Como seriam nossas relações com uma máquina que fosse capaz de crescer, evoluir, aprender igual a um ser humano? E essa máquina, que talvez se tornasse autônoma, como ela se relacionaria conosco?
Uso uma distinção famosa, entre apocalípticos e integrados, feita por Umberto Eco em 1965. Os apocalípticos achariam que, se as máquinas se tornassem autônomas, elas planejariam o fim da humanidade: numa revanche parricida contra seu criador, elas seriam exterminadoras do futuro.
Os integrados pensariam que máquinas autônomas serão nossos companheiros e companheiras ideais, numa nova era em que nunca nos faltarão amigos.
Não sou nem apocalíptico nem integrado. Mais próximo do "Blade Runner, O Caçador de Androides", de Ridley Scott, acho que os robôs quase humanos são igualmente inquietantes e adoráveis.
Enfim, estreia amanhã "Ela", de Spike Jonze. É a história de um escritor profissional de cartas de amor (Joaquin Phoenix), o qual se relaciona amorosamente com um sistema operacional, que lhe faz companhia, organiza sua vida, interessa-se realmente por ele e fala com a voz encantadora de Scarlett Johansson.
Assisti ao filme com uma amiga, e ambos o achamos maravilhoso e comovente. Para minha amiga (mais apocalíptica), a moral da história é que a tecnologia parece nos conectar, mas nos separa: o protagonista mal enxerga a amiga (real) que mora no apê ao lado (e que, aliás, também se apaixona por um sistema operacional).
Os argumentos de minha amiga se pareciam com os do último livro de Sherry Turkle, que foi apóstola das novas tecnologias e se tornou apocalíptica, "Alone Together" (juntos e sozinhos, Basic Books).
Há ideias de Turkle com as quais concordo. Primeiro, sua cruzada pedagógica para que a gente aprenda desde cedo a ficar sozinho: "Quem não aprende a ficar sozinho só saberá se sentir abandonado".
Ou, então, a ideia de que a tecnologia nos seduz porque responde a nossas fraquezas. Por exemplo, a gente não gosta de estar sozinho, mas tem medo da intimidade: a tecnologia nos dá a ilusão da companhia sem as exigências excessivas da amizade. Por isso, o sucesso dos amores virtuais, das paixões de chat, do sexo na webcam. Nessa direção, pensa Turkle, quem sabe um dia os robôs sejam os companheiros de nossos sonhos.
O problema com as considerações de Turkle é a suposição nostálgica de que, no passado, tudo estivesse melhor. Por exemplo, os amores virtuais seriam tristes substitutos dos amores reais.
Mas será mesmo que, até aqui, nós vivíamos extraordinários amores "reais"? Claro, a pele e o toque têm seu charme. Mas, fora isso, quem diz que as relações virtuais são menos complexas, menos autênticas e menos sinceras do que as reais? Explique isso ao protagonista de "Ela", que ganha a vida escrevendo cartas falsas para amores "reais". No gigantesco baile de máscaras das relações amorosas, é difícil fazer a diferença entre parceiros que se falam e parceiros que se teclam —e mesmo entre homens e máquinas.
A nostalgia apocalíptica leva Turkle (e muitos outros) a enxergar o mundo por um filtro de evidências enganosas. Olhe ao seu redor, no metrô: todo o mundo "textando" e ninguém se falando. Mas, meu amigo, no metrô ninguém nunca se falou, a não ser para pedir esmola ou para assaltar.
De onde vem a ideia de que seríamos hoje conectados e solitários, casados mais com nossos smartphones do que com a pessoa sentada na nossa frente? Pois é, ela vem da nostalgia dos apocalípticos.
A pesquisa diz diferente. O sociólogo Keith Hampton estuda há tempos a interação social nos espaços públicos (http://migre.me/hOAEd e, no "NYT"). Ele compara extensos registros filmados de lugares públicos dos EUA.
Qual é a grande mudança dos últimos 30 anos? É que há mais mulheres que se aventuram a circular sozinhas. E o smartphone? Pois é, nos espaços com wi-fi público, quase ninguém que esteja num grupo prefere se conectar a conversar —só aparecem manipulando seu "phone" os que estão sozinhos. E são poucos, 7%.
E eu, o que eu pensei saindo do cinema? Pensei que "Ela" é a história alegre e triste de um amor que dava certo ou não -como a maioria dos amores, que esbarram na nossa burrice neurótica. Nada prova que a amiga do apê ao lado seja uma companheira melhor do que o sistema operacional. As máquinas, em tese, deveriam ser menos neuróticas que a gente, embora, infelizmente, elas aprendam a ser humanas nos imitando.
