ficava no terceiro andar do Palácio da Polícia, na avenida João Pessoa. Eles empilhavam livros e jornais em todas as paredes externas, para abafar os nossos gritos, mas faziam questão de deixar aberta, para sermos ouvidos pelos outros.
Uma outra sala, também no terceiro andar, foi cedida para o serviço secreto do 3º Exército. Ficava no lado oposto, porque o prédio faz um U. Era onde eram feitos os Inquéritos Policiais Militares (os IPMs) e ali acontecia tortura também. Quem ficava lá dentro ouvia tudo. Quanto mais a gente passava por aquilo, mais difícil era de suportar.
O senhor tentou esquecer?
Isso tu não esqueces. Não tem como a gente ficar igual. Durante muito tempo eu sonhava, ficava lembrando. Tive problemas de saúde. Eles praticamente me arrebentaram, entre os choques e pancadas nas costas. Nas costas eles usavam um instrumento que chamavam de papalégua. É assim um pedaço de madeira de mais ou menos uns 40, 50 centímetros, com uma tira de borracha, de pneu. Durante o choque, eles batiam com aquilo nas minhas costas.
Eu lembro de um jornalista de Tapes, que não participava de movimento nenhum, e foi preso só porque tinha escrito umas coisas. O coronel chegava lá de manhã e dizia: "olha, daqui a pouco venho te buscar para te torturar". Aí passavam duas horas e nada. Então o coronel vinha de novo, mascando chicletes, e falava de novo. Ficava nisso o dia inteiro. Quando chegava a noite eles pegavam o cara e começavam a tortura. Teve uma ocasião em que ele ficou tão fora de si que deu um soco em uma parede de madeira e quebrou tudo. Precisaram levá-lo para o hospital. Acho que ele só não se matou porque não tinha como. Muito pouca gente presa entre 69 e 70 não foi torturada.
Os torturadores se mostravam incomodados?
Não, não. Era assim, conforme a vontade deles. Eles sabiam que muita gente ali não tinha o que revelar, às vezes perguntavam qualquer coisa. Quando a pessoa desmaiava, eles davam um tempo. Era o prazer de torturar. Eles ficavam mascando chicletes, rindo. Principalmente três pessoas do DOI-CODI do Rio de Janeiro que estavam aqui. Eles me usaram de cobaia para os ensinamentos, para aquela tortura que estava ficando mais elaborada. Ali, tu és uma coisa. Para eles, não era algo do tipo: preciso fazer isso porque cumpro ordens. Era uma coisa absurda. Acho que cria aquele poder: não tem lei e eu posso fazer tudo.
Na época, o deputado Pedro Simon (hoje senador pelo PMDB-RS) tentou me visitar. A gente ficava incomunicável nos primeiros 30 dias, justamente porque nos arrebentavam. Aí, só permitiram que ele falasse comigo assim, ele em uma janela e eu na outra. Eu estava todo arrebentado. Mas, por baixo, um agente ficava me mandando dizer que estava tudo bem porque, senão, eles iam deixar as coisas piores.
Eles também jogavam para a opinião pública. Lembro que no jogo em que o Brasil ganhou o tricampeonato, o DOPS nos surpreendeu. Arrumou umas mesas, colocou uns aparelhos de TV e nos convidou a assistir o jogo. Tinha até refrigerante. A gente achou aquilo muito estranho, mas logo entendeu. Não deu cinco minutos e entrou na sala toda a imprensa, para testemunhar o quanto éramos bem tratados. E nós na verdade todos arrebentados.
Depois do DOPS o senhor foi para onde?
Fui transferido para a Ilha do Presídio (Pedras Brancas). Lá não havia tortura. Quando precisavam torturar alguém, buscavam e levavam para o DOPS. A ilha era só concreto e grades, que davam para o (lago) Guaíba. Os colchões eram no chão e o frio era terrível mesmo. Ali fiquei o resto do tempo. Eu tinha advogado e eles não tinham mais como me manter preso. Como não havia julgamento, precisaram ir liberando as pessoas. Depois, quando aconteceram os julgamentos, um que outro foi condenado. Mas já haviam cumprido parte das penas.
No meu caso, fui julgado pela Justiça Militar em Porto Alegre e absolvido. A Procuradoria de Justiça Militar recorreu ao Superior Tribunal Militar, que também me absolveu. Mas nunca mais tive sossego. Recebia ameaças do DOPS e do SNI (o antigo Serviço Nacional de Informações) e era chamado aqui no 3º Exército para prestar esclarecimentos.
A decisão favorável ao seu caso tem sido considerada inovadora porque se refere a tortura em específico, ao dano moral, ao reconhecimento por parte de um tribunal estadual. Os torturadores devem ser apontados e responsabilizados? Ou há como se valerem da Lei da Anistia?
Um dos motivos que me levou a ingressar com a ação foi esse, que eu falei, de ouvir as pessoas defendendo a ditadura. O dinheiro é importante, porque o que aconteceu me prejudicou muito. Mas eu pensei: "espera aí, isso não pode ficar escondido". E tem gente defendendo. Houve tortura e ela foi absurda. As pessoas precisam ser responsabilizadas.
Entendo que a anistia é ampla e irrestrita. Mas ela é política. O crime de tortura não é político. Não há conflito no momento em que tu estás dominado pelo Estado. Como é que um menino que na ocasião tinha 47kg, 50kg, e estava sob a guarda do Estado, pode passar por aquilo? A tortura não é caso de anistia política. Ela é um crime previsto em tratados internacionais que o Brasil assinou. O preso comum hoje, ele não pode ser torturado. Isso também é importante nesta decisão. Ela tem reflexos nos dias atuais, vai fazer mais gente pensar que tortura nunca mais. Uma democracia, por pior que ela seja, sempre vai ser melhor que a melhor das ditaduras.
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