Tentativa de pensar o Direito em Paralaxe (Zizek) alexandremoraisdarosa@gmail.com Aviso: quem não tiver coragem de assinar os comentários aos posts, nem precisa mandar, pois não publico nada anônimo. Recomendo ligar para o Disk Denúncia...
Kindle - Meu livro novo
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30/06/2012
Pinheirinho e CNJ
No primeiro matéria referente a reclamação enviada ao CNJ – caso Pinheirinho
http://www.conjur.com.br/2012-jun-19/entidades-entram-reclamacao-juizes-pinheirinho
No segundo matéria sobre a resposta do presidente do TJ
http://www.conjur.com.br/2012-jun-25/presidente-tj-sp-rebate-cnj-acusacoes-entidades-pinheirinho
CFP - Novo CP e o Aborto
Sempre fui favorável ao aborto.
Posicionamento do Conselho Federal de Psicologia sobre o Aborto
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) vem a público manifestar sua posição em relação à descriminalização do aborto, tendo em vista publicação de matéria no dia 10 de março de 2012, do jornal Folha de S. Paulo, intitulada “Grupo aprova liberação de aborto com aval de psicólogo” e a aprovação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da opção pelo aborto no caso de fetos anencéfalos.
Segundo a matéria, a comissão de juristas criada pelo Senado Federal para elaborar o novo Código Penal aprovou um anteprojeto que prevê, entre outros pontos, a ampliação dos casos em que o aborto é legal. Pela proposta, não é crime a interrupção da gravidez até a 12ª semana quando, a partir de um pedido da gestante, o "médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade". Inicialmente, a ideia da comissão era propor que essa autorização fosse apenas dos médicos, mas acabou estendida aos psicólogos.
Atualmente, o aborto no Brasil é crime previsto no artigo 128, incisos I e II do Código Penal Brasileiro. A lei data da década de 20 e autoriza a interrupção da gestação em apenas dois casos: risco de vida para a mãe e/ou estupro.
A votação favorável por liberar o aborto de anencéfalos realizada pelo Supremo Tribunal Federal, em 12 de abril de 2012, por 8 votos a 2, vem a favor do direito das mulheres de interromper a gravidez no caso deste tipo de gestação.
Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Instituto Guttmacher, nos Estados Unidos, chamado Aborto Induzido: Incidências e Tendências pelo Mundo de 1995 a 2008, revelou que as interrupções de gravidez sem assistência clínica – ou seja, de risco e clandestinas - aumentaram de 44 para 49 por cento e que 220 em cada cem mil mulheres acabam morrendo, principalmente no continente africano. O estudo foi publicado no periódico The Lancet.
Segundo o estudo, em todo o mundo, os abortos inseguros foram a causa de 220 mortes por 100 mil procedimentos em 2008 – 35 vezes mais do que a taxa de abortos legais nos Estados Unidos – e de quase uma em cada sete do total de mortes maternas. As regiões que correm mais riscos de aborto inseguro são a América Central e do Sul, além da África Central e ocidental, onde 100% de todas as interrupções da gravidez foram inseridas nesta categoria. Anualmente, cerca de 8,5 milhões de mulheres em países em desenvolvimento sofrem complicações sérias decorrentes do aborto sem condições de segurança.
O relatório também alertou sobre o uso crescente do medicamento chamado misoprostol, utilizado no tratamento de úlceras gástricas. Apesar de ser ilegal, seu uso tem aumentado em países onde há leis restritivas ao aborto.
No Brasil, a OMS estima que 31% dos casos de gravidez terminam em abortamento (quase três em cada dez mulheres grávidas abortam). Já conforme estimativas do Ministério da Saúde, todos os anos ocorrem cerca de 1,4 milhão de abortamentos espontâneos e ou inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos.
Com base nestes dados, percebemos que a lei atual impede que estas mulheres tenham direito a sua cidadania e aos seus direitos humanos sexuais e reprodutivos, direitos estes estabelecidos por importantes Conferências Internacionais de Direitos Humanos que produziram Documentos dos quais o Brasil é signatário.
Sabe-se que a lei que criminaliza o aborto não impede, ou sequer reduz a sua incidência, e não dá conta da complexidade da questão. O debate sobre a liberdade de optar por não seguir com a gestação é distante da realidade e necessidades das mulheres.
O CFP se posiciona conforme os Tratados Internacionais assinados pelo Estado brasileiro, nos quais o governo se compromete a garantir o acesso das mulheres brasileiras aos direitos reprodutivos e aos direitos sexuais, referendando a autonomia destas frente aos seus corpos.
O conselho também segue os encaminhamentos do VII Congresso Nacional de Psicologia (CNP), entre eles a discussão dos Projetos de Lei que regulamentam o aborto seguro e a garantia do diálogo com os movimentos que lutam pela legalização do aborto.
Lembramos ainda a moção aprovada no VII CNP, de apoio à legalização do aborto:
“Reconhecendo tanto a complexidade do tema, quanto os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e entendendo a situação de sofrimento decorrente da criminalização e da falta de acesso aos serviços de saúde, os/as delegado(as) do VII Congresso Nacional de Psicologia vêm manifestar seu apoio à legalização da prática do aborto no Brasil, independente de a gravidez ser decorrente de violência ou haver risco de morte para a mulher”.
O CFP tem ainda como diretriz-base o Código de Ética Profissional do Psicólogo que determina, segundo os seus Princípios Fundamentais, que:
O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
E ainda, de acordo com o Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;
O CFP luta pela promoção da saúde da mulher, tanto física quanto mental, e pelo reconhecimento e integração dos diversos momentos e vivências na subjetividade da mulher, entre eles a decisão de ter filhos. Defendemos, sobretudo, o acolhimento e escuta para as mulheres em situação de aborto!
Atenciosamente,
Yvone Magalhães Duarte
Coordenadora Geral
Conselho Federal de Psicologia
Email: gerencia@cfp.org.br
http://www.cfp.org.br
Participe da 2ª Mostra Nacional de Práticas em Psicologia
Inscreva seu trabalho até 31/5/2012
Acesse: http://mostra.cfp.org.br
Posicionamento do Conselho Federal de Psicologia sobre o Aborto
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) vem a público manifestar sua posição em relação à descriminalização do aborto, tendo em vista publicação de matéria no dia 10 de março de 2012, do jornal Folha de S. Paulo, intitulada “Grupo aprova liberação de aborto com aval de psicólogo” e a aprovação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da opção pelo aborto no caso de fetos anencéfalos.
Segundo a matéria, a comissão de juristas criada pelo Senado Federal para elaborar o novo Código Penal aprovou um anteprojeto que prevê, entre outros pontos, a ampliação dos casos em que o aborto é legal. Pela proposta, não é crime a interrupção da gravidez até a 12ª semana quando, a partir de um pedido da gestante, o "médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade". Inicialmente, a ideia da comissão era propor que essa autorização fosse apenas dos médicos, mas acabou estendida aos psicólogos.
Atualmente, o aborto no Brasil é crime previsto no artigo 128, incisos I e II do Código Penal Brasileiro. A lei data da década de 20 e autoriza a interrupção da gestação em apenas dois casos: risco de vida para a mãe e/ou estupro.
A votação favorável por liberar o aborto de anencéfalos realizada pelo Supremo Tribunal Federal, em 12 de abril de 2012, por 8 votos a 2, vem a favor do direito das mulheres de interromper a gravidez no caso deste tipo de gestação.
Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Instituto Guttmacher, nos Estados Unidos, chamado Aborto Induzido: Incidências e Tendências pelo Mundo de 1995 a 2008, revelou que as interrupções de gravidez sem assistência clínica – ou seja, de risco e clandestinas - aumentaram de 44 para 49 por cento e que 220 em cada cem mil mulheres acabam morrendo, principalmente no continente africano. O estudo foi publicado no periódico The Lancet.
Segundo o estudo, em todo o mundo, os abortos inseguros foram a causa de 220 mortes por 100 mil procedimentos em 2008 – 35 vezes mais do que a taxa de abortos legais nos Estados Unidos – e de quase uma em cada sete do total de mortes maternas. As regiões que correm mais riscos de aborto inseguro são a América Central e do Sul, além da África Central e ocidental, onde 100% de todas as interrupções da gravidez foram inseridas nesta categoria. Anualmente, cerca de 8,5 milhões de mulheres em países em desenvolvimento sofrem complicações sérias decorrentes do aborto sem condições de segurança.
O relatório também alertou sobre o uso crescente do medicamento chamado misoprostol, utilizado no tratamento de úlceras gástricas. Apesar de ser ilegal, seu uso tem aumentado em países onde há leis restritivas ao aborto.
No Brasil, a OMS estima que 31% dos casos de gravidez terminam em abortamento (quase três em cada dez mulheres grávidas abortam). Já conforme estimativas do Ministério da Saúde, todos os anos ocorrem cerca de 1,4 milhão de abortamentos espontâneos e ou inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos.
Com base nestes dados, percebemos que a lei atual impede que estas mulheres tenham direito a sua cidadania e aos seus direitos humanos sexuais e reprodutivos, direitos estes estabelecidos por importantes Conferências Internacionais de Direitos Humanos que produziram Documentos dos quais o Brasil é signatário.
Sabe-se que a lei que criminaliza o aborto não impede, ou sequer reduz a sua incidência, e não dá conta da complexidade da questão. O debate sobre a liberdade de optar por não seguir com a gestação é distante da realidade e necessidades das mulheres.
O CFP se posiciona conforme os Tratados Internacionais assinados pelo Estado brasileiro, nos quais o governo se compromete a garantir o acesso das mulheres brasileiras aos direitos reprodutivos e aos direitos sexuais, referendando a autonomia destas frente aos seus corpos.
O conselho também segue os encaminhamentos do VII Congresso Nacional de Psicologia (CNP), entre eles a discussão dos Projetos de Lei que regulamentam o aborto seguro e a garantia do diálogo com os movimentos que lutam pela legalização do aborto.
Lembramos ainda a moção aprovada no VII CNP, de apoio à legalização do aborto:
“Reconhecendo tanto a complexidade do tema, quanto os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e entendendo a situação de sofrimento decorrente da criminalização e da falta de acesso aos serviços de saúde, os/as delegado(as) do VII Congresso Nacional de Psicologia vêm manifestar seu apoio à legalização da prática do aborto no Brasil, independente de a gravidez ser decorrente de violência ou haver risco de morte para a mulher”.
O CFP tem ainda como diretriz-base o Código de Ética Profissional do Psicólogo que determina, segundo os seus Princípios Fundamentais, que:
O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
E ainda, de acordo com o Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;
O CFP luta pela promoção da saúde da mulher, tanto física quanto mental, e pelo reconhecimento e integração dos diversos momentos e vivências na subjetividade da mulher, entre eles a decisão de ter filhos. Defendemos, sobretudo, o acolhimento e escuta para as mulheres em situação de aborto!
Atenciosamente,
Yvone Magalhães Duarte
Coordenadora Geral
Conselho Federal de Psicologia
Email: gerencia@cfp.org.br
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Inscreva seu trabalho até 31/5/2012
Acesse: http://mostra.cfp.org.br
Levar a sério a Execução Penal - Exemplo do Amazonas
Alguns possuem coragem, já outros....
Alexandre Morais da Rosa
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO AMAZONAS
VARA DE EXECUÇÕES PENAIS
LUÍS CARLOSHONÓRIO DE VALOIS COELHO, juiz titular da Vara de Execuções Penais do Amazonas,no uso de suas atribuições (art. 196, caput, da Lei 7.210/84),
CONSIDERANDO a decisão do EgrégioSupremo Tribunal Federal no HC 111840, j. em 14.06.12 (Rel. Min. Dias Toffoli),de considerar inconstitucional o §1º, do art. 2º, da Lei 8.072/90, reconhecida,portanto, a inconstitucionalidade do regime fechado inicial obrigatório;
CONSIDERANDO que o regimefechado, de acordo com a sistemática do Código Penal (art. 33, §2º, “a”), sódeve ser aplicado inicialmente às penas superiores a 8 anos;
CONSIDERANDO que há inúmerosapenados cumprindo penas inferiores a 8 anos em regime fechado como resultadoda aplicação, na sentença, da regra do art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90, agoraconsiderada inconstitucional;
CONSIDERANDO que, apesar de incidentala declaração de inconstitucionalidade do STF, nada impede que, seguindo a corteconstitucional, todos os juízes e juízos declarem igualmente inconstitucional anorma citada, no âmbito dos processos de suas competências, evitando-se assimmaiores prejuízos para os cidadãos apenados com a execução de norma que fere oprincípio da individualização da pena;
CONSIDERANDO que a declaração deuma pena inconstitucional equivale à declaração de inexistência dessa pena,sendo sempre competência do juízo da execução penal resguardar pela aplicaçãodo ordenamento jurídico que de qualquer forma favorecer o apenado (art. 66, I,da LEP);
RESOLVE:
DETERMINAR que tanto a secretariacomo a assessoria deste juízo, realizem triagem de todos os processos que seencontrem na situação acima, separando-os e, após, anexando nos mesmos apresente portaria;
DETERMINAR que após a juntada daportaria no processo sejam os autos encaminhados para o Ministério Público paramanifestação, no prazo de 3 (três) dias, na forma do disposto nos arts. 195 e196 da Lei de Execução Penal, instaurando-se assim no respectivo processo odevido incidente de inconstitucionalidade que avaliará a necessidade deretificação da guia de recolhimento para adequar o regime inicial ao art. 33 doCódigo Penal;
DETERMINAR que após amanifestação do Ministério Público, havendo parecer favorável à retificação daguia de recolhimento, voltem os autos conclusos imediatamente e, em casocontrário, sejam os autos antes encaminhados à defesa para manifestação, também noprazo de 3 (três) dias, em nome do princípio do contraditório e da ampladefesa;
Manaus, 29 de junho de 2012.
