O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ADVERTE PROMOTOR DE JUSTIÇA
POR USO DE LINGUAGEM IMPRÓPRIA EM REDE DE E-MAILS: PODE?[1]
Segundo
a Assessoria de Comunicação Social
do Conselho Nacional do Ministério Público, em nota publicada no dia 03 de fevereiro de 2014, “o Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aplicou pena de advertência a promotor de Justiça do Ministério Público do Amapá (MP/AP) que utilizou linguagem imprópria e ofensiva em mensagem enviada à lista de e-mails dos membros da instituição. A decisão foi unânime e seguiu voto do relator do PAD 1354/2013-02, conselheiro Leonardo Carvalho. O e-mail considerado ofensivo pelo Plenário foi enviado em resposta a mensagem de despedida de membro, que deixava uma das coordenadorias do MP/AP. Segundo informações dos processo (sic), essa não foi a primeira vez que o promotor se manifestou de forma inadequada na rede de e-mails.” (o erro de concordância nominal consta do original).
do Conselho Nacional do Ministério Público, em nota publicada no dia 03 de fevereiro de 2014, “o Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aplicou pena de advertência a promotor de Justiça do Ministério Público do Amapá (MP/AP) que utilizou linguagem imprópria e ofensiva em mensagem enviada à lista de e-mails dos membros da instituição. A decisão foi unânime e seguiu voto do relator do PAD 1354/2013-02, conselheiro Leonardo Carvalho. O e-mail considerado ofensivo pelo Plenário foi enviado em resposta a mensagem de despedida de membro, que deixava uma das coordenadorias do MP/AP. Segundo informações dos processo (sic), essa não foi a primeira vez que o promotor se manifestou de forma inadequada na rede de e-mails.” (o erro de concordância nominal consta do original).
Como
se sabe o art. 130-A da Constituição (acrescentado pela Emenda Constitucional nº. 000.045/2004) criou em boa hora aliás (pois não
há Instituição ou Poder que não possa e deva ser controlada também externamente,
como a Polícia o é pelo Ministério Público – art. 129, VII e o Poder Judiciário
pelo Conselho Nacional de Justiça – art. 103-B, ambos da Carta Magna), o Conselho
Nacional do Ministério Público composto por quatorze membros nomeados pelo
Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do
Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo: o
Procurador-Geral da República, que o preside; quatro membros do Ministério
Público da União, assegurada a representação de cada uma de suas carreiras; três
membros do Ministério Público dos Estados; dois juízes, indicados um pelo
Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça; dois
advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; dois
cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela
Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
Conforme
a Constituição, compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o
controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do
cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe: zelar pela
autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir
atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; zelar
pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a
legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do
Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los,
revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas; receber
e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da
União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem
prejuízo da competência disciplinar e correcional da instituição, podendo
avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção, a
disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao
tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla
defesa; rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de
membros do Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um
ano e elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias
sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho.
Ademais,
o Conselho escolherá, em votação secreta, um Corregedor nacional, dentre os
membros do Ministério Público que o integram, vedada a recondução,
competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pela lei, as
seguintes: receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas
aos membros do Ministério Público e dos seus serviços auxiliares; exercer
funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral; requisitar e
designar membros do Ministério Público, delegando-lhes atribuições, e
requisitar servidores de órgãos do Ministério Público.
Eis,
portanto, as atribuições constitucionais do Conselho Nacional do Ministério
Público, órgão eminentemente e exclusivamente de controle externo da
Instituição. Controle externo, repita-se!
Em
sede de controle interno, o Ministério Público Estadual está sujeito às normas
da Lei nº. 8.625/93 e os seus arts. 16 a 18 cuidam da Corregedoria-Geral do
Ministério Público, órgão, como se sabe, responsável pelo controle interno da
Instituição.
Com
efeito, o Corregedor-Geral do Ministério Público será eleito pelo Colégio de
Procuradores, dentre os Procuradores de Justiça, para mandato de dois anos,
permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento. Segundo a lei, a
Corregedoria-Geral do Ministério Público é o órgão orientador e fiscalizador
das atividades funcionais e da conduta dos membros do Ministério Público,
incumbindo-lhe, dentre outras atribuições: realizar correições e inspeções;
realizar inspeções nas Procuradorias de Justiça, remetendo relatório reservado
ao Colégio de Procuradores de Justiça; propor ao Conselho Superior do
Ministério Público, na forma da Lei Orgânica, o não vitaliciamento de membro do
Ministério Público; fazer recomendações, sem caráter vinculativo, a órgão de
execução; instaurar, de ofício ou por provocação dos demais órgãos da
Administração Superior do Ministério Público, processo disciplinar contra
membro da instituição, presidindo-o e aplicando as sanções administrativas
cabíveis, na forma da Lei Orgânica; encaminhar ao Procurador-Geral de Justiça
os processos administrativos disciplinares que, na forma da Lei Orgânica,
incumba a este decidir; remeter aos demais órgãos da Administração Superior do
Ministério Público informações necessárias ao desempenho de suas atribuições e
apresentar ao Procurador-Geral de Justiça, na primeira quinzena de fevereiro, relatório
com dados estatísticos sobre as atividades das Procuradorias e Promotorias de
Justiça, relativas ao ano anterior.
