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26/07/2011

Direito e Mestrado Profissionalizante - Estou com Lenio Streck e Jacinto Coutinho


EM DEFESA DA PÓS-GRADUAÇÃO ACADÊMICA:
NOTAS SOBRE A INADEQUAÇÃO DO MESTRADO PROFISSIONALIZANTE NA ÁREA DO DIREITO OU “DAS RAZÕES PELAS QUAIS O DIREITO NÃO É UMA RACIONALIDADE INSTRUMENTAL”


Lenio Luiz Streck                        


Falemos seriamente: se necessitamos formar mais mestres em direito – afirmação de duvidosa cientificidade (embora tenhamos formado, só no último triênio, 4.569 mestres e 752 doutores, com previsão de 6.500 mestres e 1.050 doutores no próximo triênio – 2010/2012) –, temos de enfrentar esse problema de frente e não tergiversar através da formação de mestres profissionais, cujos professores nem necessitam ser, na sua maioria, doutores.


Pergunto: é o mercado que deve dizer à Universidade como o direito deve ser ou é a academia (Universidade) que deve dizer ao mercado qual é o direito a ser aplicado? A academia está a dis-posição (Ge-stell) do mercado?


O ensino da pós-graduação stricto sensu não vai mal porque vem se “mostrando insuficiente para assegurar também a formação de pessoal de alta qualificação para atuar nas áreas profissionais” (sic), mas, sim, porque, erroneamente, parcela significativa dos cursos de mestrado continua apostando (e nisso estão equivocados) nesse “objetivo profissional”, sempre denunciado pelos setores crítico-reflexivos do direito (de Lyra Fo. a Luis Warat, passando por Ferraz Jr., J.E. Faria).


1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES  I – o mote da reflexão.

A presente reflexão tem o intuito de colaborar na discussão que ora se trava sobre a necessidade ou não da implementação de cursos de Mestrado Profissionalizantes na Área do Direito. Para tanto, no presente texto estamos aceitando o debate proposto pelo Prof. Dr. Rogério Gesta Leal, em longo e detalhado estudo que circula nos meios universitários, intitulado A PÓS-GRADUAÇÃO ACADÊMICA E PROFISSIONAL NO BRASIL: NOTAS E PERSPECTIVAS.  O estudo do Prof. Rogério Gesta Leal é francamente favorável aos Mestrados Profissionalizantes. Aqui vai o contraponto, que, como se pode ver ao final, é ratificado, em todos os seus termos, pelo Prof. Dr. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, que comigo participa da Comissão formada pelo CONPEDI para o estudo da matéria.

2. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES II – o encaminhamento do tema.

Já há alguns anos, setores do ensino da pós-graduação em direito tentam implantar o MP (mestrado profissionalizante) em terrae brasilis. Ainda não houve a aprovação de um curso nessa modalidade. No último triênio, a tese foi reavivada, agora com apoios de docentes no seio do CONPEDI. Como já referido, os argumentos favoráveis à implantação imediata dos MP’s vêm resumidos em estudo elaborado pelo Prof. Rogério Gesta Leal, encaminhado à Comissão Especial do CONPEDI, encarregada de discutir a (in)viabilidade dos MP’s.
Gesta Leal fez um longo estudo para defender o MP. Como todo bom arrazoado, fez um histórico, estabeleceu o seu lócus de fala trazendo citações favoráveis (embora de outras áreas) à tese e, ao final, chega a sugerir como deveria ser a ficha de avaliação desse tipo de Mestrado. Nesse contexto, estas reflexões pretendem exatamente contestar a tese esboçada pelo ilustre e estimado Professor Rogério Gesta Leal, pois a tese favorável aos MP’s na área do direito representa um retrocesso no plano da reflexão jurídica.
A implantação dos MP’s pode até representar um incremento na formação de mestres na área jurídica (pretensão não confessada explicitamente na tese favorável aos MP’s). Entretanto, esse não deve ser o ponto de estofo da discussão acerca da validade da implantação desse tipo de formação na pós-graduação stricto sensu. Para ser mais simples e objetivo: se necessitamos formar mais mestres em direito, vamos enfrentar esse problema de frente e não tergiversar através da formação de mestres profissionais, cujos professores nem necessitam ter, na sua maioria, formação doutoral.
Ou seja, se o número de vagas oferecidas fosse o problema, bastaria que se autorizassem os atuais Programas a aumentarem aquelas oferecidas ano a ano, alterando, por exemplo, a relação “ideal” (indicativo Muito Bom no documento de área) de um professor para seis alunos para uma relação mais elástica (um docente para oito ou nove alunos). Obviamente, esse deve ser um dos aspectos a ser enfrentado na discussão do mérito acerca da validade dos MP’s para área do direito nesta quadra do tempo.
As teses favoráveis à criação dos MP’s não enfrentam o ponto central do ensino da pós-graduação. Ou seja, os defensores do MP – e o texto de Gesta Leal é explícito nessa defesa - não se perguntam acerca do efetivo papel da pós-graduação em um país como o Brasil, cuja Constituição recém completa 22 anos. Lamentavelmente, no momento em que a área do direito deve apostar no aprofundamento do processo reflexivo, buscando a reconstrução da história institucional do direito, assim como as condições de possibilidade do saber jurídico (superação do positivismo, discussão da autonomia do direito, a relação direito-moral, o problema da decisão judicial no plano da democracia contemporânea), a proposta dos MP’s aponta para o lado contrário, isto é, aponta em direção daquilo que incessantemente os setores mais reflexivos da ciência jurídica busca(ra)m superar: a questão de que o direito não é uma racionalidade instrumental.
Dito de outro modo: a partir do segundo pós-guerra, a feição do direito foi alterada profundamente. Esse direito – que se pode denominar de pós-bélico - assumiu uma faceta de transformação da sociedade, diferentemente da função de mera reprodução dos interesses das camadas que domina(va)m as relações sociais. Aliás, não me parece que haja um docente de pós-graduação que possa negar essa afirmação nos dias de hoje.
Explicando melhor: não é por acaso que a Constituição do Brasil, na esteira desse Constitucionalismo Compromissório exsurgente do segundo pós-guerra, deixa claro o papel do direito, ao estabelecer que o Brasil é uma República que visa a erradicar a pobreza, fazer justiça social, reduzir as desigualdades etc. O que quero deixar claro desde logo é que esse papel de transformação do direito fica de lado na proposta do MP sufragada por Gesta Leal. Aliás, o parecer de Gesta Leal não enfrenta essa problemática.
Outro assunto que fica – deliberadamente ou não – de fora do estudo pró-MP: o mestre profissional estará habilitado a exercer o magistério? Essa é a pergunta que não quer calar. Ora, se a Lei não estabelece qualquer proibição, parece claro que o portador do diploma de mestre profissional poderá ser professor universitário, nas mesmas condições do mestre acadêmico. Incongruente? Talvez. Juridicamente, entretanto, possível. São, por assim dizer, os efeitos colaterais de uma eventual implantação dos MP’s. Registre-se que essa discussão também não aparece no referido estudo. Feitas essas breves considerações, algumas já com a nítida função de “preliminares de mérito”, eis os pontos principais do estudo em tela.

