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01/11/2010

Freud e China - será?

Confira o link

Freudianos levam a China ao divã


Permitida no país há apenas vinte anos, a psicanálise se depara com um legado de traumas provenientes de campanha política violenta e controles rígidos

The International Herald Tribune

Até onde os psicanalistas freudianos devem levar em conta os valores culturais chineses foi um ponto muito discutido
Mais de 500 chineses e estrangeiros lotaram o "Freud e a Ásia", o centésimo encontro comemorativo da Associação Internacional de Psicanálise (IPA), realizado na semana passada, refletindo o aumento do interesse pela psicanálise num país que alguns afirmam estar sofrendo altos níveis de traumas reprimidos – e que anseia por mudanças.
Após a revolução de 1949 o partido comunista baniu a psicanálise durante décadas, taxando a prática de superstição burguesa. Em seu lugar, o incentivo ao esporte era recomendado para a saúde mental. Somente nos últimos vinte anos a análise foi permitida, inicialmente a contragosto, mas agora relativamente espontânea. "Ainda não é fácil", conta Chen Aiguo, consultor autodidata da região central de Zhengzhou.
Campanhas políticas violentas que ocasionaram a morte de milhões no passado, e rígidos controle sobre a liberdade de expressão e o direito de ir e vir perduram nos dias de hoje, deixando um legado relevante de traumas, afirmam analistas chineses e estrangeiros. A situação afeta não somente aqueles que passaram por situações complicadas, mas também as crianças que herdaram a dor mal resolvida dos pais, conta o ex-presidente da associação, Claudio Eizirik, que discursou na noite de véspera do evento, na primeira vez que a influente associação, fundada por Sigmund Freud em 1910, se reúne na Ásia.
"Acho que os chineses se assemelham aos sobreviventes do Holocausto e também a suas crianças", afirma Elise Snyder, psicanalista americana. "É espantoso tudo o que eles enfrentaram." Snyder treina analistas chineses através do Skype e Oovoo, um serviço de videoconferência. Trinta e um chineses, parte da Aliança Psicanalítica Sino-Americana, de Snyder, concluíram o programa no último domingo.
Ainda assim, alguns freudianos se preocupem com a eficácia a curto prazo dos programas e cursos à distância. Em 2008, a associação deu início a um treinamento com nove analistas na China, seguindo rigidamente a linha freudiana e seus princípios de muitos anos, várias sessões semanais no divã, com o acompanhamento de um psicanalista indicado pela entidade. Os candidatos precisam aprender a teoria e, por fim, analisar pacientes. Alguns levam muitos anos para conseguir tal aptidão.
Liu Yiling, de 31 anos, membro do Partido Comunista Chinês é uma desses analistas. Em seu discurso "A lenta análise para o rápido desenvolvimento da China", ela criticou duramente o frenesi do crescimento econômico, que julga ser o culpado pelo aumento de doenças mentais, enquanto os valores vão se desgastando cada vez mais e famílias são desfeitas. Xiao Zeping, diretora do Centro de Saúde Mental de Xangai e presidente do Centro de Aliança da China, também concorda. "Os chineses não estão felizes de verdade", afirma ela. "Eles dizem 'estou tão estressado, tudo está mudando tão rápido' ou 'tenho dinheiro, mas não tenho tempo nenhum para ver meus amigos.'"
Tanto Liu quanto Xiao alertam que estatísticas precisas são difíceis de conseguir num país onde pouquíssimas pessoas com algum tipo de distúrbio mental buscam ajuda médica especializada. Mas Xiao fala sobre um estudo publicado na The Lancet, em 2009, conduzido por Michael Phillips, diretor do departamento de prevenção ao suicídio no centro de Xangai, que pesquisou quatro províncias entre 2001 e 2005. O resultado foi de que 17,5% das pessoas tinham algum tipo de distúrbio mental.
Liu mencionou algumas possíveis razões. Começando por 1978, quando a China iniciou seu projeto de enriquecer rapidamente após a morte de Mao Tse Tung. A sociedade estilhaçou-se enquanto o povo se apressava para garantir um espaço na desejada classe média. Os dias de hoje são uma "selvageria", diz ela. Mas o crescimento econômico também levou ao aumento da liberdade e do individualismo – e também de dinheiro – necessário para a estabilização da psicanálise.
Milhares de consultores autodidatas se espalharam pela China nos últimos 20 anos, alguns misturando princípios orientais com ocidentais. Por exemplo, "Sunbrother" (que na realidade se chama Zhang Kunbo), que participou do evento, oferece consultas que prometem levar clientes a uma viagem "da psicologia ao I Ching", um antigo texto profético. Chen, o consultor de Zhengzhou, cobra 300 yuans por hora, cerca de 45 dólares. Quando perguntado sobre os principais problemas que afetam os chineses hoje, ele faz uma pausa, e responde em seguida: "Não se pode afirmar com precisão se é uma coisa ou outra, os problemas são todos altamente individuais."
A afirmação pareceu diminuir o argumento da ideia confuciana, que valoriza o conformismo, e o comunismo, que valoriza a coletividade, fazendo da China um lugar impróprio para a psicanálise, que privilegia a memória individual e a experiência.
Atualmente, tanto a propaganda comunista quanto a publicidade comercial oferecem uma única solução para as fantasias das pessoas, conta Shi Qijia, do Centro de Saúde Mental de Wuhan. Ele chegou a prever que as estratégias iriam fracassar quando as pessoas se voltassem para formas de expressão individualizadas disponíveis através da internet, blogs e serviços como o Twitter.
Na verdade, até onde os psicanalistas freudianos devem levar em conta os valores culturais chineses foi um ponto muito discutido.
O psicanalista italiano Jorge Canestri é a favor de um "aprofundamento" asiático da psicanálise conforme ela entra na região. Do-Un Jeong, da Coreia da Sul, discorda da premissa. "A psicanálise precisa, primeiramente, estar fixa a seus conceitos" na Ásia, comenta ele, "do contrário pode resultar facilmente em confusão". A inibição foi diminuindo conforme os analistas asiáticos abordavam assuntos delicados, como a relação de chineses e japoneses.
Shigeyuki Mori, da Universidade Konan, em Kobe, no Japão, confessou ter medo de falar diante de um público de maioria chinesa sobre o caso de uma mulher japonesa. Nascida em 1929, ela vivenciou a Segunda Guerra Mundial ainda garota em Kobe, apavorada com a violência em seu país, embora se identificasse com a sua própria cultura. Isso ocasionou um trauma que a acompanhou durante toda a vida. Mori afirma que casos desse tipo são bastante comuns no Japão.
Tendo em vista que a relação de vítima e culpado entre China e Japão nunca foi resolvida e que o Japão ainda não lidou adequadamente com as agressões durante a época da guerra, ele afirma: "Queo tipo de reação poderia esperar do povo chinês? Será que devo esperar a sensação de indignação contra o exército japonês ou contra o Japão por inteiro?" E continua, dizendo que a psicanálise "oferece uma grande estrutura para estudar as formas mais traumáticas e inimagináveis, e conseguir fazer com que façam algum sentido". Ao examinar todo o ódio mal resolvido dos tempos da guerra, como na Alemanha, a Ásia poderia seguir em frente.

http://veja.abril.com.br/noticia/saude/freudianos-levam-a-china-ao-diva

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