Esta mesma Lei
Orgânica do Ministério Público Estadual dispõe, no art. 43, a respeito dos deveres
dos membros do Ministério Público, a saber: manter ilibada conduta pública e
particular; zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela
dignidade de suas funções; indicar os fundamentos jurídicos de seus
pronunciamentos processuais, elaborando relatório em sua manifestação final ou
recursal; obedecer aos prazos processuais; assistir aos atos judiciais, quando
obrigatória ou conveniente a sua presença; desempenhar, com zelo e presteza, as
suas funções; declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei; adotar, nos
limites de suas atribuições, as providências cabíveis em face da irregularidade
de que tenha conhecimento ou que ocorra nos serviços a seu cargo; tratar com
urbanidade as partes, testemunhas, funcionários e auxiliares da Justiça;
residir, se titular, na respectiva Comarca; prestar informações solicitadas
pelos órgãos da instituição; identificar-se em suas manifestações funcionais; atender
aos interessados, a qualquer momento, nos casos urgentes e acatar, no plano
administrativo, as decisões dos órgãos da Administração Superior do Ministério
Público.
Já o art. 44,
trata das vedações impostas aos membros do Ministério Público Estadual, in verbis: receber, a qualquer título e
sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; exercer
advocacia; exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como
cotista ou acionista; exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra
função pública, salvo uma de Magistério; exercer atividade político-partidária,
ressalvada a filiação e as exceções previstas em lei. Não constituem
acumulação, para os efeitos deste artigo, as atividades exercidas em organismos
estatais afetos à área de atuação do Ministério Público, em Centro de Estudo e
Aperfeiçoamento de Ministério Público, em entidades de representação de classe
e o exercício de cargos de confiança na sua administração e nos órgãos
auxiliares.
Pois bem.
Sem entrar no
mérito do conteúdo da nota pública acima transcrita (mesmo porque não foi
divulgado o conteúdo do respectivo e-mail, ou seja, em que teria constituído a
tal “linguagem imprópria e ofensiva em
mensagem enviada à lista de e-mails dos membros da instituição”), o certo é
que o episódio foi lamentável sob todos os aspectos, especialmente do ponto de
vista da liberdade de expressão e, principalmente, das atribuições
constitucionais do Conselho Nacional do Ministério Público e das atribuições
legais das Corregedorias Gerais dos Ministérios Públicos Estaduais.
Estamos sob a
égide de uma Constituição em que se preserva o Estado Democrático de Direito e
a liberdade de expressão. Aliás, o Ministro Celso de Mello, ao negar provimento
ao Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº. 705630 já teve a oportunidade
de, com absoluta lucidez e serenidade, afirmar que “no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se
intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por
mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra
da prática legítima de uma liberdade pública de extração eminentemente
constitucional” (...) O interesse social, que legitima o direito de
criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as
pessoas públicas. (...) O direito de crítica encontra suporte legitimador
no pluralismo político, que representa um dos fundamentos em que se apoia,
constitucionalmente, o próprio Estado Democrático de Direito”. (Grifo
nosso).
Ora, em um
Estado Democrático de Direito é preciso aprender a conviver com a liberdade de expressão
e com o contraditório. Se houver exageros que atinjam a honra, a imagem, a vida
privada e a intimidade alheias que se utilize (ainda que como ultima ratio) o Código Penal (arts.
138, 139 e 140 – calúnia, injúria e difamação), o Código Civil (arts. 11 a 21
do Código Civil) e a Constituição Federal (art. 5º., V e X - responsabilidade
civil e direito de resposta). Caso se prefira, que se procure, então, as
devidas providências ao órgão de controle interno da Instituição: a
Corregedoria, já que o Conselho Nacional do Ministério Público tem outras e
importantes atribuições constitucionais.
Neste
sentido, por ocasião do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº. 130, relatada pelo então Ministro Carlos Ayres Britto, “ressaltou-se que o livre exercício das
liberdades de pensamento, criação, expressão e informação pressupõe a
observância às garantias fundamentais da vedação ao anonimato, do direito da
resposta, do direito à indenização por danos materiais ou morais, à intimidade,
à vida privada, à honra, à imagem das pessoas; o livre exercício
de qualquer trabalho, ofício ou profissão, bem como o direito ao resguardo
do sigilo da fonte de informação”.
A
propósito, anota Gilberto Haddad Jabur que o “direito à informação verdadeira, ou liberdade de informação ativa, por
intermédio de qualquer meio de difusão, é condição para o saudável e legítimo
exercício da liberdade de pensamento, viga mestra dos registros democráticos. O
direito de receber informação autêntica depende não só do propósito de quem a
presta, mas também dos meios que a divulgam. É direito-pressuposto para o
correto encadeamento de ideias, fase do processo de formação de opinião. A
correta difusão do pensamento (liberdade de expressão por qualquer veículo), a
adequada formação da consciência ou crença, dependem do conteúdo fidedigno da
informação, neste ou naquele terreno. Derivam, assim, da preliminar e isenta
apreensão dos fatos em torno dos quais se formam, desenvolvem-se e manifestam-se.