Luís Carlos Valois
Juiz da Vara de Execuções Penais
Alexandre Morais da Rosa
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO AMAZONAS
VARA DE EXECUÇÕES PENAIS
LUÍS CARLOSHONÓRIO DE VALOIS COELHO, juiz titular da Vara de Execuções Penais do Amazonas,no uso de suas atribuições (art. 196, caput, da Lei 7.210/84),
CONSIDERANDO a decisão do EgrégioSupremo Tribunal Federal no HC 111840, j. em 14.06.12 (Rel. Min. Dias Toffoli),de considerar inconstitucional o §1º, do art. 2º, da Lei 8.072/90, reconhecida,portanto, a inconstitucionalidade do regime fechado inicial obrigatório;
CONSIDERANDO que o regimefechado, de acordo com a sistemática do Código Penal (art. 33, §2º, “a”), sódeve ser aplicado inicialmente às penas superiores a 8 anos;
CONSIDERANDO que há inúmerosapenados cumprindo penas inferiores a 8 anos em regime fechado como resultadoda aplicação, na sentença, da regra do art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90, agoraconsiderada inconstitucional;
CONSIDERANDO que, apesar de incidentala declaração de inconstitucionalidade do STF, nada impede que, seguindo a corteconstitucional, todos os juízes e juízos declarem igualmente inconstitucional anorma citada, no âmbito dos processos de suas competências, evitando-se assimmaiores prejuízos para os cidadãos apenados com a execução de norma que fere oprincípio da individualização da pena;
CONSIDERANDO que a declaração deuma pena inconstitucional equivale à declaração de inexistência dessa pena,sendo sempre competência do juízo da execução penal resguardar pela aplicaçãodo ordenamento jurídico que de qualquer forma favorecer o apenado (art. 66, I,da LEP);
RESOLVE:
DETERMINAR que tanto a secretariacomo a assessoria deste juízo, realizem triagem de todos os processos que seencontrem na situação acima, separando-os e, após, anexando nos mesmos apresente portaria;
DETERMINAR que após a juntada daportaria no processo sejam os autos encaminhados para o Ministério Público paramanifestação, no prazo de 3 (três) dias, na forma do disposto nos arts. 195 e196 da Lei de Execução Penal, instaurando-se assim no respectivo processo odevido incidente de inconstitucionalidade que avaliará a necessidade deretificação da guia de recolhimento para adequar o regime inicial ao art. 33 doCódigo Penal;
DETERMINAR que após amanifestação do Ministério Público, havendo parecer favorável à retificação daguia de recolhimento, voltem os autos conclusos imediatamente e, em casocontrário, sejam os autos antes encaminhados à defesa para manifestação, também noprazo de 3 (três) dias, em nome do princípio do contraditório e da ampladefesa;
Manaus, 29 de junho de 2012.
Luís Carlos Valois
Juiz da Vara de Execuções Penais
28/06/2012
Lenio Streck - CONJUR
28 junho 2012
Senso Incomum
A Katchanga e o bullying interpretativo no Brasil
O paradoxo da interpretação: desvelando as obviedades do óbvioJorge Luis Borges escreveu em 1944 um texto intrigante (e qual dele não seria?) no qual um personagem fictício, Pierre Menard, escreveu três capítulos do Don Quijote. A empreitada de Menard era reescrever o Cervantes original. Borges conduz o conto de forma assaz sarcástica, demonstrando a impossibilidade de tal empreitada. Mas, mesmo que fosse possível, o mesmo texto trazia sempre novos sentidos, em face da impossibilidade de sequestrar o tempo e a história. No Direito, ainda hoje se acredita que é possível fazer interpretações cronofóbicas, factumfóbicas e a ahistóricas. O personagem Menard já mostrava o fracasso desse intento. Uma frase derruba tudo isso: o tempo é o nome do ser (Heidegger).
Escrevemos por quê? Porque a escrita é o fracasso da memória. Se nossa memória fosse perfeita, não necessitaríamos registrar as coisas. Nem tirar fotos. Li outro dia um comentário ao Pierre Menard borgiano nessa linha. Ali dizia: fôssemos capazes de pensar todas as ideias possíveis, não precisaríamos escrever e nem registrar o que pensamos. Por isso, na visão do narrador (Menard), a escrita é um monumento ao nosso fracasso de não conseguirmos pensar nada além de nossas próprias ideias (http://revistaheresia.com.br/?p=27). Acrescento: se existisse um mapa perfeito, não precisaríamos do mapa. Por isso, estamos condenados a interpretar. Um livro fala de outros livros, como diz o personagem de O Nome da Rosa, de Umberto Eco. Não há grau zero. Não há a primeira palavra, dizia Gadamer (e nem a última). Como Sísifo, estamos condenados a rolar a pedra dos sentidos até o alto da montanha; e quando achamos que deles nos apropriamos, somos empurrados de volta ao começo.
Carregando pedras. E fincando raízesPois é carregando pedras que hoje volto a um assunto que me é muito caro. Não vou reescrever a mim mesmo. Como em Menard, mesmo que meu texto fosse exatamente igual ao que escrevi anos antes, o sentido dele, a “sua norma”, seria outro. Pronto. Já disse o que vou fazer. Sintaticamente, vou me repetir em alguns parágrafos. Pragmaticamente, o contexto temporal, factual e histórico inexoravelmente será outro. E os meus leitores, mesmo os que já leram, já são outros, porque banhados em outra água do rio... Venho contando a estória da katchanga de há muito. Aulas, palestras... Internet. Talvez o personagem Menard signifique “fixem o sentido do Quijote”. Pois é. Repetição — ainda que nunca se possa dizer a mesma coisa com as mesmas palavras (aqui homenageio o grande filósofo Ernildo Stein) — é também uma forma de fincar raízes.
Prefiro pecar pelo excesso a pecar pela omissão. Hoje, quando a cada dia perdemos nossa capacidade de indignação e quando nossas críticas são encobertas por um “mundo de significados de balcão”, torna-se necessário, até por um, digamos assim, “dever cívico”, criticar, criticar e criticar, desobnubilando as obviedades do óbvio. Heideggerianamente, se o nada é o véu do ser, temos que nadificar esse nada, para que a coisa seja desvelada, fazendo uma a-letheia. Ou, homenageando o grande antropólogo Darci Ribeiro: Deus é tão treteiro, faz as coisas tão recôndidas e sofisticadas, que ainda precisamos dessa classe de gente, os críticos, para “desvelar as obviedades do óbvio”, ainda que a palavra “óbvio” seja usada, aqui, eufemisticamente. Se me entendem...
A estória de um jogo... A metáfora da interpretaçãoEntão, sigo. Pedi um trabalho sobre princípios e regras para os meus alunos no mestrado em Direito. Alguns dos papers vieram com uma estorinha que servia para criticar a ponderação e uso dos princípios. A estória que apresentaram era a Katchanga (Real), que, segundo eles, circulava na internet. Alguns, mais velhos, já tinham ouvido eu contar essa estorinha há muitos anos atrás. No mínimo há 15 anos. Pois, como poderemos perceber, mais recentemente a estória da Katchanga ganhou “novos foros”, longe daquilo que significava originalmente. Com “C” ou com “K”, os alunos que usaram a estória tinham a convicção de que, ao convocarem a estorinha, estavam sendo altamente críticos. E aqui me pareceu oportuno intervir.
A estória da Katchanga foi inventada pelo saudoso Luis Alberto Warat. Ele a chamava de “O Jogo da Katchanga...” (ele não falava português; retrabalhou os “escravos de Jô”, que jogavam “caxangá”... no seu portunhol, virou katchangá e, depois, simplesmente katchanga). Discuti muito em sala de aula e contei várias vezes a estorinha em conferências. Warat contou a estória para metaforizar (e criticar acidamente) a dogmática jurídica. Afinal, dizia “a dogmática jurídica é um jogo de cartas marcadas”. E quando alguém consegue entender “as regras”, ela mesma, a própria dogmática, tem sempre um modo de superar os paradoxos e decidir a “coisa” ao seu modo... (veja-se como o STJ consegue, em um dia, dizer que um furto de R$ 85 não é insignificante e, no outro, dizer que uma sonegação de R$ 3.296,00 é bagatela...). Ela, por si — acrescento — é decisionista, no sentido da “vontade do poder” (Wille zur Macht). Mas, vamos a estória: existia um Cassino que aceitava todos os tipos de jogos. Havia uma placa na porta: aqui se jogam todos os jogos! Isto é, não havia nada que ficasse de fora do “sistema de jogo” do Cassino. Tratava-se de um Cassino non liquet (na verdade, vedação de non liquet). Um Cassino que era um sistema aberto e fechado ao mesmo tempo (prato cheio não só para hermeneutas, como também para sistêmicos, como Marcelo Neves, Germano Schwartz, Willis Santiago Guerra Filho e Leonel Severo Rocha, este último meu interlocutor, juntamente com Warat, Albano Pêpe, Ernildo Stein e Sérgio Cademartori). Poderíamos chamar esse “sistema do cassino” de uma espécie de “Cassino Fundamental” (um Grundcassino, a exemplo da Grundnorm kelseniana?)...! De uma forma mais sofisticada, pressupõe-se que “todos os jogos segam jogados”, ou algo nessa linha. As derivações são múltiplas, pois.
De como a dogmática jurídica aceita todos os jogosPois bem. Chegou um forasteiro e desafiou o croupier do cassino, propondo-lhe o jogo da Katchanga. Como o croupier não poderia ignorar esse tipo de jogo — porque, afinal, ali se jogavam todos os jogos (lembremos da vedação de non liquet) — aceitou, ciente de que “o jogo se joga jogando”, até porque não há lacunas no “sistema jogo”.
Veja-se que o dono do Cassino, também desempenhando as funções de croupier, sequer sabia que Katchanga se jogava com cartas... Por isso, desafiou o desafiante a iniciar o jogo, fazendo com que este tirasse do bolso um baralho. Mais: o desafiado (Grundcassinero) também não sabia com quantas cartas se jogava a Katchanga... Por isso, novamente instou o desafiante a começar o jogo.
O desafiante, então, distribuiu 10 cartas para cada um e começou “comprando” duas cartas. O desafiado, com isso, já aprendera duas regras: 1) Katchanga se joga com cartas; 2) é possível iniciar “comprando” duas cartas. Na sequência, o desafiante pegou cinco cartas, devolveu três; o desafiado (croupier ou Grundcassinero) fez o mesmo. Eram as regras seguintes.
Mas o “Grund” (passemos a chamá-lo assim) não entendia o que fazer na sequência. O que fazer com as cartas? Eis que, de repente, o desafiante colocou suas cartas na mesa, dizendo Katchanga... e, ato contínuo, puxou o dinheiro, limpando a mesa. Grund, vendo as cartas, “captou” que havia uma sequência de três cartas e as demais estavam desconexas. Logo, achou que ali estava uma nova regra.
Dobraram a aposta e... tudo de novo. Quando Grund conseguiu fazer uma sequência igual à que dera a vitória ao desafiante na jogada primeira, nem deu tempo para mais nada, porque o desafiante atirou as cartas na mesa, dizendo Katchanga... Tinha, desta vez, duas sequências...! Dobraram novamente a aposta e tudo se repetiu, com pequenas variações na “formação” do carteado. Grund já havia perdido quase todo o dinheiro, quando se deu conta do óbvio: a regra do jogo estava no enunciado “ganha quem disser Katchanga primeiro”. Bingo!
Pronto. Grund desafiou o forasteiro ao jogo final: tudo ou nada. O Armagedom! Todo o dinheiro contra o que lhe restava: o Cassino. E lá se foram. O desafiante pegava três cartas, devolvia seis, buscava mais três, fazia cara de preocupado; jogava até com o ombro... Grund, agora, estava tranquilo. Fazia a sua performance. Sabia que sabia! Ou pensava que sabia que sabia...!
Quando percebeu que o desafiante jogaria as cartas para dizer Katchanga, adiantou-se e, abrindo largo sorriso, conclamou: Katchanga... e foi puxar o dinheiro. O desafiante fez cara de “pena”, jogando a cabeça de um lado para outro e, com os lábios semicerrados, deixou escapar várias onomatopeias (tsk, tsk, tsk)... Atirou as cartas na mesa e disse: Katchanga Real!
Moral da estória: esperteza não quer dizer “estado de natureza”Moral da estória: a dogmática jurídica sabe tudo, tem — sempre — todas as saídas, mas sempre sobra algo!!! Os sentidos não cabem na regra. A lei não está no direito, e vice-versa. Não há isomorfia. Há sempre um não dito, que pode ser tirado da “manga do colete interpretativo”. Esse é o papel da interpretação. Para o “bem” e para o “mal”...!
Mas, luz amarela, atenção: a estória era para mostrar o paradoxo que representa o fenômeno “dogmática jurídica”, com seu “pretenso sistema fechado” e os modos de derrotá-la. Ou não. Dizia-se (eu repetia muito isso pelo Brasil afora): você tem que saber jogar a Katchanga... (Real!). Portanto, não basta pensar que aprendeu jogar a Katchanga. O jogo é mais complexo, uma vez que a própria Katchanga Real representa um problema.
Explico. Quando a estória foi criada, não imaginávamos o “estado de natureza hermenêutico” provocado pelas teorias voluntaristas (mormente as pan-principialistas que se multiplicaram Brasil afora,essa fábrica de princípios que provoca um autentico bulling hermenêutico...!). Nem de longe poderíamos imaginar essa onda “solipsista” que se espraiou pós-Constituição de 1988, principalmente nos últimos 10-12 anos. Sendo mais específico: em um Estado dito Democrático de Direito, a tarefa interpretativa (applicatio) da magistratura é argumentar dentro dos parâmetros dos mundos constitucionalmente possíveis. Em parte, lutava-se nas brechas da institucionalidade, para encontrar vaguezas e ambiguidades, como analíticos que éramos. Mesmo após o advento da Constituição, levamos alguns anos para compreender o novo paradigma e a própria autonomia que o direito adquirira. A “função” da Katchanga se alterara... E muito! Por exemplo, a crítica ao positivismo se alterou profundamente; passamos a nos preocupar com o discricionarismo e os ativismos. Só que parcela considerável dos juristas ainda não se deu conta disso, o que é profundamente lamentável. Com efeito, essa discussão está muito atrasada em terrae brasilis.
Prossigo. Andante. Mesmo depois da Constituição, usei a metáfora várias vezes, já dando a ela uma “roupagem mais hermenêutica”. Na verdade, sempre a relatei para evidenciar o papel criativo da hermenêutica. Queria mostrar que o texto jurídico não é plenipotenciário. Lá adiante, na fusão de horizontes, levando em conta a Wirkungsgeschichtliches Bewußtsein, há um algo que se manifesta. Como falei antes, há sempre um não dito, que deve ser descoberto (desde a primeira edição do Hermenêutica Jurídica e[m] Crise — da década de 90, trabalho com as três dimensões: Erschossenheit, Entdeckenheit e Unverborgenheit). Como diz Gadamer, “ser que pode ser compreendido é linguagem”. A linguagem não abarca tudo. Sempre sobra “um real” ainda não dito. Eis aí a questão do des-velamento (Unverborgenheit).
Assim, em um primeiro momento a Katchanga Real era, efetivamente, o salto para além do exegetismo (ou do paleojuspositivismo, para homenagear Ferrajoli — ver o livro Garantismo, Hermenêutica e (Neo)constitucionalismo, Livraria do Advogado, 2012). Em um segundo momento, a Katchanga poderia ser um perigoso elemento de, sob pretexto de superar o exegetismo, transformar-se em um álibi para poder “dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”... Algo que o voluntarismo interpretativo de terrae brasilis fez e faz. Basta ver a pan-principiologia...essa bolha especulativa de princípios que assola a pátria. Afinal, se princípios são normas — e deve haver já mais de 2.000 dissertações e teses que dizem isso —, qual é a normatividade de “princípios” (sic) como o da confiança do juiz da causa, da verdade real, da instrumentalidade, da cooperação processual, da ausência eventual do plenário, etc.?
Percebe-se, assim, o modo como a estória contada por Warat se encaixa perfeitamente ao modo como (ainda) opera a dogmática jurídica, que sobrevive a partir do senso comum teórico dos juristas (que ele também caricaturava como o “monastério dos sábios”). Talvez a dogmática tenha até se aprimorado (tenho referido, de uns oito anos para cá, que a dogmática jurídica passou por uma “adaptação darwiniana”, porque até mesmo os juristas mais “tradicionais” “descobriram” que as palavras da lei são vagas e ambíguas, coisa que denunciávamos desde o início dos anos 80, quando nem se falava ainda em Constituição; junto a isso houve a descoberta da “era dos princípios”.
