Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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21/10/2009

Não existe acesso à Justiça Grátis

Segue abaixo uma decisão minha para críticas. Foi proferida faz algum tempo. 
abs

Autos n° 038.07.000943-8

Ação: Ação Com Valor Inferior A 40 Salários-mínimos/ Juizado Especial Cível

Autor: Marcos Roberto dos Reis

Réu: Complexo Turistico Praia do Pinho Ltda

 

 

 

 

 

 

Vistos, etc.

 

1 - Marcos Roberto dos Reis promoveu ação contra Complexo Turístico Praia do Pinho Ltda., nos seguintes termos: "No fim do ano no período o requerente ficou hospedado no endereço acima no período de sete dias. Acontece no dia 27 de dezembro o filho do requerente de sete anos de idade quebrou o chuveiro que foi instalado como 'lava pé' no estabelecimento do requerido, e no dia 30 o filho de 04 anos quebrou outro chuveiro. Sendo assim o requerido cobrou o total de R$ 50,00 pelos dois chuveiros quebrados, o qual o requerente pagou e não concordou por o produto era inapropriado para utilização a que se destinava." Requereu, por fim, a devolução da quantia de R$ 50,00.

2 - Por certo o acesso à justiça, difundido por Cappelletti e Garth (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant.Acesso à Justiça. Trad. Helen Grace Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988), ganhou um forte impulso com a Constituição da República de 1988 e a criação dos Juizados Especiais Cíveis, apontam, dentre outros, Horácio Wanderlei Rodrigues (Acesso à Justiça no Direito Processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994) e Pedro Manoel de Abreu (Acesso à Justiça & Juizados Especiais. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004).

3 - A questão que se apresenta, todavia, é se no Brasil de extrema exclusão social (ALVARENGA, Lúcia Barros Freitas de. Direitos humanos, Dignidade e Erradicação da pobreza: Uma dimensão hermenêutica para a realização constitucional. Brasília: Brasília Jurídica, 1998), em que os recursos e meios para garantia do acesso à justiça são escassos (AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001), justifica-se a aceitação de toda e qualquer demanda posta em Juízo?

4 - A resposta, antecipa-se, é negativa. Basicamente por dois motivos:

a) Primeiro há uma nova compreensão do sujeito contemporâneo, naquilo que Charles Melman (MELMAN, Charles. O Homem sem Gravidade: gozar a qualquer preço. Trad. Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003) denominou como "Nova Economia Psíquica", ou seja, desprovidos de referência gozar a qualquer preço passa a ser a palavra de ordem: "A decepção, hoje, é o dolo. Por uma singular inversão, o que se tornou virtual foi a realidade, a partir do momento em que é insatisfatória. O que fundava a realidade, sua marca, é que ela era insatisfatória e, então, sempre representativa da falta que a fundava como realidade. Essa falta é, doravante, relegada a puro acidente, a uma insuficiência momentânea, circunstancial, e é a imagem perfeita, outrora ideal, que se tornou realidade." (p. 37). E isto cobra um preço. Este preço reflete-se na nova maneira de satisfação de todas as vontades, principalmente com novas demandas judiciais. E o Poder Judiciário ao acolher esta reinvindicação se põe à serviço do fomento perverso, sem que ocupe o lugar de limite. Passa a ser um gestor de acesso ao gozo. Se a realidade de exclusão causa insatisfação, se o outro olhou de maneira atravessada, não quis cuidar de mim, abandonou, coloco-se na condição de vítima e se reinvindica reparação, muitas vezes moral. Sem custas, na lógica dos Juizados Especiais, a saber, sem pagar qualquer preço. Aliás, dano moral passou a serband-aid para qualquer dissabor, frustração, da realidade, sem que a ferida seja cuidada. Pais que demandam indenização moral porque não podem ver os filhos, filhos que querem indenização moral porque os pais não os querem ver. Maridos e Mulheres que se separam e exigem dano moral pela destruição do sonho de felicidade. Demandas postas, acolhidas/rejeitadas, e trocadas por dinheiro, cuja função simbólica é sabida: pago para que não nos relacionemos. Enfim, o Poder Judiciário ocupa uma função repatória, de conforto, como fala Melman: "O direito me parece, então, evoluir para o que seria agora, a mesmo título que a medicina dita de conforto, um direito 'de conforto'. Em outras palavras, se, doravante, para a medicina, trata-se de vir a reparar danos, por exemplo os devidos à idade ou ao sexo, trata-se, para o direito, de ser capaz de corrigir todas as insatisfações que podem encontrar expressão no nosso meio social. Aquele que é suscetível de experimentar uma insatisfação se vê ao mesmo tempo identificado com uma vítima, já que vai socialmente sofrer do que terá se tornado um prejuízo que o direito deveria - ou já teria devido - ser capaz de reparar." (p. 106). Para este sujeito que reinvindica tudo histericamente é preciso dizer Não.

