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14/02/2013

Da impossibilidade do uso do acordo de leniência como forma de impedir o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público Rafael Junior Soares

Da impossibilidade do uso do acordo de leniência como forma de impedir o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público
Rafael Junior Soares
http://www.ibccrim.org.br/desenv/site/boletim/exibir_artigos.php?id=3535


Com a redação da Lei n. 10.149/2000, inseriu-se na Lei n. 8.884/94(1) o artigo 35-B, que trouxe ao ordenamento pátrio o instrumento jurídico de origem americana(2) denominado acordo de leniência, realizado na esfera administrativa, mas que detém consideráveis efeitos penais. Trata-se de uma figura incluída na categoria do direito premial(3) brasileiro, pois permite àqueles que colaborarem com as investigações ou os processos administrativos instaurados pela Secretaria de Direito Econômico (SDE), referente aos crimes contra a ordem econômica previstos nos artigos 4º, 5º e 6º da Lei n. 8.137/90, obterem a suspensão da prescrição durante a vigência do pacto, com a consequente extinção da punibilidade ao final do cumprimento do acordo, e, o mais importante para o presente trabalho, o impedimento do oferecimento de denúncia pelo Ministério Público (art. 35-C, Lei n. 8.884/94).
Pois bem, não obstante a boa vontade do legislador na tentativa de tornar mais eficaz a sistemática administrativa e penal de combate aos crimes contra a ordem econômica, nota-se, na verdade, a criação no ordenamento jurídico de mais uma figura anômala e dúbia,(4) que, muito embora ainda não tenha sido objeto de exame mais aprofundado pelos Tribunais pátrios, deve ser discutida em face de seu alcance e relevância em relação às partes envolvidas no processo penal.
O dispositivo legal em exame previu a possibilidade de formalização de atos administrativos com repercussões imediatas e automáticas no processo penal, pois, o acordo de leniência concretizado no âmbito do Poder Executivo, por meio de um dos órgãos de controle da concorrência e as pessoas físicas ou jurídicas envolvidas na prática anticoncorrencial, sem qualquer participação ou acompanhamento do Ministério Público por falta de previsão legal, seria fundamento suficiente para impedir o oferecimento da peça acusatória.
Ocorre que, nos termos do artigo 129, inciso I, da Constituição Federal,(5)a ação penal pública é privativa do Ministério Público, não existindo qualquer outro legitimado para tal mister fora a hipótese, vista como exceção, da ação penal privada subsidiária da pública (artigo 5º, LIX, CF). A partir da análise de tal dispositivo observa-se a incongruência (para não se falar em inconstitucionalidade) ao se impedir o Ministério Público de oferecer denúncia com base em acordo administrativo em relação ao qual não participou, não opinou e tampouco detém conhecimento a respeito dos termos ali firmados.
Num singelo exame, é possível verificar que não se poderá opor o acordo de leniência como forma de impedir o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público, até mesmo em razão dos princípios da indisponibilidade e da obrigatoriedade,(6) visto que tais princípios, no Brasil, só podem ser mitigados em caráter excepcional, em hipóteses tais como a suspensão condicional do processo e a transação penal, previstas na Lei n. 9.099/95, em que o Ministério Público possui uma discricionariedade regrada, pois são situações restritas e bem disciplinadas,(7) dentre as quais, como se vê na legislação atual, não se inclui o acordo de leniência.
Na espécie, não há que se falar em mitigação de tais princípios, pelo contrário, há total negação, uma vez que o Parquet não participa do acordo de leniência, seja pela inexistência de previsão legal, seja pela vedação principiológica da instituição. Assim, a titularidade da ação penal pública assegurada constitucionalmente impede que terceiros renunciem à promoção da função institucional do Parquet, sob pena de indevido afastamento do legitimado pela Carta Magna.
O que fica claro no dispositivo em tela é que o legislador tolheu a função conferida ao Ministério Público, em flagrante inconstitucionalidade,(8) eis que não se pode conferir aos órgãos concorrentes incumbidos da persecução no âmbito administrativo (p.ex.: Receita Federal, COAF, SDE etc.) a possibilidade de interferência automática no processo penal, em razão do princípio da independência das instâncias,(9) sem que haja participação principalmente do Parquet, ou do Poder Judiciário (artigo 5º, XXXV, CF), ainda que por meio da homologação do acordo (tese aventada por alguns doutrinadores, com a qual não se concorda(10)).
Portanto, o acordo de leniência firmado pela SDE não poderá ser oposto ao Ministério Público como forma de impedir o oferecimento de denúncia, visto que o órgão acusatório não participou daquele pacto, inexistindo qualquer vinculação em relação àquilo que fora exposto na esfera administrativa, e, mesmo que participasse, faltaria fundamento legal para se permitir a negociação entre Parquet, acusado e Poderes Executivo e Judiciário em razão dos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal que deverão prevalecer.
Por outro lado, há que se refletir sobre a situação do acusado que efetuou o acordo de leniência sem a participação do Ministério Público. Poderia ser processado simplesmente porque realizou o acordo com órgão administrativo (ou instituição) senão aquele responsável pela persecução penal? Numa análise perfunctória é possível concluir que o acusado terá direito de ver resguardada sua liberdade individual. Mas isso é um debate para outro estudo.