Registre-se, por relevante, que autores contemporâneos a Warat, como é o caso de Tércio Sampaio Ferraz Jr., oferecem uma excelente descrição para a dogmática jurídica que possui essas mesmas características. Tércio, já há mais de 30 anos, em específico, retrata a dogmática como técnica, dominação e decisão que se desenvolve a partir da confluência de três fatores históricos específicos: o método dos glosadores/comentadores do século XII e seguintes; a concepção sistemática que emerge das correntes do jusnaturalismo racionalista; e as construções teóricas do final do século XIX e início do século XX, mais especificamente a discussão em torno da polêmica “jurisprudência dos conceitos vs. jurisprudência dos interesses”. Tércio aponta para o fato de que todo saber dogmático que se constitui no direito tem como polo unificador a necessidade da decisão.
Em termos mais simples: o que diferencia o nosso direito de outros direitos existentes em outras culturas e outros tempos históricos é, exatamente, a impossibilidade de “decisões salomônicas”, como bem lembra João Maurício Adeodato. A vedação de non liquet impõe à dogmática uma espécie de tarefa: os problemas jurídicos precisam de uma solução decisional. Essa é a questão. A Katchanga, no fundo, representa esse fator de decisão que, como desmascarava Warat, não pode ser encontrada a partir de uma análise pedestre dos textos que compõem os códigos e a legislação de uma maneira geral. Há uma plêiade de fatores a influenciar a decisão que ficam de fora dessas análises estritas do fenômeno jurídico e do modo de se retratar, tradicionalmente, o papel da dogmática jurídica.
Por certo que, atualmente, nossa tarefa, enquanto viventes de uma democracia constitucional, é criar as condições para a extirpação de qualquer tipo de decisionismo. E a Katchanga Real, pós-exegética, corre o risco — efetivo — de ser decisionista, discricionária, solipsista, arbitrária... Exatamente por isso é que já não a uso de há muito, em face desse alto fator de risco deciso-solipsista que parcela da doutrina assumiu, recepcionando, equivocadamente, a Wertungsjurisprudenz (jurisprudência dos valores), a Teoria da Argumentação Jurídica, que se transformou na “pedra filosofal da interpretação” (d’onde a disseminação descriteriosa da ponderação de valores) e um certo realismo jurídico, problemática que explico em trinta páginas na introdução da 4ª Edição do Verdade e Consenso, para onde me permito remeter o fiel, crítico e inteligente leitor desta coluna hebdomadária. Por isso, minha cruzada, de há muito, está assentada na necessidade de se criar anteparos à atividade decisória, num contexto democrático de legitimação (é a Teoria da Decisão que proponho). Uma justificação que, com Dworkin, podemos dizer que deve ser a que melhor retrata o direito da comunidade política como um todo.
Concluindo: de como a crítica corre o risco de vitimar a sua construçãoNuma palavra: estórias não pertencem a ninguém. Podem ser utilizadas à vontade. Só que cada uma tem uma “história institucional”, cujo contexto devemos respeitar. Lembremos Borges e seu Pierre Menard. A estória da Katchanga Real não pode representar um “ponto cego”, porque corre o risco de vitimar sua construção (quando alguém diz “decido conforme minha consciência” ou “decido conforme os valores escondidos debaixo da lei”, “decido conforme a razoabilidade”, “decido conforme a consciência”, “em nome do interesse público”, etc., já estamos em face desse “ponto cego”, vitimados pela arbitrariedade interpretativa!). A Katchanga não “resolve” o problema da crítica à ponderação à brasileira. Não basta dizer “estão katchangando”, se quem pronuncia a frase está igualmente a katchangar... No máximo, está-se criando um paradoxo... E, como se sabe, paradoxos são coisas sobre as quais não podemos decidir. Portanto, a katchanga é muito mais do que isto. Não basta dizer que essa “ponderação à brasileira” está assentada em uma espécie de “pedra filosofal da interpretação”, que se chamaria Katchanga Real. O problema é bem mais complexo, porque reside na própria Teoria da Argumentação Jurídica e, em consequência, na Abwägung (ponderação). Ou seja, não dá para pensar que, fosse bem utilizada, a ponderação seria a saída para a irracionalidade decisional...
Ora, na verdade, o que deve ser dito é que a ponderação à brasileira não é uma representação de uma “teoria da Katchanga” (sic), mas, sim, ela própria é a Katchanga no modo como “a joga” a dogmática jurídica. Ela representa uma forma de decidir, e afirmar, assim, o non liquet. O “mito Katchangal” está presente na própria teoria de Alexy e no elemento decisionista inerente ao seu procedimento ou fórmula da ponderação. Se é verdade que criamos uma “ponderação à brasileira”, também é verdade que há fortes traços discricionários e voluntaristas na Abwägung original (que, aliás, constou inicialmente na Interessenjurisprudenz, de Philipp Heck, setenta anos antes de Alexy ter escrito a sua TAJ).
No fundo, a defesa da discricionariedade já é a adoção da Katchanga Real. Pela simples razão de que é o sub-jectum que definirá o sentido. E os critérios ele busca(rá) na “certeza de si do pensamento pensante”. Esse é o ponto central. E encerro: ponderação e a discricionariedade são irmãs siamesas, bastando lembrar, aqui, das agudas e azedas críticas que Müller e Habermas fazem à ponderação. Tudo isso serve também para o “enquadramento” das teses como “o livre convencimento”, “instrumentalismo processual” etc. E alertar a comunidade jurídica sobre essa “novilingua” — para lembrar o papel da linguagem em Orwell, no seu 1984 — que deu um novo nome ao solipsismo no Brasil: ele passou a ser chamar “ponderação”, mas que pode ser substituída por Katchanga Real.
Mas pode haver muito mais na estória da Katchanga (Real). Nela, é possível ver (também) fortes traços de nominalismo e pitadas da velha sofística (lembremos dos comentários de Bloom aos textos de L. Caroll). Meu interesse em (re)contar o “mito” da Katchanga é denunciar esse viés pragmati(ci)sta presente na invocação que o jogador faz da Katchanga Real. É uma forma de positivismo, porque estabelece um grau zero de sentido. O nominalismo era (e é) isso. Todo positivismo é pragmaticista, assim como o nominalismo também o é. Positivismo e nominalismo andam juntos. A convocação da Katchanga Real é uma forma de estabelecer a vontade do poder (Wille zur Macht). Busquemos, novamente, o personagem Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho. Discutindo sobre o papel do “desaniversário”, pelo qual haveria 364 dias destinados ao recebimento de presentes em geral e somente um de aniversário, Humpty Dumpty diz para Alice: é a glória para você. Ela responde: não sei o que quer dizer com glória, ao que ele, desdenhosamente, diz: “Claro que não sabe...até que eu lhe diga. Quero dizer ‘é um belo e demolidor argumento para você’”. Mas, diz Alice, “glória não significa ‘um belo e demolidor argumento’”. E Humpty Dumpty aduz: “Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que quero que ela signifique: nem mais, nem menos”. Observe-se bem essa frase final do personagem nominalista de Lewis Caroll... A palavra “glória” significa o que ele quer que signifique... Quando o STJ diz, em outras palavras, que “onde está escrito 15 dias, leia-se 15, mais 15, mais 15” (caso das escutas telefônicas), ele está dizendo: “dou as palavras os sentidos que quero”! Quando o TST diz “não recebo o recurso porque falta um centavo”, ele está dizendo “eis um belo e demolidor argumento”... Quando o STF diz que o não cumprimento do artigo 212 é nulidade relativa, ele está dizendo, em outras palavras: “a palavra nulidade significa o que nós queremos que ela significa”. “Nem mais, nem menos”!
É o fim “demolidor” de uma discussão! Assim como é a Katchanga (Real). Ou não! Dependerá do grau de compreensão que o utente tenha sobre a grande angústia contemporânea: afinal, o que é isto — o positivismo jurídico? O que é isto — a interpretação? O que é isto — o poder?
Escrevemos por quê? Porque a escrita é o fracasso da memória. Se nossa memória fosse perfeita, não necessitaríamos registrar as coisas. Nem tirar fotos. Li outro dia um comentário ao Pierre Menard borgiano nessa linha. Ali dizia: fôssemos capazes de pensar todas as ideias possíveis, não precisaríamos escrever e nem registrar o que pensamos. Por isso, na visão do narrador (Menard), a escrita é um monumento ao nosso fracasso de não conseguirmos pensar nada além de nossas próprias ideias (http://revistaheresia.com.br/?p=27). Acrescento: se existisse um mapa perfeito, não precisaríamos do mapa. Por isso, estamos condenados a interpretar. Um livro fala de outros livros, como diz o personagem de O Nome da Rosa, de Umberto Eco. Não há grau zero. Não há a primeira palavra, dizia Gadamer (e nem a última). Como Sísifo, estamos condenados a rolar a pedra dos sentidos até o alto da montanha; e quando achamos que deles nos apropriamos, somos empurrados de volta ao começo.
Carregando pedras. E fincando raízesPois é carregando pedras que hoje volto a um assunto que me é muito caro. Não vou reescrever a mim mesmo. Como em Menard, mesmo que meu texto fosse exatamente igual ao que escrevi anos antes, o sentido dele, a “sua norma”, seria outro. Pronto. Já disse o que vou fazer. Sintaticamente, vou me repetir em alguns parágrafos. Pragmaticamente, o contexto temporal, factual e histórico inexoravelmente será outro. E os meus leitores, mesmo os que já leram, já são outros, porque banhados em outra água do rio... Venho contando a estória da katchanga de há muito. Aulas, palestras... Internet. Talvez o personagem Menard signifique “fixem o sentido do Quijote”. Pois é. Repetição — ainda que nunca se possa dizer a mesma coisa com as mesmas palavras (aqui homenageio o grande filósofo Ernildo Stein) — é também uma forma de fincar raízes.
Prefiro pecar pelo excesso a pecar pela omissão. Hoje, quando a cada dia perdemos nossa capacidade de indignação e quando nossas críticas são encobertas por um “mundo de significados de balcão”, torna-se necessário, até por um, digamos assim, “dever cívico”, criticar, criticar e criticar, desobnubilando as obviedades do óbvio. Heideggerianamente, se o nada é o véu do ser, temos que nadificar esse nada, para que a coisa seja desvelada, fazendo uma a-letheia. Ou, homenageando o grande antropólogo Darci Ribeiro: Deus é tão treteiro, faz as coisas tão recôndidas e sofisticadas, que ainda precisamos dessa classe de gente, os críticos, para “desvelar as obviedades do óbvio”, ainda que a palavra “óbvio” seja usada, aqui, eufemisticamente. Se me entendem...
A estória de um jogo... A metáfora da interpretaçãoEntão, sigo. Pedi um trabalho sobre princípios e regras para os meus alunos no mestrado em Direito. Alguns dos papers vieram com uma estorinha que servia para criticar a ponderação e uso dos princípios. A estória que apresentaram era a Katchanga (Real), que, segundo eles, circulava na internet. Alguns, mais velhos, já tinham ouvido eu contar essa estorinha há muitos anos atrás. No mínimo há 15 anos. Pois, como poderemos perceber, mais recentemente a estória da Katchanga ganhou “novos foros”, longe daquilo que significava originalmente. Com “C” ou com “K”, os alunos que usaram a estória tinham a convicção de que, ao convocarem a estorinha, estavam sendo altamente críticos. E aqui me pareceu oportuno intervir.
A estória da Katchanga foi inventada pelo saudoso Luis Alberto Warat. Ele a chamava de “O Jogo da Katchanga...” (ele não falava português; retrabalhou os “escravos de Jô”, que jogavam “caxangá”... no seu portunhol, virou katchangá e, depois, simplesmente katchanga). Discuti muito em sala de aula e contei várias vezes a estorinha em conferências. Warat contou a estória para metaforizar (e criticar acidamente) a dogmática jurídica. Afinal, dizia “a dogmática jurídica é um jogo de cartas marcadas”. E quando alguém consegue entender “as regras”, ela mesma, a própria dogmática, tem sempre um modo de superar os paradoxos e decidir a “coisa” ao seu modo... (veja-se como o STJ consegue, em um dia, dizer que um furto de R$ 85 não é insignificante e, no outro, dizer que uma sonegação de R$ 3.296,00 é bagatela...). Ela, por si — acrescento — é decisionista, no sentido da “vontade do poder” (Wille zur Macht). Mas, vamos a estória: existia um Cassino que aceitava todos os tipos de jogos. Havia uma placa na porta: aqui se jogam todos os jogos! Isto é, não havia nada que ficasse de fora do “sistema de jogo” do Cassino. Tratava-se de um Cassino non liquet (na verdade, vedação de non liquet). Um Cassino que era um sistema aberto e fechado ao mesmo tempo (prato cheio não só para hermeneutas, como também para sistêmicos, como Marcelo Neves, Germano Schwartz, Willis Santiago Guerra Filho e Leonel Severo Rocha, este último meu interlocutor, juntamente com Warat, Albano Pêpe, Ernildo Stein e Sérgio Cademartori). Poderíamos chamar esse “sistema do cassino” de uma espécie de “Cassino Fundamental” (um Grundcassino, a exemplo da Grundnorm kelseniana?)...! De uma forma mais sofisticada, pressupõe-se que “todos os jogos segam jogados”, ou algo nessa linha. As derivações são múltiplas, pois.
De como a dogmática jurídica aceita todos os jogosPois bem. Chegou um forasteiro e desafiou o croupier do cassino, propondo-lhe o jogo da Katchanga. Como o croupier não poderia ignorar esse tipo de jogo — porque, afinal, ali se jogavam todos os jogos (lembremos da vedação de non liquet) — aceitou, ciente de que “o jogo se joga jogando”, até porque não há lacunas no “sistema jogo”.
Veja-se que o dono do Cassino, também desempenhando as funções de croupier, sequer sabia que Katchanga se jogava com cartas... Por isso, desafiou o desafiante a iniciar o jogo, fazendo com que este tirasse do bolso um baralho. Mais: o desafiado (Grundcassinero) também não sabia com quantas cartas se jogava a Katchanga... Por isso, novamente instou o desafiante a começar o jogo.
O desafiante, então, distribuiu 10 cartas para cada um e começou “comprando” duas cartas. O desafiado, com isso, já aprendera duas regras: 1) Katchanga se joga com cartas; 2) é possível iniciar “comprando” duas cartas. Na sequência, o desafiante pegou cinco cartas, devolveu três; o desafiado (croupier ou Grundcassinero) fez o mesmo. Eram as regras seguintes.
Mas o “Grund” (passemos a chamá-lo assim) não entendia o que fazer na sequência. O que fazer com as cartas? Eis que, de repente, o desafiante colocou suas cartas na mesa, dizendo Katchanga... e, ato contínuo, puxou o dinheiro, limpando a mesa. Grund, vendo as cartas, “captou” que havia uma sequência de três cartas e as demais estavam desconexas. Logo, achou que ali estava uma nova regra.
