“Talvez o
caminho seja mais árduo. A fantasia é sempre mais fácil e mais
cômoda. Com certeza é mais simples para os pais de um menino
drogado culpar o fantasma do traficante, que supostamente induziu seu
filho ao vício, do que perceber e tratar dos conflitos familiares
latentes que, mais provavelmente, motivaram o vício. Como,
certamente, é mais simples para a sociedade permitir a
desapropriação do conflito e transferi-lo para o Estado, esperando
a enganosamente salvadora intervenção do sistema penal.”2
Em reportagem
assinada pelo jornalista Filipe Coutinho, correspondente do Jornal A
Folha de São Paulo em Brasília, na edição do dia 29 de janeiro de
2014, noticiou-se que um
réu foi absolvido (por tráfico!) após um Juiz de Brasília
considerar a maconha uma droga "recreativa" e que não
poderia estar na lista de substâncias proibidas, utilizada como
referência na Lei de Drogas. Segundo a matéria jornalística, a
decisão, do Juiz de Direito, Dr. Frederico Ernesto Cardoso Maciel,
da 4ª. Vara de Entorpecentes de Brasília (logo, logo vai ser
removido, digo eu), foi tomada em outubro e o Ministério Público
recorreu (óbvio! – afinal de contas, incumbi-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis – art. art. 127, CF/88). Na sentença, o
juiz compara o uso da maconha com o cigarro e álcool (o que é foi
um erro gravíssimo, pois o cigarro e o álcool, comprovadamente, são
mais lesivos à saúde do homem), para concluir que há uma "cultura
atrasada" no Brasil. Escreveu o Magistrado: “soa
incoerente o fato de outras substâncias entorpecentes, como o álcool
e o tabaco, serem não só permitidas e vendidas, gerando milhões de
lucro para os empresários dos ramos, mas consumidas e adoradas pela
população, o que demonstra também que a proibição de outras
substâncias entorpecentes recreativas, como o THC, são fruto de uma
cultura atrasada e de política equivocada e violam o princípio da
igualdade, restringindo o direito de uma grande parte da população
de utilizar outras substâncias.”
(Aqui, certíssima a sua sentença).
Ele cita vários
exemplos que comprovariam o uso da maconha como droga recreativa e
medicinal, além do baixo potencial noviço. A sentença exemplifica
os casos do Uruguai, Califórnia e até a posição do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso (faltou citar Bill Clinton, Jimmy Carter e
outros ex-chefes de Estado como Colômbia, México e Suíça –
Conferir o documentário Quebrando Tabu).
O Juiz
sentenciante entendeu que não houve justificativa para a inclusão
do THC, substância da maconha, na lista proibida, pois como essa
lista restringe o direito das pessoas usarem substâncias, essa
inclusão deveria ser justificada. Segundo ele, “a
portaria 344/98, indubitavelmente um ato administrativo que restringe
direitos, carece de qualquer motivação por parte do Estado e não
justifica os motivos pelos quais incluem a restrição de uso e
comércio de várias substâncias, em especial algumas contidas na
lista F, como o THC, o que, de plano, demonstra a ilegalidade do ato
administrativo.”
Desde a
promulgação da nova Lei de Drogas, entendemos que a posse de droga
(e não somente a maconha) para uso próprio deixou de ser crime e
foi, portanto, descriminalizada, em razão do que dispõe o art. 1º.
da Lei de Introdução ao Código Penal. Ocorreu uma abolitio
criminis.
Com efeito, os
conceitos de crime e contravenção são dados pela Lei de Introdução
ao Código Penal que define crime como sendo “a
infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção,
quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de
multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina,
isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas,
alternativa ou cumulativamente.”
(art. 1o.
do Decreto-Lei n. 3.914/41).
Como se sabe,
há dois critérios utilizados pela doutrina e pelo Direito Positivo
para distinguir o crime da contravenção: critérios substanciais
(que, por sua vez, subdividem-se em conceituais, teleológicos e
éticos) e formais, como o nosso e o Código Francês.
O Código Penal
da Suíça, no art. 9º.. disciplina igualmente: “sont
réputées crimes les infractions passibles de la réclusion. Sont
réputées délits les infractions passibles de l´emprisonnement
comme peine la plus grave.”
Em França a
classificação é tripartida: crimes, delitos e contravenções
(art. 1º.). Evidentemente que mesmo os critérios formais
“pressupõem
naturalmente atrás deles critérios substanciais
de avaliação a que o legislador tenha atendido para efeitos de
ameaçar uma certa infracção com esta ou aquela pena”,
como anota o mestre português Eduardo Correia (Direito Criminal,
Coimbra: Almedina, 1971, p. 214).
