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08/07/2013

Fichamento Manual dos Inquisidores

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ
DEPARTAMENTO DE DIREITO
PROFESSOR ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
PROCESSO PENAL I - DIR5724
NOME: Ana Carolina da Silva Moço Ferreira    DATA: 14 de junho de 2013
ASSUNTO: Inquisição, Processo Inquisitório, Contraditório, Defesa, Prova, Heresia, Interrogatórios, Tortura, Veredictos, Penas, Garantias
EYMERICH, Frei Nicolau. Manual dos Inquisidores, 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1993

A obra em análise constitui um manual prático sobre o processo inquisitorial, resultante da reflexão de dois autores. O primeiro, Nicolau Eymerich, que redigiu a versão original do "Manual dos Inquisidores" no séc. XIV, e o segundo, Francisco Peña, responsável pela sua atualização no séc. XVI. O manual divide-se em três partes: jurisdição, prática inquisitorial e questões práticas concretas. É necessário compreender o contexto político-religioso em que a obra foi redigida, nomeadamente na disputa entre o poder temporal e espacial na Europa. O nascimento da Inquisição começou com o lançamento de editais de perseguição aos hereges do Império, pelo Imperador Frederico II, para evitar uma ruptura do reino. Perante a ameaça do desequilíbrio do poder, o Papa Gregório IX institui um corpo de funcionários chamados de inquisidores, legitimados com a edição de atos emanados do papa, representante máximo da vontade divina, para perseguir, julgar e condenar qualquer um que constituísse uma ameaça à fé católica (hereges).
A primeira parte da obra versa sobre a jurisdição do inquisidor, apresentando o conceito de heresia. Este conceito é, do ponto de vista jurídico, aplicado a: excomungados, simoníacos, opositores da Igreja Católica, criadores ou aderentes a outras seitas, descrentes da fé cristã, aqueles que não aceitam os sacramentos da doutrina romana e quem dela divergir relativamente a artigos de fé.
No entanto, se observarmos a palavra no sentido estritamente jurídico e teleológico, é necessário que estejam preenchidas duas condições: inteligência, na medida em que o erro está no intelecto ou na fé, e a vontade, ou seja, se o sujeito insiste com teimosia no erro intelectual.
Nesta vertente, Santo Tomás diferencia as verdades de fé: artigos de fé, livros canônicos e tudo o que a Igreja decretou como fé. Assim, quem discordar com   ”pertinácia”  do conteúdo das fontes anteriormente citadas era classificado como herege.
O autor procede em seguida à apresentação de várias categorias de hereges. Os manifestos seriam aqueles que demonstram publicamente convicção contrária à fé católica e que foram condenados. Os disfarçados, que procedem a artifícios ou omissões para esconder a sua heresia. Noutra vertente, os hereges afirmativos demonstram apegamento errôneo da fé, de forma volitiva, enquanto os hereges negativos seriam pessoas que apesar de professarem publicamente a fé católica, foram indiciadas por testemunhas, ditas “dignas de fé diante de um juiz”.
Os hereges, no Direito Canônico, podem ser condenados nos Decretos, Decretais ou nas extravagantes, sendo os hereges listados nominalmente e não in genere. O Direito Civil acrescentava à listagem outras classificações. O autor procede à explicação de algumas delas, explicando que muitas se confundem e outras não existem exato conhecimento a que se referem.
Heresiarcas eram conhecidos como os hereges que criavam, ressuscitavam e difundiam fé contrária à Igreja Católica. Hereges impenitentes referem-se a pessoas que recusavam, perante juízo, renegar às crenças que professavam em detrimento da fé católica, contrariamente aos penitentes. Havia ainda a classificação de herege relapso, que voltavam a praticar heresia (ou tenha sido grave suspeito) depois de aderirem à Igreja Católica, prestem assistência ou a requeiram a quem é considerado herege, sendo condenados à execução sem novo julgamento. Em geral, nenhum sairá ileso do processo inquisitorial, havendo apenas uma diferença gradativa nas penas aplicadas, desde aquele que admite o “erro” sem ter sido convocado ao que nele persiste.