Notas
(1) Conhecido como Lei Antitruste, o diploma sistematiza a matéria anticoncorrencial no Brasil, de modo a aperfeiçoar o tratamento legislativo, na busca da difusão de uma cultura de concorrência. Cria-se o “Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC”, composto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, pela SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico, vinculado ao Ministério da Fazenda, e pela SDE – Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, responsável pelos acordos de leniência. FORGIONI, Paula AOs fundamentos do antitruste. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 144.
(2) SANTOS, André Maciel Vargas dosO acordo de leniência e seus reflexos no direito penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1502, 12.ago.2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10270>. Acesso em: 01.jul.2010.
(3) A expressão “direito premial” foi utilizada por Rudolf Von Ihering, que previu um Estado ineficaz no combate à criminalidade, o que resultaria na necessidade de introdução de prêmios aos acusados de práticas criminosas que delatassem os comparsas, como forma de garantir o interesse da coletividade. IHERING, Rudolf VonA luta pelo direito. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
(4) “A pletora de imprecisões e o alto grau de discricionariedade da legislação brasileira levam à conclusão de que o acordo de leniência, antes de estímulo à delação e ao conseqüente desbaratamento da ação criminosa dos cartéis, é, muito mais, fator de inestimável risco ao delator: seja pelo aspecto jurídico, porque carrega ineficácia pela forma obscura como vem estruturado”.BRANCO, Fernando Castelo. Direito penal econômico: crimes econômicos e processo penal. Reflexões sobre o acordo de leniência: Moralidade e eficácia na apuração dos crimes de cartel. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 137/165.
(5) Na lição de Marcellus Polastri Lima“na área penal, foi lhe assegurada apromoção privativa da ação penal pública (art. 129, I), cujo exercício se constitui em verdadeira parcela de soberania. Anteriormente, o Código de Processo Penal e a Lei Complementar n. 40 deferiam a promoção da ação penal pública à Instituição, mas sem foro de privatividade, sendo que, com a inovação constitucional, somente o parquet poderá promover a ação penal pública, sepultando de vez, agora com embasamento constitucional, os chamados procedimentos de ofício”. LIMA,Marcellus Polastri. Ministério Público e persecução criminal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 13.
(6) De qualquer modo, como destaca Heloísa Estellita, em alusão à delação premiada, tema de certa forma semelhante ao instituto estudado, o Ministério Público não pode negociar com o réu fora das hipóteses expressamente previstas em lei. Tal afirmação reforça a ideia da impossibilidade de qualquer tipo de negociata no acordo de leniência, mesmo com a presença do Parquet, visto que os princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade devem prevalecer. ESTELLITA, HeloísaA delação premiada para a identificação dos demais coautores ou partícipes: algumas reflexões à luz do devido processo legalBoletim IBCCRIM. São Paulo, ano 17, n. 202, p. 2/4, set. 2009.
(7) LOPES JR., AuryDireito processual penal e sua conformidade constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 349/350.
(8) TRÊS, Celso AntonioTeoria geral do delito pelo colarinho branco. Curitiba: Imprensa Oficial, 2006, p. 183.
(9) A distinção que se faz entre ilícito penal e administrativo é quantitativa (gravidade da infração). Dessa forma, conforme posicionamento pacífico da jurisprudência, prevalecerá o princípio da independência das instâncias, não se justificando qualquer interferência do acordo de leniência na esfera penal. GOMES, Luiz FlávioDireito Penal, volume 1: introdução e princípios fundamentais. São Paulo: RT, 2007, p. 68/69. Na mesma esteira, em precedente único sobre o tema: “HABEAS CORPUS – CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA – AÇÃO PENAL – TRANCAMENTO. (...) Ação penal – Falta de condição de procedibilidade – A instância penal independe da instância administrativa, não sendo a finalização do procedimento administrativo condição de procedibilidade para a persecutio criminis. Acordo de leniência – LF 10149/2000 – Art. 35-B e art. 35-C – Faculdade da União que não condiciona a propositura da ação penal (...)”. (TJRS, Habeas corpus n. 70009727181, 4ª Câmara Criminal, j. 30/04/2004). Ainda, em outro precedente semelhante:“(...) Deveras, a atuação paralela das entidades administrativas do setor (CADE e SDE) não inibe a intervenção do Judiciário in casu, por força do princípio da inafastabilidade, segundo o qual nenhuma ameaça ou lesão a direito deve escapar à apreciação do Poder Judiciário, posto inexistente em nosso sistema o contencioso administrativo e, a fortiori, desnecessária a exaustão da via extrajudicial para invocação da prestação jurisdicional. (...)” (AgRg na MC 8791/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 02/09/2004, DJ 13/12/2004, p. 217).
(10) Para Rodolfo Tigre Maia há a possibilidade de o magistrado, com a participação do Ministério Público, realizar o controle da obrigatoriedade da ação penal pública, em razão do poder-dever de apreciar a juridicidade e a legitimidade do acordo com vistas a homologá-lo. MAIA, Rodolfo Tigre.Tutela penal da ordem econômica: o crime de formação de cartel. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 235.

Rafael Junior Soares

Advogado criminalista. Especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal – ICPC/UFPR. Pós-graduando em Direito Penal Econômico e Europeu pela Faculdade de Direito de Coimbra e IBCCRIM.

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