Dobraram a aposta e... tudo de novo. Quando Grund conseguiu fazer uma sequência igual à que dera a vitória ao desafiante na jogada primeira, nem deu tempo para mais nada, porque o desafiante atirou as cartas na mesa, dizendo Katchanga... Tinha, desta vez, duas sequências...! Dobraram novamente a aposta e tudo se repetiu, com pequenas variações na “formação” do carteado. Grund já havia perdido quase todo o dinheiro, quando se deu conta do óbvio: a regra do jogo estava no enunciado “ganha quem disser Katchanga primeiro”. Bingo!
Pronto. Grund desafiou o forasteiro ao jogo final: tudo ou nada. O Armagedom! Todo o dinheiro contra o que lhe restava: o Cassino. E lá se foram. O desafiante pegava três cartas, devolvia seis, buscava mais três, fazia cara de preocupado; jogava até com o ombro... Grund, agora, estava tranquilo. Fazia a sua performance. Sabia que sabia! Ou pensava que sabia que sabia...!
Quando percebeu que o desafiante jogaria as cartas para dizer Katchanga, adiantou-se e, abrindo largo sorriso, conclamou: Katchanga... e foi puxar o dinheiro. O desafiante fez cara de “pena”, jogando a cabeça de um lado para outro e, com os lábios semicerrados, deixou escapar várias onomatopeias (tsk, tsk, tsk)... Atirou as cartas na mesa e disse: Katchanga Real!
Moral da estória: esperteza não quer dizer “estado de natureza”Moral da estória: a dogmática jurídica sabe tudo, tem — sempre — todas as saídas, mas sempre sobra algo!!! Os sentidos não cabem na regra. A lei não está no direito, e vice-versa. Não há isomorfia. Há sempre um não dito, que pode ser tirado da “manga do colete interpretativo”. Esse é o papel da interpretação. Para o “bem” e para o “mal”...!
Mas, luz amarela, atenção: a estória era para mostrar o paradoxo que representa o fenômeno “dogmática jurídica”, com seu “pretenso sistema fechado” e os modos de derrotá-la. Ou não. Dizia-se (eu repetia muito isso pelo Brasil afora): você tem que saber jogar a Katchanga... (Real!). Portanto, não basta pensar que aprendeu jogar a Katchanga. O jogo é mais complexo, uma vez que a própria Katchanga Real representa um problema.
Explico. Quando a estória foi criada, não imaginávamos o “estado de natureza hermenêutico” provocado pelas teorias voluntaristas (mormente as pan-principialistas que se multiplicaram Brasil afora,essa fábrica de princípios que provoca um autentico bulling hermenêutico...!). Nem de longe poderíamos imaginar essa onda “solipsista” que se espraiou pós-Constituição de 1988, principalmente nos últimos 10-12 anos. Sendo mais específico: em um Estado dito Democrático de Direito, a tarefa interpretativa (applicatio) da magistratura é argumentar dentro dos parâmetros dos mundos constitucionalmente possíveis. Em parte, lutava-se nas brechas da institucionalidade, para encontrar vaguezas e ambiguidades, como analíticos que éramos. Mesmo após o advento da Constituição, levamos alguns anos para compreender o novo paradigma e a própria autonomia que o direito adquirira. A “função” da Katchanga se alterara... E muito! Por exemplo, a crítica ao positivismo se alterou profundamente; passamos a nos preocupar com o discricionarismo e os ativismos. Só que parcela considerável dos juristas ainda não se deu conta disso, o que é profundamente lamentável. Com efeito, essa discussão está muito atrasada em terrae brasilis.
Prossigo. Andante. Mesmo depois da Constituição, usei a metáfora várias vezes, já dando a ela uma “roupagem mais hermenêutica”. Na verdade, sempre a relatei para evidenciar o papel criativo da hermenêutica. Queria mostrar que o texto jurídico não é plenipotenciário. Lá adiante, na fusão de horizontes, levando em conta a Wirkungsgeschichtliches Bewußtsein, há um algo que se manifesta. Como falei antes, há sempre um não dito, que deve ser descoberto (desde a primeira edição do Hermenêutica Jurídica e[m] Crise — da década de 90, trabalho com as três dimensões: Erschossenheit, Entdeckenheit e Unverborgenheit). Como diz Gadamer, “ser que pode ser compreendido é linguagem”. A linguagem não abarca tudo. Sempre sobra “um real” ainda não dito. Eis aí a questão do des-velamento (Unverborgenheit).
Assim, em um primeiro momento a Katchanga Real era, efetivamente, o salto para além do exegetismo (ou do paleojuspositivismo, para homenagear Ferrajoli — ver o livro Garantismo, Hermenêutica e (Neo)constitucionalismo, Livraria do Advogado, 2012). Em um segundo momento, a Katchanga poderia ser um perigoso elemento de, sob pretexto de superar o exegetismo, transformar-se em um álibi para poder “dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”... Algo que o voluntarismo interpretativo de terrae brasilis fez e faz. Basta ver a pan-principiologia...essa bolha especulativa de princípios que assola a pátria. Afinal, se princípios são normas — e deve haver já mais de 2.000 dissertações e teses que dizem isso —, qual é a normatividade de “princípios” (sic) como o da confiança do juiz da causa, da verdade real, da instrumentalidade, da cooperação processual, da ausência eventual do plenário, etc.?
Percebe-se, assim, o modo como a estória contada por Warat se encaixa perfeitamente ao modo como (ainda) opera a dogmática jurídica, que sobrevive a partir do senso comum teórico dos juristas (que ele também caricaturava como o “monastério dos sábios”). Talvez a dogmática tenha até se aprimorado (tenho referido, de uns oito anos para cá, que a dogmática jurídica passou por uma “adaptação darwiniana”, porque até mesmo os juristas mais “tradicionais” “descobriram” que as palavras da lei são vagas e ambíguas, coisa que denunciávamos desde o início dos anos 80, quando nem se falava ainda em Constituição; junto a isso houve a descoberta da “era dos princípios”.
Registre-se, por relevante, que autores contemporâneos a Warat, como é o caso de Tércio Sampaio Ferraz Jr., oferecem uma excelente descrição para a dogmática jurídica que possui essas mesmas características. Tércio, já há mais de 30 anos, em específico, retrata a dogmática como técnica, dominação e decisão que se desenvolve a partir da confluência de três fatores históricos específicos: o método dos glosadores/comentadores do século XII e seguintes; a concepção sistemática que emerge das correntes do jusnaturalismo racionalista; e as construções teóricas do final do século XIX e início do século XX, mais especificamente a discussão em torno da polêmica “jurisprudência dos conceitos vs. jurisprudência dos interesses”. Tércio aponta para o fato de que todo saber dogmático que se constitui no direito tem como polo unificador a necessidade da decisão.
Em termos mais simples: o que diferencia o nosso direito de outros direitos existentes em outras culturas e outros tempos históricos é, exatamente, a impossibilidade de “decisões salomônicas”, como bem lembra João Maurício Adeodato. A vedação de non liquet impõe à dogmática uma espécie de tarefa: os problemas jurídicos precisam de uma solução decisional. Essa é a questão. A Katchanga, no fundo, representa esse fator de decisão que, como desmascarava Warat, não pode ser encontrada a partir de uma análise pedestre dos textos que compõem os códigos e a legislação de uma maneira geral. Há uma plêiade de fatores a influenciar a decisão que ficam de fora dessas análises estritas do fenômeno jurídico e do modo de se retratar, tradicionalmente, o papel da dogmática jurídica.
Por certo que, atualmente, nossa tarefa, enquanto viventes de uma democracia constitucional, é criar as condições para a extirpação de qualquer tipo de decisionismo. E a Katchanga Real, pós-exegética, corre o risco — efetivo — de ser decisionista, discricionária, solipsista, arbitrária... Exatamente por isso é que já não a uso de há muito, em face desse alto fator de risco deciso-solipsista que parcela da doutrina assumiu, recepcionando, equivocadamente, a Wertungsjurisprudenz (jurisprudência dos valores), a Teoria da Argumentação Jurídica, que se transformou na “pedra filosofal da interpretação” (d’onde a disseminação descriteriosa da ponderação de valores) e um certo realismo jurídico, problemática que explico em trinta páginas na introdução da 4ª Edição do Verdade e Consenso, para onde me permito remeter o fiel, crítico e inteligente leitor desta coluna hebdomadária. Por isso, minha cruzada, de há muito, está assentada na necessidade de se criar anteparos à atividade decisória, num contexto democrático de legitimação (é a Teoria da Decisão que proponho). Uma justificação que, com Dworkin, podemos dizer que deve ser a que melhor retrata o direito da comunidade política como um todo.
Concluindo: de como a crítica corre o risco de vitimar a sua construçãoNuma palavra: estórias não pertencem a ninguém. Podem ser utilizadas à vontade. Só que cada uma tem uma “história institucional”, cujo contexto devemos respeitar. Lembremos Borges e seu Pierre Menard. A estória da Katchanga Real não pode representar um “ponto cego”, porque corre o risco de vitimar sua construção (quando alguém diz “decido conforme minha consciência” ou “decido conforme os valores escondidos debaixo da lei”, “decido conforme a razoabilidade”, “decido conforme a consciência”, “em nome do interesse público”, etc., já estamos em face desse “ponto cego”, vitimados pela arbitrariedade interpretativa!). A Katchanga não “resolve” o problema da crítica à ponderação à brasileira. Não basta dizer “estão katchangando”, se quem pronuncia a frase está igualmente a katchangar... No máximo, está-se criando um paradoxo... E, como se sabe, paradoxos são coisas sobre as quais não podemos decidir. Portanto, a katchanga é muito mais do que isto. Não basta dizer que essa “ponderação à brasileira” está assentada em uma espécie de “pedra filosofal da interpretação”, que se chamaria Katchanga Real. O problema é bem mais complexo, porque reside na própria Teoria da Argumentação Jurídica e, em consequência, na Abwägung (ponderação). Ou seja, não dá para pensar que, fosse bem utilizada, a ponderação seria a saída para a irracionalidade decisional...
Ora, na verdade, o que deve ser dito é que a ponderação à brasileira não é uma representação de uma “teoria da Katchanga” (sic), mas, sim, ela própria é a Katchanga no modo como “a joga” a dogmática jurídica. Ela representa uma forma de decidir, e afirmar, assim, o non liquet. O “mito Katchangal” está presente na própria teoria de Alexy e no elemento decisionista inerente ao seu procedimento ou fórmula da ponderação. Se é verdade que criamos uma “ponderação à brasileira”, também é verdade que há fortes traços discricionários e voluntaristas na Abwägung original (que, aliás, constou inicialmente na Interessenjurisprudenz, de Philipp Heck, setenta anos antes de Alexy ter escrito a sua TAJ).
No fundo, a defesa da discricionariedade já é a adoção da Katchanga Real. Pela simples razão de que é o sub-jectum que definirá o sentido. E os critérios ele busca(rá) na “certeza de si do pensamento pensante”. Esse é o ponto central. E encerro: ponderação e a discricionariedade são irmãs siamesas, bastando lembrar, aqui, das agudas e azedas críticas que Müller e Habermas fazem à ponderação. Tudo isso serve também para o “enquadramento” das teses como “o livre convencimento”, “instrumentalismo processual” etc. E alertar a comunidade jurídica sobre essa “novilingua” — para lembrar o papel da linguagem em Orwell, no seu 1984 — que deu um novo nome ao solipsismo no Brasil: ele passou a ser chamar “ponderação”, mas que pode ser substituída por Katchanga Real.
Mas pode haver muito mais na estória da Katchanga (Real). Nela, é possível ver (também) fortes traços de nominalismo e pitadas da velha sofística (lembremos dos comentários de Bloom aos textos de L. Caroll). Meu interesse em (re)contar o “mito” da Katchanga é denunciar esse viés pragmati(ci)sta presente na invocação que o jogador faz da Katchanga Real. É uma forma de positivismo, porque estabelece um grau zero de sentido. O nominalismo era (e é) isso. Todo positivismo é pragmaticista, assim como o nominalismo também o é. Positivismo e nominalismo andam juntos. A convocação da Katchanga Real é uma forma de estabelecer a vontade do poder (Wille zur Macht). Busquemos, novamente, o personagem Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho. Discutindo sobre o papel do “desaniversário”, pelo qual haveria 364 dias destinados ao recebimento de presentes em geral e somente um de aniversário, Humpty Dumpty diz para Alice: é a glória para você. Ela responde: não sei o que quer dizer com glória, ao que ele, desdenhosamente, diz: “Claro que não sabe...até que eu lhe diga. Quero dizer ‘é um belo e demolidor argumento para você’”. Mas, diz Alice, “glória não significa ‘um belo e demolidor argumento’”. E Humpty Dumpty aduz: “Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que quero que ela signifique: nem mais, nem menos”. Observe-se bem essa frase final do personagem nominalista de Lewis Caroll... A palavra “glória” significa o que ele quer que signifique... Quando o STJ diz, em outras palavras, que “onde está escrito 15 dias, leia-se 15, mais 15, mais 15” (caso das escutas telefônicas), ele está dizendo: “dou as palavras os sentidos que quero”! Quando o TST diz “não recebo o recurso porque falta um centavo”, ele está dizendo “eis um belo e demolidor argumento”... Quando o STF diz que o não cumprimento do artigo 212 é nulidade relativa, ele está dizendo, em outras palavras: “a palavra nulidade significa o que nós queremos que ela significa”. “Nem mais, nem menos”!
É o fim “demolidor” de uma discussão! Assim como é a Katchanga (Real). Ou não! Dependerá do grau de compreensão que o utente tenha sobre a grande angústia contemporânea: afinal, o que é isto — o positivismo jurídico? O que é isto — a interpretação? O que é isto — o poder?
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 28 de junho de 2012
Sorria Contardo Calligaris - FSP
CONTARDO CALLIGARIS
Sorria!
Pesquisas mostram que valorizar a felicidade produz insatisfação e mesmo depressão
Na frente da câmara fotográfica, ninguém precisa nos dizer "Sorria!"; espontaneamente, simulamos grandes alegrias, sorrindo de boca aberta. Em regra, hoje, os retratos são propaganda de pasta de dentes -se você não acredita, passeie pelo Facebook, onde muitos compartilham seus álbuns, rivalizando para ver quem parece melhor aproveitar a vida.
O hábito de sorrir nos retratos é muito recente. Angus Trumble, autor de "A Brief History of the Smile" (uma breve história do sorriso, Basic Books), assinala que esse costume não poderia ter se formado antes que os dentistas tornassem nossos dentes apresentáveis.
Além disso, os retratos pintados pediam poses longas e repetidas, para as quais era mais fácil adotar uma expressão "natural". O mesmo vale para os daguerreótipos e as primeiras fotos: os tempos de exposição eram longos demais. Já pensou manter um sorriso por minutos?
Outra explicação é que o retrato, até a terceira década do século 20, era uma ocasião rara e, por isso, um pouco solene.