Estas
definições, por se encontrarem na Lei de Introdução ao Código
Penal, evidentemente regem e são válidas para todo o sistema
jurídico–penal brasileiro, ou seja, do ponto de vista do nosso
Direito Positivo quando se quer saber o que seja crime ou
contravenção, deve-se ler o disposto no art. 1º. da Lei de
Introdução ao Código Penal.
O mestre
Hungria já se perguntava e ele próprio respondia: “Como
se pode, então, identificar o crime ou a contravenção, quando se
trate de ilícito penal encontradiço em legislação esparsa, isto
é, não contemplado no Código Penal (reservado aos crimes)
ou na Lei das Contravenções Penais? O critério prático adotado
pelo legislador brasileiro é o da “distinctio
delictorum ex poena”
(segundo o sistema dos direitos francês e italiano): a reclusão
e a detenção
são as penas privativas de liberdade correspondentes ao crime, e a
prisão
simples
a correspondente à contravenção, enquanto a pena de multa
não é jamais cominada isoladamente
ao crime.”
(Comentários
ao Código Penal, Vol. I, Tomo II, Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed.,
p. 39).
Por
sua vez, Tourinho Filho afirma: “Não
cremos, data
venia,
que o art. 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal seja uma lex
specialis.
Trata-se, no nosso entendimento, de regra elucidativa sobre o
critério adotado pelo sistema jurídico brasileiro e que tem sido
preferido pelas mais avançadas legislações.”
(Processo
Penal, Vol. 4, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed., p.p. 212-213).
Manoel
Carlos da Costa Leite também trilha na mesma linha, afirmando: “No
Direito brasileiro, as penas cominadas separam as duas espécies de
infração. Pena de reclusão ou detenção: crime. Pena de prisão
simples ou de multa ou ambas cumulativamente: contravenção.”
(Manual
das Contravenções Penais, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 03).
Eis
outro ensinamento doutrinário: “Como
é sabido, o Brasil adotou o sistema dicotômico de distinção das
infrações penais, ou seja, dividem-se elas em crimes e
contravenções penais. No Direito pátrio o método diferenciador
das duas categorias de infrações é o normativo e não o
ontológico, valendo dizer, não se questiona a essência da infração
ou a quantidade da sanção cominada, mas sim a espécie de punição.”
(Eduardo
Reale Ferrari e Christiano Jorge Santos, “As Infrações Penais
Previstas na Lei Pelé”, Boletim do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n. 109,
dezembro/2001).
Comentando
sobre a teoria do fato jurídico, o Professor Marcos Bernardes de
Mello, assevera que a “distinção
entre crime e contravenção penal, espécies do ilícito criminal, é
valorativa, em razão da importância e gravidade do fato delituoso.
Os fatos ilícitos de maior relevância são classificados como
crimes, reservando-se as contravenções para os casos menos graves.
Em decorrência disso, as penas mais enérgicas (reclusão e
detenção) são imputadas aos crimes, enquanto as mais leves (prisão
simples e multa) são atribuídas às contravenções.”
(Teoria do Fato Jurídico -Plano da Existência), São Paulo:
Saraiva, 10ª. ed., 2000, p. 222).
Desgraçadamente
o Supremo Tribunal Federal, no entanto, decidiu contrariamente,
entendendo ter havido apenas uma despenalização e não
descriminalização: “PRIMEIRA
TURMA -QUEST. ORD. EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 430.105-9 RIO DE
JANEIRO RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE. V O T O: (...)
O
SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): Parte da doutrina
tem sustentado que o art. 28 da L. 11.343/06 aboliu o caráter
criminoso da conduta anteriormente incriminada no art. 16 da L.
6.368/76, consistente em "adquirir, guardar ou trazer consigo,
para uso próprio, substância entorpecente ou que determine a
dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar". Dispõe o art. 28 da
L. 11.343/06, verbis: (...)
A
controvérsia foi bem exposta em artigo do Professores Luiz Flávio
Gomes e Rogério Cunha Sanches (GOMES, Luiz Flávio; SANCHES, Rogério
Cunha. Posse de drogas para consumo pessoal: crime, infração penal
"sui generis" ou infração administrativa? Disponível em:
http://www.lfg.com.br. 12 dez. 2006), do qual extrato, verbis:
"Continua acesa a polêmica sobre a natureza jurídica do art.
