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30/11/2009
Passei no Concurso para Professor da UFSC - Processo Penal
O Direito Achado na Rua - Zé Geraldo UNB
Convido a olharem o site do IHU durante esta semana (http://www.ihuonline.
Abração, ZK.
ENTREVISTA CONCEDIDA AO IHU-ONLINE em 17/08/2009 por
José Carlos Moreira da Silva Filho- Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná - UFPR; Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC; Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília - UnB; Professor Titular da UNISINOS-RS (Programa de Pós-graduação em Direito e Graduação em Direito); Conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
O Direito Achado na Rua
IHU-ONLINE - O que podemos entender por direito achado na rua? Qual sua origem?
R: O Direito Achado na Rua é originariamente um curso de extensão universitária à distância criado em 1987 na Universidade de Brasília (UnB). O curso foi elaborado pelo Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos (NEP) e pelo Centro de Comunicação Aberta, Continuada a Distância da UnB. Sua concepção é baseada na Nova Escola Jurídica Brasileira (NAIR), proposta pelo professor Roberto Lyra Filho, falecido em 1986, ou seja, antes que o curso fosse lançado. Na realidade, o verdadeiro mentor de todo o projeto é o Prof. José Geraldo de Sousa Junior, hoje Reitor da UnB.
Para quem leu a pequena grande obra “O que é Direito”, escrita por Roberto Lyra Filho, sabe que ele apresenta o Direito muito mais como um processo social repleto de lutas e enfrentamentos do que um sistema de normas de conduta criado e conduzido pelo Estado. Para Lyra Filho o Direito não se esgota na norma positivada na lei escrita, alcançando as lutas pela afirmação de direitos que muitas vezes não estão explicitamente contemplados no texto legal. Das lutas sociais pela afirmação de direitos surgem inúmeras demandas motivadas pela experiência real e concreta de necessidades não satisfeitas. É, de fato, apenas uma parte dessas reivindicações que vai encontrar pleno acolhimento nas normas estatais. Isto tanto é mais verdade em sociedades extremamente desiguais como a brasileira. É muito fácil aprendermos e ensinarmos nas faculdades de direito que as leis e os direitos que elas abrigam são para todos, mas nem sempre é cômodo e conveniente perceber que, de fato, uma boa parte das pessoas em nosso país está alijada da esfera de concretização dos direitos e garantias fundamentais inscritos na Constituição Federal. Por outro lado, não se vê um claro, coeso e forte empenho da sociedade brasileira em reverter esta desigualdade. É como disse o Milton Santos: “a classe média brasileira não quer direitos, mas sim privilégios”.
O Direito Achado na Rua, portanto, não identifica o direito com a norma, pura e simplesmente, e muito menos com a lei. O direito é visto como um processo social de lutas e conquistas de grupos organizados, em especial dos novos movimentos sociais, na busca da emancipação de situações opressoras caracterizadas pela experiência da falta de satisfação de necessidades fundamentais. A produção de normas jurídicas e a sua positivação pelo Estado é, sem dúvida alguma, um resultado almejado por este processo. É por isto que, na lapidar definição de Lyra Filho, o direito “é a legítima organização social da liberdade”.
O curso foi tão bem sucedido que suscitou a produção de mais três cursos vinculados à série “O Direito Achado na Rua”, além de um vídeo-documentário premiado em dois festivais nacionais. O primeiro volume da série, a partir do qual se iniciou o projeto, tem o objetivo de lançar as bases fundamentais do enfoque crítico do direito que o viés do Direito Achado na Rua propõe. Intitulado “Introdução Crítica ao Direito”, reúne textos lapidares de autores como José Geraldo de Sousa Junior, Roberto Lyra Filho, Boaventura de Sousa Santos, Luis Alberto Warat, José Eduardo Faria, Maria Célia Paoli, entre outros. O segundo volume, lançado em 1993, tem em foco o Direito do Trabalho, área do direito que talvez seja o exemplo por excelência de um direito achado na rua. O terceiro volume, lançado em 2002, trata do Direito Agrário, e se concentra no grave problema da propriedade rural em um país cuja reforma agrária ainda segue sendo uma tarefa pendente. O livro vem ricamente ilustrado com fotos de Sebastião Salgado. Por fim, o quarto volume foi lançado em 2008, e tem como tema o Direito à Saúde, contando com uma participação expressiva da Fundação Oswaldo Cruz.