(...) O direito à informação verdadeira é, em suma, o germe da correta e livre
formação do pensamento e suas ramificações”[2]
Não
esqueçamos, na lição de Eros Roberto Grau, que “o intérprete discerne o
sentido do texto a partir e em virtude de um determinado caso dado; a
interpretação do direito consiste em concretar a lei em cada caso, isto é, na
sua aplicação [Gadamer]”.[3]
Aliás, a
liberdade de expressão, acaso reprimida, afetaria também e por conseguinte a
liberdade da imprensa, se levarmos em consideração, como Edilsom Farias, que “o
direito fundamental de informar, aspecto ativo da liberdade de comunicação,
está amparado no inciso IX do art. 5° da Constituição. A liberdade de
comunicação social consiste em uma garantia institucional conferida aos meios
de comunicação de massa para fazerem circular, por toda a coletividade, os
pensamentos, as ideias, as opiniões, as crenças, os juízos de valor, os fatos,
as informações e as notícias de interesse social”.[4]
É
preciso atentar, outrossim, agora com o “auxílio luxuoso” de Eugenio Raul
Zaffaroni (e mutatis mutandis), que “es imposible
una teoría jurídica destinada a ser aplicada por los operadores judiciales en
sus decisiones, sin tener en cuenta lo que pasa en las relaciones reales entre
las personas. No se trata de una empresa posible aunque objetable, sino de un
emprendimiento tan imposible como hacer medicina sin incorporar los datos
fisiológicos (...) Del mismo modo, cuando se pretende construir el derecho penal
sin tener en cuenta el comportamiento real de las personas, sus motivaciones,
sus relaciones de poder, etc., como ello es imposible, el resultado no es un
derecho penal privado de datos sociales, sino construido sobre datos sociales
falsos.”[5]
O Ministro Celso
de Mello deferiu medida liminar na Reclamação nº. 15243, nos seguintes termos:
“o STF pôs em destaque, de maneira muito expressiva, uma das mais relevantes
franquias constitucionais: a liberdade de manifestação do pensamento, que
representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de Estado
democrático de direito. A decisão ressalta que a Declaração de Chapultepec,
adotada em março de 1994 pela Conferência Hemisférica sobre Liberdade de
Expressão, consolidou princípios essenciais ao regime democrático e que devem
ser permanentemente observados e respeitados pelo Estado e por suas autoridades
e agentes, inclusive por magistrados e Tribunais judiciários. (...) Nada mais
nocivo, nada mais perigoso do que a pretensão do Estado de regular a liberdade
de expressão (ou de ilegitimamente interferir em seu exercício), pois o
pensamento há de ser livre – permanentemente livre, essencialmente livre,
sempre livre. (...) No contexto de uma sociedade democrática, portanto, é intolerável
a repressão estatal ao pensamento. Nenhuma autoridade, mesmo a autoridade
judiciária, pode estabelecer padrões de conduta cuja observância implique
restrição aos meios de divulgação do pensamento”.
O
mesmo Ministro, agora no julgamento do Agravo de Instrumento nº. 690841, afirmou que a “manifestação do pensamento, tem conteúdo abrangente, por compreender,
dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes: o direito de
informar, o direito de buscar a informação, o direito de opinar e o direito de
criticar. O Supremo Tribunal Federal
tem destacado, de modo singular, em seu magistério jurisprudencial, a
necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação,
resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana,
verdadeira ‘garantia institucional da opinião pública’ (Vidal Serrano Nunes
Júnior), por tratar-se de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos
suportes axiológicos que conferem legitimação material ao próprio regime
democrático. Não induz responsabilidade civil a publicação de matéria
jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico
ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa,
ainda mais se a pessoa, a quem tais observações forem dirigidas, ostentar a
condição de figura notória ou pública, investida, ou não, de autoridade
governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como
verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender”.
Como
ensina Paulo Bonavides[6],
“protegendo pois
a liberdade , ou
seja, amparando os direitos fundamentais , o princípio
da proporcionalidade entende principalmente ,
como disse Zimmerli, com o problema
da limitação do poder
legitimo, devendo fornecer o critério
das limitações à liberdade
individual . Com relação ao princípio da proporcionalidade, Lerche assevera que sua eficácia só se nega para aquelas normas que não limitam direitos
fundamentais , senão
os aperfeiçoam ou simplesmente
lhes desenham já
existentes e com isto
os elucidam.”
A 9ª. Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul “confirmou” sentença de 1º Grau e negou
provimento a ação de indenização por danos morais. O relator do processo,
Desembargador Adão do Nascimento Cassiano, salientou que “a liberdade de
expressão é instrumento do Estado Democrático de Direito.” (Processo nº
70006554992).
Apenas para relembrar aquele
antigo caso de Gilberto Gil e uma
suposta apologia ao uso de maconha, o então Procurador-Geral da
República, Claudio Fonteles, mandou arquivar a representação formulada pela ONG
Mensagem Subliminar contra o também então Ministro da Cultura Gilberto Gil. A
ONG acusou o’ ministro de fazer apologia ao uso da maconha no videoclipe da
música "Kaya N'Gan Daya" e nas capas do CD e DVD de mesmo
título. A intenção da ONG era suspender a venda do CD e barrar a exibição do
clipe da música em emissoras de televisão. A ONG Mensagem Subliminar afirmou
ter constatado "imagens consideradas subliminares - e outras explícitas -
de apologia ao uso de drogas" no videoclipe. De acordo com a ONG,
"a palavra Kaya, na linguagem Rastafari, a mesma utilizada por Bob Marley,
significa maconha.” (Processo nº. 1.00.000.003194/2004-81).
