Agravo de Instrumento n. 2010.019634-0, da Capital
Relatora: Desembargadora Marli Mosimann Vargas
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AOS CRIMES DE ROUBO E PORTE DE DROGAS (ARTS. 157, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL E ART. 28 DA LEI N. 11.343/06). SENTENÇA APLICANDO MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. RECEBIMENTO DA APELAÇÃO NOS EFEITOS DEVOLUTIVO E SUSPENSIVO. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
PLEITO PARA QUE O RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELA DEFESA SEJA RECEBIDO APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO, AFASTANDO-SE A APLICAÇÃO DO ART. 520 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. REVOGAÇÃO DO INC. VI DO ART. 198 DO ECA. APLICAÇÃO DA REGRA PREVISTA NO CAPUT DO REFERIDO ARTIGO NO QUAL DISPÕE QUE PARA OS PROCEDIMENTOS AFETOS À JUSTIÇA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DEVE SER OBSERVADO O SISTEMA RECURSAL DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INAPLICABILIDADE, IN CASU, DO INC. VII DO ART. 520 DO CPP, POR NÃO SE TRATAR DE CASO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, COMO A DETERMINAÇÃO DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. ADOLESCENTE QUE RESPONDEU TODO O PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL EM LIBERDADE. MAGISTRADO SENTENCIANTE NÃO FUNDAMENTOU NA NECESSIDADE DE IMEDIATA INTERNAÇÃO DO MENOR PARA GARANTIR A ORDEM PÚBLICA OU A APLICAÇÃO DA LEI.
Deixando de existir regramento específico sobre os efeitos com que a apelação deve ser recebida nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, impõe-se a aplicação a regra do caput do artigo 198, que determina a utilização do sistema recursal do Código de Processo Civil [...] (STJ, HC n. 112.799/SP, rel. Min. Haroldo Rodrigues, j. 16/03/2010).
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2010.019634-0, da comarca da Capital, em que é agravanteMinistério Público do Estado de Santa Catarina e agravado B. dos S. S.:
ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs Recurso de Agravo de Instrumento contra decisão da Vara da Infância e Juventude da Comarca da Capital, que recebeu o recurso de apelação interposto pela defesa nos efeitos devolutivo e suspensivo, em procedimento que apura responsabilidade de adolescente por ato infracional.
O órgão ministerial sustenta, em síntese, que o recurso de apelação interposto pela defesa seja recebido apenas no efeito devolutivo, afastando a aplicação do art. 520 do Código de Processo Civil.
Assim, requer o acolhimento da pretensão para que seja integralmente provido o agravo de instrumento, a fim de que a apelação interposta seja recebida apenas no efeito devolutivo.
O agravado foi intimado para para apresentar contrarrazões, porém, não se manifestou (fls. 33-34)
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Anselmo Agostinho da Silva, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 39-41).
É o relatório necessário.
VOTO
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposta pelo órgão ministerial contra decisão da Vara da Infância e Juventude da Comarca da Capital que recebeu o recurso de apelação da defesa nos efeitos devolutivo e suspensivo.
Pretende o representante do Ministério Público, em síntese, que o recurso de apelação interposto seja recebido apenas no efeito devolutivo, afastando a aplicação do art. 520 do Código de Processo Civil.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo e passa-se à análise do seu objeto.
O recurso não merece prosperar. Vejamos:
Inicialmente, destaca-se, no que diz respeito aguardar em liberdade o trânsito em julgado da apelação, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecia, como regra geral, que a apelação seria recebida somente no efeito devolutivo e, em casos excepcionais, o magistrado poderia conferir efeito suspensivo, quando houvesse perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, nos moldes do art. 198, VI, do ECA, verbis:
Art. 198. Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude fica adotado o sistema recursal do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e suas alterações posteriores, com as seguintes adaptações:
[...]
VI – a apelação será recebida em seu efeito devolutivo. Será também conferido efeito suspensivo quando interposta contra sentença que deferir a adoção por estrangeiro e, a juízo da autoridade judiciária, sempre que houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.
Sucede que a Lei n. 12.010/09, que entrou em vigor no dia 3 de novembro 2009, revogou expressamente o inciso citado.
Portanto, com a revogação do inc. VI, do art. 198, do ECA, pela Lei n. 12.010/09, tem-se que o estatuto retirou de sua previsão os efeitos nos quais os recursos devem ser recebidos.
Demais disso, permaneceu a regra prevista no caput do referido artigo no qual dispõe que para os procedimentos afetos à Justiça da Infância e Juventude deve ser observado o sistema recursal do Código de Processo Civil.
Assim, o caput do art. 520 do CPC estabelece que a regra geral é o recebimento de recursos no efeito devolutivo e suspensivo.
Acrescenta-se, o próprio art. 520 do CPC prevê algumas hipóteses em que a apelação será recebida apenas no efeito devolutivo uma delas é quando a irresignação for interposta contra sentença que "confirmar a antecipação dos efeitos da tutela" (inciso VII).
Importante consignar que poder-se-ia sustentar a aplicação do dispositivo citado no caso de internação provisória (art. 108 do ECA). Ocorre que, in casu, não é a hipótese, em razão de o menor ter respondido em liberdade todo o procedimento de apuração de ato infracional.