Mas resta que nossos antepassados recentes, na hora de serem imortalizados, queriam deixar à posteridade uma imagem de seriedade e compostura; enquanto nós, na mesma hora, sentimos a necessidade de sorrir -e nada do sorriso enigmático do Buda ou de Mona Lisa: sorrimos escancaradamente.
Certo, o hábito de sorrir na foto se estabeleceu quando as câmaras fotográficas portáteis banalizaram o retrato. Mas é duvidoso que nossos sorrisos tenham sido inventados para essas câmaras. É mais provável que as câmaras tenham surgido para satisfazer a dupla necessidade de registrar (e mostrar aos outros) nossa suposta "felicidade" em duas circunstâncias que eram novas ou quase: a vida da família nuclear e o tempo de férias.
De fato, o álbum de fotos das crianças e o das férias são os grandes repertórios do sorriso. No primeiro, ao risco de parecerem idiotas de tanto sorrir, as crianças devem mostrar a nós e ao mundo que elas preenchem sua missão: a de realizar (ou parecer realizar) nossos sonhos frustrados de felicidade. Nas fotos das férias, trata-se de provar que nós também (além das crianças) sabemos ser "felizes".
Em suma, estampado na cara das crianças ou na nossa, o sorriso é, hoje, o grande sinal exterior da capacidade de aproveitar a vida. É ele que deveria nos valer a admiração (e a inveja) dos outros.
De uma longa época em que nossa maneira e talvez nossa capacidade de enfrentar a vida eram resumidas por uma espécie de seriedade intensa, passamos a uma época em que saber viver coincidiria com saber sorrir e rir. Nessa passagem, não há só uma mudança de expressão: o passado parece valorizar uma atenção focada e reflexiva, enquanto nós parecemos valorizar a diversão. Ou seja, no passado, saber viver era focar na vida; hoje, saber viver é se distrair dela.
Ao longo do século 19, antes que o sorriso deturpasse os retratos, a "felicidade" e a alegria excessivas eram, aliás, sinais de que o retratado estava dilapidando seu tempo, incapaz de encarar a complexidade e a finitude da vida.
Alguém dirá que tudo isso seria uma nostalgia sem relevância, se, valorizando o sorriso e o riso, conseguíssemos tornar a dita felicidade prioritária em nossas vidas. Se o bom humor da diversão afastasse as dores do dia a dia, quem se queixaria disso?
Pois é, acabo de ler uma pesquisa de Iris Mauss e outros, "Can Seeking Happiness Make People Happy? Paradoxical Effects of Valuing Happiness", em Emotion on-line, em abril de 2011 (http://migre.me/9CT8e).
Em tese, a valorização ajuda a alcançar o que é valorizado -por exemplo, se valorizo as boas notas, estudo mais etc. Mas eis que duas experiências complementares mostram que, no caso da felicidade (mesmo que ninguém saiba o que ela é exatamente -ou talvez por isso), acontece o contrário: valorizar a felicidade produz insatisfação e mesmo depressão. De que se trata? Decepção? Sentimento de inadequação?
Um pouco disso tudo e, mais radicalmente, trata-se da sensação de que a gente não tem competência para viver -apenas para se divertir ou, pior ainda, para fazer de conta. Como chegamos a isso?
Pouco tempo atrás, na minha frente, uma mãe conversava pelo telefone com o filho (que a preocupa um pouco pelo excesso de atividade e pela dispersão). O menino estava passando um dia agitado, brincando com amigos; a mãe quis saber se estava tudo bem e perguntou: "Filho, está se divertindo bem?".
REvista AED - UCB
Prezados Amigos,
1. Temos oprazer de informar que acaba de ser publicado o novo número da Economic Analysis of Law Review - EALR. Este volumepode ser livremente acessado no endereço: (www.ealr.com.br). O sumário encontra-se aofinal dessa mensagem. Peço a gentileza de circulá-la a todos os possíveisinteressados em seu conteúdo.
2. Aproveitamos a oportunidade para lembrar que a EALR está recebendo trabalhospara o próximo número e que a revista está indexada, entre outros, no EconLit,ProQuest e EBSCO.
3. OConselho Editorial agradece sinceramente o esforço e o interesse de todos quede alguma forma colaboraram para a elaboração da EALR e aguardamos suas novascontribuições.
Atenciosamente,
Prof. Dr. Ivo Gico Jr., LL.M.
Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito – Mestrado
UniversidadeCatólica de Brasília
1. Temos oprazer de informar que acaba de ser publicado o novo número da Economic Analysis of Law Review - EALR. Este volumepode ser livremente acessado no endereço: (www.ealr.com.br). O sumário encontra-se aofinal dessa mensagem. Peço a gentileza de circulá-la a todos os possíveisinteressados em seu conteúdo.
2. Aproveitamos a oportunidade para lembrar que a EALR está recebendo trabalhospara o próximo número e que a revista está indexada, entre outros, no EconLit,ProQuest e EBSCO.
3. OConselho Editorial agradece sinceramente o esforço e o interesse de todos quede alguma forma colaboraram para a elaboração da EALR e aguardamos suas novascontribuições.
Atenciosamente,
Prof. Dr. Ivo Gico Jr., LL.M.
Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito – Mestrado
UniversidadeCatólica de Brasília
27/06/2012
Ebook
Novos livros:
Debate de lançamento dos novos livros de Slavoj Žižek e Alain Badiou e da revista Margem Esquerda n.18
A Boitempo Editorial, em parceria com o Espaco Revista CULT, convida para o debate de lancamento dos livros Vivendo no fim dos tempos (Slavoj Žižek), A hipotese comunista (Alain Badiou) e da revista Margem esquerda n.18. O evento terá a participação de Paulo Arantes (Departamento de Filosofia/USP), Christian Dunker (Instituto de Psicologia/USP) e Vladimir Safatle (Departamento de Filosofia/USP).
A entrada é gratuita e sem necessidade de inscrição. Haverá venda de livros da Boitempo com descontos especiais.
Compre o ebook de A Hipótese Comunista (R$ 16,00) aqui.
Compre o ebook da Margem Esquerda #18 (R$ 10,00) aqui.
Compre o ebook de Vivendo no fim dos tempos (R$ 26,00) aqui.
Confira e compartilhe a página do evento no Facebook.
Debate de lançamento dos livros Vivendo no fim dos tempos (Slavoj Žižek), A hipótese comunista (Alain Badiou) e da revista Margem Esquerda n.18
04/07 | quarta-feira | às 19h | Espaço Revista CULT
Rua Inácio Pereira da Rocha, 400, Vila Madalena, São Paulo
Evento gratuito | Sem inscrições prévias | Debate sujeito à lotação do auditório.
Com Christian Dunker, Paulo Arantes e Vladimir Safatle
Debate de lançamento dos novos livros de Slavoj Žižek e Alain Badiou e da revista Margem Esquerda n.18
A Boitempo Editorial, em parceria com o Espaco Revista CULT, convida para o debate de lancamento dos livros Vivendo no fim dos tempos (Slavoj Žižek), A hipotese comunista (Alain Badiou) e da revista Margem esquerda n.18. O evento terá a participação de Paulo Arantes (Departamento de Filosofia/USP), Christian Dunker (Instituto de Psicologia/USP) e Vladimir Safatle (Departamento de Filosofia/USP).
A entrada é gratuita e sem necessidade de inscrição. Haverá venda de livros da Boitempo com descontos especiais.
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Debate de lançamento dos livros Vivendo no fim dos tempos (Slavoj Žižek), A hipótese comunista (Alain Badiou) e da revista Margem Esquerda n.18
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Plínio de Arruda Sampaio - FSP
São Paulo, quarta-feira, 27 de junho de 2012
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Plínio de Arruda Sampaio
Abusos contra os pobres
Uma lei necessária: ao decidir por despejo, o juiz tem de mostrar que os sem-terra têm onde ficar. O Executivo tem de dar transporte até esse lugar
Refletindo a condição de classe da maioria dos integrantes da magistratura, os mandados de despejo contra famílias sem-teto que ocupam áreas ociosas, a fim de conseguir um lugar para viver, são invariavelmente decididos a favor dos proprietários.
Não têm esses juízes a menor consideração com o direito dos ocupantes, que é garantido pela Constituição Federal.
Não se preocupam minimamente em saber se os requerentes possuem títulos que comprovem a propriedade do imóvel ocupado. Menos ainda se preocupam com o destino das famílias despejadas, que, não tendo para onde ir, ocupam outro imóvel ou acampam na beira das estradas. Uma vergonha nacional.
Pessoas de consciência estão lançando uma campanha de assinaturas para embasar um projeto de lei de iniciativa popular que exija dos juízes a comprovação de que os despejados têm lugar para ficar e de que o Executivo colocou meio de transporte adequado para que a ele se dirijam. É possível saber mais no site www.correiocidadania.com.br.
É raro, contudo, juiz que, excedendo-se no desejo de agradar os proprietários, chegue ao cumulo de processar os organizadores das ocupações. Mas esse é o caso de uma juíza de Embu das Artes.
Ela condenou um dos organizadores da ocupação, Guilherme Boulos, a pagar multa de R$ 50 mil por dia de descumprimento da ordem de despejo. Foi ainda além: determinou à autoridade policial a abertura de procedimento criminal contra o referido senhor pelo crime de ameaça à sua integridade física.
Não houve, contudo, qualquer palavra dita por Guilherme Boulos ou outro dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, em publico ou em particular, que contivesse qualquer ameaça à magistrada. Menos ainda qualquer gesto ameaçador, até porque em nenhum momento eles se avistaram.
Isso não impediu que a magistrada fosse à imprensa, colocando-se como ameaçada, supostamente por cumprir seu dever.
Pretendeu, com isso, confundir a opinião pública, ao associar o movimento social a atos criminosos contra autoridades judiciais, tal como ocorreu no ano passado, com o assassinato da juíza Patrícia Acioli, no Rio de Janeiro. Não cabe qualquer paralelo entre os casos.
Há uma possível explicação para a sentença absurda, que define o movimento social como "criminoso" e "guerrilheiro": a requerente da ação de despejo em questão é irmã de uma escrevente na vara da magistrada.
A CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) representou contra a magistrada junto à Corregedoria da Justiça por abuso de autoridade e demora em se posicionar nesse caso.
Aliás, a CDHU e a prefeitura municipal defendem a implementação de programa habitacional na referida área, para o atendimento das famílias sem-teto da região.
Comportamentos abusivos precisam ser punidos pelo Conselho Superior da Magistratura. Fica aqui a denúncia. Esperemos pela resposta.
PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO, 81, advogado, foi deputado federal pelo PT-SP (1985-1991), consultor da FAO (Organização da ONU para a Agricultura e a Alimentação) e candidato a presidente pelo PSOL
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
UFSC - Seleção mestrado e doutorado.
O Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSC publica os Editais de Processo Seletivo de Mestrado e Doutorado 2012 – Ingresso em 2013.
As inscrições poderão ser realizadas até o dia 6 de agosto de 2012.
Edital 02/PPGD/2012 – Processo Seletivo de Mestrado
Edital 03/PPGD/2012 – Processo Seletivo de Doutorado
Editais disponíveis aqui: http://ppgd.ufsc.br/2012/06/27/processo-seletivo-ppgd-2013-editais/
As inscrições poderão ser realizadas até o dia 6 de agosto de 2012.
Edital 02/PPGD/2012 – Processo Seletivo de Mestrado
Edital 03/PPGD/2012 – Processo Seletivo de Doutorado
Editais disponíveis aqui: http://ppgd.ufsc.br/2012/06/27/processo-seletivo-ppgd-2013-editais/
21/06/2012
TJRS - CPP 212 - Para ler
RECEPTAÇÃO. ART. 180 DO CP.
PRELIMINAR.
A nova redação do artigo 212 do Código de Processo Penal não retirou do Magistrado o direito de fazer perguntas às testemunhas.
EXISTÊNCIA DO FATO.
A existência do fato está comprovada pelo auto de apreensão, auto de avaliação indireta, bem como pelas demais provas colhidas ao longo do feito.
AUTORIA.
Ausência de prova da autoria, pela ausência de iniciativa do acusador em produzir prova. São funções essências á administração da Justiça o Ministério Público e a Defensoria – pública ou particular – e se o Ministério Público é o titular da ação penal, cabe a ele o ônus da produção da prova.
PRELIMINAR REJEITADA. APELO DEFENSIVO
PROVIDO. UNÂNIME.
Apelação Crime
|
Terceira Câmara Criminal
|
Nº 70044733210
|
Comarca de Porto Alegre
|
AMAURI BARRETO DA SILVA
|
APELANTE
|
MINISTERIO PUBLICO
|
APELADO
|
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam, os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado,
à unanimidade, rejeitar a preliminar e, no mérito, dar provimento ao apelo defensivo, para absolver, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Nereu José Giacomolli e Des. Francesco Conti.
Porto Alegre, 10 de maio de 2012.
DES. IVAN LEOMAR BRUXEL,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Ivan Leomar Bruxel (RELATOR)
Adoto, data vênia, o relatório da sentença na parte que diz respeito ao apelante AMAURI BARRETO DA SILVA:
(...)
AMAURI BARRETO DA SILVA, brasileiro, solteiro, com 22 anos de idade à época do fato, nascido em 15.05.1988, natural de Porto Alegre, RS, filho de Adão Ademar da Silva e de Maria de Lourdes Barreto da Silva, residente na residente na Rua Silvestre, n.º 278, Lomba do Pinheiro, nesta Capital, foram denunciados pelo Ministério Público como incursos nas sanções do artigo 157, parágrafo 2º, incisos I e II, por duas vezes, na forma do artigo 69, "caput", ambos do Código Penal, porque:
"Fato n.º 01:
"No dia 13 de maio de 2010, por volta das 23h, na Av. Cristiano Fischer, em via pública, nesta Cidade, os denunciados, em comunhão de esforços e conjunção de vontades, subtraíram para si, mediante grave ameaça exercida com o uso de armas de fogo, um veículo I/GM Classic Life, placas IPS0315, pertencentes à vítima Juliano Lopes da Rocha (auto de apreensão de fl. 43 do Auto de Prisão em Flagrante).
"Na ocasião, os denunciados aproximaram-se do veículo da vítima, portando armas de fogo, exigindo que a mesma e sua acompanhante descessem e entregassem o carro para os mesmos. Ato contínuo, os denunciados ingressaram no carro da vítima e empreenderam fuga.
"Posteriormente, acionada a Brigada Militar, os denunciados foram abordados quando encontravam-se com o automóvel estacionado em via pública, e presos. A "res" foi apreendida e restituída à vítima..
"Fato n.º 02:
"No dia 15 de maio de 2010, por volta das 13h, na Rua Professor Gureeiro Lima, 178, nesta cidade, os denunciados, em comunhão de esforços e conjunção de vontades, subtraíram para si, mediante grave ameaça exercida com o emprego de armas de fogo, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em moeda corrente pertencente à vítima Eduardo Betanin.
"Na ocasião, os denunciados adentraram no estabelecimento comercial da vítima armados e anunciaram o assalto, subtraindo, então, os bens acima mencionados, empreendendo fuga, logo em seguida.
