Número máximo de testemunhas no procedimento sumaríssimo.
Um problema não solucionado expressamente na reforma do Código de Processo Penal
Elaborado em 10.2009.
Eduardo Luiz Santos Cabette
delegado de polícia, mestre em Direito Social, pós-graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, professor da graduação e da pós-graduação da Unisal
A Lei 11.719/08 alterou a regulamentação legal do procedimento comum no Código de Processo Penal Brasileiro. Anteriormente aquilo que determinava o procedimento a ser adotado era a qualidade da pena (reclusão ou detenção). Com a reforma, passou-se desse critério qualitativo para um critério quantitativo, ou seja, atualmente o que determina o procedimento a ser adotado não é mais a qualidade da pena prevista para o ilícito, mas sim a quantidade de sanção máxima prevista no tipo penal.
A atual redação do artigo 394, CPP, estabelece que o procedimento comum "será ordinário, sumário ou sumaríssimo". Será o ordinário "quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos de pena privativa de liberdade". Será o sumário "quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a quatro anos de pena privativa de liberdade". E finalmente será sumaríssimo "para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei". Neste último caso, serão infrações de menor potencial ofensivo, nos termos do artigo 61 da Lei 9099/95, todas as contravenções penais e os crimes cuja pena máxima abstratamente prevista seja igual ou inferior a dois anos.
O Código de Processo Penal estabelece claramente o número máximo de testemunhas para os procedimentos ordinário e sumário. No artigo 401 regra o procedimento ordinário e deixa registrado que o número é de oito testemunhas. Por seu turno, no artigo 532 consigna que no procedimento sumário o número máximo de testemunhas é de cinco.
Entretanto, a Lei 9099/95, que rege o chamado Procedimento Sumaríssimo, sempre foi lacunosa quanto ao número máximo de testemunhas a serem arroladas na seara criminal. À míngua de uma determinação legal expressa, a melhor doutrina havia se assentado no entendimento de que dever-se-ia fazer analogia ao regramento existente "intra lege" para os Juizados Especiais Cíveis, solucionando o caso com o artigo 34 da própria Lei 9099/95, que impõe o número máximo de três testemunhas. Essa solução parecia pouco discutível, embora não pacífica, tendo em vista não haver outras regras a ocasionarem alguma dúvida ou polêmica. [01]
Ocorre que com a reforma implementada pela Lei 11.719/08 perdeu o legislador a chance de tornar essa questão mais clara, estabelecendo expressamente um número máximo de testemunhas para o sumaríssimo e ainda ensejou um clima de maior dúvida com a criação de dois novos dispositivos.
Em primeiro lugar passou a dispor o artigo 394, § 5º., CPP, que "aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário" (grifo nosso). Esse dispositivo, aliado ao artigo 92 da Lei 9099/95, que manda aplicar subsidiariamente as disposições do Código de Processo Penal que não conflitarem com aquele diploma, leva a crer que o número máximo de testemunhas, a partir do momento que não é explicitado na lei de regência, passa a ser aquele do procedimento ordinário, que se aplica subsidiariamente, ou seja, oito testemunhas (artigo 401, CPP).
Não obstante, estabelece o artigo 538, CPP, que naqueles casos de infrações de menor potencial que forem encaminhados ao Juízo Comum, nos termos dos artigos 66, Parágrafo Único e 77, § 2º., da Lei 9099/95, aplicar-se-ão as normas do procedimento sumário. Agora, à vista deste outro dispositivo do mesmo Código de Processo Penal e novamente sua conjunção com o artigo 92 da Lei dos Juizados Especiais Criminais, parece que o número de testemunhas pode ser de cinco e não de oito, de acordo com o disposto no artigo 532, CPP. Ora, se as infrações afetas normalmente ao procedimento sumaríssimo devem assumir as regras do sumário quando remetidas ao juízo comum, parece sustentável que no silêncio da Lei 9099/95 quanto ao número de testemunhas deva prevalecer o número previsto para o procedimento sumário, mais próximo do sumaríssimo, inclusive tendo em vista os princípios de celeridade, simplicidade e economia processual que regem os Juizados Especiais Criminais.