Além disso, existe ainda a possibilidade de o magistrado, na oportunidade da sentença, por haver se alterado o quadro fático que autorizava ao menor responder a apuração do ato infracional em liberdade, fundamentar da necessidade do recolhimento imediato do adolescente infrator, com base em elementos concretos constantes nos autos, para garantir a ordem pública ou a aplicação da lei.
Ressalta-se, no caso dos autos, o magistrado singular, quando da sentença (fl.13), não fundamentou na necessidade de imediata internação do menor. Daí, dessume-se verdadeira contradição a impossibilidade de o agravado aguardar solto o julgamento de seu recurso de apelação já que respondeu todo o procedimento em liberdade.
Nesse sentido, extrai-se do voto vencido relatado pelo Des. Substituto Roberto Lucas Pacheco:
APELAÇÃO. RECURSO RECEBIDO NO EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO, A TEOR DO ART. 198, INCISO VI, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ADOLESCENTES QUE RESPONDERAM AO PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL EM LIBERDADE. IMPOSIÇÃO CAUTELAR DA MEDIDA POR "NECESSIDADE IMPERIOSA" NÃO DEMONSTRADA. INEXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA NOVA QUE FUNDAMENTE A IMPRESCINDIBILIDADE DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR, COM BASE EM ELEMENTOS CONCRETOS CONSTANTES NOS AUTOS.
INTERNAÇÃO QUE SOMENTE PODERÁ SER IMPOSTA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO, POR FORÇA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DO ESTADO DE INOCÊNCIA, DA AMPLA DEFESA E DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO.
LEGISLADOR QUE, DENTRO DO MESMO ESPÍRITO REFORMADOR DAS NORMAS PROCESSUAIS EM VIGOR EM FACE DA CONSTITUIÇÃO, EDITA A LEI N. 12.010/09, SINALIZANDO NOVO RUMO AO INTÉRPRETE [...] (TJSC/HC n. 2009.063104-6, relator com voto vencedor Des. Torres Marques, j. 29/01/2010).
E, do corpo do acórdão, retira-se:
Nessa senda, a não ser que na oportunidade da entrega da tutela jurisdicional, por haver se alterado o quadro fático que autorizava ao Infante responder a apuração do ato infracional em liberdade, o Magistrado fundamentasse a necessidade do recolhimento imediato do Menor para garantir a ordem pública ou a aplicação da lei, exsurge como verdadeiro contrasenso a impossibilidade de o Paciente aguardar solto o julgamento de seu Apelo.
[...]
Finalmente, ressalte-se que se esse é o tratamento conferido ao maior ao ter respondido o processo em liberdade - mesmo não se perdendo de vista que no sistema do CPP a regra geral é o efeito suspensivo (art. 597) - e desde que não tenha se modificado o delineamento fático que assim autorizou a custódia cautelar, com muito maior razão se diga em relação ao adolescente - pessoa em peculiar condição de desenvolvimento - que em tese pode ter a prestação jurisdicional modificada na instância ad quem, podendo a internação lhe trazer danos irreparáveis, sem que para tanto haja fundamento a justificar a medida sócio-educativa provisória.
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC n. 112.799/SP, relatado pelo Min. Haroldo Rodrigues, em 16/03/2010, entendeu que diante da ausência de "regramento específico sobre os efeitos com que a apelação deve ser recebida nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude", aplica-se "a regra do caput do artigo 198, que determina a utilização do sistema recursal do Código de Processo Civil". Como o referido ordenamento "prevê no seu art. 520, como regra geral, que a apelação será recebida em seu duplo efeito", assim procedeu, concedendo nesse caso o direito de recorrer em liberdade ao adolescente, verbis:
HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE ROUBO QUALIFICADO. ESTUDO MULTIDISCIPLINAR DO CASO (ART. 186 DO ECA). POSSIBILIDADE DO MAGISTRADO INDEFERIR SUA REALIZAÇÃO. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. INTERNAÇÃO. GRAVIDADE ABSTRATA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. APELAÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO. REVOGAÇÃO DO INC. VI DO ART. 198 DO ECA. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE, INCLUSIVE DE OFÍCIO [...]
5.Deixando de existir regramento específico sobre os efeitos com que a apelação deve ser recebida nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, impõe-se a aplicação a regra do caput do artigo 198, que determina a utilização do sistema recursal do Código de Processo Civil [...] (HC n. 112.799/SP, rel. Min. Haroldo Rodrigues, j. 16/03/2010).
Assim, imperiosa a aplicação da regra prevista no art. 520, caput, do CPC, consequentemente, mantém-se a aplicação do recebimento do recurso de apelação interposto pela defesa no duplo efeito.
Logo, o voto é no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
DECISÃO
Nos termos do voto da relatora, esta Primeira Câmara Criminal, por unanimidade de votos, resolveu conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Hilton Cunha Junior, com voto, e dele participaram a Exma. Sra. Desa. Marli Mosimann Vargas – relatora e o Exmo. Sr. Des. Newton Varella Júnior.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou o Exmo. Sr. Procurador Pedro Sérgio Steil.
Florianópolis, 22 de junho de 2010.
Marli Mosimann Vargas
RELATORA
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