"Posteriormente, acionada a Brigada Militar, os denunciados foram abordados quando encontravam-se com o automóvel estacionado em via pública, e presos."
Autuados em flagrante delito, o auto foi homologado, sendo mantida a prisão provisória dos indiciados.
Recebida a denúncia, foram os réu citados, tendo apresentado resposta escrita os acusados, Diego, através de defensor público e, Amauri, por intermédio de defensor constituído.
Na instrução, foram ouvidas as duas vítimas e duas testemunhas de acusação, sendo os acusados qualificados e interrogados. Foi concedida a liberdade provisória aos réus.
Encerrada a instrução, pediu vista dos autos o Ministério Público, oferecendo aditamento à denúncia, dando o acusado Amauri como incurso nas sanções do art. 180, "caput", do Código Penal e o réu Diego como incurso nas sanções do artigo 180, "caput", do Código Penal e do artigo 16, "caput", da Lei 10.826/03, na forma do artigo 69 do Diploma Repressivo, nos seguintes termos:
"Fato n.º 01:
"Entre data não apurada e o dia 15 de maio de 2010, em local e horário não apurados no inquérito policial, os denunciados receberam, em proveito próprio, um veículo GM/Corsa Classic Life, placas IPS 0315 (auto de apreensão da fl. 51 dos autos), pertencente à vítima Juliano Lopes da Rocha, avaliado em R$25.000,00 (auto de avaliação indireta da fl. 78 dos autos), coisa que sabiam ser produto de crime.
"Na ocasião, os denunciados receberam o automóvel descrito, de pessoa não identificada até o presente momento, ciente da origem criminosa do bem (havia sido subtraído de seu proprietário), máxime pela sua natureza (veículo automotor) e por não ter se certificado de sua regular procedência ao recebê-lo.
"No dia 15 de maio de 2010, os denunciados estavam dentro do carro, estacionados na Rua José Rodrigues Sobral, em frente ao n.º 871, quando foram abordados por policiais militares que, após identificarem ser o automóvel roubado (conforme ocorrência policial das fls. 18/19 dos autos), efetuaram a prisão em flagrante,, apreendendo o veículo.
(...)
Após vista às defesas dos réus, foi recebido o aditamento.
Substituído o debate oral por razões escritas, nessas, o Ministério Público, entendendo provadas a autoria e a materialidade dos crimes, pediu a procedência do aditamento denúncia.
A defesa de Amauri alegou que não restou comprovada a autoria delitiva por parte do réu, que negou veementemente a prática delituosa. Afirmou que a acusação é baseada unicamente na prova testemunhal colhida na fase policial, sendo que tais depoimentos não foram corroborados em juízo, motivo pelo qual não podem ensejar um decreto condenatório. Destacou que o réu é primário e de bons antecedentes. Por fim, pediu a absolvição.
(...)
Foram certificados os antecedentes (fls. 56/58 e 243/245).
(fls. 275/289).
A DEFESA apelou (fl. 294), buscando absolvição por insuficiência probatória (fls. 295/297).
Apresentada a contrariedade, pelo desprovimento ao apelo (fls. 300/310).
Em 21 de setembro de 2011 o Procurador de Justiça Lenio Luiz Streck lançou parecer manifestando-se preliminarmente pela nulidade do processo, decorrente da inobservância do art. 212 do CPP e, no mérito, pelo IMPROVIMENTO ao recurso defensivo (fls. 319/323).
É o relatório.
VOTOS
Des. Ivan Leomar Bruxel (RELATOR)
- PRELIMINAR
A questão já foi enfrentada na sentença:
Das preliminares de defesa.
Quanto à primeira preliminar, estabelece o art. 212 do Código de Processo Penal, em sua nova redação:
"
As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida." (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
Como se verifica, o que prevê o dispositivo é que as perguntas das partes sejam formuladas diretamente à testemunha, mantendo o dever do juiz de não admitir aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Logo, impõe a norma ao juiz o controle das perguntas formuladas pelas partes, indeferindo aquelas impertinentes.
Além disso, estabeleceu o parágrafo único:
Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
Ou seja, mesmo após as perguntas das partes, poderá o juiz complementar a inquirição.
No mesmo sentido, a intenção esboçada pelo legislador na Exposição de Motivos que precedeu às reformas processuais contidas na Lei n.º 11.690/2008:
"...
Finalmente, com o objetivo de agilizar o procedimento de produção da prova testemunhal – atendendo igualmente à exigência do contraditório mais efetivo – é proposta alteração do art. 212, cabendo às partes a formulação direta de perguntas à testemunha, sem prejuízo do controle judicial e da complementação da inquirição pelo juiz..."
Assim, mesmo na nova redação do art. 212, manteve a lei o papel judicial de zelar pela regularidade e qualidade da prova e pelo devido esclarecimento dos fatos, dentro da inteligência das alterações introduzidas pela Lei nº 11.690/2008, como se verifica, também, da nova redação do art. 156 do Código de Processo Penal:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
Dessa forma, atribuiu a lei ao juiz o poder para, de ofício, determinar a produção de provas que considerar relevantes, mesmo antes de iniciada a ação penal, no curso dessa e antes da sentença.
Evidente que, nesse contexto, ao estabelecer, na ouvida das testemunhas, a inquirição direta pelas partes, com a possibilidade, ainda, de, ao final, complementar o juiz a inquirição sobre pontos que, porventura, ainda não tenham sido esclarecidos, não retirou o art. 212 do Código de Processo Penal do juiz a possibilidade de, no início da inquirição, fazer à testemunha os questionamentos que entender primordiais.
Por conseguinte, não pode ser interpretada a norma do art. 212 isoladamente, levando a equívoco, mas, ao contrário, deve sê-lo sistematicamente, inclusive, com as demais alterações realizadas no Código de Processo Penal:
CODIGO DE PROCESSO PENAL. CPP. ARTIGO 212. CORREIÇÃO PARCIAL. A nova redação do art. 212 do CPP, dada pela Lei n. 11.690/2.008, não retirou do Juiz a primazia na instrução, com a inquirição do ofendido, das testemunhas, peritos, acusados(s). A alteração limitou-se a dispensar a intervenção do Juiz por ocasião das perguntas das partes, sem que isto signifique estar ele alheio ao que acontece, pois continua a monitorar "controlar" a forma como são feitas as perguntas, bem como a utilidade. Leitura sistemática do Código leva a esta conclusão, pois não há razão lógica para que, no interrogatório e no Tribunal do Júri, o Juiz pergunte antes, e seja diferente no momento de ouvir as testemunhas. CORREIÇÃO PARCIAL IMPROVIDA. POR MAIORIA.
(Correição Parcial Nº 70030067425, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 24/09/2009).
APELAÇÃO CRIME. ART. 33, CAPUT, C/C O ART. 40, III, AMBOS DA LEI Nº 11.343/06. I. PRELIMINAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARGUIÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO. ART. 212 E PARÁGRAFO ÚNICO DO CPP. Inexiste nulidade na forma com que foram colhidos os depoimentos. A nova redação do artigo 212 do Código de Processo Penal não veda ao magistrado a formulação de perguntas às testemunhas e nem mesmo que as faça por primeiro, mas apenas estabelece a possibilidade de as perguntas serem dirigidas, pelas partes, diretamente às testemunhas. Assim, tem-se que a mudança processual não fez com que o juiz se tornasse um simples espectador da coleta da prova, mas aos defensores foi oferecido o contato direto com a testemunha. Em outras palavras, a nova Lei n.º 11.690/2008, com o objetivo de agilizar a colheita de provas, inovou o sistema de inquirição de testemunhas, contemplado no artigo 212 do Código de Processo Penal, adotando a forma direta de inquirição. Com isto, incumbe às partes questionarem diretamente às testemunhas sobre questões que entenderem relevantes. Contudo, enfatiza-se que o magistrado é e sempre será o responsável pela redução a termo dos depoimentos colhidos. Ademais, a nova redação do dispositivo, não impede o juiz de inquirir as testemunhas, caso entenda necessário fazê-lo, caso dos autos. Fosse o objetivo do legislador retirar do magistrado o poder de instruir o feito, não lhe teria facultado a produção antecipada de prova, antes até de iniciada a ação penal. Nessa senda, o que a lei efetivamente exige é que o poder instrutório seja realizado com cautela e comedimento, tudo buscando a verdade real. II. MÉRITO. II.I. Provadas a materialidade e a autoria do delito imputado à acusada e inexistindo causas que excluam o crime ou isentem a ré de pena, a sua condenação é o corolário lógico-jurídico. II.II. O art. 33 da Lei nº 11.343/06 descreve crime de ação múltipla, sendo que o fato de trazer consigo substância entorpecente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, por si só, configura o crime, pela execução de um dos verbos nucleares previstos no referido dispositivo legal. III. PENA. Redimensionamento da pena dentro dos critérios legais. IV. MULTA. A pena de multa é sanção principal e cumulativa, sendo inviável o seu afastamento. PREFACIAL REJEITADA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.
(Apelação Crime Nº 70036927440, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Hirt Preiss, Julgado em 17/11/2010). Grifo nosso.
Assim, inocorrente a nulidade levantada.
Além do mais, inexistente qualquer prejuízo às partes, sendo expresso o disposto no art. 563 do Código de Processo Penal, que se encontra em plena vigência:
Art.563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
(...)
A violência e a criminalidade que vive o país e que, em nenhum lugar do mundo, consegue o Estado conter integralmente, por melhor que sejam suas polícias, não justifica o agir contra a lei e sem o respaldo dessa. É, justamente, a falta de respeito às leis e a invocação de pretextos para descumpri-las que têm gerado a violência e a corrupção que vivemos atualmente em nossa sociedade.
Em vista disso, rejeito as preliminares.
E é o seguinte o parecer do ilustrado Procurador de Justiça:
O parecer encaminha-se no sentido da decretação, de ofício, da nulidade do processo, em razão da flagrante violação do art. 212 do Código de Processo Penal, e – caso desacolhida a preliminar – do improvimento do apelo defensivo.
2.1.
Muito embora a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (HC nº 103.525) tenha provocado um verdadeiro retrocesso jurisprudencial – na medida em que a ela se curvaram aqueles que resistiam a toda atuação inquisitorial do juiz –, a discussão não está encerrada e, portanto, insisto que a violação do art. 212 do Código de Processo Penal impõe a decretação, ex officio, da nulidade do processo.
No caso sub judice, embora presente o representante do Ministério Público – o Magistrado não só presidiu a audiência como também conduziu a instrução criminal (fls. 207/219) ao inquirir as testemunhas, e – crente na verdade real – produziu a prova com base na qual, em seguida, condenou o réu.
Tal postura, sob a ótica de um processo penal democrático, traz evidente prejuízo à defesa – ou alguém pensa que ser condenado nestes termos é bom? –, além de violar, flagrantemente, os princípios constitucionais do acusatório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Desse modo, considerando que não é possível tergiversar quando estão em jogo as garantias processuais do cidadão, mantenho minha posição – ver, para tanto, o parecer que exarei nas Apelações-Crime nº 70031460553, 70031295629 e 70031168131, entre outras – no sentido de que o desrespeito à forma prevista, expressamente, no art. 212 do Código de Processo Penal inquina o processo de nulidade absoluta, tornando imprestável a prova constante dos autos.
E para melhor ilustrar, e principalmente confirmar o que consta no parecer -
o Magistrado não só presidiu a audiência como também conduziu a instrução criminal (fls. 207/219) ao inquirir as testemunhas, transcrevo parte da sentença, onde reproduzidas as declarações que geraram a fundamentação:
(...)
O acusado Amauri, em seu interrogatório, também negou a imputação:
"
J: Os senhores praticaram esses assaltos? I: Não.
J:
Como foi a prisão do senhor e do Diego então? I: Nós tava num bar jogando snooker e daí nós tava esperando umas gurias, que eu conheço a namorada dele, mora nos fundos da minha casa e a mãe dela mora no Campo Novo, perto da casa dele, nós tava no bar quando nós tava indo, nós tava parado num carro e esse carro preto tava parado mais a frente, a polícia veio e conversou com a gente antes, perguntou se nós que tava com o carro, a gente falou que não, tinha uma casa aberta na frente aberta também falou que não era nós, daí eles falaram que vinham umas pessoas pra dar recunha na gente. Nisso aquele segundo policial que depôs aqui abriu o carro e ficou lá olhando, daí veio uma outra viatura e mandou algemar a gente nos levaram para uma Delegacia da Civil ali do lado do Carrefour.
J:
O senhor viu se alguém olhou e reconheceu vocês? I: Não, porque quando nós entramos na Civil com aquele segundo policial seguiu dando em nós, nos levou numa peça lá nos fundos e fez eu ainda botar a roupa do guri, porque o guri tava algemado, cm a cabeça sangrando e fez eu ainda limpar o sangue do chão.
J:
Do Diego? I: É.
J:
O senhor viu ser encontrada uma pistola lá onde vocês estavam? I: Não. Só vi na hora que o brigadiano apresentou na Delegacia.
J:
Mas lá no local o senhor não viu de onde saiu a pistola? I: É que nós tava no fuca escorado, ele pegou e olhou tudo, não achou arma com ninguém, quando encostou outra viatura já mandaram nos prender e aquele segundo que estava do lado do outro carro.
J:
Que distância estava do fusca de onde vocês estavam escorados desse carro preto? I: Tinha uns 15 metros por aí.
J:
O senhor não viu quem deixou aquele carro lá? I: Não, se fosse meu eu assumia que era meu.
J:
O senhor já tinha sido preso ou processado alguma vez antes? I: Já tinha na FASE, já tinha cumprido tudo direitinho.
J:
O que o senhor tinha respondido? I: Era roubo de carro também, mas eu assumi tudo, as minhas broncas eu sempre assumi.
J:
Chegou a cumprir internação? I: Cumpri tudo direitinho, saí dia 09 de setembro de 2008.
J:
O senhor estava trabalhando, exercendo alguma atividade? I: Trabalhei de frentista no Carrefour.
J:
Mora com quem? I: Com a minha mãe."
A vítima Juliano Lopes da Rocha informou:
"
J: Como foi esse fato? T: Eu fui buscar a minha irmã que trabalha na Editora Verbo Jurídico e eu parei em frente ali umas 11 da noite, no momento que eu parei eu fui olhar um livro meu já tinha dois elementos do meu lado, armados, eles me renderam e disseram pra eu sair do carro. Eu tava com a minha noiva no carro, eu mandei ela sair primeiro, depois que ela saiu eu saí, um deles entrou no carro, o outro veio por trás de mim me colocou a arma no meu peito e pediu a minha carteira, eu joguei a carteira no carro, eles entraram no carro e saíram.
J:
Quanto tempo depois disso o senhor ficou sabendo da apreensão do veículo? T: Da apreensão do veículo uns 3 dias depois disso.
J:
O senhor já conhecia algum desses assaltantes? T: Não.
J:
Pode descrever como eles eram? T: Os dois de pele morena, eram negros, jovens, aparentando no máximo 25 anos, os dois eram até bem parecidos, altura um metro e setenta e cinco, os dois magros.