3. OS PONTOS CENTRAIS DO ESTUDO A FAVOR DA IMPLANTAÇÃO DO MESTRADO PROFISSIONALIZANTE E A SUA NECESSÁRIA CONTESTAÇÃO

3.1. Incorporar o senso comum ou superá-lo?
O texto inicia citando Aurelio Vander Bastos, em antiga reflexão feita nos primórdios da pós-graduação:
As políticas de incentivo à pesquisa foram sempre muito frágeis, com evidentes efeitos na elaboração das teses, determinando que elas seguissem características essencialmente dissertativas e bibliográficas, sem uma vocação perquiridora ou crítica mais profunda. Por outro lado, as teses de Mestrado, que, em princípio, deveriam ser de natureza monográfica, não conseguiram desvincular-se, para fortalecer a tese de Doutorado de pesquisa, da dissertação discursiva e bibliográfica, que, da mesma forma, manteve-se como modelo das teses de Doutorado, que não conseguiram, salvo exceções, se consolidar como tese de pesquisa, produzidas dentro de uma formação científica e não meramente dogmática (positivista). (grifei)

Na sequência, Gesta Leal ratifica a crítica de Vander Bastos, acrescentando:

Inevitavelmente este modelo de pós-graduação em Direito também implica sérias conseqüências no âmbito da formatação da própria graduação, eis que há certo controle ou monitoramento sobre a proposta conteudística dos cursos, quase todos herméticos e enclausurados em disciplinas ou conjuntos de disciplinas de áreas dogmáticas, não permitindo a necessária mobilidade dos pesquisadores/estudantes para temas ou áreas multidisciplinares. As dissertações e teses resultantes daí se afiguram como grandes petições repetidoras de posturas tediosas que outros autores já repetiram, de outros autores que já repetiram, etc.
A maior prova desta realidade pode ser aferida em face da forma de organização das áreas de concentração e linhas de pesquisa dos cursos de Mestrado e Doutorado mais tradicionais no Brasil, quando existem, quase todos oferecendo várias disciplinas e temas ligados nem tanto a uma proposta de grande área temática com projetos de investigação específicas. A sensação que se tem é a de que se está repetindo a fórmula da graduação, porém, de forma mais requintada. (grifei)

Ora, a tese de Leal se apropria – no bom sentido da palavra – das críticas que, de há muito, Vander Bastos, Roberto Lyra Filho, Roberto Aguiar, José Eduardo Faria, Tércio Sampaio Ferraz Jr. e Luis Alberto Warat (para falar apenas destes e aproveitando para homenageá-los) faziam ao modelo de ensino e à dogmática jurídica brasileira. Ou seja, com a crítica introdutória, Gesta Leal dá a impressão de que, não tendo sido superados os velhos modelos de ensino jurídico e da própria pós-graduação, agora seria o momento de implementar um “novo modelo”, diante do “fracasso do ancién modelo”.
Ora, o que não está dito no laborioso estudo é que, embora nos últimos trinta anos o ensino não tenha mudado muito – e a própria pós-graduação stricto sensu (parcela dela) ainda reproduza esse velho modelo dogmático –, isso se deu exatamente pela resistência dos setores tecnicizantes (na verdade, profissionalizantes) do direito. Vamos ser claros e específicos: em larga escala, o ensino da graduação é “profissionalizante”. E esse, ao invés de ser o seu mérito, é o seu principal problema, bastando ver, para tanto, que a prova da OAB, ao sofisticar alguns temas, barra mais de 90% dos oriundos desses cursos de graduação “profissionalizantes”.
Interessante, nesse sentido, anotar que, ainda na década de 90 do século passado, José Eduardo Faria e Celso Campilongo – questão também presente nas críticas ao ensino jurídico feitas por autores do porte de Leonel Severo Rocha, João Maurício Adeodato, Roberto Aguiar, Roberto Lyra Filho, Antonio Carlos Wolkmer, Menelik de Carvalho Netto, Tércio Sampaio Ferraz Jr., para citar apenas estes, apontavam para um excesso tecnicista, de tendência “profissionalizante”, nos currículos dos cursos de direito no Brasil.
Para Faria e Campilongo, a proliferação incontrolada de cursos jurídicos no Brasil ocorreu na senda do regime burocrático-militar pós-64, que necessitava de recém diplomados – independentemente do que haviam aprendido – para ocupar o grande número de atividades de “ensino superior”, que exigiam, quando muito, habilidades bastante genéricas.
Assim, o establishment acadêmico,

