Recurso
Inominado
n.
2013.501448-2,
de
Joinville/Juizado Especial Criminal e Delitos de Trânsito
Relator:
Fernando
de
Castro
Faria
Juíza
Prolatora:
Andrea Cristina Rodrigues Studer
AÇÃO
PENAL
– CRIME
AMBIENTAL
(ARTIGO
46,
PARÁGRAFO
ÚNICO,
DA
LEI
N.
9.605/98).
VIOLAÇÃO
DE
DOMICÍLIO.
MERAS
SUSPEITAS
FUNDADAS
EM
DENÚNCIAS
ANÔNIMAS.
NÃO
CARACTERIZAÇÃO
DE
FLAGRANTE
DELITO.
PROVA
ILÍCITA.
ABSOLVIÇÃO
DO
ACUSADO
– RECURSO
CONHECIDO
E
PROVIDO.
SENTENÇA
REFORMADA.
PREJUDICADO
O
RECURSO
DO
MINISTÉRIO
PÚBLICO.
Meras
suspeitas
de
que
o
acusado
mantinha
em
depósito
produto
de
origem
vegetal,
sem
licença
válida
para
o
armazenamento
(Documento
de
Origem
Florestal
– DOF),
outorgada
pela
autoridade
competente
(FATMA),
não
autoriza
a
entrada
de
policiais
em
sua
residência,
sob
o
fundamento
de
flagrante
delito.
Sem
eficácia
probatória
a
prova
colhida,
pois
obtida
ilicitamente,
cuja
apuração
se
deu
diante
de
comportamento
ilícito
dos
agentes
estatais,
violando
o
domicílio
do
acusado,
não
servindo
de
suporte
a
legitimar
sua
condenação.
Inadmissível
também
a
prova
derivada
da
ilícita,
pois
evidente
o
nexo
causal
entre
a
invasão
do
domicílio
e
a
apreensão
dos
objetos.
Não
há,
também,
que
se
valorizar
a
confissão
do
apelante,
eis
que
esta
só
ocorreu
em
decorrência
da
apreensão
ilegal,
correndo-se
o
risco
de
tornar
letra
morta
a
norma
constitucional
que
veda
a
utilização
da
prova
ilícita.
A
absolvição
é
medida
que
se
impõe.
(RE
597752
AgR,
Rel.
Min.
Luiz
Fux,
Primeira
Turma,
j.
em
23.04.2013).
VISTOS,
relatados
e
discutidos
estes
autos
de
Recurso
Inominado
nº
2013.501448-2,
da Comarca de Joinville/Juizado Especial Criminal e Delitos de
Trânsito,
no
qual
figuram
ambas as partes, Ivo Rogério Chaves Vieira e Justiça
Pública,
como Recorrentes
e
Recorridos.
VOTO
Trata-se
de
Recurso
Inominado
interposto
por
Ivo
Rogério
Chaves
Vieira
em
face
da
sentença
que
julgou
procedente
a
denúncia
e
o
condenou
como
incurso
nas
sanções
do
artigo
46,
parágrafo
único,
da
Lei
n.
9.605/98.
Analisando
detidamente
as
provas
carreadas
aos
autos
observo
que,
na
espécie,
as
circunstâncias
da
abordagem
não
evidenciavam
situação
de
flagrância
a
autorizar
o
ingresso
dos
policiais
na
residência
do
acusado,
sem
permissão
do
proprietário
ou,
ainda,
sem
ordem
judicial.
Dos
depoimentos
dos
policiais
militares
colhidos
durante
a
instrução
constata-se
que
o
ingresso
na
propriedade
do
acusado
se
deu
sem
autorização,
sendo
irrelevante
o
argumento
de
que
se
tratava
de
um
rancho
anexo
à
residência.
Marco
Augusto
da
Silva
(CD
de
fl.
88)
afirmou
que
receberam
denúncias
de
caça
e
fabricação
clandestina
de
palmito
na
propriedade
do
acusado.
Entraram
no
local
onde
se
encontravam
os
palmitos
por
uma
janela,
pois
a
porta
estava
fechada
com
um
cadeado.
Disse,
ainda,
que
não
houve
autorização
judicial
para
a
entrada
no
local,
justificando
o
ato
no
“flagrante”
das
armas
apreendidas
na
mesma
ocasião.
No
mesmo
sentido
são
as
declarações
prestadas
por
Marcos
Aurélio
Gomes
(CD
de
fl.
88),
ao
narrar
que
receberam
várias
denúncias
de
atividade
de
caça
e,
por
essa
razão,
resolveram
fazer
a
abordagem.
