PM mata seis vezes mais que Polícia Civil em São Paulo
Brasil recebe recomendação para acabar com a Polícia Militar durante sabatina no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
04 de junho de 2012 | 4h 51
A PM (Polícia Militar) matou seis vezes mais pessoas durante ações de combate ao crime do que seus pares da Polícia Civil em São Paulo no ano de 2011, segundo levantamento feito pela BBC Brasil.
O grau de letalidade da polícia no Estado mais populoso do país se insere no debate sobre a recomendação da abolição do sistema separado de Polícia Militar - feita ao Brasil no Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU no último dia 25.
A questão também deve entrar em debate em junho na Câmara, a pedido do deputado federal Chico Lopes (PC do B-CE).
O levantamento da BBC Brasil foi feito com base em estatísticas fornecidas pela SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo).
Ele levou em conta os efetivos da PM (100 mil) e da Polícia Civil (30 mil) e os homicídios cometidos em serviço por membros de cada entidade em 2011 - 437 pela PM e 23 pela Polícia Civil.
Proporcionalmente, para cada grupo de 10 mil policiais, a PM se envolveu em 43 mortes e a Polícia Civil em sete.
Militarismo
Esses homicídios são classificados pelo governo como "resistência seguida de morte". Isso significa que ocorreram durante o combate ao crime, em tese, quando os policiais se defendiam de supostas agressões dos suspeitos.
"A PM mata porque tem o mesmo treinamento do militar (das Forças Armadas), que combate inimigos externos. Isso é uma coisa que se deve discutir com a sociedade", disse o deputado Lopes, que defende a unificação das polícias no Brasil em uma entidade civil.
"Minha preocupação não é com o nome, mas com o conceito da polícia. Precisamos tirar o militarismo e depois discutir currículo de formação para que todos (os policiais) comecem (a carreira) em pé de igualdade", disse.
Funções distintas
Segundo a SSP-SP, a diferença nos níveis de letalidade das polícias se explica nas funções que cada uma exerce. À PM cabe o policiamento preventivo e ostensivo e à Polícia Civil a investigação.
"É natural, portanto, que a PM enfrente situações de confronto muito superiores aos da Polícia Civil. Em consequência, registram-se mais mortes na ação do policiamento ostensivo", afirmou a pasta em nota.
Segundo a SSP-SP, se as polícias militares fossem substituídas ou se seus nomes fossem mudados, a probabilidade de confrontos não seria reduzida.
"Matar não é direito nem de uma nem da outra, mas a questão principal é que as polícias não se entendem bem", disse Chico Lopes.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, em muitos Estados (inclusive São Paulo) existe uma disputa entre as polícias militares e civis.
Isso faz com que ambas possuam tanto órgãos destinados à inteligência e à investigação como equipes táticas usadas em patrulhamento ostensivo e confrontos de natureza tática com criminosos.
"O antagonismo (entre as polícias) surgiu das culturas diferentes. Há uma divisão por preconceito de longa data. Principalmente a PM tem procurado ocupar espaços de sua co-irmã. Isso é uma realidade em todo o país", afirmou o sociólogo Luís Flávio Sapori, ex-secretário da Defesa Social de Minas Gerais e hoje professor da PUC-MG.
Segundo ele, a desarticulação e a desintegração entre as duas polícias é hoje um problema mais grave do que a militarização da PM.
Rio de Janeiro
A BBC Brasil solicitou estatísticas sobre a letalidade das polícias militar e civil no Rio de Janeiro ao ISP (Instituto de Segurança Pública), autarquia que divulga as estatísticas policiais no Estado.
O ISP não forneceu os dados. Afirmou que essas estatísticas são divulgadas de forma genérica (sem distinção entre mortes envolvendo policiais civis e militares). Ao todo, foram 523 mortes em 2011 - 63 a mais que as ocorridas em São Paulo no mesmo período.
"O detalhamento desse tipo de solicitação demandaria tempo e dispêndio de recursos humanos", afirmou a autarquia. O ISP informou que "a transparência da informação é meta prioritária" em suas publicações.
Santa Catarina
Entre os demais Estados, o único que possuía a estatística de letalidade especificada em seu site na semana passada era Santa Catarina.
Lá, foram registradas 58 mortes em 2011, sendo que a Polícia Militar matou quatro vezes mais que a Polícia Civil.