agindo em consonância com os interesses do regime militar, procurou integrar as ciências básicas a uma educação exclusivamente profissionalizante, valendo-se dessa estratégia mais como instrumento de controle político-ideológico da vida acadêmica do que propriamente como meio de renovação do ensino e da pesquisa. (...) a universidade brasileira progressivamente deixou-se transformar em simples agência cartorial transmissora de idéias pré-concebidas, incapaz de oferecer ao aluno respostas satisfatórias ao entendimento de seu meio ambiente e de prepará-lo em termos de qualificação profissional.   (grifei)

Um retrato desta situação é fornecido pelo relatório produzido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que data do ano de 1986 e que corrobora as afirmações acima aduzidas:

As faculdades de Direito funcionam como meros centros de transmissão do conhecimento jurídico oficial, e não propriamente como centros de produção do conhecimento científico. A pesquisa nas faculdades de Direito está condicionada a reproduzir a ‘sabedoria’ codificada e a conviver ‘respeitosamente’ com as instituições que aplicam (e interpretam) o direito positivo. O professor fala de códigos, e o aluno aprende (quando aprende) em códigos. Esta razão, somada ao despreparo metodológico dos docentes (o conhecimento jurídico tradicional é um conhecimento dogmático, e suas referências de verdade são ideológicas e não metodológicas), explica porque a pesquisa jurídica nas faculdades de Direito, na graduação e na pós-graduação, é exclusivamente bibliográfica, como exclusivamente bibliográfica e legalista é a jurisprudência de nossos próprios Tribunais. (...) E os professores falam mais de sua prática forense do que em doutrinas e da jurisprudência dos tribunais. O casuísmo didático é a regra do expediente das salas de aula do curso de Direito, e o pragmatismo positivista, o carimbo do quotidiano das decisões. Os juízes decidem com os que doutrinam; os professores falam de sua convivência casuística com os que decidem; os que doutrinam não reconhecem as decisões. Este é o trágico e paradoxal círculo vicioso da “pesquisa” jurídica tradicional: alienada dos processos legislativos, desconhece o fundamento de interesse das leis; alienada das decisões continuadas dos tribunais, desconhece os resíduos dos problemas e do desespero forense do homem; alienada da verificação empírica, desconhece as inclinações e tendências da sociedade brasileira moderna.

O relatório acima fala por si só. E sua atualidade, de igual forma. Mas, tem mais. Ainda em 1987, outra importante agência de fomento à pesquisa, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) formulou o seguinte diagnóstico para o ensino jurídico praticado no Brasil:

É preciso enfatizar um ensino mais formativo e preocupado em fornecer ao corpo discente um background cultural mais rigoroso, a partir de um enfoque multidisciplinar e sensível aos problemas sócio-econômicos emergentes que, nos últimos tempos, têm exigido institutos jurídicos novos, menos formais e mais plásticos – como, por exemplo, institutos relativos aos direitos humanos, ao direito à subsistência e ao direito à previdência. A avaliação da pesquisa constatou que não há (a) padrões mínimos de avaliação qualitativa, (b) reflexão metodológica dotada de um mínimo de credibilidade, (c) orientações precisas e modernas, (d) massa crítica, capaz de abrir caminho para uma autocrítica científica, (e) critério de seletividade dos temas, (f) disposição de se fazer algo mais a não ser a repetição dos velhos trabalhos de caráter exegético. Daí a necessidade de se enfatizar, às agências institucionais, um empenho direcionado à recuperação dos cursos de pós-graduação, sem o que o problema de pesquisa no âmbito do Direito não será equacionado. De acordo com o grupo, a pós-graduação em Direito precisa ser mais investigativa, mais formativa, mais multidisciplinar, mais preocupada com temas novos, mais teórica e mais afastada do excesso de academismo impregnado de uma vulgata positivista e normativista, que julga ser ciência aquilo que é mera técnica legal. A conclusão é a de que a perspectiva histórica, a densidade crítica, o rigor metodológico, a ênfase multidisciplinar e a imposição de padrões qualitativos mínimos estão associados à necessidade de uma pós-graduação mais sólida (...). (grifei)

De se notar que, tanto a FAPESP quanto o CNPq apontavam (e, em parte, os dois relatórios continuam extremamente atuais) justamente para a direção oposta daquela que vem defendida no estudo de Gesta Leal: o ensino jurídico radicado nas universidades brasileiras tem um caráter predominantemente “profissionalizante”, acrítico, não reflexivo e tecnicizante. Esse quadro é deve(ria) ser alterado. E alterado, entenda-se: afirmação de quadros acadêmicos – de ensino e pesquisa – solidamente formados. Esse deve ser o objetivo da pós-graduação.
  Na explicitude: desde décadas que o ensino da graduação (já) é “profissionalizante”, sendo esse o nó górdio da questão. E a pós-graduação stricto sensu ainda não conseguiu escapar dessa armadilha da dogmática jurídica tecnicizante.  Despiciendo indagar acerca dos resultados desse ensino e de uma pós-graduação desse jaez...!
Aliás, esse é o desafio da pós-graduação (mestrado e doutorado): construir as condições para a superação desse quadro que, historicamente, vem engendrando a crise do ensino jurídico.  Para isso, há que se ter claro que a dogmática jurídica, de perfil não reflexivo e que cada vez mais domina o imaginário jurídico, é – e tem sido – responsável pela obstaculização até mesmo da construção de uma dogmática jurídica mais crítica (isso veremos mais adiante).