J:
O senhor chegou a ser chamado para reconhecer esses indivíduos depois que foi encontrado o carro? T: Sim, por fotos.
J:
E o senhor os reconheceu por foto? T: Sim.
J:
Foram mostradas só as duas fotos dos indivíduos ou mostraram fotos de outras pessoas junto? T: Mostraram de outros também, me mostraram as dos dois e de outros dois, foram quatro fotos que me mostraram.
J:
E o senhor reconheceu no meio das fotos os dois que lhe assaltaram? T: Sim.
J:
O senhor teve certeza no reconhecimento por foto que o senhor fez?n T: Sim.
J:
O senhor ou a sua noiva chegaram a ficar machucados? T: Não.
J:
Além do veículo o senhor recuperou alguma outra coisa que estava dentro dele? T: Não, só o veículo.
J:
Faltava alguma coisa no veículo? T: Sim, roubaram estepe, chave de roda, extintor.
J:
O senhor ficou com o veículo ou o seguro lhe pagou? T: Não, fiquei com o veículo e o seguro arrumou, porque ele foi encontrado batido.
J:
Dada a palavra ao Ministério Público, nada perguntou. Dada a palavra à defesa do acusado Diego:
D:
Notou alguma tatuagem ou cicatriz em algum deles? T: Não.
D:
Na cabeça tinha boné? T: Se não me engano um deles estava de boné.
D:
Nada mais.
J:
Dada a palavra à Defesa de Amauri:
D:
O senhor lembra que tipo de armas eram? T: Eu sei que um estava de pistola o outro eu não me recordo.
D:
O senhor e a sua esposa não sofreram agressões físicas? T: Não."
Após o depoimento em juízo, a vítima Juliano não reconheceu os acusados como autores do roubo, apontando outro indivíduo colocado junto com os réus para o reconhecimento.
A vítima Eduardo Betanin contou:
"
J: Como foi esse fato? T: Eu tenho uma distribuidora de carnes e estava no escritório fazendo cálculos e quando eu vi já tinha entrado um cara no escritório armado e anunciou o assalto, disse pra não olhar muito para ele e mandou deitar no chão e ali começou com ponta pé, me chutando e pediu dinheiro, eu disse que o dinheiro estava ali na gaveta, daí ele abriu a gaveta, pegou o dinheiro e dizia "Eu quero mais, eu quero mais" e continuou me batendo.
J:
Quanto o senhor tinha na gaveta? T: Eu acredito que tinha ali em torno de uns cinco mil reais. E ele dizia que queria mais dinheiro e eu disse que não tinha, o que eu tinha estava ali e ele não queria acreditar e continuou batendo, continuou batendo, pegou o revólver e engatilhou no meu ouvido e daí subiu mais assaltante ali e esse outro engatilhou a arma no meu ouvido assim "Nós vamos te matar, nós queremos mais dinheiro", eu dizia que não tinha mais, o que eu tinha estava ali, eu não tinha o que fazer. Foi o que aconteceu ali, daí eles pegaram o dinheiro e foram embora.
J:
O senhor já conhecia algum desses indivíduos antes? T: Não.
J:
O senhor pode descrever como eram esses indivíduos? T: O que chegou primeiro não dá para descrever muita coisa porque ele estava com máscara cirúrgica branca e boné enfiado na cabeça, só dava para notar que era uma cara de um guri meio novo, uns 18 anos, mais para branco assim. O outro eu não vi porque eu tava deitado e com a cabeça no chão. Depois pelas filmagens que a câmeras captaram deu para ver logo depois que eram três indivíduos, eles foram em outras partes do estabelecimento, em torno de 15 pessoas que trabalhavam lá foram rendidos.
J:
Além desses dois, havia mais um terceiro? T: Sim, e mais um no carro.
J:
As câmeras também filmaram esse carro? T: Filmaram o carro que passou, filmou os três que entraram.
J:
Recorda que carro era esse? T: O carro que foi usado no assalto foi um Citroen.
J:
Chegou a ser informado se eles teriam outro carro além desse Citroen? T: Que foi visto ali foi só o Citroen.
J:
Era um Citroen grande ou pequeno? T: Um porte médio.
J:
Seria tipo um C3? T: Um modelo mais novo da Citroen, um lançamento, um carro novo.
J:
Nas imagens da filmagem eles estavam com o rosto coberto nas imagens? T: Sempre, desde quando eles entraram no pátio, eles já entraram com a máscara.
J:
O senhor ficou sabendo da prisão dos indivíduos posteriormente ao assalto? T: Sim.
J:
Quanto tempo depois o senhor ficou sabendo? T: Lá no Palácio da Polícia no mesmo dia umas três horas depois.
J:
Chegou a ser mostradas as pessoas que foram presas na ocasião para o senhor? T: Sim.
J:
E o senhor chegou a identificar se seriam aqueles que lhe assaltaram? T: Olha, eu exatamente não tinha certeza.
J:
Alguma coisa que foi levada do senhor ou das pessoas do seu escritório, chegou a ser recuperado com essas pessoas? T: Não.
J:
Para o senhor aquelas pessoas que foram apresentadas poderiam ser os assaltantes ou não? T: Olha, pelo que eu fiquei sabendo lá é que eles teriam confessado. Um deles é o que estava no carro.
J:
Mas o senhor não reconheceu nenhum deles então? T: Não, na verdade eu vi eles muito de longe. Talvez olhando agora eu vendo aquele que entrou e estava de máscara, mas certeza eu não teria condições de dizer. Como eu vou condenar alguém sem ter visto o rosto completo, é uma coisa bem mais complicada, até eu acho que foram passadas essas imagens na Delegacia, talvez um perito eu acho que pela estatura ou por outras coisas seria muito mais fácil do que eu a olho nu querer condenar alguém.
J:
As imagens foram entregues na polícia? T: Acho que sim.
J:
Dada a palavra ao Ministério Público:
MP:
Nessas imagens o senhor conseguiu identificar a placa desse veículo? T: Não me lembro, sei que o que eu tinha lá eu passei para a polícia.
MP:
Nada mais.
J:
Dada a palavra à defesa de Diego, nada perguntou. Dada a palavra à defesa de Amauri:
D:
O senhor pode declarar que foi só o primeiro assaltante que adentrou e lhe agrediu fisicamente? T: Olha, acho que foi o segundo que me agrediu. Como eu tava deitado eu não posso dizer exatamente qual dos dois foi, mas eu acho que só o segundo me agrediu, porque o primeiro como era um guri mais novo, ele estava mais amedrontado e o segundo que entrou engatilhou a arma e chegou com mais vontade e queria mais dinheiro, estava mais agressivo.
D:
O primeiro que entrou não lhe agrediu? T: Eu acho que não.
D:
Lembra a arma que ele portava? T: Acredito que seria um revólver 38."
O policial militar Sidnei Luis Roman narrou:
"
J: O senhor recorda desse fato? T: Sim senhor, nós estávamos patrulhando na Av. Bento Gonçalves a respeito desse carro que havia cometido um roubo a um frigorífico próximo dali e o Ciosp nos informou que houve uma denúncia que esse carro estava estacionado com dois indivíduos dentro do carro num local próximo onde nós estávamos, fomos fazer averiguação e constatamos que estavam dois indivíduos. No momento da abordagem o que estava no banco do motorista, esse daqui (apontou para o acusado Amauri), não reagiu, tudo tranquilo e no banco do passageiro, que estava esse aqui (apontou para o acusado Diego), houve uma certa reação com o colega ali, mas também foi contido e foram presos os dois em flagrante.
J:
O Diego tinha alguma arma com ele? T: Tinha, ele portava na cintura dele uma pistola 9 milímetros.
J:
Com o acusado Amauri foi encontrado alguma coisa? T: Não senhor.
J:
Eles tinham algum documento do veículo? T: Não recordo.
J:
O que eles alegaram com relação ao carro onde eles estavam? T: Também não recordo o que foi alegado por eles.
J:
Com relação ao roubo no frigorífico que o senhor comentou, seria na Intercap? T: Sim senhor, na Guerreiro Lima.
J:
Qual era a informação de envolvimento no veículo nesse roubo? T: Segundo o proprietário do frigorífico, nós trouxemos ele para fazer o reconhecimento e ele reconheceu um dos dois, também não me recordo qual dos dois ele reconheceu, que entrou no frigorífico armado e efetuou o roubo, mas não recordo qual dos dois que ele reconheceu.
J:
Ele chegou a comentar que por ocasião do assalto os assaltantes estariam com o rosto coberto, com alguma máscara? T: Não recordo.
J:
Ele achou parecido algum deles? T: Sim, inclusive um deles ele reconheceu.
J:
Mas ele teve certeza ou achou parecido? T: Não recordo, mas ele reconheceu um deles.
J:
Mas se foi com certeza ou não o senhor não recorda? T: Não recordo.
J:
Os acusados em algum momento admitiram terem participado desse assalto ao frigorífico? T: Não recordo, se não me engano não, mas não me recordo.
J:
Foi encontrado dinheiro ou algum pertence que teria sido roubado do frigorífico com eles? T: Não senhor.
J:
O senhor já conhecia algum dos acusados anteriormente? T: Não senhor.
J:
A arma que foi apreendida com o Diego estava municiada? T: Estava.
J:
Ele tinha alguma documentação da arma, registro ou licença? T: Não senhor.
J:
Eles falaram por que eles estavam parados com o carro ali na ocasião? T: Falaram que estavam esperando um amigo deles que morava ali na região por perto.
J:
Dada a palavra ao Ministério Público, nada perguntou. Dada a palavra à defesa do acusado Diego:
D:
Essa arma não estava no chão do veículo? T: Não.
D:
Que arma era? T: Uma pistola 9 milímetros preta, Argentina, se não me engano.
D:
Quantas munições tinha? T: Se não me engano umas 4 ou 5.
D:
Nada mais.
J:
Dada a palavra à defesa do acusado Amauri:
D:
Pode precisar se em algum momento o Amauri tentou reagir, fugir? T: Não, o Amauri não."
O policial militar Leandro Oliveira da Luz relatou:
"
J:O senhor recorda desse fato? T: Sim senhor, eles efetuaram um roubo num frigorífico ali na Intercap.
J:
Havia uma informação desse roubo, como foi no início? T: Foi despachado pelo 190 de quatro elementos, um veículo preto e tal. Além de ser comandante da área naquela ocasião, eu estava de serviço de supervisor. Depois que a gente chegou na volta ali, questão de maia hora, quarenta minutos que havia nos dado que o roubo teria ocorrido, nos passaram que o carro preto que teria participado do roubo estava na entrada da Tuca ali, daí eu fiz a volta com a minha viatura, o outro soldado que acabou de falar aqui era meu motorista e nós nos deparamos com o veículo parado com os dois dentro, nós fizemos abordagem, esse daqui (apontou para o acusado Amauri), estava na direção e aquele ali (apontou para o acusado Diego), estava na carona com uma pistola na cintura, municiada.
J:
Ele tinha alguma documentação da arma, registro ou licença? T: Não, não tinha nada.
J:
Eles deram alguma justificativa para estar com o carro e naquele local? T: Não tem justificativa para estar dentro de um carro roubado.
J:
Mas eles disseram alguma coisa como eles teriam obtido o carro? T: Não.
J:
Foi encontrado alguma coisa com relação ao roubo nesse frigorífico na Intercap dentro do veículo? T: Não.
J:
Com relação à arma o Diego disse como tinha adquirido? T: Não.
J:
A vítima do roubo da Intercap chegou a ser chamada? T: Sim, foram reconhecidos os dois 100% no local. Eu mandei outra viatura buscar o pessoal e foi feito o reconhecimento no local.
J:
O proprietário do frigorífico que compareceu? T: Sim.
J:
Ele chegou a mencionar se na hora do assalto os indivíduos estavam com o rosto coberto? T: Não.
J:
E quando ele reconheceu, ele reconheceu os dois ou reconheceu um deles? T: Reconheceu os dois.
J:
Ele teve certeza, achou parecidos? T: Para nós teve certeza ali no momento.
J:
O senhor já conhecia algum dos réus anteriormente? T: Não.
J:
Houve alguma resistência deles à prisão? T: Sim, o Diego tentou fazer força, mas eu o dominei."
Conforme pode ser percebido, ainda que presente o agente do Ministério Público, fez uma única pergunta, que de pouco –
ou nada – valeu, e foi mesmo o Juiz o condutor da audiência, dele a iniciativa de praticamente todas as perguntas.
Assim, data vênia, a acusação não fez prova alguma.
E se a acusação não fez prova, e o réu foi condenado, chega a ser irônico dizer que ele –
o réu – não teve qualquer prejuízo.
O Ministério Público, desde 1988, assumiu a grandeza de essencial à função jurisdicional do Estado (art. 127, CF), e não deve o seu agente, o Promotor de Justiça, ser figura meramente decorativa na cena judiciária, apenas um figurante.
E é dele, igualmente, e de forma privativa, a promoção da ação penal pública.
E, se acusador, se dele a iniciativa da ação penal, com certeza é do agente do Ministério Público que deve partir a iniciativa acusatória.
Deve ser, então, o protagonista.
Aliás, oportuno conferir a exposição de motivos do projeto do novo Código de Processo Penal:
Não bastasse, é de se ter em conta que o Ministério Público mereceu tratamento constitucional quase equiparável à magistratura, notadamente em relação às garantias institucionais da inamovibilidade, da vitaliciedade e da irredutibilidade de vencimentos.
Assim, seja do ponto de vista da preservação do distanciamento do julgador, seja da perspectiva da consolidação institucional do parquet, não há razão alguma para permitir qualquer atuação substitutiva do órgão da acusação pelo juiz do processo. Não se optou pelo juiz inerte, de resto inexistente nos países de maior afinidade processual com o Brasil, casos específicos de Portugal, Itália, Espanha e Alemanha, e que também adotam modelos acusatórios, mas, sim, pelo fortalecimento das funções de investigação e, assim, das respectivas autoridades, e pela atribuição de responsabilidade processual ao Ministério Público. O que não significará, um mínimo que seja, o alheamento judicial dos interesses da aplicação da lei penal. Instaurado o processo, provocada a jurisdição, poderá o juiz, de ofício, adotar até mesmo medidas acautelatórias, quando destinadas a tutelar o regular exercício da função jurisdicional.
Assim, organizado o Ministério Público, e com status de essencial à função jurisdicional, deixou de ser figurante, devendo comportar-se, verdadeira e efetivamente, como atuante, passando a ser supletiva, limitada, menor, a participação do Juiz na produção da prova, pois a sua tarefa é de analisar a prova, criticar a prova, e decidir, julgar.
Trata-se, ao contrário do que possa parecer, de prestigiar a instituição Ministério Público, transferindo, atribuindo, a responsabilidade processual que foi alcançada na Constituição Federal.
Assim, a matéria, embora agitada a título de preliminar, envolve o exame do mérito, e avalia a existência ou não de prova, suficiente ou insuficiente para a condenação.
E, inexistente qualquer prova produzida por iniciativa da acusação, o resultado é a absolvição.
