Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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Alexandre Morais da Rosa

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11/09/2013

Recurso Criminal 9.099/95. Joinville, rel. Juiz Fernando de Castro Faria


Recurso Inominado n. 2013.501448-2, de Joinville/Juizado Especial Criminal e Delitos de Trânsito
Relator: Fernando de Castro Faria
Juíza Prolatora: Andrea Cristina Rodrigues Studer


AÇÃO PENALCRIME AMBIENTAL (ARTIGO 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 9.605/98). VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. MERAS SUSPEITAS FUNDADAS EM DENÚNCIAS ANÔNIMAS. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO. PROVA ILÍCITA. ABSOLVIÇÃO DO ACUSADORECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. PREJUDICADO O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Meras suspeitas de que o acusado mantinha em depósito produto de origem vegetal, sem licença válida para o armazenamento (Documento de Origem FlorestalDOF), outorgada pela autoridade competente (FATMA), não autoriza a entrada de policiais em sua residência, sob o fundamento de flagrante delito. Sem eficácia probatória a prova colhida, pois obtida ilicitamente, cuja apuração se deu diante de comportamento ilícito dos agentes estatais, violando o domicílio do acusado, não servindo de suporte a legitimar sua condenação. Inadmissível também a prova derivada da ilícita, pois evidente o nexo causal entre a invasão do domicílio e a apreensão dos objetos. Não há, também, que se valorizar a confissão do apelante, eis que esta ocorreu em decorrência da apreensão ilegal, correndo-se o risco de tornar letra morta a norma constitucional que veda a utilização da prova ilícita. A absolvição é medida que se impõe. (RE 597752 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. em 23.04.2013).


VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado 2013.501448-2, da Comarca de Joinville/Juizado Especial Criminal e Delitos de Trânsito, no qual figuram ambas as partes, Ivo Rogério Chaves Vieira e Justiça Pública, como Recorrentes e Recorridos.

VOTO

Trata-se de Recurso Inominado interposto por Ivo Rogério Chaves Vieira em face da sentença que julgou procedente a denúncia e o condenou como incurso nas sanções do artigo 46, parágrafo único, da Lei n. 9.605/98.

Analisando detidamente as provas carreadas aos autos observo que, na espécie, as circunstâncias da abordagem não evidenciavam situação de flagrância a autorizar o ingresso dos policiais na residência do acusado, sem permissão do proprietário ou, ainda, sem ordem judicial.

Dos depoimentos dos policiais militares colhidos durante a instrução constata-se que o ingresso na propriedade do acusado se deu sem autorização, sendo irrelevante o argumento de que se tratava de um rancho anexo à residência.

Marco Augusto da Silva (CD de fl. 88) afirmou que receberam denúncias de caça e fabricação clandestina de palmito na propriedade do acusado. Entraram no local onde se encontravam os palmitos por uma janela, pois a porta estava fechada com um cadeado. Disse, ainda, que não houve autorização judicial para a entrada no local, justificando o ato noflagrantedas armas apreendidas na mesma ocasião.

No mesmo sentido são as declarações prestadas por Marcos Aurélio Gomes (CD de fl. 88), ao narrar que receberam várias denúncias de atividade de caça e, por essa razão, resolveram fazer a abordagem. Afirmou que não havia autorização do proprietário para a entrada no local e que ingressaram por uma janela que estava encostada, pois a porta estava fechada com um cadeado.

Ora, além da admissão expressa dos policiais a respeito da ausência de qualquer autorização, a simples negativa do proprietário em fornecer a chave do cadeado para o ingresso dos policiais no local, conforme depoimentos, representa a contrariedade do acusado com tal intenção dos agentes.

E a respeito do “flagrante” das armas, observa-se que houve promoção de arquivamento pelo próprio Ministério Público, pelo que não havia legalidade na conduta dos policiais. E mesmo que houvesse a denúncia por eventual crime previsto no Estatuto do Desarmamento, a solução seria a mesma, dada a ilicitude na obtenção das provas.

Isso porque a casa é asilo inviolável, assim protegida pela Constituição da República (art. 5º, inciso XI), não sendo possível a sua violação com fundamento em denúncias anônimas, na medida em que isso certamente acarretaria a possibilidade de se ingressar em domicílios de pessoas inocentes por mera vingança ou revanchismo de eventual desafeto doalvo. Eventuais denúncias/suspeitas devem ser submetidas à investigação e apreciação judicial.