3.2. O que é isto – a dogmática jurídica tecnicizante? Qual é objeto da crítica dos relatórios do CNPq e da FAPESP?

Voltando um pouco no tempo, cabe lembrar que, há mais de trinta anos, Luis Alberto Warat dizia que a dogmática jurídica tem uma relação direta com o sentido comum teórico. Desse modo, a dogmática jurídica, ao servir de instrumento para a interpretação/sistematização/aplicação do Direito, vai aparecer como um conjunto de técnicas de “fazer crer”, com as quais os juristas conseguem produzir a linguagem oficial do Direito, que se integra com significados tranquilizadores, representações que têm como efeito impedir uma problematização e uma reflexão mais aprofundada sobre nossa realidade sociopolítica.
Com efeito, a crise do direito e da dogmática jurídica que “o instrumentaliza” é, fundamentalmente, uma crise de paradigmas. A dogmática jurídica define e controla a ciência jurídica, indicando, com o poder que o consenso da comunidade científica lhe confere, não só as soluções para seus problemas tradicionais, mas, principalmente, os tipos de problemas que devem fazer parte de suas investigações. Daí que a dogmática jurídica é um nítido exemplo de paradigma. Na verdade, a crise da ciência do Direito é um capítulo da crise mais ampla da racionalidade política que ocorre nas sociedades avançadas.
Essa problemática pode ser facilmente percebida pelo exemplo privilegiado que o confronto “Constituição-dogmática jurídica” proporciona. Assim, se o Constitucionalismo Contemporâneo – que chega ao Brasil apenas na década de 80 do século XX – estabelece um novo paradigma, o que impressiona é a permanência das velhas formas de interpretar e aplicar o direito, o que pode ser facilmente percebido pelos Códigos ainda vigentes (embora de validade constitucional duvidosa  em grande parte).
Pois bem. O direito deve “servir para alguma coisa”. Essa crise de paradigma(s), à evidência, também atinge o Judiciário (e ao Ministério Público, à Defensoria Pública, à Advocacia Pública, à Advocacia privada), embora sejam estas instituições também sustentadoras desse gap entre a Constituição, os textos infraconstitucionais e as demandas sociais. Crise, portanto, é o gap que existe entre as demandas da sociedade e o direito estabelecido. Assim, se a Constituição da República possui os indicadores formais para uma ruptura paradigmática, estes mais de vinte anos deveriam testemunhar uma ampla adaptação do direito aos ditames da Lei Maior.
Isso não aconteceu porque há uma “nadificação” do novo paradigma. O que deve ser dito é que a resistência das velhas práticas institucionalizadas na e pela dogmática jurídica se deve a esse magma de significações (lembremos de Cornelius Castoriadis), que, no plano específico do direito, podemos chamar de senso (sentido) comum teórico dos juristas.
Sem qualquer dúvida, foi Warat quem, além de cunhar a expressão sentido (ou senso) comum teórico dos juristas, melhor trabalhou essa relação dos juristas – inseridos numa espécie de corpus de representações – com suas práticas cotidianas.
A partir de tais premissas, é possível afirmar  que a realidade do cotidiano dos juristas – a sua relação com a lei e o direito e destes com a sociedade no qual ele, jurista, está inserido – por si só não é significativa. Porém, ela se apresenta dessa maneira graças ao senso comum teórico no ato de conhecer. O que determina a significação dessa realidade é toda a faculdade cognoscitiva, institucionalmente conformada com todos os seus elementos fáticos, lógicos, científicos, epistemológicos, éticos e de qualquer outra índole ou espécie.
Daí o problema: o caminho para superar esse senso comum teórico é incorporá-lo simplesmente, dando-se por “vencida” essa “etapa” da história, ou, ao contrário disso,  buscar, a partir de um profundo processo de reflexão crítico-filosófica, a superação desse modelo responsável pelo atraso na implementação do novo paradigma constitucional? E quem está apto a fazer esse estudo crítico-filosófico? A pós-graduação acadêmica ou profissionalizante?

3.3. A “repetição” do conteúdo da graduação em cursos de pós-graduação stricto sensu – de como essa circunstância vem sendo combatida pelos setores acadêmico-reflexivos

Na sequência, ainda se apropriando das antigas críticas elaboradas pela geração Lyra Fo-Aguiar-Tércio-Leonel-Faria-Campilongo-Warat, o professor e desembargador Gesta Leal concorda com a crítica de que a pós-graduação estaria/está reproduzindo disciplinas e temas da graduação. Na especificidade:

Extrai-se daqui a conclusão de que o modelo dito acadêmico vinha já se mostrando insuficiente para assegurar também a formação de pessoal de alta qualificação para atuar nas áreas profissionais, nos institutos tecnológicos e nos laboratórios industriais, fundada, por certo, na crença de que teoria e prática são elementos indissociáveis do processo de produção do conhecimento. (grifei)

