Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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Alexandre Morais da Rosa

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25/04/2011

Rosivaldo e o Blog dele

Viciado é o Distante - uma história



A audiência demorava, mas já se aproximava do fim. O caso: réu que havia subtraído seis barras de chocolate, avaliadas em R$ 31,80, e as trocado por crack. Era a vez das alegações finais da defesa. O defensor público pediu a aplicação do princípio da insignificância. O acusado, um jovem mulato magricela e tatuado, trajando roupas surradas, ouvia tudo de cabeça baixa e olhar perdido. Algemas.
- Bira, é um idiota esse defensor público. Você tá vendo? Por isso que esse país não vai pra frente. Levanta a cabeça, vagabundo! Com esses bandidos não se pode alisar. - comentou em voz baixa um colega acadêmico de direito que assistia à audiência para efeito de prática judiciária. - E Bira sussurrou, reforçando:
- É um bandido safado, Miguel. Já pensou? Furtar chocolates pra trocar por crack? O negócio dele é tirar as coisas dos outros. Mas largar o vício que é bom, nada! Viciado sem-vergonha! - Logo depois, Bira olhou para o relógio. Faria isso umas dez vezes em poucos minutos. Começou a bater com a caixinha em uma das pernas. Olhou para o maço e salivou. Mas não podia sair da sala no meio da audiência, sob pena do juiz não assinar sua ficha de comparecimento.
Alguns minutos depois, a sentença. Já era hora. Condenação por furto. O juiz disse que  "a consideração isolada do valor da res furtiva não é suficiente para não se aplicar a lei penal, pois o fato típico existiu, embora envolvendo seis barras de chocolate que seriam vendidas para comprar drogas (o que afasta o furto famélico) e porque se trata de réu useiro e vezeiro na prática de furtos, o que impede o reconhecimento da bagatela para não se estimular a profissão de furtador contumaz.".
- Isso é que é Justiça. Só assim esse país tem jeito. - comemorou Bira, enquanto batia a caixinha compulsivamente na coxa.
Colhida a rubrica do juiz na ficha de comparecimento da prática forense da faculdade, Bira saiu apressadamente. Ainda no corredor, finalmente pôde matar o desejo. Abriu a caixinha de Free, pegou o isqueiro e acendeu um. Deu um trago longo. Olhos fechados por uns segundos. Alívio... Trajeto até o estacionamento. Entrou no carro. Ligou o rádio. Jingle de uma marca de cerveja. Ao final, a famosa frase, dita apressadamente, "beba com moderação".
- Beba com moderação, beba com moderação... - Bira balbuciou. Riu de tudo aquilo, afinal, era quinta-feira. Happy hour com amigos da faculdade. 
Na mesa do bar, assuntos triviais. Observaram um homem de meia-idade bêbado que quase caiu por sobre a mesa. Foi-se, trôpego, amparado por um constrangido garçom.
Assuntos do papo: mulheres, próximas provas da faculdade e fatos engraçados da última balada. Como eram todos amigos de longas datas, lembraram momentos bons vividos juntos, e outros nem tanto:
- E o Marcelo Pezão? Dona Dora ligou lá pra casa e pediu que fôssemos vê-lo. 
Amigos, temos que visitá-lo. É como irmão, cara. Irmão é irmão. - apontou Lucas. Bira acendeu outro cigarro.
- Caraca! Nunca fui numa clínica de reabilitação de dependentes químicos. - exclamou Joaquim.
- Quinho, Pezão precisa é de apoio. 
E amigo é pra essas coisas, não é? Soube que ele fumou até aquele violão que tanto amava. Fumou quase todas as roupas. Fumou até jóias de Dona Dora e um relógio de seu Rafael. O crack não perdoa, amigos. Ou interna ou morre. - lastimou Bira.
- Pobre Pezão. Pobre Pezão... - lamentavam. De repente, uma angústia, uma dor. O abismo. Silêncio na mesa. Bira, de mãos suadas, rapidamente acende outro cigarro. Lucas - consternado - acena ao garçom:
- Por favor, traz mais uma cerveja.

O próximo é dependente químico. Viciado é o distante. Sem-vergonha é sempre o outro.

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