Apesar de longo, irei
transcrever um trecho de um artigo de Sérgio
Niemeyer, bem a propósito dos direitos individuais frente ao Estado, leia-se, in casu, o Conselho Nacional do
Ministério Público:
“A Constituição
traça os contornos do Estado, delimitando seus poderes. Essa delimitação só tem
sentido de ser se for oposta em face de outrem. Então, qual o contraforte que
delimita os poderes do Estado? Posta de outra forma a questão, em benefício de
quem se estabelecem limites para a atuação do Estado?A resposta a essas
indagações exige que se tome em consideração que o Estado representa a
coletividade, o interesse público, a sociedade e que sempre age por meio de
suas instituições, isto é, nunca será um sujeito a agir, assim como não é o
juiz, mas a Justiça, não o policial, mas a Polícia, tanto que a própria
Constituição reconhece que a responsabilidade do Estado por atos de seus
agentes é do tipo objetiva, ou seja, toda pretensão indenizatória dirige-se
contra o Estado e não contra o agente público que tenha praticado o ato
lesivo.Assente que o Estado age por suas instituições e o que legitima sua
ação, até mesmo sua existência, é invariavelmente o interesse da coletividade,
da sociedade, o interesse público, deflui que a delimitação de seus poderes,
I>rectius: dos poderes conferidos a seus agentes, imposta pela Constituição,
visa à proteção dos indivíduos.Por essa razão, não tem sentido falar em
aplicação do princípio da proporcionalidade para a incidência dos direitos
fundamentais do indivíduo quando o conflito de interesses emerge entre a pessoa
individual e o Estado, aí compreendidos os interesses da coletividade, o
interesse público, personificados no Estado ou cujo exercício seja atribuído ao
Estado. Pensar diversamente significa aniquilar os direitos fundamentais,
negar-lhes o escopo, retirar deles a sua função, pois sempre será possível
superar a limitação oposta pela Constituição Federal aos poderes do Estado sob
a alegação de que os direitos da coletividade ou o interesse público devem
prevalecer sobre os do indivíduo.Nem sempre é assim. Nos casos em que a
Constituição Federal enalteceu certos direitos individuais, só a própria
Constituição pode erigir regra exceptiva estabelecendo quando e como o direito
fundamental nela outorgado ao indivíduo pode ser afastado para prevalecer o
exercício das funções do Estado, por exemplo, a insurgência do Estado contra o
indivíduo.Essa ordem das coisas atende a uma emanação racional, consistente no
reconhecimento de que o poder opressor do Estado contra o indivíduo é
irresistível. Daí a necessidade de se criarem mecanismos de freios e contrapesos
(checks
and balances) para que o indivíduo não seja injusta ou tiranicamente
oprimido pelo Estado, assegurando destarte a plenitude da democracia e evitar
seu desvirtuamento ou sua degeneração em uma forma de governo encastelado numa
ditadura da maioria, ou uma ditadura do Estado.Por isso que a relativização dos
direitos individuais fora das hipóteses expressamente previstas na Constituição
Federal constitui odiosa supressão desses direitos ao indivíduo, que fica
exposto ao desabrigo, absolutamente inerme no confronto com o desmedido poder
de opressão que pode exercer o Estado, tornado inelutável.Infere-se, o
princípio da proporcionalidade só encontra campo fértil para sua aplicação
quando há colidência de direitos fundamentais entre dois indivíduos. Equivocam-se
os que entendem não pode haver colisão de direitos fundamentais. A solução do
conflito que emerge entre dois indivíduos, fundado na oposição de direitos
fundamentais do mesmo quilate, só será possível com a intervenção do princípio
da proporcionalidade, cujo escopo é estabelecer critérios capazes de determinar
sob que circunstâncias um direito fundamental deve preponderar sobre outro, uma
vez que abeberam na mesma fonte, a Constituição Federal.Somente nestes casos é
que se deve recorrer e admitir a incidência do princípio da proporcionalidade.