28 da Lei 11.343/2006 (nova lei de drogas), que prevê tão-somente
penas alternativas para o agente que tem a posse de drogas para
consumo pessoal. A questão debatida é a seguinte: nesse dispositivo
teria o legislador contemplado um crime, uma infração penal sui
generis ou uma infração administrativa? A celeuma ainda não chegou
a seu final. Os argumentos no sentido de que o art. 28 contempla um
crime são, basicamente, os seguintes: a) ele está inserido no
Capítulo III, do Título III, intitulado "Dos crimes e das
penas"; b) o art. 28, parágrafo 4°, fala em reincidência (nos
moldes do art. 63 do CP e 7° da LCP e é reincidente aquele que,
depois de condenado por crime, pratica nova infração penal); c) o
art. 30 da Lei 11.343/06 regulamenta a prescrição da posse de droga
para consumo pessoal. Apenas os crimes (e contravenções penais)
prescreveriam; d) o art. 28 deve ser processado e julgado nos termos
do procedimento sumaríssimo da lei dos juizados, próprio para
crimes de menor potencial ofensivo; e) cuida-se de crime com
astreintes (multa coativa, nos moldes do art. 461 do CPC) para o caso
de descumprimento das medidas impostas; f) a CF de 88 prevê, no seu
art. 5º, inc. XLVI, penas outras que não a de reclusão e detenção,
as quais podem ser substitutivas ou principais (esse é o caso do
art. 28). Para essa primeira corrente não teria havido
descriminalização, sim, somente uma despenalização moderada. Para
nós, ao contrário, houve descriminalização formal (acabou o
caráter criminoso do fato) e, ao mesmo tempo, despenalização
(evitou-se a pena de prisão para o usuário de droga). O fato (posse
de droga para consumo pessoal) deixou de ser crime (formalmente)
porque já não é punido com reclusão ou detenção (art. 1º da
LICP). Tampouco é uma infração administrativa (porque as sanções
cominadas devem ser aplicadas pelo juiz dos juizados criminais). Se
não se trata de um crime nem de uma contravenção penal (mesmo
porque não há cominação de qualquer pena de prisão), se não se
pode admitir tampouco uma infração administrativa, só resta
concluir que estamos diante de infração penal sui
generis.
Essa é a nossa posição, que se encontra ancorada nos seguintes
argumentos: a) a etiqueta dada ao Capítulo III, do Título III, da
Lei 11.343/2006 ("Dos crimes e das penas") não confere,
por si só, a natureza de crime (para o art. 28) porque o legislador,
sem nenhum apreço ao rigor técnico, já em outras oportunidades
chamou (e continua chamando) de crime aquilo que, na verdade, é mera
infração político-administrativa (Lei 1.079/1950, v.g., que cuida
dos "crimes de responsabilidade", que não são crimes). A
interpretação literal, isolada do sistema, acaba sendo sempre
reducionista e insuficiente; na Lei 10.409/2002 o legislador falava
em "mandato" expedido pelo juiz (quando se sabe que é
mandado); como se vê, não podemos confiar (sempre) na
intelectualidade ou mesmo cientificidade do legislador brasileiro,
que seguramente não se destaca pelo rigor técnico; b) a
reincidência de que fala o §4º do art. 28 é claramente a popular
ou não técnica e só tem o efeito de aumentar de cinco para dez
meses o tempo de cumprimento das medidas contempladas no art. 28; se
o mais (contravenção + crime) não gera a reincidência técnica no
Brasil, seria paradoxal admiti-la em relação ao menos (infração
penal sui
generis
+ crime ou + contravenção); c) hoje é sabido que a prescrição
não é mais apanágio dos crimes (e das contravenções), sendo
também aplicável inclusive aos atos infracionais (como tem
decidido, copiosamente, o STJ); aliás, também as infrações
administrativas e até mesmo os ilícitos civis estão sujeitos à
prescrição. Conclusão: o instituto da prescrição é válido para
todas as infrações (penais e não penais). Ela não é típica só
dos delitos; d) a lei dos juizados (Lei 9.099/1995) cuida das
infrações de menor potencial ofensivo que compreendem as
contravenções penais e todos os delitos punidos até dois anos; o
legislador podia e pode adotar em relação a outras infrações
(como a do art. 28) o mesmo procedimento dos juizados; aliás, o
Estatuto do Idoso já tinha feito isso; e) o art. 48, parágrafo 2°,
determina que o usuário seja prioritariamente levado ao juiz (e não
ao Delegado), dando clara demonstração de que não se trata de
"criminoso", a exemplo do que já ocorre com os autores de
atos infracionais; f) a lei não prevê medida privativa da liberdade
para fazer com que o usuário cumpra as medidas impostas (não há
conversão das penas alternativas em reclusão ou detenção ou mesmo
em prisão simples); g) pode-se até ver a admoestação e a multa
(do § 6º do art. 28) como astreintes (multa coativa, nos moldes do
art. 461 do CPC) para o caso de descumprimento das medidas impostas;
isso, entretanto, não desnatura a natureza jurídica da infração
prevista no art. 28, que é sui
generis;
h) o fato de a CF de 88 prever, em seu art. 5º, inc. XLVI, penas
outras que não a de reclusão e detenção, as quais podem ser
substitutivas ou principais (esse é o caso do art. 28) não
conflita, ao contrário, reforça nossa tese de que o art. 28 é uma
infração penal sui
generis
exatamente porque conta com penas alternativas distintas das de
reclusão, detenção ou prisão simples. A todos os argumentos
lembrados cabe ainda agregar um último: conceber o art. 28 como
"crime" significa qualificar o possuidor de droga para
consumo pessoal como "criminoso". Tudo que a nova lei não
quer (em relação ao usuário) é precisamente isso. Pensar o
contrário retrataria um grave retrocesso punitivista
(ideologicamente incompatível com o novo texto legal). Em conclusão:
a infração contemplada no art. 28 da Lei 11.343/2006 é penal e sui
generis. Ao lado do crime e das contravenções agora temos que
também admitir a existência de uma infração penal sui generis."
