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06/04/2011

CONJUR - Denúnica Anônima é sempre covarde. Anula tudo. Sempre.

STJ decide que operação Castelo de Areia foi ilegal

Denúncias anônimas não podem servir de base exclusiva para que a Justiça autorize a quebra de sigilo de dados de qualquer espécie. Com esse fundamento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, nesta terça-feira (5/4), que todas as provas obtidas na operação Castelo de Areia a partir da quebra generalizada do sigilo de dados telefônicos são ilegais.
Na prática, a operação ruiu, tal qual um castelo de areia. Isso porque as provas do processo se originaram a partir da autorização da Justiça que deu senhas para policiais federais acessarem bancos de dados de empresas telefônicas, o que foi considerado irregular.
A decisão foi tomada por três votos a um. A ministra Maria Thereza de Assis Moura e os desembargadores convocados Celso Limongi e Haroldo Rodrigues entenderam que as provas que embasaram a denúncia que nasceu da operação são nulas. Apenas o ministro Og Fernandes considerou a operação legal.
A operação Castelo de Areia foi deflagrada em março de 2009 para investigar crimes financeiros e desvio de verbas públicas que envolviam diretores de empreiteiras e partidos políticos. Em dezembro do mesmo ano, o juiz Fausto Martin de Sanctis acolheu parte da denúncia do Ministério Público contra três executivos da Camargo Corrêa.
As investigações da operação estavam paradas desde janeiro de 2010, quando a Ação Penal contra os diretores foi suspensa por liminar do então presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha. Nesta terça-feira, três dos quatro ministros que compõem a 6ª Turma do STJ acolheram os dois pedidos de Habeas Corpus ajuizados pela defesa dos acusados, sinalizando que Asfor Rocha tomou a decisão correta. Os pedidos de HC foram ajuizados pelos advogados Alberto Zacharias Toron, Carla Domenico e Celso Vilardi, que fizeram sustentações orais quando o caso começou a ser julgado.
O julgamento foi retomado com o voto do desembargador convocado Celso Limongi, que havia pedido vista do recurso no último dia 15 de março. Para Limongi, a delação anônima não serve, por si só, para a violação de qualquer garantia fundamental dos cidadãos, como é o caso do sigilo de dados telefônicos.
O desembargador considerou a quebra do sigilo determinada pela Justiça Federal de São Paulo com o fornecimento de senhas para policiais federais acessarem os dados de quaisquer assinantes das companhias telefônicas “destituída de fundamentação”. De acordo com Celso Limongi, uma denúncia anônima deve servir para que as autoridades policiais busquem indícios do crime relatado anonimamente e, só no caso de os encontrarem, pedir a quebra de sigilo para a Justiça.
Limongi relatou que diante do pedido de fornecimento de senhas sem fundamento feito pela Polícia Federal ao juiz substituto da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, que substituía o titular Fausto Martins De Sanctis na ocasião — os demais atos, como as interceptações telefônicas, também considerados irregulares, foram determinadas pelo próprio De Sanctis —, o Ministério Público questionou a legalidade da medida.
A PF respondeu, então, que o pedido foi feito de forma genérica de forma proposital, para que não houvesse vazamento de informações. O desembargador considerou surpreendente a resposta da PF e a anuência do Ministério Público. “Pior ainda é o acolhimento [pelo juiz] do pedido completamente desfundamentado”, afirmou. “O Judiciário não é mero assistente do desenrolar do processo”, disse Limongi.
"A abrangência do deferimento concedendo, indiscriminadamente, senhas foi uma autorização geral, em branco, servindo para a quebra de sigilo de qualquer número de telefone, dando ensejo a verdadeira devassa na vida dos suspeitos e de qualquer pessoa", afirmou o desembargador. Para Limongi, "se a Polícia desrespeita a norma e o Ministério Público passa por cima da irregularidade, não pode, nem deve, o Judiciário conceder beneplácitos a violações da lei".
Em seu voto, Celso Limongi também refutou o argumento do MP de que o pedido de quebra dos sigilos não foi embasado exclusivamente na denúncia anônima, mas também em uma delação premiada feita meses antes da denúncia apócrifa, em outro processo. De acordo com o desembargador convocado, ao fornecer as senhas para os policiais federais e, assim, quebrar o sigilo de dados dos clientes de companhias telefônicas, o juiz não fez qualquer menção à delação premiada.
“O que não está nos autos não está no mundo”, afirmou Limongi. Para ele, ao omitir dos autos a delação premiada, as autoridades não agiram com a ética e a lealdade que se espera do Poder Público e dificultaram “propositalmente o exercício do direito de defesa” dos investigados.
Voto vencido
Único a votar pela validade das provas, o ministro Og Fernandes, sustentou que a operação não teve início com base exclusivamente em denúncia anônima. De acordo com o ministro, depois da denúncia, houve diligências preliminares feitas por autoridades policiais antes da instauração do procedimento de investigação e dos consequentes pedidos de escutas e de quebra de sigilos dos investigados.
