Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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Alexandre Morais da Rosa

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17/08/2012

Decisão Garantista e Certa. Parabéns Iomar.


Autos n° 006.12.002469-7
Ação: Auto de Prisão Em Flagrante/Indiciário
Indiciado: Diogo Brunken
 
 
DECISÃO
 
Cuida-se de Auto de Prisão em Flagrante no qual Policiais Militares responsáveis pela prisão relataram à Autoridade Policial que em investigações preliminares feitas por colegas policiais de farda de Joinville e por meio de informações anônimas se averiguou ser o conduzido um dos suspeitos pela morte (latrocínio) de um PM havida no dia 4 de agosto de 2012 em Joinville, além de outros roubos naquela Comarca. Segundo asseveram os militares, também obtiveram informações de que o conduzido estaria escondido nesta Comarca de Barra Velha, com a pistola subtraída do militar morto, pesando contra o conduzido, ainda, um mandado de prisão por tráfico de drogas. Por essas razões, uma equipe de Policiais Militares de Joinville se dirigiram até o local indicado e lá efetuaram a prisão. Busca efetuada no interior da residência, localizaram a pistola dentro de uma mochila, além de 200 gramas de maconha. Aduziram que a arma apreendida é possivelmente subtraída do policial vítima do roubo e que os indícios até aqui apontam para o conduzido.    
 
A prisão em flagrante, no caso, é ilegal.
 
O conduzido não teve assistência de advogado.
 
O artigo 5º, inciso XI, da Constituição da República, assegura, como direito fundamental, a inviolabilidade do domicílio, garantia esta que somente é excepcionada nas hipóteses de flagrante próprio, desastre ou para prestar socorro, de consentimento expresso e comprovado do morador, ou, durante o dia, por determinação judicial. Portanto, no caso, a ação policial somente estaria legitimada se houvesse mandado judicial para busca e apreensão na residência do indiciado, se houvesse flagrante próprio ou se estivesse demonstrado nos autos o expresso consentimento do morador da residência onde as drogas e armas foram apreendidas.
 
No entanto, não havia determinação judicial, não há prova de que o conduzido haja autorizado o ingresso da polícia na residência e tampouco a situação fática descrita nos autos configura flagrante próprio, mas sim flagrante em crime permanente. Destaco que, em que pese o tráfico de entorpecentes e posse de armas sejam delitos permanentes, o ingresso na residência sem mandado judicial não estava autorizado, porque o que se protrai no tempo, como é o caso do crime permanente, não tem a urgência que justificaria a quebra da garantia da inviolabilidade de domicílio, sem a devida determinação judicial. Ora, se havia fundada razão para se acreditar que o indiciado, investigado em Joinville, estava no local, a Polícia Militar deveria haver noticiado a suspeita à Polícia Civil ou ao Ministério Público para que, realizada investigação a respeito, houvesse a representação pela busca e apreensão na residência, seguindo-se, então, o devido processo legal.
 
Analisando os autos, verifico que o único trabalho investigativo realizado pelos Policiais Militares foi breve campana, que fundamentou o ingresso na residência. Não se pode dizer que este breve acompanhamento à residência do indiciado seja razão suficiente sequer para autorizar a expedição de mandado de busca e apreensão, e menos ainda para o ingresso na residência sem o devido mandado judicial.

A quantidade de drogas por si só não indicia a traficância de forma absoluta. Não existe nenhum elemento de prova que aponte para o comércio ilícito de entorpecentes. A atuação policial está baseada, em verdade, em mera denúncia anônima, em suposições, em palavras como provavelmente, grande chance, indícios e investigações preliminares.
 
Sabe-se que a Polícia Militar ao assim agir está buscando coibir o incremento da criminalidade e o faz da maneira que lhe é possível, diante dos meios materiais e de pessoal que estão sendo fornecidos pelo Estado. No entanto, não é aceitável que a busca pelo resultado (redução da criminalidade) justifique e fundamente a quebra e a violação de garantias constitucionais. Não se pode admitir que os fins (coibir a criminalidade) justifiquem os meios (investigações criminais e ações policiais ao arrepio da lei e da Constituição Federal). Sobre a impossibilidade de quebra da inviolabilidade do domicílio nas hipóteses de crime permanente, cito e adoto como razões de decidir a doutrina de Alexandre Morais da Rosa (Tráfico e Flagrante: apreensão da droga sem mandado. Uma prática (in)tolerável? inserta em http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com/2010/03/trafico-sem-mandado.html ).
 