II A tese de que o fato passou a constituir infração penal sui
generis
implica sérias conseqüências, que estão longe de se restringirem
à esfera puramente acadêmica. De imediato, conclui-se que, se a
conduta não é crime nem contravenção, também não constitui ato
infracional, quando menor de idade o agente, precisamente porque,
segundo o art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente (L.
8.069/90), considera-se "ato infracional" apenas "a
conduta descrita como crime ou contravenção penal". De outro
lado, como os menores de 18 anos estão sujeitos "às normas da
legislação especial" (CF/88, art. 2281;
e C.Penal, art. 27(2)
- vale dizer, do Estatuto da Criança e do Adolescente (L. 8.069/90,
art. 104(3)
-, sequer caberia cogitar da aplicação, quanto a eles, da L.
11.343/06. Pressuposto o acerto da tese, portanto, poderia uma
criança - diversamente de um maior de 18 anos -, por exemplo,
cultivar pequena quantidade de droga para consumo pessoal, sem que
isso configurasse infração alguma. Isso para mencionar apenas uma
das inúmeras conseqüências práticas, às quais se aliariam a
tormentosa tarefa de definir qual seria o regime jurídico da
referida infração penal sui
generis.
III Estou convencido, contudo, de que a conduta antes descrita no
art. 16 da L. 6.368/76 continua sendo crime sob a lei nova. Afasto,
inicialmente, o fundamento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de
Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais)
seria óbice a que a L. 11.343/06 criasse crime sem a imposição de
pena de reclusão ou detenção. A norma contida no art. 1º do LICP
- que, por cuidar de matéria penal, foi recebida pela Constituição
de 1988 como de legislação ordinária(4)
- se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando
se está diante de um crime ou de uma contravenção. Nada impede,
contudo, que lei ordinária superveniente adote outros critérios
gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o
fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da "privação ou
restrição da liberdade", a qual constitui somente uma das
opções constitucionais passíveis de serem adotadas pela "lei"
(CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). IV De outro lado, seria presumir o
excepcional se a interpretação da L. 11.343/06 partisse de um
pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico",
que o teria levado - inadvertidamente - a incluir as infrações
relativas ao usuário em um capítulo denominado "Dos Crimes e
das Penas" (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts.
27/30). Leio, no ponto, o trecho do relatório apresentado pelo
Deputado Paulo Pimenta, Relator do Projeto na Câmara dos Deputados
(PL 7.134/02 - oriundo do Senado), verbis (www.camara.gov.br):
"(...) Reservamos o Título III para tratar exclusivamente das
atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção
social de usuários e dependentes de drogas. Nele incluímos toda a
matéria referente a usuários e dependentes, optando, inclusive, por
trazer para este título o crime do usuário, separando-o dos demais
delitos previstos na lei, os quais se referem à produção não
autorizada e ao tráfico de drogas - Título IV. (...) Com relação
ao crime de uso de drogas, a grande virtude da proposta é a
eliminação da possibilidade de prisão para o usuário e
dependente. Conforme vem sendo cientificamente apontado, a prisão
dos usuários e dependentes não traz benefícios à sociedade, pois,
por um lado, os impede de receber a atenção necessária, inclusive
com tratamento eficaz e, por outro, faz com que passem a conviver com
agentes de crimes muito mais graves. Ressalvamos que não estamos, de
forma alguma, descriminalizando a conduta do usuário - o Brasil é,
inclusive, signatário de convenções internacionais que proíbem a
eliminação desse delito. O que fazemos é apenas modificar os tipos
de penas a serem aplicadas ao usuário, excluindo a privação da
liberdade, como pena principal (...)." Não se trata de tomar a
referida passagem como reveladora das reais intenções do
legislador, até porque, mesmo que fosse possível desvendá-las -
advertia com precisão o saudoso Ministro Carlos Maximiliano -, não
seriam elas aptas a vincular o sentido e alcance da norma posta.