Quando eu era aluno de graduação em Direito na Universidade de Brasília (de 1989 a 1993), tive a satisfação de participar deste projeto, inicialmente como monitor do curso e depois como bolsista de iniciação científica do Prof. José Geraldo de Sousa Junior. Na condição de monitor eu analisava os trabalhos enviados pelos participantes do curso, visto que, para concluí-lo, era necessário que o aluno respondesse às questões formuladas ao final de cada unidade e realizasse um trabalho final sobre alguma experiência significativa, seja pessoal ou profissional, que estivesse associada aos marcos teóricos do curso. Para ser aluno não é necessária nenhuma formação específica. Há alunas e alunos de todos os tipos, ocupações e classes sociais. Até presidiários já fizeram o curso. Aprendi muito com os trabalhos que comentei quando era monitor e pude desfazer o preconceito de que somente aqueles com maior educação e oportunidades teriam algo importante a dizer e a ensinar. Para mim, foi uma oportunidade riquíssima que, desde já, me colocou no caminho da pesquisa e da carreira acadêmica, pois para explorar e vislumbrar melhor o viés crítico proposto para o direito, era e é preciso estudar e investigar, coisa que continuo fazendo até hoje.
No âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, o Direito Achado na Rua é hoje uma linha de pesquisa. É preciso dizer também que, desde o seu surgimento, o Direito Achado na Rua encontra forte eco em outros autores e escolas espalhadas pelo Brasil e pelo mundo.
IHU-ON LINE - Que conceito de justiça prevalece no direito achado na rua? Quais são os princípios jurídicos desse direito alternativo?
R: Eu particularmente não gosto muito da expressão “Direito Alternativo”. Em primeiro lugar porque ela remete a uma conotação pejorativa e simplificadora de qualquer abordagem crítica que se queira fazer dentro do direito. O “alternativo” aqui costuma surgir como uma espécie de arroubo inconseqüente e utópico que despreza o direito oficial e o Estado. Nada mais falso. O Direito Achado na Rua não ignora ou despreza a lei e o Estado, tanto que muitas das lutas propostas e desenvolvidas pelos movimentos sociais desembocam justamente no apelo ao cumprimento das leis e princípios já existentes. Basta perceber também que a própria Constituição de 1988 foi, em grande parte, resultado da mobilização de diferentes movimentos e grupos sociais. O que diferencia a abordagem crítica do Direito Achado na Rua da abordagem dogmática do Direito é o fato de que aquela se apóia em um espectro de visão muito mais amplo e interdisciplinar do que esta, sendo por isto mesmo capaz de perceber as contradições, conflitos e processos existentes dentro de uma sociedade desigual como a nossa, percebendo também que o Estado é um espaço de tensões e lutas acessíveis à política e à participação, não somente através do voto, e que o ordenamento jurídico compõe um sistema de normas a ser interpretado de acordo com as circunstâncias reais e concretas que envolvem a aplicação da lei.
Na verdade, a expressão “Direito Alternativo” está mais próxima, em seu sentido não pejorativo, ao movimento de juízes brasileiros que, inspirados na magistratura democrática italiana do final dos anos 60, teve grande repercussão no Estado do Rio Grande do Sul, em especial a partir da atuação de Amilton Bueno de Carvalho, Rui Portanova, Marcos Scarpini e do saudoso Márcio Puggina. A idéia básica do movimento foi a de explorar as brechas e conflitos do próprio ordenamento jurídico, apoiando-se principalmente nos princípios e valores protegidos, para realizar uma interpretação da lei que fosse mais inclusiva em relação aos grupos mais vitimados na sociedade brasileira, excluídos do acesso à satisfação de necessidades fundamentais. Este movimento teve um papel importantíssimo na formação e fortalecimento de uma cultura crítica do direito no país. Não é demais lembrar que saímos da ditadura apenas na segunda metade dos anos 80, e que questionamentos, críticas ou qualquer forma de pensamento mais elaborado era algo vetado e combatido pelos agentes do governo autoritário, ainda mais no seio de uma das instituições historicamente mais conservadoras e menos democráticas do país, que é o Poder Judiciário. Como estudante de Direito fui atingido em cheio por esta inquietude e por este exemplo, e se hoje temos um amplo espaço de atuação na interpretação e concretização do Direito Constitucional, muito se deve aos questionamentos e grupos pioneiros que lograram quebrar a dura e opaca casca do enfoque exclusivamente dogmático do direito. Romper com este viés simplista e rasteiro, contudo, segue sendo ainda uma tarefa urgente e inacabada, especialmente nos cursos de direito, que em grande parte ainda se deixam seduzir pela cantilena positivista.
