O apagão e o direito dos consumidores lesados –16-11-2009
Por Rizzatto Nunes
E tivemos mais um apagão. A imprensa cobriu o evento e tem apresentado os prejuízos sofridos pelos consumidores, tanto pessoas físicas como jurídicas (empresas e demais entidades). De maneira geral, os consumidores foram informados, mas pelo que vi, é preciso um melhor esclarecimento, o que farei na coluna de hoje. Além disso, sou obrigado a mostrar que a Resolução da Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica, que cuida da questão é em parte ilegal.
Para que me entendam bem e sem sombra de dúvida: a lei incidente no caso é o Código de Defesa do Consumidor (CDC: lei 8078/90). É ela que garante o direito do consumidor se ressarcir dos eventuais prejuízos sofridos por causa da interrupção da energia elétrica e seu retorno (às vezes o dano pode ser ocasionado quando a energia volta). E, como na hierarquia do sistema jurídico constitucional brasileiro, o CDC é superior às resoluções baixadas pelas agências reguladoras, como a Aneel, estas devem respeitar estritamente o CDC, sob pena de suas resoluções não terem validade por serem ilegais.
Muito bem, para que os consumidores brasileiros pudessem se ressarcir dos danos sofridos não havia necessidade de qualquer resolução porque o CDC já lhe dava essa garantia. De todo modo, como a Aneel firmou uma regra, ela valerá naquilo que não contrariar a lei e, o que se espera, é que pelo menos no que regulou, as prestadoras do serviço público e essencial de energia elétrica cumpram o determinado.
A resolução da Aneel a que me referi é a de nº 61 de 29-04-2004, alterada pela resolução nº 360 de 14-04-2009. Ela dispõe que o consumidor tem 90 dias para pedir o ressarcimento, indicando data e horário provável da ocorrência, demonstrando que é o titular ou o representante legal da unidade consumidora, relatando o problema havido e descrevendo os produtos danificados com apresentação da marca, modelo etc. O pedido pode ser feito via atendimento telefônico, internet ou outros canais colocados à disposição. (art. 4º da resolução).
A inspeção poderá ser feita, a critério do consumidor, no próprio local ou entregue o produto danificado à distribuidora de energia ou terceira empresa por ela autorizada, devendo ser informado ao consumidor data e horário aproximado da inspeção ou disponibilização. A distribuidora tem até 10 corridos para fazer a vistoria. Mas, se o aparelho danificado servir para o acondicionamento de alimentos perecíveis, como a geladeira e o freezer, esse prazo é de apenas um dia útil. (art. 6º).
A distribuidora tem 15 dias para informar por escrito ao consumidor sobre o resultado do pedido, prazo esse que é contado da data da vistoria ou do próprio pedido do consumidor. (art. 7º)
Mas veja: se a resposta da distribuidora for afirmativa e se os prazos forem cumpridos – é o mínimo que se espera – após cerca de quase um mês, o consumidor poderá receber em dinheiro o valor correspondente à compra de outro aparelho (art. 8º). Todavia, se a distribuidora resolver consertá-lo, terá mais 20 dias corridos para fazê-lo (mesmo art. 8º). Daí, já se vão quase dois meses.
Ora, há situações em que simplesmente o consumidor não pode esperar. E, não se engane com aquele prazo de um dia para os aparelhos que armazenem alimentos perecíveis. Nesses casos, a resolução diz que o prazo para inspeção é de um dia útil, mas a resposta deve ser dada nos mesmos 15 dias e, se a distribuidora resolver consertar o aparelho, terá mais 20 dias. Conclusão: mais de trinta dias sem geladeira ou freezer em casa!
Porque a resolução não previu a troca de aparelhos como geladeira, freezers e outros produtos de primeira necessidade num prazo total de 48/72 horas? Isso sim seria a favor do consumidor. Depois reclamam que as pessoas recorrem demais à Justiça. Qual a alternativa? Só o Juiz, através de medida liminar, pode resolver rapidamente os graves problemas que sofrem os consumidores. É direito do consumidor ter seus produtos que foram estragados, funcionando regular e rapidamente, em especial os que são mesmo essenciais. Nem se dê a desculpa de que no apagão são muitas as ocorrências e, por isso, a distribuidora não daria conta de atender tantos consumidores em prazo exíguo porque, evidentemente, a resolução não foi feita para apagões e sim para os casos rotineiros.
