Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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05/05/2011

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USO DE TORNOZELEIRA ELETRÔNICA. Do controle do corpo ao controle da alma; do controle da alma ao controle do corpo, da moral, do caráter, da dignidade e de todo resto. (da série assim caminha a humanidade)

O próprio Estado pratica bullying ao fazer como que os presos em regime semi-aberto utilizem tornozeleiras eletrônicas em suas saídas. Não se trata de objetos pequenos e discretos, mas extremamente visíveis (propositadamente) de modo que inibe o usuário de sair em público para não ser vítima de preconceitos, discriminação ou de nova criminalização, porque sempre será visto como criminoso em potencial. Ou o fim da tornozeleira é fazer o controle de uma prisão domiciliar?
A ressocialização, mito incrustado na doutrina penal, conquanto raramente admitido como projeto fracassado (se é que alguma vez na história fez parte de um verdadeiro projeto, senão de segregação e de separação de uns poucos – “pessoas de bens” – de outros tantos?), prevista como um dos fins da pena é ideia que se renova com modelos diferentes. Se a prisão acaba por entregar ao indivíduo o dever de “emenda”, em ambiente completamente promíscuo e desagregador, servindo de levante a revolta e estrangulamento definitivo do pouco que ainda possa restar no seu caráter, sendo por isso instrumento somente para justificar os nossos preconceitos e a também mística inefável de uma sociedade perfeita, dá-se ao condenado, agora, certa autonomia, desde que este não peça de outros aceitação.
O objetivo da tornozeleira – para muitos forma mais digna de cumprimento da pena, conquanto não se pode esquecer que toda segregação de liberdade atinge a dignidade. O problema não se resolver porquanto em não restringir dignidade – é transformar o ser humano num animal rastreado, cujo fim é segui-lo passo a passo até o abatedouro, ou num veículo de carga vigiado por radar, com rota e horários previamente estabelecidos, e que, qualquer mudança de itinerário importara no acionamento de alerta e ordem de captura. Seja no imaginário do animal rastreado, seja na perspectiva do veículo com GPS – bens de posse de algum ser humano –, haverá sempre a certeza de que, numa questão de tempo, o monitorado será trancafiado novamente em virtude de algum deslize, fato que servirá para justificar a incapacidade ressocializadora do condenado.
Não se trata de políticas ou doutrinas equivocadas, porém de ações certeiras para fins não propriamente declarados. Desde que o Estado assumiu o monopólio do poder punitivo tem enfrentado o dilema da sanção, não obstante seja claro a importância deste controle como forma não exatamente de apaziguamento de conflitos sociais, mas de retenção de muitas das demandas e insurgências em face da subjugação de uns pelos outros. Ao final, vale a força daqueles que definem as linhas políticas de comando.
Nesta linha, Focault (Vigiar e Punir) ao levantar o histórico da pena de prisão, salienta que quando esta modalidade de punição passou a ser adotada como a pena por excelência, apenas houve uma mudança do modo de dominação sobre o outro. Abandonamos o suplício do corpo, com o descarte das penas corporais (morte, decapitação de membros) e sacrifícios físicos (açoites, apedrejamento e outros), para introduzir o suplício da alma. Esta transformação não se deu por piedade, mas pela necessidade da força de trabalho de corpos não mutilados, e que poderiam perfeitamente ser úteis (utilitarismo), sobretudo com organização e definição dos territórios nacionais. Estes ideários não coincidem com o advento do capitalismo e em plena vigor da revolução industrial, tudo isso a pouco mais de 2 séculos, mas decorrem deles.
Encontramo-nos agora diante de um novo passo. A preservação dos corpos dos “indivíduos indesejáveis” ao atual modelo de produção já não seria necessária, principalmente porque constituem verdadeiros estorvos frente a um Estado que se propõe ser mínimo e não intervencionista. Porém, vimo-nos, atualmente, acossados pela consciência dos mandos humanistas que justificaram no passado a mudança de paradigma. Embora estes indivíduos sejam elementos descartáveis e sem valor diante deste modelo econômico globalizador, de enormes avanços tecnológicos, e que pouca (ou nenhuma) serventia reserva às pessoas desqualificadas, não se pode simplesmente destruí-las fisicamente, ainda que o abandono e a repulsa social sejam fatos escancarados.
Diante desta nova realidade mantemos a alma sobre dominação, mas acrescemos o domínio da moral. Exigimos do indivíduo um padrão de conduta – e não precisa estar criminalizada – uniforme, desrespeitando o pluralismo e as opções pessoais. O indivíduo já não é punido pelo que faz, mas pelo que é, desde que a sua forma de ser não corresponda àquela engendrada por quem faz as escolhas.
E se isso não bastar, o direito penal a cada dia é instrumento que se agiganta, servindo para separação que se perpétua desde sua concepção com ferramenta útil ao Estado. É a forma de dominação sem culpa, diante de um pacto social firmado por alguns que se disseram representante de todos e de todas as gerações (passadas e futuras), porque para todos os efeitos a responsabilidade pela na adaptação ao modelo social é exclusiva do infrator.
Só que isto onera. O Estado mínimo não pode lançar mão de seus recursos com aqueles que não servem ao padrão de desenvolvimento econômico. É necessário controlar mais e mais eficazmente, conquanto com menor custo.
O método de controle, pela tornozeleira, amplia a possibilidade deste controle. Tudo não passa da difusão de seu uso, tornando o sistema paulatinamente mais barato e, porquanto, mas factível ao sistema penal, sempre carente de recursos.
Isso é apenas um passo de um projeto mais audacioso. Acostumamos fácil com a tecnologia (e seus avanços), e não nos importamos com os objetivos sublineares e seus efeitos, e logo-logo todos estaremos, com a maior naturalidade, introduzindo chips subcutâneos (estes sim, imperceptíveis), e por isso com a possibilidade de maior ampliação. Talvez caminhemos, num futuro não tão longínquo, para imposição de chips em todo ser humano nascido com vida, constando os dados de sua identificação. Este mesmo acervo mnemônico servira para registro das ocorrências policiais, dos desvios de conduta, do descumprimento dos preceitos morais.
Eventuais antecedentes criminais e todo proceder contrário ao repertório de restrições, com os elementos subjetivos sobre o indivíduo (legítimo direito penal do autor) serão anotados mesmo a distância, bastando que as centrais de controle atualizem os dados que serão automaticamente registrados on line no chips do usuário, sem que sequer tome conhecimento desta atualização. Caso deseje sair de sua situação, devera dirigir-se a tais centrais para obter uma folha corrida (após pagar as devidas taxas, porque o modelo também tem que gerar lucratividade), ou, por senha (desde que se tenha assinatura mensal, com débito direto no cartão de crédito, ou no seu chip), acessar seu acervo na internet.
Nos locais de acesso público, o indivíduo passará por leitores magnéticos e ópticos que farão o reconhecimento e o encaminhará, conforme sua classificação, como já se faz nas grandes propriedades rurais de criação de animais rastreados, para os espaços sociais que lhe são reservados.
É este o futuro que nos aguarda. Uma incidência cada vez mais acentuada das regras punitivas e de controle social, com ganhos aos seus aos conglomerados internacionais que os confabularão e explorarão.
Quem serão os controladores de todo este sistema e mecanismo? Os de sempre, com toda certeza.

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