O Direito Achado na Rua, a par de representar um compromisso ético com a eliminação da desigualdade intolerável e com a afirmação de identidades, direitos e participações dos grupos e movimentos sociais que partilham experiências de exclusão no acesso à satisfação de necessidades fundamentais, representa uma lupa de observação, análise e reflexão que percebe o fenômeno jurídico como algo bem maior e complexo do que se pensa nos meios mais conservadores e dogmáticos. A concepção de justiça que sustenta o Direito Achado na Rua é toda aquela que se revela sensível a este olhar, e, em especial, às concretas, diversas e históricas manifestações de afirmação de direitos que tomam corpo nas dinâmicas reais e contraditórias das sociedades em questão.
IHU-ONLINE - Em que medida o legalismo pode ser visto como um instrumento de injustiça social?
R: O problema não é a lei em si. Roberto Lyra Filho já recomendava aos grupos e movimentos empenhados na busca de maior igualdade e afirmação de direitos que fizessem um bom uso do “positivismo de combate”. São inúmeras as situações nas quais a injustiça social poderia ser combatida ou diminuída bastando a mera aplicação da lei, muitas vezes no seu sentido mais literal. Imagine por exemplo, se o Código de Defesa do Consumidor, ou ainda as normas e princípios do Sistema Único de Saúde, ou ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente fossem fielmente cumpridos? O problema, como já deixa entrever a sua pergunta, é o “ismo”. O legalismo, ao meu ver, padece de duas grandes deficiências: a primeira delas é que não consegue ver o direito que existe e se forma fora do espaço da lei, seja antes de virar lei, indo além dela ou até mesmo contra ela, o que contraria portanto o enfoque mais amplo e adequado que sustenta o Direito Achado na Rua. E, em segundo lugar, o legalismo costuma apegar-se a uma leitura pobre e tacanha do ordenamento jurídico, concentrando-se na literalidade das regras mais específicas e no desprezo aos princípios e normas mais amplas, o que nos leva a uma total inversão hierárquica na aplicação das leis, priorizando-se as normas infraconstitucionais às constitucionais. Temos, pois, um claro problema de hermenêutica em nossa cultura jurídica. Esta é uma das razões do porquê o curso de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS, de cujo corpo docente me orgulho de fazer parte, tem como uma de suas linhas de pesquisa prioritárias o tema da hermenêutica jurídica associada à concretização de direitos.
A lei é um parâmetro fundamental para a afirmação de uma sociedade mais livre e justa, é instrumento indispensável do que chamamos de Estado Democrático de Direito. Temos que entender que muito da injustiça social que assola a sociedade brasileira vem do fato de que ainda são frágeis as nossas instituições democráticas, pois a democracia que se concentra apenas no âmbito político-partidário e deixa sob princípios nada democráticos a economia e a educação, por exemplo, não é uma verdadeira democracia. O que deve ser buscado é uma via de diálogo e participação entre o Estado e os movimentos sociais organizados, mantendo-se uma tensão dialética constante, afinal, tanto a democracia como a própria idéia de justiça devem sempre ser vistas como algo inacabado e um processo em curso.
IHU- ON LINE - A proposta do direito achado na rua evidencia a desatualização de nossas leis ou a falta de confiança no poder judiciário?