Aliás, nessa questão da energia elétrica nunca é demais lembrar que nos últimos anos, por falha no controle e cálculos da agência reguladora, os consumidores vêm pagando 1 bilhão de reais a mais do que deviam todo ano! Logo, há dinheiro sobrando nos caixas das distribuidoras para pagar indenizações aos consumidores lesados e de forma rápida.
Mas, agora vamos ao que é mais importante. Primeiramente, é precisa saber que o prazo para pedir ressarcimento não é de apenas 90 dias com diz a resolução. Trata-se de defeito na prestação do serviço (art. 14 do CDC) e, por isso, o prazo para o pedido de ressarcimento é de 5 anos (art. 27). Anoto que, mesmo para aqueles que equivocadamente acreditam que o prazo é o do Código Civil de 2002, ainda assim o mesmo seria de 3 anos (conforme art. 206, parágrafo 3º, inciso V). Desse modo, saiba você leitor, que se sofreu algum prejuízo pode ingressar com ação judicial em até 3 anos da ocorrência do dano.
Em segundo lugar, anoto que o art. 10, II da resolução diz que o consumidor perde seu direito se providenciar, por sua conta e risco, a reparação do equipamento sem aguardar a término do prazo da inspeção ou não obtiver autorização da distribuidora. Isso também não está correto. O CDC não impõe esse limite ao consumidor, de modo que, ainda que ele tenha resolvido consertar o produto, digamos sua geladeira, porque não pode ficar sem ela por mais de duas semanas aguardando a visita dos funcionários da distribuidora, ele não perde o direito à indenização. É verdade que terá de provar os danos e o conserto (veja abaixo como fazer as provas), mas isso não lhe retirar o direito à indenização.
Como eu disse no início, o CDC garante o direito ao ressarcimento pelos danos causados. E, não se trata apenas de danos nos próprios produtos elétricos. Podem ser também os danos indiretos, como, por exemplo, os do incêndio ocasionado na residência em função da falha no aparelho elétrico.
Além disso, está garantido também o direito ao ressarcimento pelos lucros cessantes, isto é, aquilo que o consumidor pessoa física ou jurídica deixou de ganhar em função da ocorrência. Por exemplo, a perda de produção dos sorvetes que estavam sendo fabricados ou dos pãezinhos na padaria ou das vacinas armazenadas nos refrigeradores especiais etc.
É possível também pleitear indenização por danos morais naqueles casos em que a pessoa tenha sofrido física ou psicologicamente, como por exemplo se sofreu queimaduras no incêndio.
Quanto aos elementos de prova, caso o consumidor seja obrigado a ingressar com a ação judicial para se ressarcir dos prejuízos, são aceitos todos os meios legais, inclusive testemunhas. Como se trata do dano nos produtos ou residências e demais locais, uma perícia será importante, mas o consumidor pode desde logo tirar fotos dos aparelhos estragados e dos danos causados, de preferência sempre com a capa de um jornal do dia junto do objeto fotografado para comprovar uma data. Se comprou um novo aparelho, deve guardar o anterior para a vistoria judicial. Se resolveu consertá-lo, antes de fazê-lo deve providenciar ao menos três orçamentos e guardá-los. Nesse caso, deve optar pelo de menor preço.
Lembro que é sempre bom ter em mãos a nota-fiscal do produto estragado, mas se o consumidor não a tiver isso não é impedimento para pedir a indenização porque não há lei que obrigue o consumidor a provar a propriedade do bem apresentando esse documento. Quanto ao valor dos bens estragados, eles serão estimados com base nos similares existentes no mercado e na quantia necessária para sua reposição.
Por fim, como cada caso tem sua peculiaridade, se o consumidor não conseguir resolver a questão extrajudicialmente junto da distribuidora, ele pode procurar um órgão de defesa do consumidor ou um advogado de sua confiança.
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