Wanderley Guilherme dos Santos
Os Discursos de Ódio designam insultos contra indivíduos e grupos com o objetivo de provocar o ódio contra eles, e eventual violência, simplesmente porque são quem são. Referem-se às discriminações contra raças, religiões, etnias, gêneros e preferências sexuais. No Ocidente, têm sido os negros, os islâmicos, as mulheres, os judeus e os homo-afetivos as vítimas notórias dos discursos de ódio. Existe legislação no Canadá, na Dinamarca, na Nova Zelândia, na Alemanha e na Inglaterra regulando e punindo criminalmente a publicação e difusão de panfletos, livros, jornais, impressos de qualquer natureza que estimule sentimentos e ações destruidoras da dignidade de terceiros.
Não há coincidência na definição precisa do crime embutido em discursos de ódio nem na extensão e conteúdo das penas. Nos Estados Unidos o debate acadêmico é intenso nos dias atuais, agregando-se às históricas brutalidades contra negros e mulheres os recentes preconceitos e abusos verbais de que tem sido objeto a comunidade islâmica desde a derrubada das torres gêmeas. Uma avaliação dos argumentos contra e a favor de legislação que coíba os discursos de ódio, efetuado por prestigiado jurista pró-legislação, Jeremy Waldron, encontra-se em The harm in hate speech (O dano em discurso de ódio), Harvard University Press, 2012. Sua tradução e circulação ajudariam a entender aspectos emergentes da política brasileira.
Os discursos de ódio foram introduzidos na retórica brasileira por pelo menos quatro ministros do Supremo Tribunal Federal durante o julgamento da Ação Penal 470: Joaquim Barbosa, Ayres de Brito, Luis Fux e Celso de Melo. Em apartes ou proferindo votos promoveram sucessivos rituais de degradação dos acusados, extravasando os fundamentos legais de seus comentários e juízos. Luis Fux e Celso de Melo excluíram de seus votos e apartes escritos o que deixaram gravado dezenas de vezes perante a televisão e a assistência doméstica do país. Estão, contudo, em vídeo as sessões em que todos se esmeraram no linchamento moral e negação da líquida e certa dignidade a que tem direito qualquer ser humano, mesmo se condenado por esta ou aquela, ou ainda várias vilanias. Não há como contemporizar, no mundo civilizado, com penas que incluam o ostracismo humano. Muito menos com convocatórias sibilinas a manifestações violentas, por palavras e ações, contra acusados, não pelos crimes cometidos, mas porque são quem são. As penas impostas apelaram para fundamentos processualísticos; os discursos de ódio visavam os políticos, em especial os políticos petistas.
A retórica da política brasileira alterou-se profundamente depois do julgamento da Ação Penal 470. A linguagem dos comentaristas conservadores nos jornais, revistas, rádios e televisão adquiriu desabrida virulência difamatória e desmoralizadora. São despudoradas as manifestações de ódio e ameaças de ativistas radicais contra políticos, em geral, e políticos petistas em particular. Vários já foram insultados e obrigados a se retirar de lugares públicos. E o rebento mais recente daqueles espetáculos de degradação se mostra na facilidade com que a direita radical se apropriou das manifestações de junho, pondo a reboque a classe média e a oposição institucionalizada. A intolerância e ânimo destrutivo paridos por essas manifestações descendem diretamente dos discursos de ódio apadrinhadas por membros de nosso mais elevado tribunal de justiça. Cabe à oposição política democrática repeli-los claramente.
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