“Não tenho dúvidas da higidez das investigações. A autoridade policial efetivamente efetuou diligências preliminares como preceituam este tribunal e o Supremo Tribunal Federal”, afirmou. Segundo Fernandes, além das diligências, a delação premiada feita meses antes da denúncia anônima, em outro processo, também embasou os pedidos.
Og Fernandes disse que a jurisprudência dos tribunais têm se sedimentado no sentido de que podem ser abertas ações penais a partir de denúncia anônima desde que sejam feitas diligências preliminares pela autoridade policial, com a devida cautela e prudência, antes da abertura do inquérito. De acordo ele, isso foi feito.
O ministro não considerou irregular o fornecimento de senhas para policiais federais acessarem bancos de dados de empresas telefônicas e obter dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários. Ele ressaltou que o acesso a dados cadastrais não pode ser confundido com a quebra de sigilo das comunicações e que a autorização foi delimitada pelo juiz, que autorizou o acesso por 30 dias somente por determinados policiais.
Segundo ele, não há na decisão judicial que originou o acesso aos dados cadastrais a mácula apontada pelos defensores. O acesso a informações cadastrais, na visão do ministro, não é medida invasiva que deve ser levada a efeito somente depois de outras investigações.
Outro argumento da defesa refutado por Og Fernandes foi o de que a sonegação do acesso de provas produzidas nos autos causou prejuízo ao devido processo legal. O ministro ressaltou que não havia dúvidas de que, de fato, foi omitido da defesa dos acusados provas importantes que já eram de conhecimento dos investigadores quando do recebimento da denúncia.
Mas, de acordo com Fernandes, uma liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que deu aos advogados o pleno acesso a essas provas, recolocou o processo nos eixos antes que pudesse causar efetivo prejuízo à defesa: “As irregularidades foram corrigidas em tempo oportuno”.
Provas nulas
Em setembro do ano passado, a relatora do processo na 6ª Turma, ministra Maria Thereza, considerou que a operação começou de forma ilegal e que, por isso, as provas colhidas deveriam ser consideradas nulas. Nesta terça-feira, os dois desembargadores convocados acompanharam seu entendimento.
Em um longo e minucioso voto, a ministra admitiu parcialmente os pedidos para anular as quebras de sigilo e as interceptações telefônicas concedidas pela Justiça Federal paulista e os demais procedimentos delas decorrentes. Segundo a ministra, a aceitação da denúncia anônima não pode alicerçar medida de grande vulto.
Na sessão desta terça, Maria Thereza lembrou que considerou a quebra de sigilo indiscriminada sem fundamento e disse que a delação premiada de um doleiro que embasou os primeiros pedidos de quebra de sigilos e de escutas telefônicas não foi trazida aos autos no momento adequado. Isso feriria o direito à ampla defesa.
Maria Thereza aproveitou para responder a um memorial entregue a ela pelo Ministério Público no qual se afirmava que seu voto estava equivocado. Segundo ela, isso só pode ter sido escrito por alguém que não fez a devida leitura de seu voto.
A ministra, em seu voto de setembro, acolheu argumentos da defesa, de que toda a investigação que culminou com a operação teve início exclusivamente em denúncia anônima, “dando conta de que uma pessoa de nome Kurt Pickel estaria se dedicando à atividade de compra e venda de dólares no mercado paralelo, sem qualquer respaldo legal para tanto. Tratar-se-ia de verdadeiro ‘doleiro’, atuando no mercado negro de moedas estrangeiras e, como tal, envolvido na prática de delitos contra o sistema financeiro nacional e, provavelmente, de lavagem de dinheiro”.
Com base em tal informação, a autoridade policial, para iniciar a investigação, solicitou ao juiz o fornecimento de senhas a policiais federais para acessar os bancos de dados das empresas telefônicas, o que foi deferido.
A defesa sustentava ainda que a autoridade policial, após um ano e dois meses de consultas a bancos de dados para acessar dados pessoais de Pickel e de terceiros desconhecidos, e "sem apresentar qualquer elemento informativo idôneo colhido por meio de investigação realizada pela Polícia Federal", requereu a interceptação telefônica de Pickel afirmando genericamente que através de investigações preliminares "foi obtida a informação de que ele prestaria seus serviços ilegais a construtoras de grande porte, como, por exemplo, a construtora Camargo Corrêa".
Os pedidos da defesa foram acolhidos. De acordo com o advogado da Camargo Corrêa, Celso Vilardi, a operação Castelo de Areia foi uma “sucessão de ilegalidades” e a decisão do STJ reforça a tese já pacificada nos tribunais superiores de que “os fins não podem justificar os meios”.
“Antes da quebra do sigilo de dados não existia inquérito policial, nem qualquer investigação preliminar. O que havia era apenas uma carta anônima que não foi sequer trazida aos autos”, completou Vilardi ao sair do julgamento da 6ª Turma.
HC 137.349
HC 159.159

3 comentários:

  1. Crimes financeiros, Camargo Correa... Esse julgado representa uma mínima parcela dos casos criminais, pois se tratam de acusados muito ricos praticando crimes de ricos.