O discurso de que a sensação de impunidade é a causa do incremento da criminalidade é senso comum e pode ser ouvido e lido diariamente na imprensa, sendo repetido pela população em geral. Disse-se que o Estado deve punir a fim de coibir a prática de crimes. No entanto, não se discute a real razão do aumento da criminalidade, ou seja, a ausência de políticas sociais realmente comprometidas com a educação e a melhoria das condições de vida da maioria da população brasileira. O salário mínimo é inconstitucional e não consegue garantir a existência com um mínimo de dignidade. A garantia de uma existência digna, com emprego, alimentação, educação, saúde e moradia para todos os cidadãos é a solução para a redução da criminalidade.
 
No entanto, o que se vivencia em nosso País é um Estado cada vez mais reduzido, sem nenhuma garantia aos direitos sociais e totalmente sucateado no que se refere à segurança pública. A segurança pública como um todo está sucateada. As investigações policiais, quando feitas, não raro são anuladas diante da não observância das garantias e direitos fundamentais dos envolvidos. Não se realizam perícias por falta de estrutura dos Institutos de Perícia, não se investiga por falta de estrutura da Polícia Civil e invariavelmente ilegalidades são cometidas sob a justificativa de combater a impunidade e reduzir a criminalidade. Ocorre que as investigações criminais mal conduzidas, apressadas, no afã de dar a resposta que a sociedade espera, são causas de impunidades. Isso porque, em um Estado Democrático de Direito, não se admite que prisões sejam realizadas ilegalmente e que cidadãos sejam processados e condenados sem que se observe o devido processo legal. A respeito do assunto, recente artigo publicado no Jornal de Santa Catarina, de minha autoria (Iolmar Alves Baltazar), elucida a questão, e dele transcrevo o seguinte excerto (Investigações Criminais, inserta em http://www.clicrbs.com.br/jsc/sc/impressa/4,182,3631021,18770):
 
Investigações policiais importantes têm sido anuladas pelo Judiciário, a exemplo da Operação Satiagraha, gerando sensação de impunidade. Recentemente, rumorosa denúncia contra o ex-governador Leonel Pavan foi rejeitada. Em 20 de dezembro, ao conceder habeas corpus ao coronel Djalma Beltrami, acusado de receber propina de traficantes de São Gonçalo (RJ), o desembargador Paulo Rangel registrou perplexamente que "investigação não é brinquedo de polícia".
O sistema jurídico brasileiro, desde 1988, está estruturado sob um regime republicano e democrático, calcado em garantias constitucionais. No entanto, ainda convivemos com renitentes procedimentos e práticas criminais inquisitoriais que produzem dissonâncias insanáveis no plano da validade das provas produzidas. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Jorge Mussi, quando da invalidação da operação Castelo de Areia, assentou que "essa volúpia desenfreada de se construir arremedos de prova acaba por ferir de morte a Constituição". Logo, são inservíveis denúncias anônimas, escutas ilegais, torturas, invasões de domicílio e quaisquer abusos de autoridade. Para o combate da criminalidade, forçoso concluir que os fins não justificam os meios, sob o risco de revivermos barbáries contra a humanidade.
 
Além disso, mas não menos importante, não há elementos outros nos autos, além das alegadas e inservíveis denúncias anônimas e suposições, que indiciem a prática do delito de tráfico pelo réu, fato que deverá ser melhor amadurecido durante a instrução do feito, a ser realizada sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, em sendo o caso.
 
 Na verdade, a violação do domicílio caso venha a ser confirmada poderá macular, por derivação, a própria prova da materialidade dos crimes de tráfico de drogas e posse de armas, devendo preponderar, portanto, o estado de inocência.
 
Em cognição sumária, não há indicativos de que a entrada dos policiais na residência do acusado se deu por autorização expressa e comprovável, conforme ensina Guilherme de Souza Nucci, na nota 42 do seu Código de Processo Penal Comentado:
 
Consentimento do morador e cessação da autorização: sem mandado judicial, ausente o flagrante, ou com mandado judicial, ausente o flagrante, mas à noite, somente pode ingressar a polícia no domicílio, se houver consentimento do morador. Essa autorização deve ser, como já mencionado, expressa e comprovável, inadmitindo-se a forma tácita ou presumida. Por outro lado, já que o executor está sem mandado judicial ou, possuindo-o, procede à diligência durante a noite, a qualquer momento pode o morador interromper o consentimento dado, expulsando os agentes da autoridade de seu domicílio. 
(9 edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 542)
 
Neste norte, considerando que a entrada no local não foi franqueada pelo dono da residência, imprescindível era a policia estar municiada previamente de mandado judicial, o que, de igual forma, não consta nos autos.
 