Dos blasfemadores, a Inquisição apenas tratava dos que proferiam ataques diretos à doutrina da Igreja, defendendo que o medo das consequências de tal penalidade seria sempre superior a qualquer estado de espírito do transgressor. Por analogia a um episódio bíblico, impõe que os sujeitos tomem precaução sob pena de serem considerados heréticos (analisado caso a caso). A pena aplicada varia de acordo com a condição social do sujeito e é sempre acompanhada de um rito simbólico.
Os videntes e adivinhos são classificados como heréticos quando surgirem indícios de que as suas profecias e predições envolvem práticas heretizantes, bastando a “boca do povo”, ou mesmo a dúvida, para ser aplicada uma pena canônica.
O ponto relativo à invocação do demônio distingue três tipos de invocação: através de culto de latria (o sujeito procede a uma série de ritos destinados à invocação de demônios), de culto de veneração (onde tomam demônios como intermediários entre Homem e Deus) e outros que se apresentem bizarros e não correspondam aos defendidos pela Igreja. Aqui as penas podem variar, sendo agravadas perante a recusa da penitência ou da abjuração, assim como a reincidência.
Os cristãos que aderiram ao judaísmo ou que se tenham reconvertido a ele inserem-se na categoria de herege. Já os cristãos que prestam auxílio a estes indivíduos são julgados como protetores da heresia. Igualmente se condenam os judeus que tenham incentivado ao desvio da religião católica, sendo punidos com multa, prisão, surra e proibição do convívio com cristãos. Salienta o autor que seria pouco credível o erro, pois a conversão é acompanhada de um rito próprio. O mesmo se aplica aos cristãos que aderiram ao islamismo.
Num panorama geral, a jurisdição da inquisição insidia sobre todos os hereges, nomeadamente judeus e infiéis. A jurisdição papal recai não só sobre os cristãos mas também sobre os infiéis, partindo do poder universal de Cristo. A delegação confere ao Papa, descendente de Pedro, o poder de dirigir o rebanho do Senhor, abrangendo todos os homens. Assim, o inquisidor deve perseguir e isolar todos os que não seguem a fé católica, pois podem servir de barreira à expansão do catolicismo.
O autor defende, neste contexto, a competência para julgar e condenar "delinquentes em matéria de fé", colocando quem defenda posição contrária numa posição de inimigo da Igreja. Refuta que o Direito Civil não afasta a função judicial do inquisidor, na medida em que visa o seu afastamento da "comunidade cristã". Defende explicitamente que as leis "consideradas como obstáculos ao exercício da Inquisição,(…), devem ser anuladas", o que caracterizada uma verdadeira supremacia das normas canônicas sobre as civis (nacionais). É dada apenas competência aos civis para executar a penas previamente decididas pela Inquisição, investida da santa missão, contrariamente aos governantes nacionais.
A próxima questão a ser abordada refere-se aos excomungados que permaneceram assim por um ano. Apesar de ser entendido que esta condição não implica obrigatoriamente heresia, a Igreja pode julgar o sujeito como tal. Tanto o excomungado como o herege podem ou não abjurar, sendo que o resultado do primeiro é a prisão perpétua e do segundo é a execução. Se a excomunhão não tiver como razão a fé, que é atribuída ao arbítrio do juiz ou de pleno direito. Se permanecer nessa condição por um ano é considerado suspeito de heresia e citado pelo Tribunal da Inquisição. Este é intimado para para comparecer perante o juiz, passado esse prazo é excomungado. Se até um ano depois não de apresentar, agrava-se a suspeição. Se comparecer como herege penitente é condenado à prisão perpétua, se impenitente será condenado à morte. Mesmo que o indivíduo não siga o caminho mais dramático, terá sempre de passar por um período probatório, apesar de ter sido apenas indicado como suspeito, e terá sempre uma pena.
 Cismáticos seriam aqueles que se separaram da Igreja, da sua obediência mas não da crença. Apenas a cisam quando esta é considerada heresia.
Os apóstatas podem sofrer a excomunhão (clérigo que se laiciza e monge que abandona o convento), que passado um ano levará às consequências abordadas anteriormente, ou serem julgados pelo inquisidor (cristão que nega a fé católica ou que quebra votos de fé), e tidos como hereges, independentemente de quaisquer vícios de comportamento.