Nunca quando o conflito ocorre entre o indivíduo e o Estado, opondo um ao
outro, pois foi exatamente para estas hipóteses que a Constituição Federal
erigiu em favor do primeiro e desfavor do segundo os direitos fundamentais, de
modo que o Estado não pode insurgir-se contra o indivíduo violando os limites
estabelecidos pelos direitos fundamentais. Pretender o seu afastamento para
legitimar a insurgência estatal implica aniquilar a função desses mesmos preceitos
mores.O direito é uma manifestação cultural. É elaborado pelo homem e para o
homem. Tal como toda construção humana, é racional. Rememore-se que o
dever-ser, a consequência que integra toda fórmula jurídica, constitui uma
atribuição feita pelo homem. Ou seja, a lei jurídica, diferentemente da lei
natural, não estabelece uma relação de causalidade naturalística que sempre
ocorrerá independentemente da vontade humana, mas sim uma relação de causa e
efeito racional por atribuição política, em que o efeito decorre de uma escolha
do homem.Seguindo a concepção de Miguel Reale, é a confirmação da estrutura
tridimensional a envolver o fato, o valor e a norma numa situação de imanência
jurídica. O fato é apanhado pelo legislador no mundo empírico, valorado e, conforme
a importância que se lhe comete, ligado a uma dada consequência jurídica.A
norma legal também pode ser compreendida como o resultado de uma composição
política prévia dos interesses potencialmente conflituosos que visa tutelar. E
nisso não está presente apenas o gérmen, mas a racionalidade do homem em todo o
seu resplendor. Portanto, todo direito é humano, e mais, todo direito é
razoável. A aplicação da norma passa a ser exclusivamente uma questão
subjetiva, subordinada às circunstâncias históricas do aplicador, suas
ideologias, seus recalques, suas fraquezas, etc., negando o escopo mor da
igualdade perante a lei que informa a qualificação da norma jurídica como sendo
geral e abstrata.O direito não tem uma mera aspiração em ser razoável e lógico,
tem a necessidade de sê-lo, pois a lei, embora não reflita uma relação
naturalística de causa e efeito, em tudo, na sua aplicação, segue os mesmos
passos da lei natural: dado determinado fato, deve ser a consequência jurídica
nela prevista por atribuição racional do homem.Aí insígnia proeminente da norma
a demonstrar possuir ela uma fórmula verdadeiramente algébrica, aplicável a
todo elemento concreto pertencente ao domínio de suas variáveis. E nem se diga
que o direito não pode seguir uma lógica formal rígida, tal como as ciências
exatas. Quem isso afirma demonstra que ou não conhece lógica (esse fabuloso
instrumento da razão — que por sua vez é uma operação da inteligência, por isso
que não é natural), ou não conhece matemática, ou não conhece o direito, ou não
conhece nada disso. O que o direito tem em comum com a matemática é
precisamente a lógica de suas fórmulas atributivas e o fato de que ambos são
criações do homem, fruto do seu engenho.(...) Os direitos fundamentais
erigem-se em favor do indivíduo para estabelecer os limites de atuação daquele
em face deste. A autoridade pública não pode vulnerar os direitos e garantias
individuais fixados pela Constituição. Ao revés, deve respeitá-los se pretende
ter legitimidade para fazer valer a própria ordem pública.A norma jurídica
quando é concebida, via de regra incide sobre uma pluralidade de situações que
subsomem-se na descrição do fato tutelado. Mas não só os fatos contemporâneos à
norma são por ela regidos. Também aqueles que, embora não tenham sido eles
mesmos objeto de cogitação ao tempo da nomogênese, por sua natureza e
similitude entram na moldura do preceito pela porta da generalidade e da
abstração. Em outras palavras, é exatamente porque a norma jurídica sói ser
geral e abstrata que possui o condão de se projetar no tempo para abarcar sob
sua égide fatos que pertencem ao mesmo gênero do que disciplina.Eis aí a
genialidade do direito como máxima expressão do engenho humano. A razão do
homem em movimento para criar a norma de conduta capaz de reger tanto as
situações jurídicas conhecidas, valoradas no momento em que a norma é
concebida, como também aquelas situações jurídicas reveladas com o evolver do
conhecimento humano, da tecnologia, das relações intersubjetivas.O lavor
desenvolvido para encontrar a melhor solução também não pode prescindir do
espírito que orienta a criação dos direitos fundamentais, da função que devem
desempenhar numa democracia: a conformação de mecanismos de defesa do indivíduo
contra o poder institucional opressivo do Estado.Nessa perspectiva, anota J. J.
Canotilho, os direitos fundamentais cumprem uma função de defesa sob dupla
perspectiva: 1) no plano jurídico-objetivo, compreendem normas de competência
negativa para os entes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências
deles na esfera jurídica individual posta sob proteção especial; 2) sob a ótica
jurídico-subjetiva, implicam o poder do indivíduo em exercer positivamente
direitos fundamentais e de exigir omissões do poder público, a fim de evitar
vulnerações lesivas por parte dele na esfera jurídica individual.” Fonte: Revista
Consultor Jurídico, 6 de julho de 2006.
E nem se alegue que foi usado e-mail
institucional. A propósito (uso de
e-mail corporativo), veja-se a lição de Marcelo Oliveira Rocha:
“Com a descoberta da internet, as relações no ambiente de trabalho vêm
sofrendo grandes modificações, ora positivas, ora negativas. Nunca se falou
tanto da possibilidade do empregador monitorar os e-mails recebidos e enviados
pelos seus empregados para impedir o uso indevido durante o horário de
trabalho. Decorre daí a pergunta inevitável: o e-mail usado em ambiente
profissional é revestido das garantias de sigilo e inviolabilidade, inclusive
perante o empregador que fornece e promove o uso e o acesso ao e-mail? Em que
pese a Constituição Federal brasileira de 1988, garantir a inviolabilidade de
correspondência e o sigilo de dados, com efeito, o direito brasileiro ainda é
escasso para alcançar uma resposta pacífica e certa para esta questão. Por
isso, busca-se socorro no direito comparado. Antes de se analisar o monitoramento dos e-mails e suas implicações
jurídicas no direito alienígena, importa apresentar conceitos de monitoramento,
como se dá aplicação desse recurso, se é legalmente permitido e quais os
limites jurídica e socialmente plausíveis. Monitoramento eletrônico consiste na
vigilância das atividades on-line dos empregados e é feito através de programas
que compilam os dados baseados nas páginas visitadas, tempo gasto em cada
página, número de mensagens eletrônicas e seus tamanhos, conteúdo das mensagens
e anexos e tempo total gasto em atividades eletrônicas. O que se
discute, é a legalidade ou não deste monitoramento, com a dificuldade de que
inexiste legislação específica acerca da matéria. Com efeito, para justificar
legalmente tal monitoração, invoca-se que os empregadores são donos dos
computadores e seus programas, bem como das linhas telefônicas e demais meios
de comunicação e, ainda, que são os contratantes das provedoras, motivo pelo
qual têm o direito de regulamentar como os computadores, que são equipamento de
trabalho, devem ser utilizados, inclusive no que pertence à conexão na Internet
e envio e recebimento de e-mails (públicos e corporativos), para fins
estritamente direcionados ao trabalho, mesmo porque os trabalhadores têm
deveres de obediência, de fidelidade, de colaboração e de diligência, dentre
outros, na vigência da relação de emprego, decorrentes do caráter de
subordinação do empregado.Neste sentido, o correio eletrônico é concebido como
ferramenta de trabalho dada pelo empregador ao empregado para realização do
trabalho, e sobre ele incide o poder de direção do empregador e
conseqüentemente o direito do mesmo fiscalizar seu uso pelo funcionário. Os
endereços eletrônicos gratuitos e ou particulares, desde que acessados no local
de trabalho, enquadram-se, em tese, no mesmo caso.Entretanto, deve-se analisar
com bastante cuidado a conveniência de acesso à internet pelos funcionários no
local de trabalho e, enquanto não há legislação específica, é de bom alvitre
que se adote regulamentação interna, de forma bilateral, ou, ainda, que seja
regida a questão em contrato ou norma coletiva.O monitoramento de e-mails pelas
empresas existe e estão sendo utilizados cada vez mais. Isso é ponto pacífico.