Não se pode admitir, imaginar, que alguém ilegalmente preso haja livremente franqueado o acesso à residência, tido como asilo inviolável, a não ser que se concorde com um modelo inquisitorial, com uma atuação policialesca à margem da Constituição Federal.
 
Logo, diante da ausência de qualquer hipótese prevista no artigo 5º, incisos X e XI, da Constituição da República Federativa do Brasil, o que deverá ser comprovado estreme de dúvidas, os elementos até então colhidos estão a demonstrar, em cognição sumária, que pode ter realmente havido ofensa à garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, configurando, pois, prova ilícita, por derivação, todos os demais elementos probatórios colhidos após a entrada dos policiais na residência, inclusive a apreensão da droga e armas no interior da residência, o que poderá macular de invalidade, infelizmente, por falha do Estado, a própria materialidade dos crimes.
 
Acerca do assunto, já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, de acordo com o entendimento do ministro Celso de Mello:
 
BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO QUARTOS DE HOTEL) - SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO, DESDE QUE OCUPADO, AO CONCEITO DE "CASA" - CONSEQÜENTE NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL.
Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes.
Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF).
ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.
A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo.
A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. 
(HC 93050 MC/RJ - MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS, Relator Min. CELSO DE MELLO. Julgamento em 30/11/2007 e publicação em 5/12/2007)

 Dessa forma, e caso fique comprovada a invasão, não há se dizer que, ao final, com a apreensão da droga e armas, com o suposto flagrante, tudo acabou sanado. Isso porque o flagrante restou contaminado com a eiva da invalidade de cunho constitucional (invasão ilegal de domicílio), cabendo as seguintes palavras do Ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça, acerca do malferimento do devido processo legal, quando da invalidação da chamada Operação Castelo de Areia: se a prova é natimorta, passemos desde logo o atestado de óbito... Essa volúpia desenfreada de se construir arremedos de prova acaba por ferir de morte a Constituição.
 
Vale ressaltar, ainda, a lição trazida por Tales Castelo Branco:
 
Não se pode encampar, sob o nome de flagrante, diligências policiais mais ou menos felizes, que venham, porventura, a descobrir e prender, com alguma presteza, indigitados autores de crimes. É preciso não confundir os efeitos probatórios que possam resultar de tais diligências, quanto ao mérito da ação, e as consequências processuais, rigorosíssimas, decorrentes da flagrância, em si mesma considerada. Pois que esta, nos crimes inafiançáveis, sujeita o acusado à prisão, contemporaneamente ao delito. (...) A flagrância, em qualquer de suas formas, por isso mesmo que se apóia na imediata sucessão dos fatos, não comporta, dentro da relatividade dos juízos humanos, dúvidas sérias quanto à autoria. Daí a grande prudência com que se deve haver a justiça, em não confundi-la com diligências policiais, post delictum, cujo valor probante, por mais forte que pareça não se encadeie em elos objetivos, que entrelacem, indissoluvelmente, no tempo e no espaço, a prisão e a atualidade ainda palpitante do crime.
(Da prisão em flagrante, 5 edição, São Paulo, Saraiva, 2001, p. 54)
 
Acerca do assunto, já se posicionou o STF:
 
A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos frutos da árvore envenenada) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes estatais, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes públicos, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação da ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. Ser, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.
(HC 93.050-RJ, 2ª. T. Rel. Celso de Mello, 10.6.2008, v.u).
 
A atuação policial ao arrepio da lei e da constituição acaba contribuindo para a sensação de impunidade dos cidadãos, já que todo o trabalho de apuração se tornará inválido em Juízo, garante dos direitos fundamentais de quem quer que seja. Por essa razão, urge que a polícia trabalhe muito mais a área de inteligência, mão mais se admitindo persecução com base em violações a direitos fundamentais ou de forma truculenta, abusiva. Esse sentimento, a propósito, foi retratado pelos editoriais dos principais jornais do país (Estado de São Paulo, em 12.6.2011, e Folha de São Paulo, em 13.6.2011) após o reconhecimento de nulidade da Operação Satiagraha pelo STJ envolvendo o banqueiro Daniel Dantas.
 
 Pois bem. Diante de todo o exposto, e porque sou juiz de pobres e ricos, indistintamente, além de fiel à Constituição Federal, haja vista indícios de que pode realmente ter havido violação à norma constitucional (violação do domicílio), o que poderá redundar no reconhecimento da obtenção da prova da materialidade dos crimes por meio ilícito, ainda que por derivação, o que não se conformaria com o devido processo legal, tenho que deva preponderar, por ora, o estado de inocência do acusado, à luz do regime garantista constitucional.
 