Defende o autor o uso de tortura sobre os chamados "seguidores de hereges", com o fim de o fazer confessar e abjurar. Desde aqueles que veneram os hereges àqueles que simplesmente os visitam. O mesmo destino merece quem hospeda estes indivíduos, sendo excomungados quem conhecer do seu pecado e julgados quem partilhar deles; em todo o caso são sempre suspeitos de heresia. Já aos hóspedes de hereges acresce a possibilidade de confisco dos bens. Já a oposição ao exercício da Inquisição por forma a proteger estes indivíduos é penalizada com a demolição da habitação, o exílio do proprietário, a interdição de reconstrução e o confisco de bens. Já por benfeitores de hereges são entendidas as pessoas quem mostrar abertamente algum tido de intimidade ou compaixão pelo condenado ou se insurgir contra a penalização.
A oposição direta à Inquisição e a indireta (como a imposição do poder civil sobre os inquisidores) consubstanciam em excomunhão, sendo todos tidos por benfeitores de hereges. É prevista a tortura para indagar o suspeito da existência de cumplicidade com o herege.
Existem três tipos de suspeita de heresia: fraca, que não tem qualquer fundamento (comportamento associado a hereges); forte, onde existem indícios e argumentos sólidos (esconder hereges); grave/violenta, "hipóteses sérias e convincentes" (prestar culto ao herege). Tanto o fraco como o forte são obrigados a abjurar, enquanto que o violentamente suspeito é considerado herege, não se admitindo qualquer defesa. De seguida o manual consta dez casos de forte suspeita de heresia (já abordados a respeito de cada classificação), ao que o segundo autor, Peña, defende uma atenuação, nomeadamente a "clemência do inquisidor será proporcional à proximidade dos laços de parentesco". De outro olhar, elogia-a mas aponta a sua incompletude, acrescentando outro sem número de casos (há dois séculos de diferença entre os autores).
Em caso de difamação, vale toda a denúncia, independente da pessoa que a fez, sendo qualitativamente iguais. Bastava que a pessoa fosse apontada publicamente para imediatamente ser sujeita a uma pena canônica ou a ser expulsa da Igreja (caso negasse o conteúdo da denúncia).  O processo aqui é composto por duas testemunhas de acusação, enquanto que na reincidência não é sequer garantido.
Na segunda parte, é abordada a temática da prática inquisitorial. No primeiro ponto os autores dispõem sobre os antecedentes do processo. Após ser nomeado, o inquisidor ou seu representante deve apresentar-se perante o governante do Estado para onde foi enviado, onde demonstrará as suas credenciais e oferecerá os seus serviços, solicitando salvo-condutas para si e a sua comitiva. Estes simbolizarão a subserviência dos servidores do rei a si, na função de "eliminar a perversidade herética e exaltar a fé católica". Como garantia, deverá obter o mandato apostólico e apresentá-lo aos arcebispos e a bispos locais, antes da intervenção nas respetivas dioceses, para afastar possíveis entraves à sua missão.
A carta real garante a obediência às ordens do inquisidor, mas pode este exigir juramento às autoridades civis, que era publicitado. A recusa tinha como pena a excomunhão e a aplicação de uma pena, podendo ser absolvidos e reintegradas em caso de juramento posterior (apesar de punidos exemplarmente sem pôr em causa os poderes civis). A prorrogação desta recusa aumentava a gravidade das penas, sendo que se definitiva, seria declarado suspeito de heresia (por proteção a hereges) e perderia a sua função e honraria, assim como considerado nulo qualquer ato seu. Igualmente se estendia a penalização aos seus descendentes, proibindo o acesso ao exercício de funções prestigiadas e do uso de ornamentos. Peña defende que, dependendo da classe social, as penas poderiam ser diferentes, consoante pudessem financiar a prática inquisitorial.

O inquisidor procederia em seguida à nomeação de um comissário inquisitorial em cada bispado. Este seria competente para receber quaisquer informações e acusações nos limites da sua diocese, instaurar o processo, fazer a citação do acusado e das testemunhas, fazer as prisões, recolher depoimentos e confissões e analisá-las, torturar (com o bispo), e todos os demais atos que cabem ao inquisidor, excepto a de aplicar sentença definitiva.