Cuida-se, apenas, de não tomar como premissa a existência de mero
equívoco na colocação das condutas num capítulo chamado "Dos
Crimes e das Penas" e, a partir daí, analisar se, na Lei, tal
como posta, outros elementos reforçam a tese de que o fato continua
sendo crime. De minha parte, estou convencido de que, na verdade, o
que ocorreu foi uma despenalização, entendida como exclusão, para
o tipo, das penas privativas de liberdade. O uso, por exemplo, da
expressão "reincidência", não parece ter um sentido
"popular", especialmente porque, em linha de princípio,
somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06 afastaria
a incidência da regra geral do C.Penal (C.Penal, art. 12: "As
regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei
especial, se esta não dispuser de modo diverso"). Soma-se a
tudo a previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido
para os crimes de menor potencial ofensivo(5),
possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata de pena
de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§1º e 5º), bem
como a disciplina da prescrição segundo as regras do 107 e
seguintes do C.Penal (L. 11.343/06, art. 30(6).
Assim, malgrado os termos da Lei não sejam inequívocos - o que
justifica a polêmica instaurada desde a sua edição -, não vejo
como reconhecer que os fatos antes disciplinados no art. 16 da L.
6.368/76 deixaram de ser crimes. O que houve, repita-se, foi uma
despenalização, cujo traço marcante foi o rompimento - antes
existente apenas com relação às pessoas jurídicas e, ainda assim,
por uma impossibilidade material de execução (CF/88, art. 225,
§3º(7);
e L. 9.605/98, arts. 3º; 21/24(8)
- da tradição da imposição de penas privativas de liberdade como
sanção principal ou substitutiva de toda infração penal. Esse o
quadro, resolvo a questão de ordem no sentido de que a L. 11.343/06
não implicou abolitio
criminis
(C.Penal, art. 107, III). V De outro lado, à vista do art. 30 da L.
11.343/06, que fixou em 2 anos o prazo de prescrição da pretensão
punitiva, reconheço, desde logo, a extinção da punibilidade dos
fatos. Os fatos ocorreram há mais de 2 anos (f. 78v e ss.), que se
exauriram sem qualquer causa interruptiva da prescrição. Perdeu
objeto, pois, o recurso extraordinário que, por isso, julgo
prejudicado: é o meu voto. Notas
de rodapé [1]
CF/88: "Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de
dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial". [2]
C.Penal: "Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são
penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas
na legislação especial". [3] L. 8.069/90: "Art. 104. São
penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às
medidas previstas nesta Lei". [4] Quanto se trata de
incompatibilidade formal da legislação infraconstitucional com a
Constituição superveniente - anota Luis Roberto Barroso (cf.
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição.
6ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2004, pág. 83/85)-, o "consenso
doutrinário é amplo" no sentido da "subsistência válida
da norma que haja sido produzida em adequação com o processo
vigente no momento de sua elaboração". Nesse sentido decidiu o
Plenário do Supremo Tribunal Federal em pelo menos dois precedentes
- relativos ao recebimento como legislação ordinária das normas de
conteúdo processual contidas em seu Regimento Interno (cf. AO 32
-AgR, 30.08.90, Marco Aurélio,DJ 28.09.90; RE 212.455 -EDV-ED-AgR,
14.11.02, Marco Aurélio, DJ 11.04.03) -, não existe no Brasil "o
instituto da inconstitucionalidade formal superveniente". [5] L.
11.343: "Art. 48. O procedimento relativo aos processos por
crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo,
aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de
Processo Penal e da Lei de Execução Penal. § 1º O agente de
qualquer das condutas previstas no art. 28 desta Lei, salvo se houver
concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, será
processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei no
9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados
Especiais Criminais. § 2º Tratando-se da conduta prevista no art.
28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor
do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na
falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se
termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames
e perícias necessários. § 3º Se ausente a autoridade judicial, as
providências previstas no § 2º deste artigo serão tomadas de
imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar,
vedada a detenção do agente. § 4º Concluídos os procedimentos de
que trata o § 2º deste artigo, o agente será submetido a exame de
corpo de delito, se o requerer ou se a autoridade de polícia
judiciária entender conveniente, e em seguida liberado. § 5º Para
os fins do disposto no art. 76 da Lei no 9.099, de 1995, que dispõe
sobre os Juizados Especiais Criminais, o Ministério Público poderá
propor a aplicação imediata de pena prevista no art. 28 desta Lei,
a ser especificada na proposta." [6] L. 11.343/06: "Art.
30. Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das
penas, observado, no tocante à interrupção do prazo, o disposto
nos arts. 107 e seguintes do Código Penal". [7] CF/88: "Art.
223. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar
os danos causados". [8] L. 9.605/98: "Art. 3º As pessoas
jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e
penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração
seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual,
ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua
entidade. Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou
alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no
art. 3º, são: I - multa; II - restritivas de direitos; III -
prestação de serviços à comunidade." "Art. 22. As penas
restritivas de direitos da pessoa jurídica são: I - suspensão
parcial ou total de atividades; II - interdição temporária de
estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição de contratar
com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou
doações. § 1º A suspensão de atividades será aplicada quando
estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou
regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente. § 2º A
interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou
atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em
desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou
regulamentar. § 3º A proibição de contratar com o Poder Público
e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá
exceder o prazo de dez anos. Art. 23. A prestação de serviços à
comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: I - custeio de
programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de
recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços
públicos; IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais
públicas. Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada,
preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a
prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação
forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e
como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional."
Voto - sem revisão - do Ministro Carlos Britto À revisão de
apartes dos Senhores Ministros Sepúlveda Pertence (Presidente e
Relator), Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. VOTO: O SR. MINISTRO
CARLOS BRITTO - Senhor Presidente, também penso que esse art. 28 da
Lei nº 11.343 é claro no sentido da criminalização da conduta,
até coerente com a inserção topográfica da matéria. Afinal, o
nome do título é: Dos Crimes e Das Penas. E esse art. 28 não só
descreve o crime, como comina a pena. O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA
PERTENCE (PRESIDENTE E RELATOR) - Manda estabelecer o processo dos
crimes de menor potencial ofensivo. O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - E
quanto à distinção entre descriminalização e despenalização
está perfeita, porque Vossa Excelência reduz a despenalização, dá
um sentido restrito, apenas para afastar aquelas penas restritivas de
liberdade. O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (PRESIDENTE E RELATOR)
- É o que se tem usado como forma de redução da pena privativa de
liberdade a ultima ratio. Isso é que a doutrina tem chamado,
impropriamente embora, de despenalização. O SR. MINISTRO CARLOS
BRITTO - No mais, esse voto de Vossa Excelência é verdadeiramente
antológico, brilhante, de uma densidade de raciocínio. O SR.
MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Realmente a conduta é lesiva. Há um
certo componente de lesividade que atinge a sociedade e permite a
tipificação como crime. Não é uma conduta que diz respeito só à
própria pessoa. O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (PRESIDENTE E
RELATOR) - E ainda há esse argumento de Direito Internacional
acentuado pelo Deputado. O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - É o
princípio da austeridade e da lesividade. O SR. MINISTRO MARCO
AURÉLIO - A que o Brasil se obrigou. O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA
PERTENCE (PRESIDENTE E RELATOR) - Obrigou-se, seria uma ruptura da
convenção. O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - A descriminalização
traria um efeito colateral maligno, do ponto de vista social:
estimularia o consumo e, por conseqüência, o tráfico de drogas.
Acompanho, com todo louvor, o voto de Vossa Excelência. Voto do
Ministro Marco Aurélio (sem revisão) À revisão de apartes do
Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator). O SR.
MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhor Presidente, não bastasse o que se
contém no artigo 16 da própria Lei nº 6.368, temos que o novo
diploma legal, a Lei nº 11.343, cogita de pena. Mais do que isso,
como ressaltado por Vossa Excelência e frisado também pelo Ministro
Carlos Ayres Britto, a disciplina da matéria está em um capítulo
revelador: Dos Crimes e das Penas. E Vossa Excelência esgotou a
matéria, apontando que o que tivemos na espécie foi uma
substituição da apenação primitiva da Lei nº 6.358 pelo que se
contém no artigo 28 do novo diploma legal. Quanto à matéria,
deu-se, até mesmo, a revogação explícita da Lei nº 6.368,
portanto, a derrogação da Lei nº 6.368. Mas, para mim, suficiente
é a premissa segundo a qual não se encontra em diploma algum
palavras inócuas, palavras sem o sentido técnico, além do sentido
vernacular. O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (PRESIDENTE E RELATOR)
- Além de submetido ao processo dos crimes de menor potencial
ofensivo. O SR. MINISTRO MARCO AURÉLIO - Não bastasse a prestação
de serviços à comunidade, que também é uma pena utilizada na
legislação comum. O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (PRESIDENTE E
RALATOR) - E uma das penas possíveis previstas na Constituição. O
SR. MINISTRO MARCO AURÉLIO - Subscrevo o voto bem fundamentado
proferido por Vossa Excelência e concluo, tal como fez Vossa
Excelência, no sentido da incidência da prescrição.”
Na esteira
deste julgamento, também o Superior Tribunal de Justiça: A
controvérsia acerca da competência para o processamento e
julgamento de feito no qual o réu foi denunciado por porte de
entorpecente para uso próprio foi dirimida pela entrada em vigor da
Lei n.º 11.343⁄06 que fixa, em seu art. 48, a competência do
Juizado Especial Criminal, nos termos dos arts. 60 e seguintes da Lei
n.º 9.099⁄95.II. Recurso provido, nos termos do voto do
Relator."(REsp
882502⁄MG, 5ª
Turma,
Rel. Ministro
Gilson Dipp,
DJ de 05⁄02⁄2007).