b) Segundo: pelos levantamentos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, um processo custa, em média, mil reais. Sobre isto é preciso marcar alguma coisa. Por mais que discorde da base teórica lançada por Flávio Galdino (GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005), não se pode negar que o exercício do direito de demandar em Juízo "não nasce em árvore." O manejo de tal direito pressupõe um Poder Judiciário que dará movimentação ao pleito, com custos alarmantes e questões sociais sérias emperradas pela banalização do Direito de Ação. Neste Juizado Especial Cível (Joinivlle - SC), existem cerca de 25.000 (vinte e cinco mil) ações em tramitação. Um único juiz. Impossível que se promova, de fato, a garantia do acesso à Justiça, ainda mais quando o sujeito quer satisfazer judicialmente questões de outra ordem, na lógica do: não custa nada mesmo; irei incomodar o réu.

5 - É o caso dos autos. O autor reconhece que estava com seus filhos de 07 e 04 anos no Camping da Praia doPinho, local destinado ao naturismo, com acesso e freqüência à praia de nudismo (http://www.praiadopinho.com.br/site/camping.php), quando estes quebraram o 'lava pé'. Por acreditar que não era apropriado pretende o dinheiro - 50 (cinquenta) reais. O genitor é responsável pelos atos, inclusive de vandalismo, de seus filhos, na forma do art. 932, I, do Código Civil. Não nega que seus filhos, no camping, na praia de nudismo, quebraram, por duas vezes, o 'lava pé'. Não concorda e quer a devolução dos dinheiro pago. O pleito é absolutamente abusivo, sem fundamento e, se mantida a audiência de conciliação, implicará no deslocamento do réu até Joinville, com investimento maior do que o pretendido. Dito de outra forma, além de manifestamente improcedente, os custos gerais (Judiciário e parte contrária) são muito maiores do que o objeto pretendido. Roberto Carlos de Oliveira, aguerrido Defensor Público da União, em monografia sobre o tema, conclui, com acerto: "Não se pretende com este trabalho difundir a vedação do acesso à Justiça àqueles que vêem o Judiciário como última esperança na solução de seus litígios; muito pelo contrário. Pretende-se, na verdade, buscar a otimização da entrega da resposta judicial. E isso, em nosso entendimento e em sede de Juizados Especiais Cíveis, passa obrigatoriamente pelo condicionamento do acesso à Justiça (strictu sensu)."

6 - O preço perverso da ausência de limites implica na abolição do não, de partir para o ato desprovido de instâncias repressivas. Em nome do "politicamente correto", da democracia, da autonomia liberal, do irrestrito acesso à Justiça, da alteridade extremada, tudo é possível. A tarefa parece ser dizer não para que não nos tornemos co-responsáveis. Isto é, a tirania da maioria esmaga uma discussão em que se discorda, tudo em nome do politicamente correto. Uma das primeiras coisas que se deve aprender na vida é que há troca. Gente que vive sem troca é solta, sem gravidade, aponta Melman. Reivindica histericamente por tudo e todos. Nada está bom. É irresponsável por seus atos, sempre se acha vítima. É preciso que o Judiciário dê um basta. Fico por aqui porque já perdi muito tempo nesta decisão. Há casos muito mais importantes esperando...

Por tais razões, julgo extinto o feito, na forma do art. 267, VI, do CPC, pela manifesta ausência de interesse de agir. Sem custas.

P. R. I.

Transitada em julgado, arquive-se

 

Joinville (SC), 30 de janeiro de 2007.

 

 

Alexandre Morais da Rosa

Juiz de Direito

Um comentário:

  1. "Nem tudo são flores!". O desabafo do juiz de criciúma e sua reflexão sobre a contemporâneidade são mais do que um dado de nossa realidade. As crônicas da vida judicial e a pretensa criação de "mundos próprios" transformados em autos também são um relato da vida cotidiana, para além dos muros que cercam o jurídico.
    Individualismo exarcebado, sinismo, (ir)responsabilidade civil: o consumo engoliu o cidadão e dentre diversas possibilidades colocadas como em prateleiras o judiciário não é mais do que um produto/serviço a ser usufruído pelas vontades insanáveis, efêmeras e supérfluas dos nossos dias.

    Repensar o sujeito não a partir do mercado, mas a partir da compreensão das necessidades humanas e da consciência de um mundo que não se resume no indivíduo, apenas uma parte de um todo complexo e com urgências reais.

    A judicialização irrestrita das relações sociais nos mostra o quanto temos que aprender em termos de resolução dos nossos problemas, não a partir de um terceiro legitimado, mas sim a partir de nosso próprio esforço e superação. O conflito necessita ser resolvido, principalmente, pelos próprios sujeitos envolvidos, a terceirização deste implica, irremediavelmente, em irresigninação e frustração.

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