Afirmou
que
não
havia
autorização
do
proprietário
para
a
entrada
no
local
e
que
ingressaram
por
uma
janela
que
estava
encostada,
pois
a
porta
estava
fechada
com
um
cadeado.
Ora,
além
da
admissão
expressa
dos
policiais
a
respeito
da
ausência
de
qualquer
autorização,
a
simples
negativa
do
proprietário
em
fornecer
a
chave
do
cadeado
para
o
ingresso
dos
policiais
no
local,
conforme
depoimentos,
representa
a
contrariedade
do
acusado
com
tal
intenção
dos
agentes.
E
a respeito do “flagrante” das armas, observa-se que houve
promoção de arquivamento pelo próprio Ministério Público, pelo
que não havia legalidade na conduta dos policiais. E mesmo que
houvesse a denúncia por eventual crime previsto no Estatuto do
Desarmamento, a solução seria a mesma, dada a ilicitude na obtenção
das provas.
Isso
porque
a
casa
é
asilo
inviolável,
assim
protegida
pela
Constituição
da
República
(art.
5º,
inciso
XI),
não
sendo
possível
a
sua
violação
com
fundamento
em
denúncias
anônimas,
na
medida
em
que
isso
certamente
acarretaria
a
possibilidade
de
se
ingressar
em
domicílios
de
pessoas
inocentes
por
mera
vingança
ou
revanchismo
de
eventual
desafeto
do
“alvo”.
Eventuais
denúncias/suspeitas
devem
ser
submetidas
à
investigação
e
apreciação
judicial.
No
mesmo sentido:
APELAÇÃO-CRIME.
POSSE DE DROGAS. INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. ILICITUDE DA PROVA.
ABSOLVIÇÃO.
Inviolabilidade
do
domicílio.
Não
restou
demonstrada
a
situação
de
flagrante
delito
apta
a
excepcionar
a
proteção
conferida
por
força
do
artigo
5º,
inciso
XI,
da
Constituição
Federal.
Havendo
informação
anônima
ou
não
da
prática
de
delito
em
algum
domicílio/residência,
é
indispensável
a
prévia
obtenção
de
mandado
judicial
de
busca
e
apreensão.
Aliás,
informação
anônima
deve
ser
objeto
de
preliminar
investigação
policial.
A
lei
não
permite
atalho,
nesse
caso
e,
somente
no
caso
de
haver
certeza
da
prática
de
ilícito
penal
é
que
fica
autorizada
a
exceção
do
inciso
XI
do
art.
5º
da
Constituição.
E,
para
ter
certeza,
o
policial
deve
ter
tido
condições
de
visualizar
a
prática
do
ilícito,
ou
de
ouvir
ruídos
ou
vozes
nesse
sentido.
Noutras
situações,
impõe-se
a
obtenção
do
prévio
mandado
judicial.
No
caso dos autos, consta que a ré foi surpreendida em sua casa pela
ação dos policiais que não estavam munidos de mandado. Nesses
termos, a casa, como ASILO INVIOLÁVEL do indivíduo implica a
necessidade do prévio mandado de busca e apreensão, caso contrário
a residência/domicílio não seria ASILO.
Desse
modo,
corolário
lógico
é
a
ilicitude
da
prova
e,
com
sua
inutilização,
impõe-se
a
absolvição
do
acusado
por
ausência
de
provas
da
existência
do
fato.
(TJRS,
Ap.
Crim.
n.
70052709334,
Terceira
Câmara
Criminal,
rel.
Des.
Diógenes
V.
Hassan
Ribeiro).
Da
doutrina
de
Alexandre
Morais
da
Rosa,
para
quem
o
Garantismo
não
é
religião,
mas
limitação
do
poder
estatal,
extrai-se:
Denúncia
anônima:
para
se
investigar
alguém,
numa
democracia,
não
se
pode
denunciar
com
o
“denuncismo
anônimo”
contemporâneo
em
que
a
polícia
recebe
a
denúncia
e
se
dá
por
satisfeita.
Tanto
assim
que
agora
se
fomentam
programas
ilegais
como
o
do
“Informante
Cidadão”.
É
preciso
que
as
investigações
aconteçam
no
limite
da
legalidade.
O
processo
de
Inquisição
acontecia
com
testemunhas
sem
rosto,
sem
face,
sem
nome,
num
denuncismo
sem
limites.
Para
isso
a
Constituição
da
República,
em
vigor
há
mais
de
vinte
anos,
estabeleceu
claramente
no
art.
5.º,
IV:
“é
livre
a
manifestação
do
pensamento,
sendo
vedado
o
anonimato.”