R: Creio que ela evidencia os dois aspectos. Diante da desatualização das leis ou de um texto legal insatisfatório e inadequado, especialmente na opinião das pessoas que são os destinatários diretos desta lei, é preciso buscar tanto a via do debate, do protesto e da participação política que objetivam a reforma do texto em si, como também o trabalho hermenêutico de construção judicial das interpretações mais adequadas, capazes de compensar, muitas vezes, as falhas do texto legal. Desde a Constituição de 1988 é muito visível a abertura desse flanco hermenêutico na via judicial, daí porque muitos juristas, como o meu colega Lenio Luiz Streck, por exemplo, afirmam ter sido o Poder Judiciário alçado à condição de mediador entre os outros dois poderes do Estado, passando a assumir um protagonismo que não existia em tempos nos quais se acreditava ser o juiz “a boca da lei”.
Contudo, não se pode olvidar, como já afirmei antes, que o Poder Judiciário no Brasil é uma das instituições historicamente mais conservadoras e menos democráticas do país, na qual predomina o princípio da autoridade e o apego a rituais e a termos de difícil compreensão para a maior parte da população. É um poder ainda opaco, que muitas vezes não fundamenta as razões dos seus entendimentos e os meandros do funcionamento de seus órgãos e agentes, permanecendo, via de regra, muito reticente a críticas e a questionamentos feitos sobre si, que são logo apontados como ameaças à sua independência. Creio que o poder judiciário brasileiro ainda tem um longo caminho a percorrer para agir com base na compreensão de que ele é um poder tem de prestar contas à sociedade brasileira, e não apenas aos entendimentos dos seus próprios pares.
IHU-ON LINE - Podemos dizer que a proposta do direito achado na rua está relacionada com a defesa dos direitos humanos dos pobres? Se sim, podemos entender que a justiça convencional não atende às camadas economicamente desfavorecidas da população?
R: Como já disse na resposta à primeira pergunta, a realidade da sociedade brasileira está muito longe do ideal assumido pelo direito moderno dos Estados Nacionais, qual seja, a de que o direito é para todos. Em um quadro como este não é de admirar que nasçam sistemas jurídicos paralelos, desvinculados da instituição estatal, ainda que com ela pretendam, em muitos casos, dialogar. Ao reconhecimento deste fenômeno social chamamos de “pluralismo jurídico”. Em sua tese de doutorado, defendida na Universidade de Yale, Boaventura de Sousa Santos viveu durante meses em uma favela situada na cidade do Rio de Janeiro. Logo ele pôde perceber que no vácuo da não satisfação de direitos básicos inscritos na legislação e na ausência da presença das instituições estatais, a não ser para repressão e violação de direitos, constituiu-se o espaço de um sistema jurídico paralelo. Importante perceber que não se trata de defender pura e simplesmente a existência desses sistemas, mas sim de entender o fato e as razões de eles existirem. A ausência do Estado e de políticas públicas mais integradoras e inclusivas estimula também a constituição de sociedades criminosas que também oprimem e reprimem a população que vive nas favelas e nas demais periferias do país, intermediando esta violência com o atendimento de demandas que o Estado deixou desamparadas. A legitimidade das sociedades de traficantes, por exemplo, é algo extremamente ambíguo e não deve ser visto com o olhar maniqueísta e infantil de um Bush Jr. e sua “sociedade do mal”. Por outro lado, também existem outros sistemas jurídicos paralelos que são a expressão da legítima organização popular e que não recorrem à violência e à opressão sistemáticas exercidas sobre integrantes do seu próprio grupo. Temos aqui, por exemplo, os povos indígenas e os movimentos sociais organizados, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, por exemplo. Importante lembrar também que as exclusões não são apenas relativas às questões de classe. Na agenda dos direitos humanos no Brasil, há muitos outros grupos cuja questão central não se limita ao tema da pobreza, embora por ele perpassem. São questões de gênero, étnicas, ecológicas de opção sexual, entre outras.