Vários problemas se apresentam nessa afirmação. Em primeiro lugar, se o modelo acadêmico vai “mal”, o que colocaríamos no seu lugar? Segundo, por que isso estaria ocorrendo? Gesta Leal utiliza a seu favor um argumento que, na verdade, fragiliza a sua própria tese em favor de um ensino profissional(izante).
Explicando melhor: ao contrário do sustentado, o ensino da pós-graduação stricto sensu não vai mal porque vem se “mostrando insuficiente para assegurar também a formação de pessoal de alta qualificação para atuar nas áreas profissionais” (sic), mas, sim, porque, erroneamente, parcela dos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) vem ainda apostando (e nisso estão equivocados) nesse “objetivo profissional”, sempre denunciado pelos setores crítico-reflexivos do direito (de Vander Bastos, citado por Gesta Leal, a José Eduardo Faria, passando por Ferraz Jr. e Luis Warat).
Pergunta-se: para que(m) serviria uma grade com a repetição de conteúdos já dados na graduação? Ora, a dogmática jurídica ensinada nas Faculdades de Direito e reproduzida nos Tribunais constitui(u) essa demanda...! E isso não ocorreu por acaso. Daí a pergunta: não seria exatamente o mercado de que fala Gesta Leal o responsável pela queda na qualidade das Faculdades, o que, aliás, proporcionou a criação de centenas (ou milhares) de cursinhos de preparação para concursos públicos, onde, não por mera coincidência, são repetidos os mesmos conteúdos da graduação, só que de modo mais concentrado (e, na maior parte das vezes, pelos mesmos professores que lecionam na graduação)?  Não seria também por isso – ou fundamentalmente por isso – que o nível da pós-graduação também vem caindo?
Por exemplo, Gesta Leal esquece que o novo modelo do documento de área da Capes, construído na gestão Jacinto Coutinho, exatamente alterou o item “proposta de programa”. Pela primeira vez, essa questão vem institucionalizada em um documento de avaliação. Efetivamente, naquele documento, o Comitê de então detectou essa problemática, apontando para a inadequação de propostas de programa que ainda repetem, no mestrado e doutorado, disciplinas com perfil de graduação ou especialização. Veja-se: o Comitê de Área – e os Coordenadores dos Programas (porque o documento foi com eles discutido à saciedade) – atestou a falência das grades curriculares que repetem conteúdos da graduação e/ou especialização. Pois bem: no que o MP pode aperfeiçoar isso?



3.3.1. O produto do ensino tecnicizante criticado pelos relatórios CNPq e FAPESP e pela doutrina de Bastos, Aguiar, Warat, Rocha, Campilongo, Faria e Tércio