Note-se que se antes o silêncio da Lei 9099/95 era acompanhado pela omissão do Código de Processo Penal, tornando pouco discutível a aplicação subsidiária "intra lege" do artigo 34 da própria Lei 9099/95, apontando o número de três testemunhas, atualmente as novas disposições do Código de Processo Penal passaram de um silêncio sepulcral para uma tagarelice babélica. Agora podem surgir ao menos três posições plenamente sustentáveis em bases legais quanto ao número de testemunhas no procedimento sumaríssimo: oito por aplicação subsidiária do procedimento ordinário; cinco por aplicação subsidiária do procedimento sumário ou a reiteração do antigo entendimento de que o número seria mesmo de três testemunhas, considerando o disposto na própria Lei 9099/95 para os Juizados Especiais Cíveis.
Certamente o legislador deixou escapar duas chances de ouro: aquela de esclarecer uma questão um tanto quanto obscura anteriormente e outra de não obscurecer ainda mais a velha dúvida.
Considerando os princípios peculiares a regerem os Juizados Especiais Criminais, principalmente a celeridade, simplicidade e economia processual seria desejável que o legislador houvesse expressamente assentado o número máximo de três testemunhas. Mas, como não o fez, parece ser o melhor entendimento, mesmo ante as normativas acima elencadas, a causarem certa confusão, aquele que aponta a antiga solução de aplicação subsidiária da regra expressamente prevista para os Juizados Especiais Cíveis, ou seja, o número máximo de três testemunhas nos termos do artigo 34 da Lei 9099/95. [02]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DEMERCIAN, Pedro Henrique, MALULY, Jorge Assaf. Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro. Aide, 1996.
PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1997.
CARVALHO, Roldão Oliveira de, CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 3ª. ed. Araraquara: Bestbook, 2002.
BATISTA, Weber Martins, FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
GRINOVER, Ada Pellegrini, "et al." Juizados Especiais Criminais. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2002.
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 11ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
Notas
Neste sentido: DEMERCIAN, Pedro Henrique, MALULY, Jorge Assaf. Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro. Aide, 1996, p. 71. PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1997, p. 106. CARVALHO, Roldão Oliveira de, CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 3ª. ed. Araraquara: Bestbook, 2002, p. 92. Anote-se, porém, que já havia quem se posicionasse pelo número de cinco testemunhas por aplicação subsidiária do então procedimento dos crimes apenados com detenção. Ver neste sentido: BATISTA, Weber Martins, FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 337. A questão nunca foi pacífica. Por seu turno, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, em obra conjunta, entendem não ser aplicável a normativa do artigo 34 da Lei 9099/95 à espécie por referir-se especificamente ao campo cível.Defendem o número máximo de cinco testemunhas para crimes apenados com detenção e de três testemunhas para contravenções. Ver: GRINOVER, Ada Pellegrini, "et al." Juizados Especiais Criminais. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 179 – 180. Este também é o entendimento apontado como preferível por Edílson Mougenot Bonfim. Ver: BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Observe-se, porém, que essa distinção entre cinco testemunhas para crimes apenados com detenção e três para contravenções não tem mais cabimento. Por um lado o antigo procedimento sumário das contravenções, que previa o número de três testemunhas, foi expressamente revogado, não podendo mais subsistir qualquer resquício de sua influência. De outra banda, conforme visto, a diferenciação procedimental qualitativa com relação às penas também foi abolida pela novel legislação, não sendo de se argüir sua incidência. O problema deve agora ser solucionado com vistas às normas vigentes, as quais, como se verá, continuam bastante confusas.
Neste sentido já se encontra entendimento doutrinário. Vide TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 11ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 698.
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14/05/2010
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