    E o que interessa aos outros 99,99% dos casos criminais então? Repito o que ouvi do professor Luiz Flávio Gomes recentemente: vamos pegar esses julgados dos "ricos" e aplicar nos casos dos "pobres". Entendo como "pobres" os outros 99,99% dos meros mortais deste país que são acusados de crimes mais "corriqueiros".

    E no caso dos pobres acontece normalmente isso: a polícia recebe denúncia anônima e vai direto ao local do suposto crime (normalmente em bairro pobre), entra na residência do indivíduo e encontra a prova do crime (podem ser armas, munições, drogas...).

    E o que podemos aproveitar do julgado do STJ é a seguinte afirmação: a delação anônima serve para o início das investigações de forma que a autoridade policial busque provas, mas não serve para violação de qualquer direito fundamental do ser humano.

    Se a residência é o asilo inviolável do cidadão (direito fundamental) a polícia não pode entrar na residência apenas com base numa denúncia anônima, pois é inadmissível que num Estado Democrático de Direito se permita a invasão da residência de uma pessoa com base em delação anônima, quando existem outros meios legítimos de fazê-lo (arts. 240 e seguintes do Código de Processo Penal).

    A situação em tela é idêntica à descrita neste excelente blog, na qual se discutia a atuação direta da autoridade policial em caso de denúncia anômina, apontando o problema do flagrante pressuposto:


    "Assim é que a denúncia anônima não pode ser tida, a priori, como verdade, nem justifica qualquer medida direta pela autoridade policial que não a investigação preliminar e, se for o caso, requerer-se ao Juízo competente, o respectivo mandado de busca e apreensão, apresentando-se as investigações preliminares. Claro que se verificar alguma das hipóteses do art. 302, I ou II, do CPP, estará autorizada a agir. Mas esta ação precisa estar autorizada anteriormente, ou seja, o flagrante não pode ser pressuposto, mas deve estar posto, a saber, não se pode achar que há droga e se adentrar. É preciso que a droga tenha sido vista anteriormente ou sua entrega ou mesmo a venda, situação diversa da presente".

    Deve-se aproveitar o que foi dado aos ricos e distribuir aos pobres. Se o Min. do STJ afirmou que a delação anônima não serve para violação de qualquer direito fundamental do ser humano é obvio que a polícia não pode entrar na residência de um cidadão apenas com base em denúncia anônima.

    É até temerário que a defesa tenha que discutir isto em juízo, pois me parece óbvio que o papel desempenhado pelo Ministério Público e Juiz num Estado Democrático de Direito seria capaz de inibir que este fato se transformasse em inquérito policial e denúncia.

    Mas não é o que está ocorrendo (mais um indício de que vivemos num Estado Policial?). Resta-nos recorrer aos julgados dos ricos e distribuir as garantias lá reconhecidos aos pobres.

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  2. o problema é que lamentavelmente os tribunais sempre validam todas as arbitrariedades da polícia dizendo que o crime do pobre é permanente.

    o RE 603616 dá alguma esperança: "Matéria Criminal. Busca e apreensão em residência sem mandado judicial. Inviolabilidade do domicílio. Prova ilícita. Repercussão geral admitida.".

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  3. Seria covardia denunciar anonimamente meu vizinho traficante de drogas? Seria covardia denunciar anonimamente o chefe de uma corporação, um político de alto escalão ou talvez um desembargador? O cidadão comum não tem resposta imediata para a violência física (no caso do traficante) ou para a violência institucional (nos outros casos). Covardia é subir em seu púlpito e esquecer-se de que não passa de um servidor público. Covardia é cuspir nos anseios da população forjando tecnicalismos quando sabemos que o direito no Brasil é interpretativo. Covardia é, enfim, chamar de covardes aqueles que buscam os meios institucionais para levar à justiça os criminosos que são muito mais fortes e capazes. Covardia é colocar seus interesses pessoais sobre os interesses coletivos somente porque está protegido pelo corporativismo de um poder da república que vem se mostrando abjeto a cada dia que passa. Um poder que, por não responder a nenhum outro e nem ao escrutínio popular, se fecha em seus círculos e subtrai à população benesses e direitos. E ainda tem coragem de chamar alguém de covarde.

    Rafael Lago

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