Assim é que, a título de preliminar, a questão vai afastada, e no exame do mérito, como dito antes, o resultado é a absolvição.
- DENÚNCIA ALTERNATIVA
Apenas a título complementar, uma outra questão.
A acusação inicial foi da prática de roubo qualificado.
Todavia, com o aditamento, ficou reduzida a acusação ao crime de receptação.
Assim, prejudicada, por ausente interesse, ficou a análise do mérito feita na sentença, ainda que de forma resumida:
De qualquer sorte, para que não passe em branco, a motivação judicial:
Do mérito.
A materialidade do fato está consubstanciada nos autos de apreensão de fls. 51 e 52, no auto de avaliação indireta de fl. 78, nos autos de reconhecimento de pessoa por fotografia de fls. 83 e 86, nos autos de exame de corpo de delito de fls. 143/145 e 239 e no laudo pericial da arma de fls. 170/171.
Nesse contexto, como bem concluiu o Ministério Público, insuficiente a prova dos autos para demonstrar a autoria dos réus no roubo do veículo, bem como no assalto ao estabelecimento comercial.
Juliano, vítima do roubo do veículo, não chegou a realizar reconhecimento pessoal dos agentes, somente reconhecendo os acusados através de fotografia, não tendo sido, em juízo, capaz de reconhecê-los, ao serem os réus colocados para reconhecimento pessoal, apontando outro indivíduo como um dos autores do assalto.
Do mesmo modo, Eduardo, vítima do assalto ao estabelecimento comercial, afirmou, em juízo, não ter tido certeza quanto ao reconhecimento pessoal realizado na fase policial, não tendo condições, quando do depoimento em juízo, de reconhecê-los.
Nessas circunstâncias, não outorga a prova elementos suficientes para demonstrar a autoria dos crimes de roubo, inviabilizando um juízo condenatório.
- RECEPTAÇÃO
Ainda que entenda indevida a condenação, pelos motivos antes alinhados – ausência de prova por parte da acusação - transcrevo a fundamentação da sentença condenatória, embora identifique outro motivo para que ela não vingue:
De outro lado, uníssonos e coerentes, desde a fase policial, foram os policiais militares que fizeram a prisão informando terem localizado o veículo roubado, após denúncia de que esse carro teria participado do assalto a um estabelecimento comercial, sendo os réus encontrados dentro do automóvel, estando Amauri na direção do carro e Diego, que portava uma pistola na cintura, sentado no banco do carona.
Os policiais não conheciam os acusados anteriormente, não tendo qualquer razão para quererem prejudicá-los.
A circunstância de serem as testemunhas policiais militares, por si só, em nada afeta a credibilidade de suas declarações, agindo esses no interesse da sociedade. Ademais, nenhum indício de suspeição existe nos autos:
CRIME DE CARÁTER PERMANENTE, COMO NO CASO DO DELITO PREVISTO NO ART-12 DA LEI DE TÓXICOS. ARMAS (ART. 10 DA LEI 9.437/97). APREENSÃO. CARACTERIZA ESSE DELITO A APREENSÃO DE ARMAS NO LOCAL DO FLAGRANTE, SEM AUTORIZAÇÃO E EM DESACORDO COM DETERMINAÇÃO LEGAL. DEPOIMENTO DE POLICIAIS . VALOR. OS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS SÃO VÁLIDOS DESDE QUE NÃO TENHAM SIDO CONTRADITADOS OU ALEGADO QUALQUER ASPECTO PESSOAL PARA O IMPEDIMENTO OU ALGUMA CIRCUNSTÂNCIA DE SUSPEIÇÃO. APELOS DEFENSIVOS DESPROVIDOS.
(ACR Nº 70000578633, PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL, TJRS, RELATOR: DES. SILVESTRE JASSON AYRES TORRES, JULGADO EM 15/03/2000). Grifo nosso.
TÓXICO. TRAFICO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. COM REFERENCIA A DEPOIMENTOS DE POLICIAIS ENVOLVIDOS NO FLAGRANTE. NÃO SERIA LÓGICO DAR CREDIBILIDADE A POLICIAIS PARA PROMOVEREM PRISÕES E FLAGRANTES E, AO DEPOIS, DESCONSIDERAR OU NEGAR-LHES CREDITO DE SEUS TESTEMUNHOS, EM JUÍZO, SEM NENHUMA BASE CONCRETA QUE JUSTIFIQUE TAL DESCONFIANÇA. REGIME INTEGRALMENTE FECHADO PARA O CUMPRIMENTO DA PENA. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2, DA LEI 8072/90. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DA DEFESA E DERAM PROVIMENTO AO APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
(Apelação Crime nº 699287165, 1ª Câmara Criminal do TJRS, Rio Pardo, Rel. Marcel Esquivel Hoppe. j. 23.06.1999). Grifo nosso.
De outro lado, nenhuma prova foi produzida pelos denunciados a corroborar suas alegações, sendo natural que negassem estar dentro do veículo, que sabiam ter origem criminosa, para se livrarem da imputação.
Ademais, embora não comprovada a autoria dos réus nos roubos, fortes são os indícios do cometimento do delito por eles, estando, inclusive, Diego armado por ocasião da prisão, que aconteceu pouco tempo depois do assalto ao estabelecimento comercial da vítima Eduardo, sendo, justamente, em face das informações repassadas à polícia da prática desse crime, localizados os réus com o veículo.
Nesse contexto, induvidosa a prática do delito de receptação dolosa pelos acusados, tendo esses, em comunhão de esforços e vontades (art. 29, "caput", do Código Penal), recebido o veículo que sabiam de origem criminosa:
"
RECEPTAÇÃO DOLOSA. Para configurar o delito do art. 180, caput, do Código Penal, não é necessário que o agente tenha conhecimento direto de que se trata de coisa produto de crime. Para tanto são suficientes circunstâncias que dão certeza tratar-se de coisa havida criminosamente." (JTARS, 73/50).
"
A prova do conhecimento da origem delituosa da coisa no crime de receptação pode extrair-se da própria conduta do agente e dos fatos circunstanciais que envolvem a infração". (JUTACRIM, 96/240).
"
Em se tratando de crime de receptação dolosa, a demonstração de que o agente tinha ciência sobre a origem ilícita da coisa pode ser deduzida de conjecturas ou circunstâncias exteriores, ou seja, do comportamento ab externo, do modus operandi do comprador, uma vez que, não se podendo penetrar no foro íntimo do agente, não há como se aferir o dolo de maneira direta ou positiva." (RJTACRIM, 35/285-6).
APELAÇÃO-CRIME. RECEPTAÇÃO. IMPOSSIVEL DESCLASSIFICAÇÃO. PRISÃO EM FLAGRANTE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. VALOR DA PALAVRA DOS POLICIAIS. CONDENAÇÕES MANTIDAS. Materialidade e autoria devidamente comprovadas. Conjunto probatório firme e coerente a manter o decreto condenatório. A apreensão da res em poder do acusado gera a inversão do ônus da prova, gerando com que a responsabilidade do recorrente decorria disso, e lhe cabendo demonstrar sua inocência. Os funcionários da Polícia merecem, nos seus relatos, a normal credibilidade dos testemunhos em geral. No que tange à desclassificação para o crime previsto no § 3º, do art. 180 do CP, prevê a forma culposa: aí requer que o sujeito não haja operado com dolo, o que é impossível, ou seja, inegável neste caso. Apelos defensivos improvidos.
(Apelação Crime Nº 70016825473, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alfredo Foerster, Julgado em 21/06/2007). Grifo nosso.
(...)
E, antes, ainda acrescento parte do parecer do ilustrado Procurador de Justiça:
2.2.
No mérito, todavia, merece improvimento o apelo defensivo.
Vejamos.
A materialidade do crime de receptação de veículo veio demonstrada pelos boletins de ocorrência (fls. 11/16), pelo auto de prisão em flagrante (fls. 27/28), pelo auto de apreensão (fls. 51), pelo auto de avaliação indireta (fl. 78), bem como pela prova oral produzida em juízo.
A autoria – embora a negativa dos réus – também se mostra inquestionável, tendo em vista os depoimentos dos policiais militares e da vítima do roubo do carro envolvido:
Em seu interrogatório, o co-réu Diego Felício Pacheco (fls. 215/217) negou o porte da arma e a receptação do automóvel, dizendo que estava parado na calçada juntamente com Amauri, ambos encostados em um fusca, quando os policiais chegaram. Disse que os agentes encontraram a arma embaixo do fusca – sendo que nem a tinha visto – e enxertaram-na. Referiu que o carro roubado estava próximo a eles, parado na rua.
Amauri Barreto da Silva
(fls. 217/219), na mesma linha, recordou que estava com Diego, parado na rua, e que o carro envolvido nos fatos estava parado um pouco à frente deles. Relatou que os policiais chegaram ao local e enxertaram a arma, não sabendo dizer, porém, onde a encontraram.
Os policiais militares Sidnei Luis Roman (fls. 212/219) e Leandro Oliveira da Luz (fls. 214/215), por outro lado, declararam que receberam uma comunicação de roubo e a informação de que os seus autores estavam em um carro de determinadas características. Afirmaram que, posteriormente, viram os réus dentro de um carro com essas características – registrando que o réu Amauri estava dirigindo, enquanto Diego estava no banco do carona –, motivo pelo qual os abordaram e pediram documentos. Apontaram que eles não possuíam os documentos do veículo. Assinalaram que não conheciam os réus antes dos fatos.
Juliano Lopes da Rocha (fls. 207/208), proprietária do automóvel e vítima do roubo, e Eduardo Betanin (fls. 209/210) esclareceram a maneira como se deram os crimes.
Pelo exposto, cumpre referir, primeiramente, que a versão dos réus – segundo a qual eles não estavam no carro quando da abordagem policial –, não encontra qualquer tipo de sustentação nas demais provas colhidas, de maneira que não enseja, por si só, a absolvição do réu Amauri.
A versão acusatória, por sua vez, encontra guarida nos depoimentos dos policiais militares, bem como da vítima do roubo do automóvel. Isto porque tais declarações deixam claro que, efetivamente, o veículo tratava-se de objeto de roubo e que os réus adquiriram-no sabendo de sua procedência ilícita.
Isto porque não importa, aqui, saber a maneira com que os réus adquiriram o automóvel, e sim se o fizeram com consciência de sua origem. E, a partir do momento em que eles não possuem os documentos do veículo e não tem explicação plausível para isso, resta claro que tinham essa consciência. Ora, hoje em dia, ninguém adquire um veículo, através dos meios legais, sem a sua devida documentação e sem tomar as medidas e cautelas necessárias.
Desse modo, tenho que a manutenção do veredicto condenatório é medida que se impõe no caso dos autos, uma vez que indiscutível a configuração do tipo penal previsto no art. 180, caput, do Código Penal.
3.
Pelo exposto, o Ministério Público, em Segundo Grau, entende deva ser:
- decretada a NULIDADE DO PROCESSO, em face da violação dos princípios acusatório e do devido processo legal, decorrente da inobservância do art. 212 do Código de Processo Penal, retornando os autos à origem para que seja procedida, novamente, a instrução do processo;
- e, caso rejeitada a preliminar, o IMPROVIMENTO do apelo defensivo, mantendo-se a sentença condenatória nos moldes em que foi prolatada.
- SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
Apenas por amor ao debate, uma vez que o fundamento para a absolvição já foi antes exposto, apresentou outro fundamento, mas que serviria para, de ofício, declarar a nulidade do processo, desde o aditamento à denúncia, melhor dizendo, desde a nova denúncia substitutiva.
Nos termos do artigo 383, § 1º, do Código de Processo Penal:
§ 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
A antiga Súmula 337-STJ, que não era vinculante, expressou o entendimento jurisprudencial da Corte a respeito da possibilidade de suspensão condicional do processo (art. 89, Lei nº 9.099/95) em uma outra oportunidade que não ao início do processo, pois reabriu a oportunidade em caso de procedência parcial da denúncia.
SÚMULA 337 – STJ
"É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva".
(Aprovada pela 3ª seção em 09.05.2007).
E a matéria foi acolhida na reforma processual penal de 2008, merecendo expressa referência legal, com a alteração – inclusão - de §§ ao artigo 383 do Código.
Assim, no § 1º, hipótese de configuração de crime de competência do mesmo juízo, mas viável, em tese, a suspensão condicional do processo.
E, no § 2º -
que aqui não interessa - estão expressos os efeitos decorrentes da procedência parcial da denúncia, com um crime residual de competência de outro juízo.
Assim, no caso em estudo, a denúncia atribuiu aos réus, inicialmente, a prática de um crime, roubo qualificado, onde não se cogitava da suspensão condicional.
Todavia, uma vez desenvolvida a instrução, apresentou-se situação distinta, adaptável ao artigo 384 CPP – com a nova redação, claro – e a denúncia foi mitigada, para um crime menor, de receptação, cuja pena mínima é de um ano.
A partir daí, surge a oportunidade de incidência do artigo 89, da Lei nº 9.099/95:
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
Deveria, o Ministério Público, oferecer a proposta, ou, no mínimo, explicar os motivos – fundamentar – para a não oferta.
E a regra é clara, também no caso de aditamento, uma vez que o artigo 384 do Código também ganhou nova redação, uma vez que estabelece o § 3º:
"Art. 384 - ...
§ 3º - Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do art. 383 ao caput deste artigo."
E não se diga que não seria merecedor, o réu, da oferta de suspensão, uma vez que a pena definitiva foi fixada no mínimo – um ano de reclusão – com a seguinte análise das circunstâncias judiciais.
Os réus são primários. A culpabilidade está bem determinada, visto que imputáveis, conscientes da ilicitude de suas condutas, sendo-lhes exigível comportamento diverso, em conformidade com o direito. As personalidades não demonstram anormalidade. Os antecedentes e a conduta social não restaram esclarecidos, bem como o motivo. As circunstâncias e as consequências dos delitos não apresentam particularidades .Não houve influência das vítimas.
Diante das circunstâncias do art. 59 do Código Penal, para:
AMAURI BARRETO DA SILVA
Fixo a pena-base em 01 (um) ano de reclusão, que torno definitiva na ausência de outras causas modificadoras. A pena pecuniária vai fixada em 10 (dez) dias-multa, na razão de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do fato, corrigida quando do pagamento.
E, conforme a sentença, ainda foi deferida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos:
Estando presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal e entendendo ser a mais adequada ao fato e às condições pessoais de Amauri, substituo a pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade, pelo tempo da pena carcerária imposta, conforme for provido pelo juízo da execução.
- CONCLUSÃO
Voto por
rejeitar a preliminar e, no mérito, dar provimento ao apelo defensivo, para absolver, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
ILB
30ABR2012
SEG-08H28
Des. Nereu José Giacomolli (REVISOR)
- De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Francesco Conti
- De acordo com o(a) Relator(a).
DES. IVAN LEOMAR BRUXEL
- Presidente - Apelação Crime nº 70044733210, Comarca de Porto Alegre: "REJEITARAM A PRELIMINAR E, NO MÉRITO, DERAM PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO, PARA ABSOLVER, COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 386, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: JOSE RICARDO COUTINHO SILVA
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