Portanto, a solução seria, não a sua proibição, mas a regulamentação de sua
aplicação para que princípios jurídicos não sejam simplesmente ignorados. A
questão passa a ser, então, quais seriam os limites da vigilância no trabalho.
A principal questão que emerge diz respeito aos exageros no afã de controlar o
uso deturpado da internet no ambiente de trabalho.No direito brasileiro, até a
presente data, não se tem consolidação legal tratando do tema. Para piorar a
situação, juristas empresários e empregados possuem visões diversas sobre o
assunto, dificultando ainda mais soluções pacíficas. Daí a importância da
análise e busca de informações e exemplos no direito comparado.Tratando-se,
especificamente, de regulamentações sobre monitoramento de e-mails no direito
comparado, constata-se que nos Estados Unidos, uma pesquisa realizada pela Society of Financial Service, em
1999, apontou que 44% dos funcionários entrevistados declararam que o
monitoramento no local de trabalho representa uma séria violação ética. A
referida pesquisa de opinião também revelou que somente 39% dos patrões
entrevistados reconheceram que o monitoramento dos e-mails é seriamente
antiético. Pesquisa similar feita pela American Management Association revelou
que aproximadamente 67% das companhias dos Estados Unidos monitoram
eletronicamente seus funcionários de alguma forma.Em virtude dos atos
terroristas praticados em setembro de 2001, o Congresso Americano discutiu, em
caráter de urgência, o projeto de lei denominado Mobilization Against Terrorism Act, que, dentre outras medidas,
amplia o poder das autoridades americanas quanto à fiscalização e a vigilância
sobre as informações que trafegarem pela Internet ou por qualquer outro meio de
comunicação, sobre a justificativa do combate ao terrorismo e a manutenção da
segurança nacional. Na Inglaterra, uma lei aprovada pelo parlamento inglês, que
autoriza o monitoramento de e-mails e telefonemas por empregadores, a partir de
24 de outubro de 2000, gerou muita polêmica. Para os grupos de defesa de
privacidade, a lei conhecida como RIP (Regulation
of Investigatory Powers) estaria violando diretamente a lei de Direitos
Humanos (Human Rights Act).
Outros países, como a Holanda, Rússia e África do Sul, também discutem o
direito de se monitorar e-mail. O ordenamento jurídico brasileiro, em tese,
proíbe o monitoramento de correios eletrônicos, excetuando-se os casos de
prévia ciência do empregado e de ordem judicial. Dessa forma, as empresas
brasileiras que quiserem interceptar comunicações terão que comunicar
previamente aos funcionários, sob pena de serem processados com base na
privacidade assegurada ao indivíduo. Nos termos do inciso X, do artigo 5º da
Constituição Federal de 1988, assegura-se à intimidade e a vida privada como
direitos fundamentais, sob pena de o infrator ser indenizado pelo dano moral
praticado. Não obstante a todas estas considerações, há aqueles que, ainda
assim, não vislumbram como caso de invasão de privacidade o monitoramento de
e-mails, eis que não se trata de algo privativo do empregado e sim do
empresário. Neste sentido, defendem a propriedade privada do e-mail enquanto
instrumento de trabalho de propriedade do empresário.Para fundamentar este
entendimento, na ausência de legislação específica, existe uma série de normas
nacionais e internacionais que dão proteção à inviolabilidade do correio e que
podem ser aplicadas ao caso em tela. Nos Estados Unidos, a Constituição não
contém disposição expressa que proteja este direito. No entanto, a partir da IV
e V emendas tem sido desenvolvido este direito tanto pela doutrina quanto pela
jurisprudência. Uma das normas mais importantes quanto à proteção da
correspondência na internet é a ECPA (Lei de Privacidade das Comunicações
Eletrônicas), segundo a sigla em inglês, que protege todas as formas de
comunicação eletrônica, incluindo a comunicação telefônica de voz e as
comunicações digitais de computador como o correio eletrônico e das mensagens
armazenadas em boletins eletrônicos.Na América Latina, a Constituição Política
equatoriana, aprovada em 1998, reconhece o direito à inviolabilidade da
correspondência em seu artigo 23 e item 13. Da mesma forma, a Constituição do
Chile de 1980 reza em seu artigo 19 e item 5 que: “a Constituição assegura a
todas as pessoas: a inviolabilidade de violar de toda a forma de comunicação
privada. A violação só poderá ser feita nas comunicações e documentos privados
interceptando-se, abrindo-se nos caso e formas determinados pela lei”.Na
Colômbia não foi diferente, eis que o artigo 15 da Constituição colombiana,
promulgada em 1991 dispõe que “a correspondência e demais formas de comunicação
privada são invioláveis. Só podem ser interceptadas ou registradas mediante