No mesmo sentido:

APELAÇÃO-CRIME. POSSE DE DROGAS. INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. ILICITUDE DA PROVA. ABSOLVIÇÃO.
Inviolabilidade do domicílio. Não restou demonstrada a situação de flagrante delito apta a excepcionar a proteção conferida por força do artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal. Havendo informação anônima ou não da prática de delito em algum domicílio/residência, é indispensável a prévia obtenção de mandado judicial de busca e apreensão. Aliás, informação anônima deve ser objeto de preliminar investigação policial. A lei não permite atalho, nesse caso e, somente no caso de haver certeza da prática de ilícito penal é que fica autorizada a exceção do inciso XI do art. da Constituição. E, para ter certeza, o policial deve ter tido condições de visualizar a prática do ilícito, ou de ouvir ruídos ou vozes nesse sentido. Noutras situações, impõe-se a obtenção do prévio mandado judicial.
No caso dos autos, consta que a ré foi surpreendida em sua casa pela ação dos policiais que não estavam munidos de mandado. Nesses termos, a casa, como ASILO INVIOLÁVEL do indivíduo implica a necessidade do prévio mandado de busca e apreensão, caso contrário a residência/domicílio não seria ASILO.
Desse modo, corolário lógico é a ilicitude da prova e, com sua inutilização, impõe-se a absolvição do acusado por ausência de provas da existência do fato. (TJRS, Ap. Crim. n. 70052709334, Terceira Câmara Criminal, rel. Des. Diógenes V. Hassan Ribeiro).

Da doutrina de Alexandre Morais da Rosa, para quem o Garantismo não é religião, mas limitação do poder estatal, extrai-se:

Denúncia anônima: para se investigar alguém, numa democracia, não se pode denunciar com odenuncismo anônimocontemporâneo em que a polícia recebe a denúncia e se por satisfeita. Tanto assim que agora se fomentam programas ilegais como o doInformante Cidadão. É preciso que as investigações aconteçam no limite da legalidade. O processo de Inquisição acontecia com testemunhas sem rosto, sem face, sem nome, num denuncismo sem limites. Para isso a Constituição da República, em vigor mais de vinte anos, estabeleceu claramente no art. 5.º, IV:é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.Paulo Rangel, sem aceitar investigar a qualquer preço, pontua:Pensamos que a autoridade que determinar a instauração do procedimento criminal ou administrativo, tendo como base a denúncia anônima, ficaria sujeita, em tese, à responsabilidade criminal, nos exatos limites do art. 339 do CP. O denunciante anônimo se esconde atrás das vestes da impunidade, pois, se sua denúncia for falsa, ele não será responsabilizado. () O 'denunciado' tem o direito de demonstrar os motivos pelos quais quem o denuncia o faz: vingança, perseguição política, inveja, despeito, falta do que fazer, etc. Sendo anônima a denúncia, não como reagir contra o denunciante. Ele fica refém.Tourinho Filho sustenta:se o nosso CP erigiu à categoria de crime a conduta de todo aquele que causa à instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, como poderiam os 'denunciados' chamar à responsabilidade o autor da delatio criminis, se esta pudesse ser anônima? A vingar entendimento diverso, será muito cômodo para os salteadores da honra alheia, vomitarem, na calada da noite, à porta das Delegacias, seus informes pérfidos e ignominiosos, de maneira atrevida, seguros, absolutamente seguros da impunidade. Se se admitisse a delatio anônima, à semelhança do que ocorreria em Veneza, ao tempo da inquisitio extraordinem, quando se permitia ao povo jogasse nas famosas 'Bocas dos Leões' suas denúncias anônimas, seus escritos apócrifos, a sociedade viveria em constante sobressalto, uma vez que qualquer do povo poderia sofrer o vexame de uma injusta, absurda e inverídica delação, por mero capricho, ódio, vingança ou qualquer outro sentimento subalterno.Assim é que a denúncia anônima não pode ser tida, a priori, com fundamento suficiente, nem justifica qualquer medida direta pela autoridade policial que não a investigação preliminar e o requerimento ao Judiciário das medidas cautelares que fizerem necessárias, apresentando as investigações realizadas.1

No caso em análise, não qualquer informação da existência de prévia investigação acerca das supostas denúncias anônimas recebidas em desfavor do acusado. Os policiais, após receberem ditas denúncias, realizaram a abordagem na residência sem qualquer autorização do proprietário ou, ainda, ordem judicial.

Dessa forma, reputo ilícitas as provas obtidas no presente feito e, por essa razão, inexistentes/nulas (art. 157, do Código de Processo Penal).

Diante do exposto, voto pelo provimento do recurso interposto e a consequente absolvição de Ivo Rogério Chaves Vieira.

Prejudicado o recurso interposto pelo Ministério Público.

ACORDAM os Juízes da Quinta Turma, por maioria de votos, CONHECER e DAR provimento ao recurso interposto e, consequentemente, absolver Ivo Rogério Chaves Vieira com fundamento no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal. Vencido o Juiz César Otávio Scirea Tesseroli.
Sem custas.

Participaram do julgamento, realizado no dia 9 de setembro de 2013, os Excelentíssimos Senhores Juízes César Otávio Scirea Tesseroli – presidentee Rudson Marcos.

Joinville, 9 de setembro de 2013.


Fernando de Castro Faria
Relator

1 ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

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