Uso uma distinção famosa, entre apocalípticos e integrados, feita por Umberto Eco em 1965. Os apocalípticos achariam que, se as máquinas se tornassem autônomas, elas planejariam o fim da humanidade: numa revanche parricida contra seu criador, elas seriam exterminadoras do futuro.
Os integrados pensariam que máquinas autônomas serão nossos companheiros e companheiras ideais, numa nova era em que nunca nos faltarão amigos.
Não sou nem apocalíptico nem integrado. Mais próximo do "Blade Runner, O Caçador de Androides", de Ridley Scott, acho que os robôs quase humanos são igualmente inquietantes e adoráveis.
Enfim, estreia amanhã "Ela", de Spike Jonze. É a história de um escritor profissional de cartas de amor (Joaquin Phoenix), o qual se relaciona amorosamente com um sistema operacional, que lhe faz companhia, organiza sua vida, interessa-se realmente por ele e fala com a voz encantadora de Scarlett Johansson.
Assisti ao filme com uma amiga, e ambos o achamos maravilhoso e comovente. Para minha amiga (mais apocalíptica), a moral da história é que a tecnologia parece nos conectar, mas nos separa: o protagonista mal enxerga a amiga (real) que mora no apê ao lado (e que, aliás, também se apaixona por um sistema operacional).
Os argumentos de minha amiga se pareciam com os do último livro de Sherry Turkle, que foi apóstola das novas tecnologias e se tornou apocalíptica, "Alone Together" (juntos e sozinhos, Basic Books).
Há ideias de Turkle com as quais concordo. Primeiro, sua cruzada pedagógica para que a gente aprenda desde cedo a ficar sozinho: "Quem não aprende a ficar sozinho só saberá se sentir abandonado".
Ou, então, a ideia de que a tecnologia nos seduz porque responde a nossas fraquezas. Por exemplo, a gente não gosta de estar sozinho, mas tem medo da intimidade: a tecnologia nos dá a ilusão da companhia sem as exigências excessivas da amizade. Por isso, o sucesso dos amores virtuais, das paixões de chat, do sexo na webcam. Nessa direção, pensa Turkle, quem sabe um dia os robôs sejam os companheiros de nossos sonhos.
O problema com as considerações de Turkle é a suposição nostálgica de que, no passado, tudo estivesse melhor. Por exemplo, os amores virtuais seriam tristes substitutos dos amores reais.
Mas será mesmo que, até aqui, nós vivíamos extraordinários amores "reais"? Claro, a pele e o toque têm seu charme. Mas, fora isso, quem diz que as relações virtuais são menos complexas, menos autênticas e menos sinceras do que as reais? Explique isso ao protagonista de "Ela", que ganha a vida escrevendo cartas falsas para amores "reais". No gigantesco baile de máscaras das relações amorosas, é difícil fazer a diferença entre parceiros que se falam e parceiros que se teclam —e mesmo entre homens e máquinas.
A nostalgia apocalíptica leva Turkle (e muitos outros) a enxergar o mundo por um filtro de evidências enganosas. Olhe ao seu redor, no metrô: todo o mundo "textando" e ninguém se falando. Mas, meu amigo, no metrô ninguém nunca se falou, a não ser para pedir esmola ou para assaltar.
De onde vem a ideia de que seríamos hoje conectados e solitários, casados mais com nossos smartphones do que com a pessoa sentada na nossa frente? Pois é, ela vem da nostalgia dos apocalípticos.
A pesquisa diz diferente. O sociólogo Keith Hampton estuda há tempos a interação social nos espaços públicos (http://migre.me/hOAEd e, no "NYT"). Ele compara extensos registros filmados de lugares públicos dos EUA.
Qual é a grande mudança dos últimos 30 anos? É que há mais mulheres que se aventuram a circular sozinhas. E o smartphone? Pois é, nos espaços com wi-fi público, quase ninguém que esteja num grupo prefere se conectar a conversar —só aparecem manipulando seu "phone" os que estão sozinhos. E são poucos, 7%.
E eu, o que eu pensei saindo do cinema? Pensei que "Ela" é a história alegre e triste de um amor que dava certo ou não -como a maioria dos amores, que esbarram na nossa burrice neurótica. Nada prova que a amiga do apê ao lado seja uma companheira melhor do que o sistema operacional. As máquinas, em tese, deveriam ser menos neuróticas que a gente, embora, infelizmente, elas aprendam a ser humanas nos imitando.
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