O STF e a reincidência: a repetição do mesmo
No Brasil há previsão, no Código Penal, do instituto da reincidência, segundo o qual, em linhas gerais, ocorre quando uma pessoa “comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença penal condenatória”. Há, também, uma polêmica sobre a constitucionalidade, ou não, do dispositivo, situação sobre a qual irei fazer pequenas reflexões. A polêmica torna-se…
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No Brasil há previsão, no Código Penal, do instituto da reincidência, segundo o qual, em linhas gerais, ocorre quando uma pessoa “comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença penal condenatória”. Há, também, uma polêmica sobre a constitucionalidade, ou não, do dispositivo, situação sobre a qual irei fazer pequenas reflexões.
A polêmica torna-se importante, pois no dia 04 de abril de 2013, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do dispositivo, permitindo, portanto, a agravante da “reincidência” aumentar as penas. O Relator do Recurso Extraordinário em Habeas Corpus foi o Ministro Marco Aurélio e a decisão foi tomada por unanimidade. Em linhas gerais o STF concluiu que o instituto da “reincidência” interfere em diversos momentos, desde a formulação concreta da pena como também de sua execução, garantindo, também, a observância do princípio da individualização da pena, vez que estaria levando em consideração o perfil do condenado. As reflexões partem, portanto, das linhas gerais do julgamento. Levo em consideração aspectos subjetivos e objetivos do instituto da “reincidência”.
Do ponto de vista subjetivo é preciso entender que o magistrado não é uma máquina, isto é, o suposto critério da neutralidade ou, melhor dizendo, do olhar imparcial do magistrado sob o fato é sensivelmente alterado quando se trata de acusado reincidente. É preciso notar que ao analisar os autos de uma ação penal, o magistrado (como ser humano que é) irá verificar a existência, ou não, de crimes anteriores praticados pelo acusado. Ora, qual o motivo desta análise? Existirá maior ou menor justificação, culpabilidade, imputabilidade se o acusado for reincidente? Do ponto de vista subjetivo a análise prematura da reincidência permitirá, no mínimo, a estigmatização do acusado e, consequentemente, uma lesão ao princípio da presunção de inocência. Do mesmo modo, a periculosidade ou a personalidade do sujeito não poderão ser avaliadas ou mensuradas pelo magistrado, pelo simples olhar valorativo dos antecedentes criminais e da reincidência.
De modo semelhante, a análise objetiva da reincidência revela, principalmente, o descompasso entre teoria e prática, isto porque, como se sabe, um fato não pode ser valorado mais de uma vez e a utilização da reincidência para agravamento da pena faz exatamente isto, ou seja, considera o fato para condenar e utiliza esta condenação para agravar a pena de um segundo crime. Lembro aqui uma situação idêntica: a inconstitucionalidade do aumento de pena no caso do estupro quando a vítima tinha idade inferior a 14 anos (presunção de violência), pois o critério “idade” servia tanto para caracterizar o elemento “violência” do tipo penal, como justificar o aumento da pena.
Infelizmente, nesta última decisão, o STF julgou mal. Teve a oportunidade e não fez. Poderíamos esperar outra coisa, diante de um STF que condena dizendo que o réu deve provar sua inocência? Repetir é “pedir novamente”. Reincidir é “incidir novamente”. STF é “julgar novamente”, aliás é “julgar mal novamente”.
A “reincidência” deve existir? Creio que sim, mas no sentido estatístico. Não mais que isso. É preciso existir índices estatísticos sobre determinado evento para tomada de futuras decisões, isto porque é preciso verificar o grau de ocorrência para, se for o caso, propor ações e alterar os resultados. Assim, se um determinado time de futebol tem tomado gols na segunda etapa do jogo é preciso rever, por exemplo, o condicionamento físico dos atletas como hipótese para a baixa da produtividade durante um determinado tempo de jogo. Da mesma forma, se um time de futebol consegue fazer gols nos momentos finais da partida, pode significar que o time está bem preparado física e psicologicamente e seus adversários não. Contudo, subsumir a culpabilidade de alguém por meio de dados estatísticos informados pela reincidência não é razoável e, pior, flagrantemente inconstitucional.
SERGIO GRAZIANO OAB/SC 8042 – Advogado do escritório Graziano e Rizzatti Advocacia – Doutor em Direito pela PUC/RJ – Pós-Doutorando na área de Ciências Criminais pela PUC/RS.
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