O Secretário de Segurança Pública de Santa Catarina, César Augusto Grubba, também afirmou que as diferenças de atribuições das polícias explicam a diferença nos índices de letalidade.
As atividades da Polícia Civil, segundo ele, expõem seus integrantes a ambientes mais controlados, "pois as ações geralmente são planejadas e previamente estudadas, resultando em menores possibilidades de confronto e resistência armada".
Nações Unidas
O debate sobre a extinção da PM foi levantado durante a Revisão Periódica Universal, uma sabatina à qual os países são submetidos periodicamente no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Nela, um conjunto de enviados de 78 países fez perguntas e elaborou 170 recomendações ao Brasil na área de direitos humanos.
A recomendação para que o Brasil acabe com o sistema separado de Polícia Militar partiu da delegação da Dinamarca.
O país recomendou a desmilitarização da polícia com investimentos de Estado e observância de "medidas para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais pela polícia".
Os homicídios cometidos por policiais classificados como "resistência seguida de morte" ou "autos de resistência" já haviam sido estudados pela ONU no Brasil.
Foram analisados 11 mil casos com essa classificação, ocorridos entre 2003 e 2009 em São Paulo e no Rio.
Em 2010, o enviado da ONU Philip Alston afirmou ter evidências de que parte dessas mortes eram na realidade execuções ilegais.
Na Revisão Periódica Universal de maio, a Alemanha e a Namíbia também recomendaram ao Brasil lutar contra homicídios arbitrários cometidos pelas polícias.
Reação
A SSP-SP afirmou que "considera absurda a sugestão de extinguir as polícias militares dos Estados brasileiros, presente no relatório".
"É uma proposta que carece de fundamentação e de conhecimento das realidades jurídica e cultural da sociedade brasileira", diz a nota da pasta.
"Soa até como piada pronta o fato de a ideia ter surgido da Dinamarca, um país que é quase seis vezes menor que o Estado de São Paulo e dono de situação socioeconômica bem diferente (e mais simples) da encontrada no Brasil".
A pasta também argumenta que a existência das duas polícias está prevista na Constituição Federal.
Esta é a segunda de uma série de reportagens da BBC Brasil sobre as deficiências do país na área de direitos humanos que serão publicadas ao longo deste mês. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
A PM (Polícia Militar) matou seis vezes mais pessoas durante ações de combate ao crime do que seus pares da Polícia Civil em São Paulo no ano de 2011, segundo levantamento feito pela BBC Brasil.
O grau de letalidade da polícia no Estado mais populoso do país se insere no debate sobre a recomendação da abolição do sistema separado de Polícia Militar - feita ao Brasil no Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU no último dia 25.
A questão também deve entrar em debate em junho na Câmara, a pedido do deputado federal Chico Lopes (PC do B-CE).
O levantamento da BBC Brasil foi feito com base em estatísticas fornecidas pela SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo).
Ele levou em conta os efetivos da PM (100 mil) e da Polícia Civil (30 mil) e os homicídios cometidos em serviço por membros de cada entidade em 2011 - 437 pela PM e 23 pela Polícia Civil.
Proporcionalmente, para cada grupo de 10 mil policiais, a PM se envolveu em 43 mortes e a Polícia Civil em sete.
Militarismo
Esses homicídios são classificados pelo governo como "resistência seguida de morte". Isso significa que ocorreram durante o combate ao crime, em tese, quando os policiais se defendiam de supostas agressões dos suspeitos.
"A PM mata porque tem o mesmo treinamento do militar (das Forças Armadas), que combate inimigos externos. Isso é uma coisa que se deve discutir com a sociedade", disse o deputado Lopes, que defende a unificação das polícias no Brasil em uma entidade civil.
"Minha preocupação não é com o nome, mas com o conceito da polícia. Precisamos tirar o militarismo e depois discutir currículo de formação para que todos (os policiais) comecem (a carreira) em pé de igualdade", disse.
Funções distintas
Segundo a SSP-SP, a diferença nos níveis de letalidade das polícias se explica nas funções que cada uma exerce. À PM cabe o policiamento preventivo e ostensivo e à Polícia Civil a investigação.
"É natural, portanto, que a PM enfrente situações de confronto muito superiores aos da Polícia Civil. Em consequência, registram-se mais mortes na ação do policiamento ostensivo", afirmou a pasta em nota.