Paulo
Rangel,
sem
aceitar
investigar
a
qualquer
preço,
pontua:
“Pensamos
que
a
autoridade
que
determinar
a
instauração
do
procedimento
criminal
ou
administrativo,
tendo
como
base
a
denúncia
anônima,
ficaria
sujeita,
em
tese,
à
responsabilidade
criminal,
nos
exatos
limites
do
art.
339
do
CP.
O
denunciante
anônimo
se
esconde
atrás
das
vestes
da
impunidade,
pois,
se
sua
denúncia
for
falsa,
ele
não
será
responsabilizado.
(…)
O
'denunciado'
tem
o
direito
de
demonstrar
os
motivos
pelos
quais
quem
o
denuncia
o
faz:
vingança,
perseguição
política,
inveja,
despeito,
falta
do
que
fazer,
etc.
Sendo
anônima
a
denúncia,
não
há
como
reagir
contra
o
denunciante.
Ele
fica
refém.”
Tourinho
Filho
sustenta:
“se
o
nosso
CP
erigiu
à
categoria
de
crime
a
conduta
de
todo
aquele
que
dá
causa
à
instauração
de
investigação
policial
ou
de
processo
judicial
contra
alguém,
imputando-lhe
crime
de
que
o
sabe
inocente,
como
poderiam
os
'denunciados'
chamar
à
responsabilidade
o
autor
da
delatio
criminis,
se
esta
pudesse
ser
anônima?
A
vingar
entendimento
diverso,
será
muito
cômodo
para
os
salteadores
da
honra
alheia,
vomitarem,
na
calada
da
noite,
à
porta
das
Delegacias,
seus
informes
pérfidos
e
ignominiosos,
de
maneira
atrevida,
seguros,
absolutamente
seguros
da
impunidade.
Se
se
admitisse
a
delatio
anônima,
à
semelhança
do
que
ocorreria
em
Veneza,
ao
tempo
da
inquisitio
extraordinem,
quando
se
permitia
ao
povo
jogasse
nas
famosas
'Bocas
dos
Leões'
suas
denúncias
anônimas,
seus
escritos
apócrifos,
a
sociedade
viveria
em
constante
sobressalto,
uma
vez
que
qualquer
do
povo
poderia
sofrer
o
vexame
de
uma
injusta,
absurda
e
inverídica
delação,
por
mero
capricho,
ódio,
vingança
ou
qualquer
outro
sentimento
subalterno.”
Assim
é
que
a
denúncia
anônima
não
pode
ser
tida,
a
priori,
com
fundamento
suficiente,
nem
justifica
qualquer
medida
direta
pela
autoridade
policial
que
não
a
investigação
preliminar
e
o
requerimento
ao
Judiciário
das
medidas
cautelares
que
fizerem
necessárias,
apresentando
as
investigações
realizadas.1
No
caso
em
análise,
não
há
qualquer
informação
da
existência
de
prévia
investigação
acerca
das
supostas
denúncias
anônimas
recebidas
em
desfavor
do
acusado.
Os
policiais,
após
receberem
ditas
denúncias,
realizaram
a
abordagem
na
residência
sem
qualquer
autorização
do
proprietário
ou,
ainda,
ordem
judicial.
Dessa
forma,
reputo
ilícitas
as
provas
obtidas
no
presente
feito
e,
por
essa
razão,
inexistentes/nulas
(art.
157,
do
Código
de
Processo
Penal).
Diante
do exposto, voto pelo provimento do recurso interposto e a
consequente absolvição de Ivo Rogério Chaves Vieira.
Prejudicado
o recurso interposto pelo Ministério Público.
ACORDAM
os Juízes da Quinta
Turma,
por maioria de
votos,
CONHECER
e
DAR
provimento
ao
recurso
interposto
e,
consequentemente,
absolver
Ivo
Rogério
Chaves
Vieira
com
fundamento
no
artigo
386,
inciso
II,
do
Código
de
Processo
Penal.
Vencido
o
Juiz
César
Otávio
Scirea
Tesseroli.
Sem
custas.
Participaram
do
julgamento,
realizado
no
dia
9 de
setembro
de 2013,
os
Excelentíssimos
Senhores
Juízes
César Otávio Scirea Tesseroli – presidente
– e
Rudson
Marcos.
Joinville,
9 de
setembro de
2013.
Fernando
de
Castro
Faria
Relator
1
ROSA,
Alexandre
Morais
da.
Guia
compacto
do
processo
penal
conforme
a
teoria
dos
jogos.
Rio
de
Janeiro:
Lumen
Juris,
2013.
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