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Dificilmente não será a noite culminante da Bienal do Livro de Pernambuco a palestra de Pedro Juan Gutierrez, sábado, dia 3. Depois de traçar um panorama terrivelmente pessimista do "espírito do tempo", atazanado pela decepção e frustração causadas pelo fracasso em se obter uma fórmula política equilibrada e humanista, a que se soma o extraordinário salto tecnológico dos últimos anos, produzindo "loucura, caos, instabilidade, neuroses, atordoamento, migrações desesperadas, vertigem e confusão", o autor de "Trilogia Suja de Havana" deteve-se sobre o papel do escritor nessa época desolada. (Não comungo totalmente com o pessimismo radical dele, mas é impressionante sua convicção.)
Pedro Juan criticou, em geral, a literatura latino-americana, inclusive seus compatriotas Alejo Carpentier e Lezama Lima, pela tendência ao barroq uismo, revelando-se admirador da objetividade - "que respeita mais a palavra" - de escritores americanos como Hemingway e Truman Capote. Lendo o texto de oito laudas escritas em máquina de escrever, o autor cubano expressou opiniões contundentes, mas sensatas, que podem ser resumidas nos trechos seguintes:
"Esta é uma das funções essenciais da Literatura: ajudar a pensar. Ajudar a refletir. Além de entreter, é claro. Os escritores não temos direito de ser aborrecidos nem tediosos. Há que ajudar o leitor a pensar. Dar-lhes elementos para que reflita, mas sem imposições. Tudo deve parecer divertido e ameno, mas em realidade estamos empurrando um pouco a fronteira do silêncio. E isto é essencial: empurrar um pouquinho a fronteira do silêncio. Cada época e cada país têm determinados limites. Até onde se pode chegar. Conforme o tempo e o lugar que nos hão tocado sabemos de que podemos falar e o que é proibido ou incômodo. Então vem um escritor atrevido e escreve precisamente sobre esses assuntos e desse modo viola os limites e nos leva mais longe. Abre uma brecha. Muitos outros escritores se seguirão abrindo mais essa brecha até que seja algo normal e aceito falar daqueles temas. Então, haverá que esperar que outro escritor ousado, valente, ou simplesmente louco, se atreva a escrever algo sobre os novos temas proibidos. Porque sempre há temas proibidos. Sempre há zonas obscuras. Nisso consiste o processo civilizatório: gente audaz que se atreve a seguir adiante, a explorar a terra incógnita que está além do horizonte. Pobre do país que não tem um corpo literário importante e sólido. Pobre porque não tem quem vá adiante, abrindo brechas e resquícios. Não tem quem se arrisque. E portanto fica estancado, imóvel muito mais tempo em sua vida espiritual e intelectual. A Literatura revela o que não conhecemos, o que não imaginamos. Um livro é uma máquina ger adora de idéias, que promove a dúvida e o assombro. Por conseguinte, o ofício de escritor é terrível. Recordemos que muitos escritores terminam loucos, bêbados e suicidas. Só alguns logram manter a sensatez até o final de seus dias, o que é absolutamente coerente com o espírito da época. Esses espírito que nos impregna de caos, vertigem e confusão e que nos obriga todos a ver a vida como uma grande aventura perigosa e mortal, embora apaixonante e deliciosa. Porque definitivamente dentro de cada um de nós há um anjo e um demônio, empenhados em uma batalha infinita. E dessa luta incessante obtemos o combustível que necessitamos para seguir adiante".
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