Em seguida, caberia a abertura pública e solene dos trabalhos da Inquisição, a partir da realização de um sermão geral marcada a um domingo, anunciada por carta. No final do sermão, era lida a Ordem de Delação a todos os presentes e explicado claramente as ordens nela contidas e enfatizar a obediência pela denúncia. Anunciará igualmente a atribuição de quarenta dias de indulgência aos presentes, bonificação de três anos a quem o auxiliasse na sua função e fixava um período de perdão à heresia se houvesse apresentação voluntária. Este beneficio não exime totalmente o sujeito, sendo-lhe negado o sacramento da confissão (visto que colocaria o clérigo numa posição em que teria de optar por revelar segredos de confissão e expôr o herege). Será apreciado se a pessoa transmitiu a sua heresia a terceiros e os seus antecedentes: caso fosse de ordem subjectiva, haveria uma absolvição secreta e uma pena exemplar, enquanto que em caso de contaminação se procederia ao registro cartorial da confissão e investigação dos envolvidos, aplicando-se as penas previstas para o delito (com a atenuante para quem se apresentou voluntariamente).
As denúncias eram recebidas ainda durante o tempo de perdão, sendo as informações sobre testemunhas, delatores e demais informações apontadas na Agenda das delações, se forem demais numerosas. Decorrido o período fixado, o inquisidor fazia uma seleção das denúncias, investigando em primeiro lugar os crimes mais gravosos. O denunciante será citado e se o seu depoimento carecer de credibilidade, em nada se altera a Agenda, resguardando delitos futuros.
Existem três formas de abertura de um processo: por acusação, denúncia ou investigação. No primeiro, existe uma declaração do acusador que versa sobre a heresia de alguém, manifestando o sujeito que aceita a lei de talião, na qual se responsabiliza pelo pagamento da pena do acusado caso a sua culpa seja afastada. No processo, o inquisidor fazia-se assistir por um escrivão e, pelo menos, de duas pessoas idôneas. Tal caiu em desuso no séc. XVI pois considerava-se mais perigoso o herege que o acusador, salientando-se que a prática afastava possíveis delatores. Assim, o papel de acusador foi assumido por um Fiscal, cujas acusações deviam ser suficientemente precisas para a possibilidade de defesa do acusado, excluindo o nome do denunciante.
A abertura de um processo por denúncia é caracterizada pela afirmação de que alguém seria ou protegia hereges sob pretexto do medo de excomunhão. O seu depoimento era registado nos mesmos termos da denúncia, na presença do escrivão e duas testemunhas, sendo indagado no final se teria motivações para a denúncia.
Por último, o processo por investigação tinha como base boatos sobre atos ou declarações contra a fé ou a favor de hereges. Peña distingue a investigação geral, que não pressupõe a denúncia de heresia. Já a investigação especial "é o direito de proceder à condenação ou punição de pessoas conhecidas como hereges e nominalmente denunciadas".
Entrando na parte do processo propriamente dito, este tem caminhos distintos conforme a forma de abertura acima explanadas, devendo no entanto seguir um procedimento sumário, simples, "sem ostentação de advogados e juízes", sem a possibilidade de escândalos. O acusado não tinha pleno acesso à matéria de que era acusado, nem lhe era dada a oportunidade de requerer adiamento.
No referido processo de acusação, o inquisidor enquanto solicitante do acusador aconselha-o a tomar decisões conforme a utilidade das testemunhas no processo. Se estas confirmarem a gravidade das acusações e o acusador não desistir do seu papel, as testemunhas serão investigadas pelo inquisidor, através de interrogatório. O resultado deste determinar se o acusado está de algum modo ligado à heresia , podendo a sua prisão ser determinado se houver risco de fuga. O acusado seria seguidamente submetido a interrogatório, o qual é feito ao arbítrio do inquisidor, na busca da confissão do acusado. Quando for entendido pelo inquisidor que esta foi professada, declarará o encarceramento do acusado, podendo dentro deste ambiente controlado manipulá-lo e pressioná-lo (exemplo, a promessa de misericórdia) .
O processo de delação recorre à citação das testemunhas enunciadas pelo delator, seguindo o trâmite da acusação se demonstrada a gravidade do delito.