Quanto à afirmação de que a justiça convencional não atende às camadas economicamente desfavorecidas da população, eu diria que em muitas situações ela atende sim, mas ainda padece de problemas estruturais que impedem que ela o faça de um modo mais global e satisfatório. Dou como um bom sintoma disto o fato de que as Defensorias Públicas no Brasil não possuem pessoas e estrutura suficientes para cumprir a sua missão principal. Costumam ter mais sucesso nas demandas judiciais aqueles que podem pagar bons advogados. Além disso, se formos olhar de um modo ainda mais global, perceberemos que os problemas sociais do país não dizem respeito apenas à atuação do judiciário ou às ações do ministério público, mas sim a questões diretamente relacionadas á política, ao sistema produtivo, à educação e ao atual quadro de relações de força na sociedade brasileira. Devemos sempre nos lembrar que instituições como o Estado e o Mercado não são neutras, que o discurso técnico do qual muitas das suas decisões se revestem apenas encobre a realização de escolhas sustentadas em configurações morais e opções axiológicas que estruturam imaginários e modelos de compreensão sociais que acabam por ser naturalizados. Daí porque, creio eu, a canção de Caetano Veloso, intitulada “Um índio”, traz no seu último verso a afirmação de que o que surpreenderá a todos não será o exótico, mas sim o “fato de poder ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio”.29/11/2009
Lenio Luiz Streck - Wikipedia
Lenio Luiz Streck
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Lenio Luiz Streck nasceu em Agudo, no interior do Estado do Rio Grande do Sul, em 21 de novembro de 1955. Jurista de formação, graduou-se em Direito em 1980. Fez mestrado em Direito do Estado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com conclusão em 1988. Nesta mesma universidade, doutorou-se em 1995 e, logo em seguida, em 1996, ajudou a fundar o Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos-RS), figurando até a data atual como coordenador das linhas de pesquisa do programa. Em 2001, concluiu o pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. É professor visistante em universidades estrangeiras e Procurador de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Índice[esconder] |
[editar]Principais obras
- STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 9.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
- STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
- STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
[editar]Hermenêutica Jurídica e(m) Crise
Nesta obra, o jusfilósofo faz um diagnóstico da crise de dupla face que acomete o direito e a dogmátca jurídica nos países de modernidade tardia e, a partir daí, procura apontar novas perspectivas para a construção do Direito. A primera face desta crise é de natureza epistemológica e aparece no momento em que nos damos conta de que o pensamento jurídico continua refratário das conquistas produzidas pelo linguistic turn(viragem linguistica) e pelo giro ontológico operado pela filosofia hermenêutica de Martin Heidegger e pela hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer. Diante disso, os juristas permanecem prisioneiros da vestuta relação sujeito-objeto, tal como a descreveu a metafísica clássica e a filosofia da consciência[1], sem se darem conta de que a partir do giro linguistico, não é possível acessar os objetos senão através da linguagem. Por outro lado, a partir do giro ontológico, mostra-se como que a interpretação de um texto jurídico traz consigo todas as implicações da faticidade e da historicidade daquele que interpreta tais textos. Isso porque o homem é um animal formador de mundo sendo desnecessário procurar uma ponte entre ele e os objetos. Assim, sua existência o atira, desde sempre, para dentro de um mundo, no interior do qual ele lida com objetos os compreendendo e os interpretando a partir de uma estrutura - compartilhada por todos de um modo aprioristico - chamada pré-compreensão.
A segunda face da crise é uma crise de paradigmas. A partir dela, busca-se demonstrar como o pensamento jurídico dominante continua lidando com o fenômeno jurídico ao modo do paradigma liberal absenteísta próprio do legalismo econômico reinante ao tempo do Estado Liberal-burguês. Esse fator obnubila as possibilidades de sentido projetadas pelo paradigma do Estado Democrático de Direito no interior do qual o Direito assume um caráter transformador, que vai mais além da simples conservação do status quo permitindo a transformação profunda da sociedade e do modo de composição de suas relações[2].
[editar]Jurisdição Constitucional e Hermenêutica
Nesse trabalho, dá-se a continuidade das pesquisas iniciadas com Hermenêutica Jurídica e(m) Crise mas se constrói, de modo mais concreto, como uma jurisdição constitucional corretamente inserida no paradigma do Estado Democrático de Direito e manejada a partir do ferramental hermenêutico possibilitado pela filosofia hermenêutica e pela hermenêutica filosófica, pode concretizar o projeto constitucional das Constituições democráticas do 2º pós-guerra. Trata-se da defesa de uma concepção substancialista de jurisdição constitucional que firme sua atuação não em voluntarismos anti-democráticos, mas sim no modelo concretizador estabelecido a partir do neoconstitucionalismo. Como menciona o jurista português lusitano Carlos Blanco de Morais, “uma recente tese doutoral brasileira Lenio Streck saúda o papel da Justiça Constitucional como um ‘legislador positivo’, considerando que ele decorre de uma atividade interpretativa que seria sempre produtiva de Direito”[3].