ordem judicial, e nos casos e com as formalidades estabelecidas em lei”. Por
seu turno, a Constituição Política do Peru vigente a partir de 1993 consagra o
direito à inviolabilidade da correspondência no artigo 10: “o segredo e a
inviolabilidade de suas comunicações e documentos privados. As comunicações,
telecomunicações e seus instrumentos só podem ser abertos, incautos,
interceptados ou sofrerem intervenção através de ordem judicial motivada do
juiz, com as garantias previstas em lei”.Por fim, a atualíssima Constituição da
República Boliviana da Venezuela de 1999 refere-se concreta e especificamente
em seu artigo 48 sobre o segredo das correspondências dispondo que “será
garantido o direito ao segredo e inviolabilidade das comunicações privadas em
todas as suas formas. Não poderão ser interferidas sem ordem de um tribunal
competente, com o cumprimento das disposições legais e preservando-se o segredo
privado que não guarde relação com o correspondente processo”.Com a exposição
desses exemplos convenções e textos constitucionais, constata-se que o direito
à privacidade, no que concerne ao envio de correspondência, é regra comum na
grande maioria dos países e, por essas razões, não pode ser ignorado.A par
disso, é imprescindível que as interpretações das normas sejam maleáveis, tendo
em vista que o direito nem sempre consegue acompanhar a evolução das relações
sociais, principalmente com as ímpares inovações trazidas pela comunicação
eletrônica. Neste sentido, entende-se que é tarefa do profissional do direito
requer a construção de arcabouços jurídicos que permitam a utilização de
preceitos velhos sem que os mesmos sirvam de instrumentos para a legitimação de
situações de injustiça e violação de direitos dos cidadãos. De outro lado, não
se pode ignorá-los, pois, na maioria das vezes, secularizam princípios
arduamente conquistados, cuja violação redundaria em desastrosos efeitos e
injustiças.A análise da legislação alienígena serviu para formar convencimento
no sentido da mensuração das dificuldades enfrentadas e que os problemas
emergentes das relações de trabalho na era informatizada não são exclusivos da
realidade brasileira. A observação de como os outros países estão resolvendo os
problemas pertinentes a monitoração de e-mails, serve de fortes subsídios para
a elaboração de proposta de diretrizes e conseqüente legislação específica do
tema, sem, no entanto, “copiar” leis alienígenas, que nem sempre condizem com
as relações e cultura peculiares do povo brasileiro.Dessa forma, é possível a
utilização justa do correio eletrônico e ao mesmo tempo legitimar procedimentos
lícitos praticados por empresários, porque além da garantia constitucional do
direito à privacidade, existe a necessidade mundial de uma regulamentação
específica voltada ao monitoramento de e-mails.” 29 de agosto de 2005 (© Copyright Última
Instância).
Também a propósito (uso de e-mail
corporativo), Tânia Nigri, advogada
e mestre em Direito Econômico pela UGF/RJ, em artigo publicado no site jurídico
www.migalhas.com.br e acessado no dia 20 de maio de 2005, afirmou com absoluta correção:
“O ponto nevrálgico da questão consiste em
aquilatar, com precisão, o que possa ser considerada uma comunicação de
natureza meramente particular e o que ostente caráter corporativo, o que, em
alguns casos, pode se demonstrar bastante difícil. As empresas, visando um
aumento da produtividade, disponibilizam a seus empregados o e-mail
corporativo, o qual permite que eles se identifiquem, internamente e nas suas
relações profissionais com outras empresas, como funcionário de determinada
companhia. É fato, porém, que vários deles, em grave desacordo com suas funções
laborais, utilizam o correio eletrônico com finalidades diversas daquelas
pretendidas pelo empregador, o que tem gerado diversos embates entre ambos e
que, ao menos em tese, somente uma monitoração poderia resolver. Não se
pretende nestas breves notas rejeitar a necessidade de algum tipo de controle
dos e-mails que carregam o nome de domínio pertencente à empresa, mas não se
pode dar ao caso uma interpretação simplista, já que o tema envolve outros direitos,
preponderantes sobre aqueles consagrados pelo TST em sua recente decisão.
Constitui-se em tarefa bastante difícil e sujeita a equívocos delimitar, com
certa margem de certeza, o conteúdo e a dimensão do direito à intimidade. É
certo que nem todos os fatos da vida privada estão a salvo da intrusão alheia e
que aquilo que deve ser protegido não pode ficar ao alvitre do subjetivismo de
cada um, mas parece óbvio que constitui grave malferimento a esse direito
fundamental a constante vigilância da empresa sobre as comunicações realizadas
por seus funcionários, sem que se saiba, exatamente, o que se procura.