Vejamos o que o “ensino” “mais profissional” – representado historicamente pela dogmática jurídica – nos proporcionou nos últimos anos (mesmo passados mais de vinte anos desde o advento da Constituição de 1988). A tentativa de levar a dogmática tecnicizante – essa tão criticada pelos relatórios retro e por juristas do porte de Warat, Rocha, Campilongo, Adeodato, Faria, Tércio etc. – às grades dos mestrados e doutorados proporcionou que tipo de ensino? O que o ensino da graduação ganhou com a reprodução desse tipo de dogmática jurídica?
Alguns exemplos podem auxiliar na compreensão do problema. Com efeito, no campo do direito penal, o fracasso é notório. Legislativo e Judiciário dão mostras de que o novo paradigma não foi devidamente recepcionado. O velho Código Penal – fosse nele feita uma filtragem hermenêutico-constitucional – seria reduzido a pó. Desnecessário elencar os vários fatores que contribuíram para a permanência das idiossincrasias e desproporcionalidades existentes nos (e entre os) diversos tipos penais e bens jurídicos protegidos.  A dogmática jurídica se apresenta como um conjunto de crenças, utilizadas ad hoc, sem qualquer compromisso com a coerência e a integridade do direito. Pequenos exemplos como os relatados na sequência devem ser entendidos nos limites destas reflexões levando em conta o seu valor simbólico.
Ao lado da crise do direito penal, o processo penal se transformou em um “latifúndio” em que a filosofia (para falar apenas em um aspecto da transdisciplinariedade) não penetra. Os mais de vinte anos foram “incorporados” pela comunidade jurídica (campo jurídico), a partir da crença – cujo fator irradiador é a dogmática jurídica – de que o direito é um sistema lógico, no qual os ideais contraditórios aparecem como naturais. Ponto para o senso comum teórico.
Entrementes, nestes mais de vinte anos, alguns avanços tinham que acontecer. Governos democráticos, crescimento econômico, inclusão social, influxos provenientes das alterações nas relações internacionais e incremento no âmbito dos cursos de pós-graduação são componentes importantes que conseguiram romper parte das “cascas de sentido” que protegiam o antigo modelo liberal-individualista de direito que forjou a produção da doutrina e jurisprudência nestas últimas cinco décadas.
Nesse sentido, um exame mesmo que superficial no texto da Constituição de 1988 mostrará que conseguimos construir um conjunto de garantias processuais-penais que colocam – formalmente – o Brasil na vanguarda da preservação dos direitos fundamentais, mormente em uma comparação consigo mesmo (seu passado). A título exemplificativo: a) os prazos para o exercício da ação penal; b) o tempo máximo para a prisão cautelar; c) a obrigatoriedade da publicidade das decisões; e e) a garantia da não culpabilidade.
O modo como a CF/88 prevê o processamento dessas temáticas – para falar apenas de alguns dos aspectos importantes – não encontra similar em muitos países de primeiro mundo. Claro que há diferenças, como as condições da prisão e a desigualdade no tratamento dos pobres. Entretanto, é inexorável que isso ocorra em uma sociedade ainda “estamental”, para usar um dos conceitos de Os donos do poder, de Raymundo Faoro.
Mas atenção: também é evidente que esses avanços sempre começam pelos “estamentos” (ou quando estes estão envolvidos em querelas judiciais). Casos emblemáticos envolvendo o “andar de cima” da sociedade servem como “start” para alterações legislativo-jurisprudenciais. Lembremos, rapidamente, da Súmula 691 (caso Maluf) , contornada pelo próprio STF, em face do julgamento de um habeas corpus a favor de um ex-governador de Estado e deputado federal. Isto é, o avanço, no tocante ao exame de HC’s pelo STF, mesmo sem a apreciação do STJ, deu-se de forma contingencial, como, de certo modo, ocorrera com a Lei Fleury.   Se é verdade que o STF vem concedendo habeas corpus (também) para acusados de furtar sabonetes em supermercados, também é verdade que, de um lado, os tribunais estaduais continuam resistentes a esses avanços advindos da jurisprudência do STF e, de outro, que os acusados pertencentes às camadas superiores da sociedade vêm se beneficiando dessa nova perspectiva garantista-constitucional que está sendo assumida principalmente pelo Supremo Tribunal Federal. Um exemplo interessante, no que tange à primeira hipótese: enquanto o STF aponta – corretamente - para a tese de que a gravidade do crime não “prende por si só”, os Tribunais estaduais sistematicamente ignoram essa avançada interpretação feita pelo Tribunal Maior.
Muitos desses avanços, entretanto, apresentam-se de maneira ad hoc. Não há, por assim dizer, um “sentimento constitucional-processual” no bojo de tais discussões. Veja-se que no caso das decisões que envolveram a anulação das assim denominadas “Operações” “Castelo de Areia” e “Satiagraha”, careceu de o Superior Tribunal de Justiça explicitar com mais detalhes a história institucional do direito aplicável à espécie, até para assentar que, a partir de agora, o Tribunal se pautará desse modo. Trata-se, afinal, de ressaltar a coerência e a integridade que deve ter o direito, para lembrar Dworkin. Isto é, o processo penal tem avançado na medida em que alguns setores da sociedade, antes imunes ao braço penal do Estado, passaram a sofrer a persecução penal, fazendo com que as discussões acerca das garantias processuais-penais avançassem a passos largos. Não se pode negar, entretanto, que, paradoxalmente, esse modo de agir “por saltos” é/foi útil para o avanço de um processo penal de garantias. Volta-se, sempre, aquilo que se pode denominar de “Fator Fleury”.
Essa evolução no campo das garantias processuais-penais, no entanto, nem de longe isenta o “sistema processual penal” pelos quase quinhentos mil presos nas penitenciárias brasileiras. Ou seja, avançamos em alguns pontos. E apenas isso. Questões prosaicas como a prisão por crimes que terão a pena – em caso de condenação – substituída por pena não privativa de liberdade podem ser detectadas em todos os Estados da federação. Assim, prisões por furto, estelionato, apropriação indébita correspondem a um percentual acima de 20% no sistema carcerário. Decisões mal fundamentadas, prisões decretadas com repetições de jargões prêt-à-porters... Eis uma imagem comum do funcionamento do processo penal, em um país em que, em vigor a lei da Lavagem de Dinheiro desde 1998, somente houve condenação em 17 ações penais nestes mais de 14 anos, enquanto, nesse mesmo período, mais de 150.000 pessoas foram parar nas prisões por furtos, estelionatos e apropriações indébitas... Como é fácil condenar alguém por delitos de furto.  E como é difícil condenar alguém pelo crime de lavagem de dinheiro...! Ações penais temerárias, milhares de denúncias (aceitas) por contravenções penais (que sequer foram recepcionadas pela nova Constituição); laudos periciais assinados por policiais e por “peritos leigos” validados por juízes e tribunais; desrespeito por parte dos juízes – e pelos Tribunais, inclusive pelo STJ – da regra do art. 212 do CPP que estabeleceu a forma acusatória de inquirição de testemunhas; utilização de “princípios gerais do direito” em plena era dos princípios constitucionais: eis um retrato de como as garantias processuais penais ainda estão longe de chegar ao andar de baixo da sociedade.
De efetivo, não devemos esquecer que o Código de Processo Penal, fruto da década de 40 do século passado, sofre de um vício estrutural, que lhe acarreta um grave prejuízo na sua função: o de estar visceralmente refém do sistema inquisitivo. Inquisitivismo é sinônimo de autoritarismo, de não democracia. Isso se pode perceber no modo como a denúncia é recebida – embora as recentes alterações – e a produção/destinatário/gestão da prova (o que inclui a apreciação do “produto final”, por intermédio da “livre apreciação da prova” ou do livre convencimento do juiz”, nos moldes como o direcionamento da prova ainda é realizado, isto é, somente direcionada ao juiz), para falar apenas nestes aspectos. Ressalte-se, nesse sentido, que, no que tange ao destinatário da prova, boa parcela dos teóricos ainda não conseguiu superar o modelo solipsista-cartesiano pelo qual ainda se acredita ser o juiz o principal destinatário da prova. Acredita-se na necessidade de a instrução processual gerar “certeza” na sua “convicção pessoal” – e apenas nela – para que o juiz possa lavrar sua sentença. Este parece ser o ponto nevrálgico do processo penal de terrae brasilis.
No fundo, a dogmática jurídica (e aqui não se sabe se ela se sustenta apenas nas práticas jurídicas ou se é incentivada na e pela academia, uma vez que parcela considerável dos doutrinadores que sustentam a dogmática jurídica também leciona na pós-graduação stricto sensu), ainda não superou a dicotomia objetivismo-subjetivismo.
A partir da viragem kelseniana (anos 60 do século XX), instaurou-se um verdadeiro “incentivo” às teses voluntaristas. No plano do direito constitucional, é possível detectar essa problemática em alguns ramos do assim denominado neoconstitucionalismo (ou novo constitucionalismo). Os reflexos disso estão – tanto no processo civil como no processo penal – no âmbito da gestão da prova (condução da prova no processo), onde o instrumentalismo passou ser a regra. Esse é, pois, o que se pode denominar de “vício de origem” do processualismo brasileiro. Mas, por que explicito isso, aqui? A resposta é simples. Porque é desse modo que esses temas são ensinados nos cursos de graduação.
Despiciendo falar dos demais ramos do direito, como o direito civil, tomado hoje por uma espécie de “ideologia das cláusulas abertas” (ou “o código do juiz”), ou o direito tributário, perdido no entremeio de uma interminável discussão entre regras e princípios. Nem é necessário lembrar, nessa seara, do fenômeno que pode ser denominado de panprincipiologismo, verdadeira bolha especulativa principiológica que tomou conta da doutrina e dos tribunais da República.
Para completar o quadro dramático a que fomos conduzidos no decorrer dos anos, acrescento que, enquanto a maior parte dos programas de pós-graduação trabalha com o acesso à justiça como um dos polos centrais, os Tribunais da República, contando com o silêncio eloquente da doutrina, diminui dia a dia esse acesso aos Tribunais superiores, a ponto de, neste momento, já tramitar uma PEC que suprime os recursos especiais e extraordinários.
A pergunta é: foi isso que a dogmática jurídica brasileira, que sempre apostou na instrumentalização do direito e na consequente tecnificação, conseguiu fazer? Esse é o resultado? O que o Mestrado Profissionalizante pode trazer de novo ou a mais do que a velha instrumentalização do direito?