Outro ponto fundamental, encontra-se delineado em seu Capítulo V, no qual o autor constrói as bases para uma nova crítica do Direito. Parte-se, aqui, da idéia de Gadamer presente no enunciado ser que pode ser compreendido é linguagem, procurando explorar de uma maneira mais radical o problema da compreensão no interior da teoria do direito e da hermenêutica jurídica[4]. Desse modo, descobre-se que todo processo de conhecimento se funda em um compreender prévio que é o fundamento concreto do Direito. Qualquer tentativa de se encontrar um fundamento último no direito terá que prestar contas a esse compreender fático, que é concreto por excelência. Toda compreensão jurídica se funda em uma autocompreensão do intérprete e, por isso, o fundamento é sem fundo. A Constituição é sempre antecipada neste processo compreensivo e, dessa forma, projeta sentidos sobre todo fenômeno jurídico.
Em Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, há também uma defesa da permanência da tese da Constituição Dirigente em países de modernidade tardia. Nesse ponto, é preciso registrar que o constitucionalista português Joaquim José Gomes Canotilho se refere a tese aqui descrita como "notável" [5] e reforça sua opinião nas palavras seguintes: "Lenio Luiz Streck (...) afirma com insisividade: uma tal teoria de constitucionalidade dirigente não presinde de uma teoria do Estado, apta a explicitar as condições de possibilidade de desenvolvimento constantes no texto da Constituição".[6]
[editar]Verdade e Consenso
Esse texto mostra como o pensamento jurídico é marcado, historicamente, por duas tendências que – no mais das vezes – correm separadas: de um lado, tem-se a luta histórica contra o arbítrio e a construção de mecanismos democráticos para a organização do poder e distribuição da força do Estado; de outro, há um esforço contínuo no sentido de se construir um espaço de racionalidade onde o conhecimento jurídico possa ser produzido e determinado de um modo válido. Na primeira metade século XX, o critério predominante de validade foi dado a partir do modo como o positivismo jurídico representava, cientificamente, o direito; ao passo que a legitimidade democrática do ordenamento jurídico foi delegada a uma teoria política da legitimidade do Direito e do Estado.
Nesse livro, desenvolve-se um quadro referencial teórico no interior do qual há um encontro entre os problemas relativos à racionalidade-validade e à legitimidade do direito. Esse encontro unificador tem lugar no momento em que se privilegia a exploração do elemento hermenêutico que está na base de toda experiência jurídica. Como esse elemento se manifesta – de maneira mais evidente – na decisão judicial, a obra será, no fundo, uma teoria da decisão judicial. O que se apresenta como diferente nesta abordagem é que se salta de uma tradicional filosofia do direito para uma filosofia no direito. Essa questão é ressaltada por Ernildo Stein que, analisando a obra Verdade e Consenso, afirma o seguinte: “a filosofia no direito tematiza esta dimensão que sustenta o campo raso do direito positivo. Com isso o direito ganha uma densidade em sua linguagem e todo operador no direito, atinge uma auto-compreensão que aumenta o aparecer das raízes que o alimentam com um nível em que ao operar se soma um compreender prévio, antecipador de um acontecer sustentado pela hermenêutica da faticidade. (...) Eis como podemos fazer justiça à questão levantada pela expressão cunhada por Lenio Streck: a filosofia no direito”[7].
