Por
isto a importância da manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF), no
julgamento do HC 91.232. relator Ministro Eros Grau, no qual, até que enfim,
deu-se sentido democrático ao processo penal e à presunção de inocência:
“HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA
PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP
estabelece que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e
uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à
primeira instância para a execução da sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de
liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do
Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória". 2. Daí a conclusão de que os preceitos veiculados pela
Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se,
temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. Disso resulta que a prisão antes do
trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar.
4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as
fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso
a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa,
também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a
pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa
pretensão. 5. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o
texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência
dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio
constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por
recursos especiais e extraordinários, e subseqüentes agravos e embargos, além
do que "ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado
como incitação à "jurisprudência defensiva", que, no extremo, reduz a
amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não
pode ser lograda a esse preço. 6. Nas
democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa
qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas
entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade. É
inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer
circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode
apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem
concedida.” Pode-se discorrer sobre muita coisa deste voto, o qual, fala
por si mesmo. Cabe relevar que o processo penal, como garantia, precisa ser
levado a sério, sob pena de se continuar a tratar a “Inocência” como figura
decorativo-retórica de uma democracia em constante construção e que aplica,
ainda, processo penal do medievo, cujos efeitos nefastos se mostram todos os
dias[1].
Por isto a necessária superação da farsa da mentalidade inquisitória!
[1] ANDRADE, Lédio Rosa de. Violência,
psicanálise, direito e cultura. Campinas: Millenium Editora, 2007; MISSE,
Michel. Crime e violência no brasil contemporâneo: estudos de sociologia do
crime e da violência urbana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006; BECKER, L.A.;
SILVA SANTOS, E.L.. Elementos para uma teoria crítica do processo. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabri Editor, 2002; CARVALHO, Salo de. As presunções no
direito processual penal (estudo preliminar do ‘estado de flagrância’ na
legislação brasileira). In: BONATO, Gilson (Org.). Processo penal: leituras constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; GERBER, Daniel. Prisão em
flagrante: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
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