3.4. Um pequeno resumo do resultado do ensino tecnicizante              

Passados tantos anos e em pleno paradigma do Estado Democrático de Direito,

a) ainda não se construiu um modelo de ensino que “supere” a leitura de leis e códigos comentados (na maioria das vezes, reproduzindo conceitos lexicográficos e sem nenhuma sofisticação teórica); são, por assim dizer, um repositório de “conceitos sem coisas”;
b) a indústria que mais cresce é a dos compêndios e manuais que, por vezes até mesmo no título, buscam simplificar o direito. O que soçobra é a reflexão jurídica.
c) a doutrina – vista genericamente – doutrina cada vez menos, estando dominada por produções que buscam, nos repositórios jurisprudenciais, ementas que descrevem, de forma muito breve, o conceito do texto enquanto “enunciado linguístico”: uma simples decisão de tribunal vira referência – plenipotenciária – para a atribuição de sentido do texto, perdendo-se a especificidade da situação concreta que a gerou; em muitos casos, interpretam-se as leis e os códigos com base em julgados anteriores à Constituição;
d) até mesmo em determinados setores da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) – e essa circunstância, conforme já explicitado retro, foi a que motivou a alteração do Documento de Área no ponto específico da grade curricular e das Linhas de Pesquisa – continua-se a fazer descrições de leis e casos (há dissertações e teses tratando de temáticas monográficas, mais apropriadas para cursos de especialização, para dizer o menos) – a maior parte desvinculada das linhas de pesquisa dos cursos;
e) o resultado disso pode ser visto nas salas de aula dos cursos de direito espalhados por todo o país. Parece que os professores não conseguem ensinar sem o uso desse material – técnico e profissionalizante – acima referido. É possível constatar que, mesmo docentes com mestrado ou doutorado concluído, continuam a utilizar o modo-manualesco-de-ensinar. É a leitura do artigo da lei (Código) e, logo depois, o comentário feito a partir daquilo que a dogmática diz (leia-se, o que a produção standard estabelece como sendo o saber dominante). A desculpa que os docentes dão é a de que “são os alunos que pedem a indicação de manuais que tratem da matéria de forma simplificada”. Consequentemente, os docentes se rendem à demanda simplificadora, formando, assim, aquilo que já de há muito foi denunciado como o “pacto da mediocridade”;
f) por outro lado, os setores profissionais (Poder Judiciário, Ministério Público etc.) nem sequer conseguiram elaborar um novo modelo de provas de concursos públicos, continuando com a tradicional múltipla escolha e com questões dissertativas sobre casos jurídicos (no mais das vezes, sem qualquer sentido “prático”) ou sobre conceitualizações jurídicas;  
g) no plano do que pode ser chamado “setor profissional do direito”, o modelo de decisão judicial continua o mesmo há mais de um século: a fundamentação restringe-se à citação da lei, da súmula ou do verbete, problemática que se agrava com a institucionalização da súmula vinculante.
O que deve ser indagado, em face de tudo isso, é: diante desse estado d’arte, de que modo é possível sustentar que necessitamos de um ensino “profissionalizante”?