Nascida em 2006 para dar continuidade ao debate sobre a determinação do papel da jurisdição constitucional na concretização dos direitos fundamentais, o trabalho de pesquisa foi sucessivamente ampliado de modo que, já na sua segunda edição, apresentava além do diálogo com as teses procedimentalistas de Jürgen Habermas e seus intérpretes brasileiros, uma crítica à teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy e ao seu modelo de realização do direito, plasmado na ponderação dos princípios constitucionais. Nesta edição, há uma exploração minuciosa do modo como o pensamento jurídico lida com a tradição constitucionalista que se desenvolveu a partir do segundo Pós-Guerra. Na tentativa de dar respostas à superação do paradigma positivista que foi predominante durante toda primeira metade do século XX, setores ditos críticos da dogmática jurídica criam embaraços teóricos, provenientes de mixagens de paradigmas, que acabam por minar, desde as bases, todas as conquistas emancipatórias legadas pela tradição (neo)constitucionalista. Desse modo, o autor detecta os sintomas deste patológico “mix teórico” mostrando com clareza as conseqüências que a ideologia do caso concreto (que imagina ser o direito um conjunto aleatório de casos, julgados de acordo com a consciência valorativa do juiz) e a proliferação indiscriminada de princípios (panprincipiologismo) trazem para a concretização dos direitos fundamentais-sociais presentes no projeto constitucional de 1988. Para revolver esse chão lingüístico, é proposta uma Teoria dos princípios, acorde com o paradigma neoconstitucionalista. Essa dimensão dos princípios apresentada pelo autor é ressaltada por Nelson Nery Júnior ao destacar – em tópico específico de seu trabalho – a construção teórica de Streck. Nas palavras de Nery Júnior: “Lenio Streck critica o positivismo jurídico, dizendo que essa corrente disponibilizou para a comunidade jurídica o direito como um sistema de regras. A conseqüência disso é que a “faticidade” (mundo prático) ficava fora desse positivismo que predominou durante muito tempo. Nessa medida é que os princípios vieram para superar a abstração da regra ‘desterritorializando-a de seu lócus privilegiado, o positivismo”[8].
Diante de tudo isso, o autor ainda demonstra o elemento velado, presente em todas estas posições sobre o direito e que sustenta a “vitória de Pirro” do positivismo: a discricionariedade judicial. Desse modo, é somente através do enfrentamento desta discricionariedade que se chegará a uma dogmática constitucional concretizadora dos direitos fundamentais. Enquanto persistir posturas teóricas que apostam na discricionariedade do intérprete/juiz, persistirá, também, a possibilidade do desvirtuamento da concretização dos direitos fundamentais que é sua não-concretização. Portanto, a tarefa fundamental da Teoria do Direito nesta quadra da história será construir as condições de possibilidade para a construção de um direito fundamental do cidadão: o de obter respostas constitucionalmente corretas (adequadas).
Referências
- ↑ ROSA, Alexandre Morais da. Decisão no Processo Penal como bricolage de significantes. Curitiba, 2004, p 178.
- ↑ RANGEL, Paulo. A Inconstitucionalidade da Incomunicabilidade do Conselho de Sentença no Tribunal do Júri brasileiro. Curitiba, 2005, p.3.
- ↑ MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional: o contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio. Tomo II. Coimbra: Coimbra, 2005. p. 413.
- ↑ SARLET, Ingo Wolfgang. As Dimensões da Dignidade da Pessoa Humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. Revista Brasileira de Direito Constitucional - RBDC, n.9 - jan./jun. 2007. p. 385.
- ↑ CANOTILHO, J.J. Gomes. Brancosos e inconstitucionalidade: itinerários dos Discursos sobre a Historicidade Constitucional. Coimbra: Almedina, 2008, p.134.
- ↑ Ibidem, p. 136.
- ↑ STEIN, Ernildo. Breves Considerações Históricas sobre as origens da Filosofia no Direito. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. A Filosofia no Direito e a Filosofia do Direito, Porto Alegre, n.5, 2007, p. 108.
- ↑ NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 28.