Segundo a SSP-SP, se as polícias militares fossem substituídas ou se seus nomes fossem mudados, a probabilidade de confrontos não seria reduzida.
"Matar não é direito nem de uma nem da outra, mas a questão principal é que as polícias não se entendem bem", disse Chico Lopes.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, em muitos Estados (inclusive São Paulo) existe uma disputa entre as polícias militares e civis.
Isso faz com que ambas possuam tanto órgãos destinados à inteligência e à investigação como equipes táticas usadas em patrulhamento ostensivo e confrontos de natureza tática com criminosos.
"O antagonismo (entre as polícias) surgiu das culturas diferentes. Há uma divisão por preconceito de longa data. Principalmente a PM tem procurado ocupar espaços de sua co-irmã. Isso é uma realidade em todo o país", afirmou o sociólogo Luís Flávio Sapori, ex-secretário da Defesa Social de Minas Gerais e hoje professor da PUC-MG.
Segundo ele, a desarticulação e a desintegração entre as duas polícias é hoje um problema mais grave do que a militarização da PM.
Rio de Janeiro
A BBC Brasil solicitou estatísticas sobre a letalidade das polícias militar e civil no Rio de Janeiro ao ISP (Instituto de Segurança Pública), autarquia que divulga as estatísticas policiais no Estado.
O ISP não forneceu os dados. Afirmou que essas estatísticas são divulgadas de forma genérica (sem distinção entre mortes envolvendo policiais civis e militares). Ao todo, foram 523 mortes em 2011 - 63 a mais que as ocorridas em São Paulo no mesmo período.
"O detalhamento desse tipo de solicitação demandaria tempo e dispêndio de recursos humanos", afirmou a autarquia. O ISP informou que "a transparência da informação é meta prioritária" em suas publicações.
Santa Catarina
Entre os demais Estados, o único que possuía a estatística de letalidade especificada em seu site na semana passada era Santa Catarina.
Lá, foram registradas 58 mortes em 2011, sendo que a Polícia Militar matou quatro vezes mais que a Polícia Civil.
O Secretário de Segurança Pública de Santa Catarina, César Augusto Grubba, também afirmou que as diferenças de atribuições das polícias explicam a diferença nos índices de letalidade.
As atividades da Polícia Civil, segundo ele, expõem seus integrantes a ambientes mais controlados, "pois as ações geralmente são planejadas e previamente estudadas, resultando em menores possibilidades de confronto e resistência armada".
Nações Unidas
O debate sobre a extinção da PM foi levantado durante a Revisão Periódica Universal, uma sabatina à qual os países são submetidos periodicamente no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Nela, um conjunto de enviados de 78 países fez perguntas e elaborou 170 recomendações ao Brasil na área de direitos humanos.
A recomendação para que o Brasil acabe com o sistema separado de Polícia Militar partiu da delegação da Dinamarca.
O país recomendou a desmilitarização da polícia com investimentos de Estado e observância de "medidas para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais pela polícia".
Os homicídios cometidos por policiais classificados como "resistência seguida de morte" ou "autos de resistência" já haviam sido estudados pela ONU no Brasil.
Foram analisados 11 mil casos com essa classificação, ocorridos entre 2003 e 2009 em São Paulo e no Rio.
Em 2010, o enviado da ONU Philip Alston afirmou ter evidências de que parte dessas mortes eram na realidade execuções ilegais.
Na Revisão Periódica Universal de maio, a Alemanha e a Namíbia também recomendaram ao Brasil lutar contra homicídios arbitrários cometidos pelas polícias.
Reação
A SSP-SP afirmou que "considera absurda a sugestão de extinguir as polícias militares dos Estados brasileiros, presente no relatório".
"É uma proposta que carece de fundamentação e de conhecimento das realidades jurídica e cultural da sociedade brasileira", diz a nota da pasta.
"Soa até como piada pronta o fato de a ideia ter surgido da Dinamarca, um país que é quase seis vezes menor que o Estado de São Paulo e dono de situação socioeconômica bem diferente (e mais simples) da encontrada no Brasil".
A pasta também argumenta que a existência das duas polícias está prevista na Constituição Federal.
Esta é a segunda de uma série de reportagens da BBC Brasil sobre as deficiências do país na área de direitos humanos que serão publicadas ao longo deste mês. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
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