Além disso, a consideração da certidão de antecedentes criminais caracterizaria duplo e injurídico sancionamento (non bis in idem), além de indesejado e inconstitucional (diante da intangibilidade da coisa julgada) conteúdo estigmatizante. Como já motivei em várias decisões anteriores envolvendo fatos dessa natureza, a partir da Constituição Federal de 1988, devemos trabalhar, ordinariamente, com o direito penal do fato e não com o direito penal do autor. Sobre essa distinção, que é importante, leia-se doutrina de Zaffaroni, Política Criminal Latinoamericana, p. 166. Sobre o assunto, transcrevo:
 
 
Os modelos deterministas, descaracterizados desde a opção pelo modelo penal garantista, produziram, segundo Ferrajoli, desde o século passado, uma crise regressiva no conteúdo da culpabilidade, seja pela opção em substituí-la pela noção de periculosidade do réu ou na elaboração de outras figuras similares de qualificação da personalidade (modelos de culpabilidade pela conduta de vida).
(Aplicação da Pena e Garantismo, Amilton Bueno de Carvalho e Salo de Carvalho, Lumen Juris, 3 edição, 2004, p. 38)
 
Quanto à garantia da ordem pública, por seu turno, como bem aponta Aury Lopes Júnior:
 
Muitas vezes a prisão preventiva vem fundada na cláusula genérica garantia da ordem pública, mas tendo como recheio uma argumentação sobre a necessidade de segregação para o reestabelecimento da credibilidade das instituições. É uma falácia. Nem as instituições são tão frágeis a ponto de se verem ameaçadas por um delito, nem a prisão é um instrumento apto para esse fim, em caso de eventual necessidade de proteção. (...) Noutra dimensão, é preocupante – sob o ponto de vista das conquistas democráticas obtidas – que a crença nas instituições jurídicas dependa da prisão de pessoas. Quando os poderes públicos precisam lançar mão da prisão para legitimar-se, a doença é grave, e anuncia um grave retrocesso para o estado policialesco e autoritário, incompatível com o nível de civilidade alcançado. Na mais das vezes, esse discurso é sintoma de que estamos diante de um juiz comprometido com a verdade, ou seja, alguém que, julgando-se do bem (e não se discutem as boas intenções), emprega uma cruzada contra os hereges, abandonado o que há de mais digno da magistratura, que é o papel de garantidor dos direitos fundamentais do imputado. Como muito bem destacou o Min. Eros Grau (HC 95.009-4) 'o combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário). (...) No que tange à prisão preventiva para em nome da ordem pública sob o argumento de risco de reiteração de delitos, está se atendendo não ao processo penal, mas sim a uma função de polícia do Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal. Além de ser um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito (salvo para os casos de vidência e bola de cristal), é flagrantemente inconstitucional, pois a única presunção que a Constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta em relação a fatos futuros. (...) A prisão para garantia da ordem pública sob o argumento de perigo de reiteração bem reflete o anseio mítico por um direito penal do futuro, que nos proteja do que pode (ou não) vir a ocorrer. Nem o direito penal, menos ainda o processo, está legitimado à pseudotutela do futuro (que é aberto, indeterminado, imprevisível). Além de inexistir um periculosômetro (tomando emprestada a expressão de ZAFFARONI), é um argumento inquisitório, pois irrefutável. Como provar que amanhã, se permancer solto, não cometerei um crime? Uma prova impossível de ser feita, tão impossível como a afirmação de que amanhã eu o praticarei. Trata-se de recusar o papel de juízes videntes, pois ainda não equiparam os foros brasileiros com bolas de cristal...
 (Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, v. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 110-111)
 
Em conclusão, para a devida validade da denúncia anônima, imprescindível que ela venha acompanhada de ulteriores elementos investigativos aptos a comprovar a veracidade da informação, colhidos pelos meios hábeis do ponto de vista legal e constitucional a compor um conjunto probatório, o que não existe no caso (diante da invasão de domicílio sem mandado judicial e de investigações precárias do ponto de vista da legalidade que beiram o abuso de autoridade).

Isso posto, RELAXO a prisão do conduzido. Expeça-se alvará de soltura, salvo se por outro motivo estiver preso.
 
Abra-se vista ao Ministério Público, inclusive para se manifestar acerca da competência.

Tendo em vista a informação (folha 32) de que o conduzido está foragido do sistema prisional de outra Comarca, providencie-se, com brevidade, o seu recambiamento, oficiando-se, em acréscimo, para este fim, ao Juízo da Execução Criminal de Criciúma.
 
Intimem-se. Cumpra-se. 
 
 
                                               Barra Velha (SC), 14 de agosto de 2012.
 
 
 
Iolmar Alves Baltazar
Juiz Substituto

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