No processo de investigação, são mandadas citar "pessoas boas e honestas" como testemunhas, para negar ou confirmar os boatos. Para proceder com o processo bastaria, segundo Peña, a confirmação dos fatos por duas testemunhas maiores e íntegras ou a existência de dois depoimentos divergentes.
Os interrogatórios requeriam a presença de cinco pessoas: o inquisidor, que formula as perguntas, com a função de afastar as mentiras do acusado; o acusado ou testemunha; o escrivão, responsável pelo registro nos autos; duas testemunhas inquisitoriais. O inquisidor arma-se da malícia e do engano para conseguir a confissão do acusado, afirmando Peña que é necessário "evitar que pessoas nocivas, soltas injustamente, perseverem em erros e , deste modo, possam corromper os outros".
Eymerich concebe no manual uma lista de dez truques usados pelos hereges para responderem em interrogatório, sem confessar . Dentro destes, Peña sublinha a discussão sobre a loucura fingida, sugerindo a tortura para descobrir a existência de uma farsa. A morte do acusado louco durante a tortura é insignificante, visto que o objetivo do processo inquisitorial não é a salvação da alma do acusado mas a busca do bem comum e a intimidação do povo, acima de qualquer concepção individual da pessoa.
Como resposta ao "truques dos hereges", Eymerich apresenta estratégias para forçar o herege a revelar os seus erros. O inquisidor deve partir sempre da culpa do acusado, cuidando o seu discurso, mesmo que falacioso, tornando-o aliciante para o indivíduo. Deste modo, os fins justificam os meios usados pela Inquisição, sendo benefícios para o Direito.
Outro meio de identificação de hereges prende-se com indícios externos, definido por Peña como "toda vez que houver atitude ou palavra em desacordo com os hábitos comuns dos católicos". Eymerich passa a dispor sobre as especificidades externas de algumas classes de hereges, como por exemplo, os pseudo-apóstolos e necromantes.
Para terminar o ponto sobre o processo, os autores passam ao tópico dos obstáculos à sua celeridade. Em primeiro lugar, suscita a existência de um elevado número de testemunha, relembrando Peña que apenas seriam necessárias duas. De outro prisma, versam os autores sobre a inutilidade de defesa do acusado, principalmente diante da confissão do próprio perante o denunciante, sendo esta objeto da denúncia. A confissão possui mais valor que o depoimento testemunhal. Ainda, no Tribunal da Inquisição, a confissão do réu é suficiente para a sua condenação, a qual é ordenado a fazer três vezes, antes de ter acesso a um advogado juramentado no seu tribunal. O seu papel contudo é, contraditoriamente, obter a confissão do seu cliente. Suprimiu-se o papel do procurador, admitindo-se o curador para menores de vinte e cinco anos.
O réu pode recusar a testemunha apenas se esta for um seu inimigo mortal, apurado em investigação suplementar. Já a recusa do inquisidor pode ser justa, injusta ou inócua. A supressão do direito de defesa poderia ser uma recusa justa, podendo ser solucionada pela delegação dos poderes do inquisidor noutro ou, aceitando a recusa, o processo irá ser retomado no ponto em que alegadamente houve erro. Se alegado que o inquisidor é inimigo do réu, caberá a dois juízes apreciar a matéria em oito dias. O deferimento do pedido do réu impossibilita a delegação de poderes nem poderão pronunciar sentença.
A apelação ao Papa surge como outra causa de atraso do processo. Se o inquisidor infringir a lei durante o processo, pode o réu apelar ao Papa. Deverá fornecer cópia ao inquisidor , que tem dois dias para acusar a recepção e trinta dias para realizar o julgamento apostólico. Pode ainda prorrogar o prazo da resposta. Se considerar procedentes as razões retoma o processo a partir do erro, se tal for possível. Durante o período de análise da apelação, o réu não pode ser torturado (contrariamente ao defendido por Peña). A apelação não obsta ao trâmite de outros processos. Não obstante, a resposta apostólica positiva nunca seria sentença definitiva, pois tal inocentaria o réu ("protegeria uma injustiça").
 A fuga do acusado mostra-se como a última causa de dilatação do processo, tornando-se o réu um banido, podendo ser condenado à morte por qualquer um, por violação das leis do Papa e do Imperador.