Nada obstante
tais decisões, o certo é que em virtude do bem jurídico tutelado é
que se mostra “inadmissível
a punição da posse de drogas para uso pessoal, seja pela inafetação
(sic)
do
bem jurídico protegido (a saúde pública), seja por sua
contrariedade com um ordenamento jurídico garantidor da não
intervenção do Direito em condutas que não afetem a terceiros”,
como explica Maria Lúcia Karam, em sua excelente obra “De Crimes,
Penas e Fantasias”, Rio de Janeiro: LUAM, 1991. Karam complementa
afirmando com absoluta propriedade que a “aquisição
ou posse de drogas para uso pessoal, da mesma forma que a autolesão
ou a tentativa de suicídio, situa-se na esfera de privacidade de
cada um, não podendo o Direito nela intervir.”
(pp. 60 e 128). É o que se chama em Direito Penal de “Paternalismo
Direto”, ou seja, “a
utilização de sanções penais para a criminalização da conduta
de uma pessoa que se auto lesiona ou que tenta se auto lesionar.(...)
Roxin
observa que comportamentos auto lesivos devem ser vistos como parte
da autodeterminação do ser humano e, consequentemente, não são
objetos adequados para sanções penais
(...)” (Andrew von Hirsch, “Paternalismo direto: autolesões
devem ser punidas penalmente?”, São Paulo: Revista Brasileira de
Ciências Criminais, nº. 67 - 2007).
Argumenta-se
que o uso de drogas poderia causar “consequências
negativas”
e “atos
de vitimização de outras pessoas”,
ou seja, “o
uso de drogas deveria ser proibido porque leva a outras consequências
criminógenas a que se seguem comportamentos classicamente lesivos,
como formas graves de furto, lesão corporal, vandalismo, etc.”
Como contesta
Andrew von Hirsch, se esta fosse uma justificativa séria para a
criminalização do uso de drogas, seríamos forçados a admitir “a
responsabilidade dos consumidores de drogas por decisões
intermediárias.
(...)”. A conduta, então, seria criminalizada “porque
provoca outros atores (que não são controlados pelo agente
original) a adotar comportamentos que causam lesões ou perigos. Ao
se imputar, em tais situações, a responsabilidade penal ao agente
original, ignora-se o princípio da responsabilidade
pessoal própria,
já que ele não cometeu pessoalmente qualquer injusto e as
consequências lesivas são causadas por meio de atos errados de
outros.”
(ob. cit.).
Neste sentido,
o Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu um condenado em
primeira instância por envolvimento com cocaína por entender que
portar e consumir droga não é crime. O autor da polêmica decisão,
seguida por três desembargadores da 6ª Câmara, foi o Juiz José
Henrique Rodrigues Torres, que considerou inconstitucional o artigo
28 da lei 11.343/ 06. O julgamento da apelação foi em 31 de março
de 2008 e o Ministério Público pode recorrer ao Supremo Tribunal
Federal. "A
criminalização primária do porte de entorpecentes para uso próprio
é de indisfarçável insustentabilidade jurídico-penal",
diz trecho da decisão, revelada ontem pelo jornal "O Estado de
S. Paulo". Para o Magistrado, essa criminalização é
inconstitucional porque o usuário de drogas ilícitas não coloca
terceiros em risco. "Assim,
transformar aquele que tem a droga apenas e tão-somente para uso
próprio em agente causador de perigo à incolumidade pública, como
se fosse potencial traficante, implica frontal violação do
princípio da ofensividade."
Ainda na visão do Juiz, as drogas lícitas (como bebidas alcoólicas)
também causam dependência física e psíquica, mas, mesmo assim,
têm tratamento diferente. Além disso, ninguém pode ter sua
intimidade violada, já que o uso de drogas é uma questão pessoal.
A discussão ocorreu no julgamento da apelação feita por Ronaldo
Lopes, condenado por tráfico de drogas. Lopes foi preso em 17
fevereiro de 2007 com três papelotes de cocaína, com 7,7 gramas.
Parte da
decisão do TJ foi baseada no entendimento da Juíza aposentada e
advogada Maria Lúcia Karan, que defende a legalização da
fabricação, comércio e consumo de drogas. (Folha
de São Paulo
- 24/05/2008).
