O Estado constitucional em tempos de guerra ao terror
Publicado em 16/05/2011 | MARCOS AUGUSTO MALISKAPara quem acredita que a morte heroica é compensada pelo paraíso repleto de virgens à sua espera, a execução sumária de Bin Laden foi da mesma lógica irracional
Peter Häberle escreveu em texto pioneiro do ano de 1978 que o Estado constitucional cooperativo se coloca no lugar do egoísta, individualista e, para fora, agressivo Estado constitucional nacional. O Estado constitucional cooperativo, ao contrário do nacional, não está apenas preocupado com a garantia dos direitos internamente, mas também externamente: ele é a resposta jurídico-constitucional à mudança do Direito Internacional de direito de coexistência para o direito de cooperação na comunidade de Estados, cada vez mais imbricada e constituída, na qual se desenvolve “o direito comum de cooperação”: a realização cooperativa dos direitos fundamentais.
Quando do fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos deram uma lição de civilidade à humanidade ao submeterem os criminosos de guerra, responsáveis pela morte de milhões de pessoas, a julgamentos perante tribunais. Naquela época, os americanos se colocavam na condição de mostrar os caminhos do Estado constitucional, que respeita os direitos fundamentais.
Infelizmente a chamada guerra ao terror tem provocado estragos no país que se apresentou como referência para a democracia moderna. O uso da tortura e o estado de exceção em Guantánamo já eram questionados como violações à Constituição dos Estados Unidos. Agora a execução sumária de Osama bin Laden reabre as críticas ao país de Washington.
Sem adentrar na validade da ação no Paquistão sob o ponto de vista do direito internacional, o que merece reflexão, principalmente dos próprios americanos, é a justificação para a não incidência do disposto na emenda V da Constituição: ninguém poderá ser privado de sua vida, sua liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal. Mais do que vincular a ação de seus servidores, a Constituição vincula a ação do presidente da República, que ao tomar posse jura observá-la.
Para quem acredita que a morte heroica é compensada pelo paraíso repleto de virgens à sua espera, a execução sumária foi da mesma lógica irracional. Faltou razão. Faltou respeito à tradição constitucional americana. Assim a crítica tradicional ao caráter agressivo do Estado constitucional americano com relação ao exterior é reforçada pela crítica a partir dos postulados do próprio sistema constitucional americano: a validade da ordem constitucional dos Estados Unidos perante a ação da temida elite dos Seals é inquestionável. No caso da execução sumária de Bin Laden tem-se que o próprio presidente da República encampou o irracionalismo reinante. Os fins justificam os meios? Não se fez justiça, como ele falou. Fez-se vingança, um retorno aos primórdios da humanidade: olho por olho, dente por dente.
Assim, os Estados Unidos aos poucos vão se afastando da tradição que tanto os honrava. O mundo deixa de ter na América a referência de uma democracia constitucional comprometida com a ordem constitucional internacional dos direitos humanos. Não sem fundamento a diplomacia americana trabalhou duramente para impedir a entrada em vigor do Tratado de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional. Konrad Hesse, em texto clássico, afirmou que a força normativa de uma Constituição não é posta à prova em tempos tranquilos e felizes, mas nas situações de emergência e nos tempos de necessidade. Pelo jeito, a normatividade da Constituição americana, infelizmente, não está resistindo.
Marcos Augusto Maliska é professor do Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia da UniBrasil.
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