Finalizando a prática inquisitorial, torna-se necessário abordar os veredictos e as sentenças. O processo inquisitorial tinha a sua conclusão limitada por treze tipos de veredictos. O primeiro, a absolvição declara que "nada foi legitimamente provado contra" o acusado, evitando qualquer discrepância se no futuro for condenado. O segundo, a expiação ou purgação canônica incide sobre quem tinha fama de herege mas que não viu reunidos elementos probatórios que suportassem tal acusação; assim, o sujeito deve encontrar um certo número de "co-expiadores", que testemunhem sobre a sua fé, mediante juramento perante o bispo ou inquisidor, sob pena de ser excomungado ou condenado como herege. Já o interrogatório era aplicável ao réu que, não tendo confessado, não tinha contra ele provas de heresia; neste caso admitir-se-ia a aplicação da tortura, apesar do autor reconhecer que não é o método mais eficaz (mesmo quem nada cometeu confessaria se não aguentasse a dor, enquanto outros nada diriam), incluindo sobre crianças e idosos, com moderação, mas excluindo a mulher grávida. A confissão obtida sob ameaça de tortura era considerada completamente válida e espontânea; se obtida mediante tortura, haveria necessidade posterior da confirmação da admissão. A tortura era realizada mediante regras, nomeadamente a proibição de recomeçar a tortura após a negação de confissão anterior, tendo-se em atenção a intensidade de cada série de tortura (Peña). O quarto veredicto seria a abjuração por suspeita leve , onde se aplicavam punições (atribuídas de acordo com a condição do suspeito e a gravidade da suspeita) contra quem foi provada a existência de indícios leves de heresia, devendo abjurar publicamente . A abjuração de suspeita grave é aplicada àqueles que são indiciados gravemente por depoimentos ou pela análise fática, devendo abjurar e cumprir pena de prisão. A abjuração de suspeita violenta distingue-se gradativamente das duas anteriores, sendo executado se não abjurar e condenado a prisão perpétua se o fizer (assim como carregar o saco bento durante algum tempo, como forma de "humilhar publicamente a heresia"). O sétimo veredicto seria a expiação canônica e abjuração, aplicado a quem era notoriamente conhecida a amizade com hereges. O oitavo veredicto é a abjuração de um herege penitente, não relapso, não tendo processo anterior, que admite o réu na confissão sacramental e condena-o à prisão perpétua (e uso do saco bento). O nono veredicto refere-se ao penitente relapso, condenado à morte, sendo-lhe concedido os dois sacramentos e alguns dias de vida (se for um religioso deverá ser previamente destituído). A condenação de um herege impenitente e não relapso visa o réu que foi denunciado e confessou a heresia mas que recusa a abjuração, sujeito a uma primeira fase de tentativa de conversão à fé e à abjuração, sob pena de ser queimado. O décimo primeiro veredicto incide sobre o herege impenitente relapso, que independentemente de adotar as convicções católicas terá como resultado a morte (embora de formas diferentes). O herege convencido de heresia que nunca confessou tem sua culpa presumida, salvo se confessar, havendo escolhe entre a eterna prisão a uma vida de penitência ou a morte. Por fim, o último veredicto versa sobre a condenação por contumácia de um herege em fuga, que pode ir da abjuração à sua entrega ao braço secular.
A terceira parte do livro refere-se a questões concretas, recorrentes à prática da Inquisição. Em primeiro lugar, quais seriam os requisitos para ser inquisidor? Cumprir a idade mínima de nomeação , ser doutorado em Teologia, Direito Canônico e Direito Civil e a nomeação por quem recebeu esse poder por delegação do Papa (independentemente do falecimento deste). São exclusivamente responsáveis perante o Papa; podem subdelegar os seus poderes e nomear comissários, mas não escrivães.
Sobre a excomunhão do inquisidor e seus subordinados, tal não é permitido sem uma ordem apostólica expressa. Tal pode ser decidido pelo Papa se o inquisidor, de plena consciência, não perseguir aquele que foi incumbido, extorquir dinheiro ou se mandar entregar ao fisco bens da Igreja devido ao julgamento de um sacerdote.