Entendemos que nos tempos atuais, em que são freqüentes os casos de fraudes
eletrônicas, de sabotagem, de espionagem industrial, das práticas de concorrência
desleal, etc., as companhias precisam estar dotadas de meios que as levem ao
conhecimento do conteúdo das comunicações daqueles funcionários sobre os quais
recaia algum tipo de suspeita. Isso não significa, entretanto, que se possa
ler, indiscriminadamente, todo o conteúdo dos e-mails enviados pelos
funcionários da companhia, sem que haja um critério sério a seguir. Solução
mais apropriada para o caso consistiria na adoção, pelas companhias, de sistema
de monitoramento dos e-mails corporativos através de palavras-chave, remetente
ou destinatário, buscando-se, assim, detectar e-mails de conteúdo sexual,
imoral, jocoso, ou sob qualquer forma prejudicial à empresa. Sabemos que há no
mercado diversos softwares específicos para tal finalidade que filtram eletronicamente
os e-mails, dispensando, assim, o olho humano na seleção das mensagens,
podendo, dessa forma, rejeitar ou interceptar correios de tamanho, formato ou
anexos suspeitos ou enviá-los para o conhecimento do presidente da companhia,
caso desejem. Nesses casos, salvo melhor juízo, o empregador saberá exatamente
o que procura, evitando, assim, que se viole, deliberadamente, a intimidade de
seus funcionários, lendo, indiscriminadamente todos os e-mails daqueles que lhe
prestam serviço. É importante lembrar, que o direito à intimidade, à
inviolabilidade dos dados e de correspondência estão asseguradas pela Carta
Cidadã de 1988, envolvendo segundo a melhor hermenêutica, os demais meios de
comunicação, como a eletrônica mediante e-mail. O resguardo da esfera da
intimidade é indispensável ao desenvolvimento da personalidade e da identidade,
sendo verdadeiro desdobramento dos direitos à liberdade e da dignidade da
pessoa humana, inserida no artigo 5º, caput e § 1º, inciso III, da Lei Maior.
Acaso se franqueie a violação sem critério de tal direito, afrontada estaria a
liberdade do cidadão, além do risco de torná-lo refém do violador. Observamos,
entretanto, que tal proteção constitucional tem sido olvidada diuturnamente
pelas companhias e quase sempre ignoradas pelos juristas e pelo Poder
Judiciário, que com o novo precedente, com certeza, abrirá perigosa fresta no
direito fundamental dos cidadãos brasileiros.
Pois
é Conselheiros, é preciso ter serenidade, ainda mais se tratando de alguém que
compõe um órgão de controle externo da atividade ministerial. Este foi um
péssimo exemplo dado por um órgão público aos cidadãos brasileiros. Uma
lástima!
E
para ser repetitivo, sei que não se conclui um texto acadêmico com citações,
mas eu nem sei as regras da ABNT (nem me interessam, nem interessavam a Calmon
de Passos). Portanto, aí vão:
“Na verdade a avalanche de pitos, reprimendas
e agressões só me estimulam a combatividade” (Caetano Veloso - Jornal A
Tarde, 13/10/2013, p. B9).
“Os idealistas são tratados como cupins nas
instituições: todos tentam matá-los, com veneno, mas eles não morrem, ao
contrário, se organizam, olham um para a cara do outro e dizem: vamos roer! Um
dia o todo
poderoso senta na sua cadeira e cai porque a pata da cadeira está
roída”. (Calmon de Passos - Congresso de Advogados, em 1992, em Porto
Alegre).
poderoso senta na sua cadeira e cai porque a pata da cadeira está
roída”. (Calmon de Passos - Congresso de Advogados, em 1992, em Porto
Alegre).
[1]
Rômulo de Andrade Moreira é Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos
Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e
Coordenador do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias
Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito
Processual Penal da Universidade
Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em
Direito Processual Penal e Penal e Direito
Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade
de Salamanca/Espanha (Direito Processual
Penal ). Especialista
em Processo pela Universidade
Salvador - UNIFACS (Curso então
coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos ). Membro da Association Internationale de Droit
Penal , da Associação
Brasileira de Professores
de Ciências Penais,
do Instituto Brasileiro
de Direito Processual e Membro fundador
do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função
de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por
quatro vezes , de bancas
examinadoras de concurso público
para ingresso
na carreira do Ministério
Público do Estado
da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm
(BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Autor das obras “Curso Temático de Direito
Processual Penal” e “Comentários à Lei Maria da Penha” (em coautoria com Issac
Guimarães), ambas editadas pela Editora Juruá, 2010 (Curitiba); “A Prisão
Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas Cautelares” (2011),
“Juizados Especiais Criminais – O Procedimento Sumaríssimo” (2013) e “A Nova
Lei de Organização Criminosa”, publicadas pela Editora LexMagister, (Porto
Alegre), além de coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito
Processual Penal” (Editora JusPodivm, 2008). Participante em várias obras
coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.
[2] Liberdade de Pensamento e
Direito à Vida Privada, São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2000, pp. 165 e 172.
[3]
Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do
Direito, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 32.
[4] Liberdade de Expressão e Comunicação: teoria e
proteção constitucional cit.,
p. 282.
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