Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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25/05/2010

Flagrante e Polícia MIlitar - Não pode

Relaxamento de prisão em flagrante

COMUNICAÇÃO DE PRISÃO EM FLAGRANTE Nº 5000011-41.2010.404.7211/SC

DECISÃO

Trata-se de comunicação de prisão em flagrante de João Francisco dos Santos, pela prática, em tese, do delito previsto no art. 334, do Código Penal.

O comunicado foi lavrado por 'autoridade de polícia administrativa', integrante dos quadros da Polícia Militar (evento 1).

Decido.

1. Da possibilidade de lavratura do auto de prisão por policial militar

A prisão em flagrante encontra previsão no texto constitucional (art.5º, LXI) e, nos termos do Código de Processo Penal, é faculdade de qualquer do povo e dever das autoridades policiais e seus agentes (art. 301). Nenhuma dúvida, portanto, quanto ao fato de os agentes das autoridades policiais terem o dever de efetuar a prisão em situações de flagrante delito.

Contudo, é indispensável examinar as disposições do ordenamento jurídico acerca da atuação reservada aos órgãos responsáveis pela segurança pública, elencados pelo art. 144, da Constituição da República, nos termos seguintes:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º

A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº19, de 1998)
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

IV -

exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 4º -

às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º -

às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

A Constituição foi clara ao reservar

às polícias civil e federal as atividades de polícia judiciária, responsáveis pela apuração das infrações penais e de sua autoria, consoante dispõe o artigo 4º, do Código de Processo Penal, e às polícias militares as funções de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (art. 144, §§ 1º, 4º e 5º). Além disso, delegou ao legislador o funcionamento dos órgãos responsáveis a fim de garantir a eficiência das atividades (art. 144, § 7º).
A distinção entre polícia judiciária e repressiva não é leviana, e tem reflexos profundos na estrutura acusatória do processo destinado a apurar o ilícito criminal e a garantir os direitos individuais do investigado, tratado como sujeito e não mais como objeto da ação estatal. Colha-se lição doutrinária (NUCCI, Guilherme de Souza.

Código de processo penal comentado, 8ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008):

'

5. Previsão constitucional da polícia judiciária: (...) Portanto, cabe aos órgãos constituídos das polícias federal e civil conduzir as investigações necessárias, colhendo provas preconstituídas e formar o inquérito, que servirá de base de sustentação a uma futura ação penal. Note-se a preocupação legislativa para deixar bem clara a atuação da polícia civil (entenda-se, fora do contexto militar, porém estadual ou federal, conforme o caso) na condução das investigações pré-processuais: 'Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas' (art. 50, caput, Lei 11.343/2006 - grifamos). A expressão autoridade de polícia judiciária, que obviamente não é a autoridade militar, é repetida em outros dispositivos da referida lei (Lei de Tóxicos).'
O Código de Processo Penal também foi cristalino ao dizer que '

a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria' (art. 4º).
O diploma processual vincula o termo

autoridade policial ao exercício das funções investigativas inerentes ao inquérito policial, que podem ser iniciadas com a prisão em flagrante (art. 8º). Nessa ordem de idéias, prossegue o autor referido:
'

7. Outras investigações criminais: podem ser presididas, conforme dispuser a lei, por outras autoridades. É o que se dá, por exemplo, quando um juiz é investigado. Segundo dispõe o art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar 35/79, 'quando, no curso da investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou Órgão Especial competente para o julgamento a fim de que prossiga na investigação' (...)' (grifamos).
E, mais adiante:

'

52. Investigação policial iniciada pela prisão em flagrante: é a maneira cogente de a autoridade policial dar início ao inquérito policial e à investigação criminal. Realizada a prisão, após flagrante delito, é apresentado o indivíduo detido para a lavratura do auto (...).'
Portanto, nos casos de prisões decorrentes de flagrante delito, a polícia militar deve, no exercício da atividade repressiva, apresentar o preso à autoridade competente para o exercício das funções de polícia judiciária e, portanto, para a lavratura do auto de prisão em flagrante, nos termos do art. 304, do Código de Processo Penal.

E, em razão da interpretação sistêmica dos artigos 4º, 6º e 304, do Código de Processo Penal, à luz do artigo 144, da Constituição, entenda-se por autoridade competente os ocupantes do cargo de delegado de polícia de carreira, referidos pelo § 4º, desse dispositivo.

Não se trata de formalidade dispensável ao bel prazer do intérprete.

A formação dos delegados de polícia, acadêmica e decorrente de treinamento específico, é imprescindível para o adequado desempenho das atividades descritas pelos artigos 6º e 304 da lei processual penal (como, por exemplo, a oitiva de testemunhas e do ofendido, o interrogatório do acusado, o reconhecimento de pessoas e coisas, a realização de acareações e determinação de perícias) e para o resguardo das garantias constitucionais do flagrado.

As exceções ficam por conta do legislador

, nos termos do art. 144, § 7º, da Constituição Federal, e nos casos em que haja demonstração da inércia ou da recusa por parte da autoridade policial.
Cite-se, como exceções legislativas, a possibilidade de o auto ser lavrado por magistrado (art. 307, do Código de Processo Penal), por deputado ou senador (Súmula 397, do Supremo Tribunal Federal) e por agentes florestais (art. 33,

b, da Lei 4.771/65).
Na segunda hipótese, a ponderação dos princípios constitucionais referentes à segurança pública e aos direitos individuais autoriza a lavratura do auto pela autoridade responsável pelo exercício da polícia repressiva. A recusa por parte do delegado de polícia, por motivos estranhos ao ordenamento jurídico, não pode constituir risco à segurança da sociedade, sendo passível, inclusive, de apuração nas searas adequadas.

2. Do exame do caso concreto

Não há, no caso subjacente, elementos que indiquem a recusa ou a inércia por parte do delegado de polícia competente capazes de legitimar a manutenção da prisão do conduzido.

Ante o exposto,

determino o relaxamento imediato da prisão em flagrante, nos termos do art. 5º, LXV, da Constituição, sem prejuízo de futura apuração do delito em tese praticado pelo flagrado.
Expeça-se ordem de soltura pelo meio mais expedito.

Comunique-se às polícias Militar e Federal (em Lages), remetendose

cópia da presente decisão.

Intime-se o Ministério Público Federal.

Caçador, 03 de fevereiro de 2010.

EDUARDO CORREIA DA SILVA

Juiz Federal Substituto

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