Dentro do poder do inquisidor, é de destacar que este não tem competência para investigar a heresia do Papa, nem pode proceder contra outro inquisidor. Por outro lado, pode proceder contra pessoas da realeza (embora Peña sublinhe prudência nessa atuação), quem deu sepultura cristã a um herege, quem se recusou a prestar juramento em testemunho, mortos denunciados como hereges em vida. Sobre esta questão, a heresia consagra um delito de lesa-majestade divina logo afasta o princípio geral de Direito Civil. Pode-se incidir sobre a memória do morto sem limite temporal, sendo os descendentes diretos do morto declarados infames e inaptos para exercer cargos públicos (ao que Peña defende que é uma pena juridicamente correta). Era aceite que a punição do herege morto fosse cumprido pelos herdeiros, se não tivesse ligação pessoal com o defunto, exigindo-se o cumprimento com bens materiais.
Na temática da prisão inquisitorial, admite-se que o inquisidor  dispusesse de prisão própria, que será comum ao bispo. Já sobre o interrogatório, a tortura em particular, denota-se que a inexistência de regras claras e de jurisprudência sobre a aplicação da tortura, sendo que Eymerich consagra na obra sete regras auxiliares, da qual se retira que facilmente poderiam ser preenchidas. Admite Peña que a tortura deve ser o último recurso probatório, pela sua falacidade, e proibida a sua utilização em delitos manifestos. No entanto, no campo da heresia, defende uma aplicação mais abrangente, excluindo apenas de forma total as grávidas e condicionando a tortura de leigos aos seus pares.
Em relação às testemunhas, admite-se a sua tortura pelo inquisidor, por meio de obrigá-las a testemunhar, a contar a verdade ou como forma de punição pelo falso testemunho, porquanto ofereceriam prejuízo ao exercício inquisitorial. Obsta-se ao castigo dos seus descendentes, contrariamente aos hereges. Veda-se o testemunho de hereges contra ou a favor de católicos  ou a favor de outros hereges, assim como da mulher, filhos ou outros parentes. A única atenuante que se admite no incumprimento da obrigação de testemunhar seria a existência de laços consanguíneos ou matrimonias com o acusado, sendo o delito não a heresia mas a desobediência à ordem inquisitorial. Os depoimentos eram analisados, literalmente, atendendo-se à especificidade das palavras usadas. A ambiguidade das declarações poderia ser interpretada a favor ou contra o acusado, dependendo da sua origem (se a sua nacionalidade estava associada à proliferação da heresia). Ainda, pode-se recusar uma testemunha unicamente se esta for inimiga mortal do acusado.
Em suma, o suspeito de heresia, quando em processo, deparava-se perante uma derradeira presunção de culpa. Para além de ver a sua defesa viciada, por meio da preclusão da informação constante dos autos acusatórios e da atitude acusatória do próprio advogado, o indivíduo não tem qualquer hipótese de sair com a sua reputação inócua. Com efeito, em todos os veredictos que podem ser declarados, nenhum restaura publicamente a o estatuto de inocência, que desde o momento em que se é objeto de denúncia (nunca mais sai da dita Agenda) vê a sua vida para sempre alterada. O processo por que tem de passar limita-se a testar a sua culpa, para no final o classificar como "à prova dos métodos inquisitórios", como se a sua odisseia fosse uma trama com a finalidade exclusiva de aliciar o outro para o mal, ao invés de um direito do acusado se defender. Do ponto de vista de um jogo, concebido de forma macabra, o acusado tenta evitar durante todo o processo controlar a sua própria participação, sob pena de ser suspeito de culpa. Já o inquisidor observa a atitude de resistência do acusado como um desafio, insistência com natureza "herética", que coloca constantemente à prova na contínua expectativa de quebrar a vontade do sujeito. É de notável contradição tal atitude, pois há um verdadeiro arbítrio do inquisidor, que determina o modo, a duração e os instrumentos admitidos no processo. Aliás, num processo por acusação, o inquisidor é auxiliar de uma das partes e julgador da ação, violando a imparcialidade. Admite-se inclusive o uso de tortura, apesar ser um método reconhecidamente falacioso. Conclui-se que uma vez indicado, por qualquer meio, irremediavelmente se cometeu um delito, sendo que a ação apenas permitiu determinar a pena. Verifica-se assim a assustadora realidade do princípio inquisitório, que vê o sujeito como um meio (de intimidação) para alcançar um fim (bem comum na perspectiva do grupo que detém o poder).

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