Marcelo Semer
De São Paulo
De São Paulo
Juízes discutindo questões políticas e exercendo a cidadania.
Administração do Judiciário, sob controle externo.
Críticas às oligarquias nos tribunais, em busca da democracia interna.
Parte das mudanças que o Judiciário vem lentamente protagonizando nos últimos vinte anos tiveram uma contribuição importante da Associação Juízes para a Democracia.
Criada a 13 de maio de 1991, por um grupo de trinta e sete juízes paulistas, a associação completa hoje 20 anos reunindo integrantes de praticamente todos os Estados e de todas as Justiças, sempre passando ao largo das questões corporativas.
Os juízes para a democracia não cerram fileiras para discutir salários, vantagens ou privilégios.
Mas não têm se furtado a encampar, na militância institucional, delicadas questões que tocam fundo na construção da democracia, mesmo quando se configurem uma autocrítica do poder.
Na sua história, enfatizaram, por exemplo, o compromisso com a reforma agrária, pelo direito de todos à propriedade, e foram críticos da criminalização dos movimentos sociais, de quem são frequentes parceiros.
Participaram das lutas antimanicomial e contra a redução da maioridade penal.
E, ao lado de associações de defesa de direitos humanos, atuam para descortinar o cruel panorama dos presidiários e a situação ainda pior das mulheres encarceradas, inclusive por omissões do próprio Judiciário.
A entidade é uma das protagonistas da campanha pelo direito de voto a presos provisórios, que se estendeu na eleição de 2010 a praticamente todos os Estados.
Os juízes para a democracia não perderam as esperanças de fazer com que a jurisprudência internacional dos direitos humanos prevaleça e a justiça não continue a interditar ilegalmente os julgamentos dos crimes contra a humanidade, praticados durante a ditadura militar.
E em nome do acesso à justiça, têm sido atuantes nos Movimentos pela Criação de Defensorias Públicas, hoje especialmente focados em Santa Catarina - a única de todas as unidades da Federação que não tomou providências para resolver este déficit de cidadania.
Respeitada por muitos, odiada por tantos, a AJD é hoje uma das referências do discurso garantista dentro do Judiciário, imersa na convicção de que garantir direitos é o verdadeiro papel do juiz.
Garantir direitos estabelecidos na Constituição, mesmo quando postergados por omissão do parlamento ou negligência dos governos.
Garantir direitos de defesa mesmo a quem infringe as normas - afinal, como se acostumou a dizer, à margem da lei, todos são marginais.
Uma Constituição que confere direitos só se concretiza com juízes que os garantam.
E um Judiciário garantista, por sua vez, só existe com juízes independentes.
Por isso a questão da independência tem sido o ponto central da atuação desta associação nestes vinte anos.
Independência do juiz não apenas em relação a outros poderes, que é óbvio, mas também em relação ao próprio Judiciário, palco ainda de constantes transgressões internas.
Há muito a se caminhar na construção de uma Justiça democrática.
A despeito de alguns avanços, a reforma do Judiciário concentrou excessivamente poderes nas cúpulas, em especial no STF, esvaziando a independência do juiz. E isso não fez a confiança na justiça aumentar.
O Conselho Nacional de Justiça nasceu como resultado do descrédito nas estruturas esclerosadas e tradicionalmente opacas do Judiciário, que se governavam em sessões secretas e administravam verdadeiras caixas-pretas.
Mas o CNJ está longe de representar um efetivo controle social, restringindo-se em grande parte a uma concepção de gerenciamento quase empresarial.
O órgão de controle ainda mantém a pretensão de querer modernizar a justiça sem ao mesmo tempo democratizá-la.
Para além da gestão, está aí uma questão que os juízes para a democracia devem zelar: tutelar a dignidade humana é prestigiar a ideia de igualdade.
Não é possível que cidadãos humildes ainda se sintam tão temerosos de frequentar as sedes dos tribunais, enquanto poderosos transitam em gabinetes com tamanha desenvoltura.
Que os juízes sejam desestimulados a contatos diretos com a sociedade civil, apreendendo uma realidade que sua origem social em regra desconhece, enquanto instituições financeiras custeiam luxuosos congressos em resorts.
Que a marginalização dos excluídos, enfim, se aprofunde e não diminua no contato com a lei.
Devo admitir que falo da Associação Juízes para a Democracia com mais carinho que isenção, por trilhar em sua companhia quase todo o tempo de magistratura.
Lá encontrei amigos valiosos, aprendi muito da concepção de justiça que tento aplicar e despertei para a necessidade de exercer a liberdade de expressão -com o quê castigo semanalmente meus leitores há um ano.
Que os próximos vinte anos sejam igualmente de lutas e de conquistas.
E que os juízes contribuam para a realização dos valores, direitos e liberdades do Estado Democrático de Direito.
É o que nos cabe fazer.
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