Aliás, na Argentina, dois
juízes federais de Buenos Aires absolveram um homem que havia sido
processado por ter uma plantação de maconha na varanda de seu
apartamento na capital argentina. Na decisão divulgada nesta
terça-feira, os juízes Eduardo Farah e Eduardo Freiler consideraram
inconstitucional que o réu (cuja identidade não foi revelada) fosse
punido por ter seis vasos com a planta Cannabis sativa para uso
pessoal, concordando com o argumento da defesa de que a plantação
não atentava contra a "saúde pública". Farah e Freiler
entenderam, segundo a imprensa argentina, que este cultivo não é
crime porque o homem não planejava comercializar o produto e atuava
no "âmbito de sua privacidade". Os magistrados se basearam
na Constituição argentina para sustentar a defesa de "atos
privados" que "não afetam a terceiros". Em uma
decisão anterior, outro juiz federal, Sérgio Torres, havia
processado o homem e sugerido que ele se submetesse a um tratamento
de reabilitação. Esse processo foi baseado em um artigo do Código
Penal argentino que proíbe o cultivo de plantas ou armazenamento de
sementes para produzir entorpecentes para consumo pessoal --e que
prevê penas de um mês a dois anos de prisão. O caso ainda pode
agora levado a instâncias superiores, como a Câmara de Cassação
Penal ou a Suprema Corte de Justiça, ou ser concluído, se não
houver novas apelações. A decisão da Justiça Federal de Buenos
Aires ocorre três meses depois que o ministro da Justiça, Aníbal
Fernández, defendeu a descriminação do consumo de drogas e a
atenção médica aos usuários de substâncias químicas, durante
uma reunião extraordinária sobre o consumo de drogas e o
narcotráfico organizada pelas Nações Unidas (ONU), em Viena, na
Áustria. Fonte: Folha On Line.
Posteriormente,
no julgamento da Causa n.º 9.080, realizado no dia 25 de agosto de
2009 (caso Arriola e outros) a Suprema Corte de Justiça da Nação
Argentina deu provimento ao recurso extraordinário interposto contra
decisão condenatória pelo delito de posse de entorpecente para uso
pessoal, tipificado no art. 14, § 2.º, da Lei nº. 23.737/1989. Na
decisão unânime, os Magistrados entenderam que a norma penal era
incompatível com o art. 19 da Constituição Argentina: “Las
acciones privadas de los hombres que de ningún modo ofendan al orden
y a la moral pública, ni perjudiquen a un tercero, están sólo
reservadas a Dios, y exentas de la autoridad de los magistrados.
Ningún habitante de la Nación será obligado a hacer lo que no
manda la ley, ni privado de lo que ella no prohíbe.”
A decisão, no entanto, descriminalizou a posse de droga para uso
pessoal apenas para os maiores de 16 anos. Não foi uma decisão que
legalizou a conduta, apenas a posse ou o porte de pequena quantidade,
para uso pessoal, está fora do âmbito de incidência do Direito
Penal. É bom lembrar que isto já ocorreu em outros países,
inclusive do nosso continente, como no México que, em agosto de
2009, descriminalizou a posse de drogas para uso pessoal até o
limite de quinhentos miligramas de cocaína ou de cinco gramas de
maconha. Também no Peru, Costa Rica e Uruguai. Na Colômbia desde
1974 a Corte Suprema declarou a inconstitucionalidade da lei que
punia criminalmente o porte de droga para uso próprio.
Sei que não se
conclui um texto acadêmico com citações, mas eu nem sei as regras
da ABNT (nem me interessam, nem interessavam a Calmon de Passos.
Portanto, aí vão:
“Na
verdade a avalanche de pitos, reprimendas e agressões só me
estimulam a combatividade”
(Caetano Veloso - Jornal A Tarde, 13/10/2013, p. B9).
“Os
idealistas são tratados como cupins nas instituições: todos tentam
matá-los, com veneno, mas eles não morrem, ao contrário, se
organizam, olham um para a cara do outro e dizem: vamos roer! Um dia
o todo
poderoso senta na sua cadeira e cai porque a pata da cadeira está
roída”. (Calmon de Passos - Congresso de Advogados, em 1992, em Porto
Alegre).
poderoso senta na sua cadeira e cai porque a pata da cadeira está
roída”. (Calmon de Passos - Congresso de Advogados, em 1992, em Porto
Alegre).
1 Rômulo de Andrade Moreira é Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal” e “Comentários à Lei Maria da Penha” (em coautoria com Issac Guimarães), ambas editadas pela Editora Juruá, 2010 (Curitiba); “A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas Cautelares” (2011), “Juizados Especiais Criminais – O Procedimento Sumaríssimo” (2013) e “A Nova Lei de Organização Criminosa” (no prelo), publicadas pela Editora LexMagister, (Porto Alegre), além de coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal” (Editora JusPodivm, 2008). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.
2
Maria Lúcia Karam, De Crimes, Penas e Fantasias, Rio de Janeiro:
LUAM, 1991, p. 67.
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