[editar]Ver também
[editar]Ligações externas
27/11/2009
Contardo - Drops
Gostei muito do artigo. Moysés CONTARDO CALLIGARIS Adultos infantilizados
D URANTE O feriado, nos cinemas, só dava "Lua Nova", de Chris Weitz, "2012", de Roland Emmerich, e "Os Fantasmas de Scrooge", de Robert Zemeckis. Claro, havia outros filmes, mas meio que perdidos na programação. Imaginemos que você preferisse ler um romance e consultasse a lista dos mais vendidos. Você encontraria cinco títulos de Stephenie Meyer (a autora da saga de vampiros, cujo segundo volume inspira o filme "Lua Nova"), dois volumes dos "Diários do Vampiro", de L. J. Smith, e, no fim, "O Pequeno Príncipe". Ora, assisti a "Os Fantasmas de Scrooge" (não perderia um filme de Zemeckis, o diretor de "Forrest Gump") e achei excelente; vi de óculos, em 3D, deleitando-me com a atmosfera encantada: como disse uma menina, nevava na sala de cinema. Não vi "Lua Nova", mas gosto da saga de Meyer, sobre a qual escrevi nesta coluna, assim como escrevi sobre o primeiro filme da série, "Crepúsculo". Além disso, aposto que me divertiria com a fantasia catastrófica de "2012"; Emmerich já me divertiu com "Independence Day". Enfim, tenho uma lembrança comovida de "O Pequeno Príncipe". Então, por que me queixaria dessa preponderância de filmes e livros obviamente infantojuvenis? Não me queixo, apenas constato: nas salas de cinema ou nas livrarias, aparentemente, os adultos devem ser uma pequena minoria, com a exceção, é claro, dos que acompanham suas crianças ou as presenteiam com livros. Estou sendo irônico: é claro que os grandes consumidores de filmes e livros infantojuvenis só podem ser os adultos. Domingo, um amigo editor me explicava, justamente, que o filé mignon atual são os "crossovers", ou seja, as obras que "atravessam", que seduzem tanto as crianças quanto os adultos. O best-seller e o blockbuster ideais são histórias supostamente para crianças e adolescentes, mas capazes de conquistar os leitores e os espectadores adultos. Se consultarmos a lista dos livros mais vendidos de não ficção, a conclusão é a mesma. Como assim? Os ensaios não são o domínio reservado e sisudo dos adultos? Artifício: o sucesso dos livros de autoajuda forçou os jornais a separá-los dos de não ficção, mas, de fato, os mais vendidos de não ficção são os livros de autoajuda. Ora, o texto de autoajuda se relaciona com o leitor como com alguém que precisa e prefere ser guiado, orientado, ajudado a pensar, decidir e agir, ou seja, relaciona-se com o leitor como com uma criança. Pois bem, Benjamin Barber, no seu novo livro, "Consumido - Como o Mercado Corrompe Crianças, Infantiliza Adultos e Engole Cidadãos" (Record), apresenta a infantilização do consumidor não como um acidente cultural momentâneo, mas como a peça chave do espírito do capitalismo contemporâneo. Barber é convincente e divertido: chegaram os "kidadults", os "criançultos". O drama do dia não é que as crianças sejam alvo do mercado, mas que o mercado esteja transformando os adultos em crianças. Por que o mercado prefere lidar com "criançultos"? E o que nos predispõe a sermos infantilizados? Uma breve hipótese. Houve, sobretudo a partir da segunda metade do século 20, uma explosão de um tipo especial de amor dos pais pelos filhos, um amor feito de esperanças e expectativas monstruosas (as crianças serão o que quisemos e não conseguimos ser, nada lhes faltará). Esse tipo de amor parental cria consumidores ideais: por exemplo, indivíduos com pouquíssima tolerância à frustração (e alergia à própria ideia de que algo seja difícil ou, pior, impossível) e com uma imperiosa necessidade de satisfação imediata (e alergia a tudo o que posterga: preparação, estudo, reflexão, complexidade, poupança). Alguém dirá: e daí, qual é o problema? Exemplo. João quer ser rapper na África do Sul e gasta, impulsivamente, o décimo terceiro da mãe na roupa certa para se parecer com seus ídolos. Para ser rapper na África do Sul, talvez fosse mais urgente que ele estudasse inglês seriamente. Mas essa observação poderia entristecer João. Melhor deixá-lo sonhar e confundir sua mascarada com o começo da realização de seu desejo; afinal, ele é feliz assim, não é? Pois é, suposição errada: quem cresce sem nunca se deparar com o impossível ou mesmo com o difícil, acaba, mais cedo mais tarde, vivendo no desespero. Por quê? Simples (como um filme para crianças): ele só consegue atribuir seus fracassos ao que lhe parece ser sua própria impotência. ccalligari@uol.com.br |