AMHORROROSA VIDA?
A vida amorosa, ao que parece, não fica muito longe da possibilidade de cair na amor-horrorosa e desonrosa vida. Se alguma coisa se pode extrair de um percurso de análise, se algum efeito a análise produz no nosso campo da libido, é poder lidar com o amor com uma certa economia de desastres, apesar das pedras no meio do caminho, ou no cantinho do sapato, que teimam constantemente em nos fazer descarrilar das estradas, ou mancar para chegar em algum lugar.
E estou falando da relação amorosa, em qualquer de seu âmbito ou amplitude: no âmbito eminentemente erótico, entre parceiros com metas sexuais não inibidas, e também no âmbito das ternas e prosaicas relações de família, de metas sexuais inibidas pelo fundante tabu do incesto. Nesta estamos sempre menos avisados, ao que parece. Na outra, o sexo dá seus avisos.
Freud nos transmite, que o processo analítico possibilita trabalhar e amar com um pouco mais de leveza, sem os entraves burocráticos e embaraçosos ditados pelos ferrenhos sintomas neuróticos. Lacan, fiel à letra de Freud, nos encosta na parede, fazendo-nos escutar que “amar é dar o que não se tem” . Dura verdade!
O amor se funda no dom da falta. Quem dá o que supõe ter, que incessantemente pensa que tem algo a dar, não ama. Apenas festeja a sorrateira e invisível certeira colheita do ódio. Aí o amor não chega. Acreditar que tem algo a dar, não é amor, é festa, como diz o próprio Lacan. Todos sabemos que é mesmo nas festas, que cada qual julga estar dando ao outro o que tem. E podemos sempre constatar que as grandes festas deixam seus saldos de aguda depressão. Ao Carnaval, segue-se o padecer da paixão, surgem as cinzas do que tanto se queimou em festins e festanças.
O desejo é indestrutível e, na sua indestrutibilidade, vigora na base da falta. Vigora porque nunca satisfará por completo, pois é impossível, mas tampouco vai deixar à míngua, pois ninguém é de ferro. É possível extrair um contorno que traga, ao fim da linha, a alegria do desejo decidido. Decidido a amar e trabalhar, apesar, e por causa da falta. Não tem como ser de outro jeito, sempre deixará a desejar.
Já quando se cai na festa, temos duas dicas dadas por dois filmes do cineasta Luis Buñuel: O Anjo Exterminador e Veridiana.
No Anjo Exterminador, o sujeito se prende na festa, de tal forma a se fazer “festivamente exterminar”, se consumindo no mortífero exaurimento festivo, e dali não sai, dali ninguém lhe tira, nem mesmo guiando-se por cândidas ovelhinhas. Nada mais contemporâneo!
Já em Veridiana, o amor-versão-festa encontra nos agraciados, a brutal interpretação do desejo da pródiga e provedora mocinha. O sujeito vai receber aí, do Outro, a sua própria mensagem, na forma invertida: se faz violar.
O amor é, portanto, algo sério. Se qualquer um que se dê ao amor, tentar ali se proteger completamente da falta, mesmo ao custo e preço da mendicância, vai acontecer, como escutei no trabalho de uma colega, que terá, em sequência lógica, apenas esmola. E esmola, como quase sempre, bem chinfrim, apenas para apaziguar a “má consciência” do doador.
Quando o amor se degrada a este ponto, está anunciado que o pano está caindo, que as cortinas estão se fechando e que a cena amorosa está entregando os pontos. O amor não se sustenta se o amante e amado não lhe reservarem lugar de importância e de riscos
Porém, quem diria que o amor não tem também seu lado cômico? Só se sabe estar envolvido em suas malhas, quando o ridículo as colore, quando ali haja espaços para brincar de ter o que não se tem, ou de dar o que nunca pode nem jamais poderá ser dado, quando ali haja piques de tensão e distensão e esconde-escondes de nada. Um grande, médio ou pequeno – pouco importa o tamanho - amor, só sobrevive quando nele puderem conviver um pouco da balzaquiana comédia humana com boas doses da dantesca divina comédia.
Quando chega a hora do amor ser degustado, na mesa do amor, quando ele é servido, inconscientemente, quem prova o tempero, é o mordomo de plantão: o paladar do ódio. Só o ódio pode avaliar se a iguaria está ou não venenosa.
Se cairmos na besteira de expulsar o degustador, o envenenamento ficará bem mais à vontade. Esta distração de ficar à vontade acontece menos entre estranhos e mais entre familiares. É por isto que o amor entre estranhos, que sempre supõe ser o “mordomo” indispensável, é mais perigoso que o amor familiar onde, na ilusão de que estamos todos em casa, ficamos menos avisados.
Na verdade, é preciso aceitar o amor sempre envolvido com um estranho familiar, ou com um familiar que, é bom que não se esqueça, também é estranho. E, cá pra nós....na melhor das hipóteses!!!.
Juiz de Fora, 28 de janeiro de 2014
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