3.5. O problema das demandas do “mercado”

No mesmo texto de defesa do MP, Gesta Leal diz que:

Diante de tal realidade, é preciso reconhecer que não se pode esperar uma tendência natural para uma produção de alta qualidade na pós-graduação, seja nas propostas      ditas tradicionais de pós-graduação stricto sensu em Direito ou nas referidas temáticas ou profissionalizantes. Qualidade se produz onde são criadas as condições para que ela se realize e onde ela é exigida. Esta exigência de qualidade parte, pelo menos, de três instâncias: o mercado, a própria comunidade científica, e as instituições governamentais com poder político-normativo ou detentoras de recursos de financiamento. (grifei)

Neste ponto, a questão é saber: a pós-graduação deve atender às exigências do mercado? Qual mercado? Esse “mercado” formado pelas práticas jurídicas, que culminou com a PEC dos Recursos? Esse mercado que se quedou silente com a institucionalização das Súmulas Vinculantes? Esse mercado pelo qual os pobres não têm acesso ao STF via recurso extraordinário em matéria criminal (menos de 2% dos recursos foram admitidos no STF nos últimos anos), enquanto as camadas superiores da sociedade utilizam-se abertamente – e com sucesso – do habeas corpus? Esse mercado que aposta em efetividades quantitativas, estabelecendo, via CNJ, metas ao Poder Judiciário? Esse mercado que produziu nos últimos anos quase meio milhão de presos? Esse mercado no qual menos de 10% dos candidatos passam no Exame de Ordem?
Insista-se na indagação: deve a academia, a partir dos MP’s, fornecer a mão de obra exigida pelo (ou por esse) mercado? E qual seria essa exigência “das instituições governamentais com poder político-normativo ou detentoras de recursos de financiamento”? (sic) Quais seriam essas “instituições governamentais” que dispõem desses recursos? Seria o Poder Judiciário o detentor desses recursos?
Mas, se devemos fornecer mão de obra para o Judiciário e para o Ministério Público, não deveríamos discutir, primeiro, que tipo de juiz e promotor devemos formar, tanto na graduação como na pós-graduação stricto sensu? Com essa dogmática jurídica – e, como sabemos, não há direito sem dogmática – que construímos, é possível dizer que o modelo da pós-graduação acadêmica está esgotado ou é insuficiente? Se a pós-graduação acadêmica tem um defeito – e o tem –, este reside exatamente na sua insuficiente capacidade de superar a visão dogmática do direito. Só que essa crítica já vinha sendo feita nos anos 80, como já se viu.  Sejamos claros: qual é a doutrina utilizada nas práticas judiciárias? Um simples passar d’olhos nas bancadas dos Tribunais e constataremos a gravidade do problema.
Na sequência, tentando estabelecer a diferença entre os dois tipos de mestrado, Gesta Leal busca socorro em texto de Renato Janine Ribeiro, verbis:

A principal diferença entre o mestrado acadêmico (MA) e o MP é o produto, isto é, o resultado almejado. No MA, pretende-se pela imersão na pesquisa formar, a longo prazo, um pesquisador. No MP, também deve ocorrer a imersão na pesquisa, mas o objetivo é formar alguém que, no mundo profissional externo à academia, saiba localizar, reconhecer, identificar e, sobretudo, utilizar a pesquisa de modo a agregar valor a suas atividades, sejam essas de interesse mais pessoal ou mais social. Com tais características, o MP aponta para uma clara diferença no perfil do candidato a esse mestrado e do candidato ao mestrado acadêmico.

Embora o contexto da tese de Janine não seja exatamente esta que está em discussão, além de não estar dirigida à área jurídica na especificidade, não é possível concordar com a sua assertiva acima citada. O que se entenderia por “formar alguém que, no mundo profissional externo à academia, saiba localizar, reconhecer, identificar e, sobretudo, utilizar a pesquisa...”? É possível separar/cindir o mundo do conhecimento do mundo da práxis? Como agiria esse profissional formado no “mundo externo da academia”? Voltemos sempre às críticas dos relatórios retro especificados: a solução está na academia ou fora dela?
Como se vê, no texto de Gesta Leal ficou de fora – e obviamente, não haveria como colocar essa questão no interior da discussão, sob pena de inviabilizar a própria defesa do MP – uma questão anterior: a crise do direito, do ensino do direito e da dogmática jurídica.
Na verdade, o estudo de Gesta Leal acaba confirmando a crítica aqui desenvolvida, mormente quando confessa que

O que se está dizendo neste documento é que o Mestrado não precisa servir apenas como etapa preliminar ao Doutorado, podendo e devendo cumprir o papel de formar profissionais capazes de elaborar novas técnicas e processos tendo em vista as necessidades de desenvolvimento, todavia, com os mesmos requisitos e exigências de qualificação que têm sido exigidos até agora. (grifei)

Ora, se as exigências e os requisitos devem ser os mesmos do mestrado acadêmico, qual seria a razão da polêmica? Por que então não insistirmos no aprimoramento do mestrado acadêmico? Por isso, a tese aqui exposta procura mostrar que o problema fulcral da crise do ensino do direito e da dogmática jurídica que instrumentaliza o direito é caudatária de um fenômeno que historicamente ignorou a relevante circunstância de que o direito não é uma mera técnica; o direito é, sim, um fenômeno complexo, porque possui – e nisso reside a “questão paradigmática“ – um acentuado grau de autonomia e um papel fortemente emancipador.
                   
3.6. Reflexão versus profissionalização: os docentes, os trabalhos finais e o perfil do mestrado profissionalizante

Um ponto também não devidamente enfrentado no texto pró-MP é o corpo docente. Segundo Gesta Leal,

Já no que tange ao corpo docente, o documento refere que ele poderá incluir profissionais não portadores do título de doutor reconhecido, desde que a qualificação e experiência dos mesmos, em campo pertinente à temática do curso, sejam comprovadas por produção intelectual como: patentes, protótipos, consultorias, assessorias, projetos técnicos, publicações tecnológicas, produção artística etc.; a produção técnica ou tecnológica deve ter qualidade e regularidade nos últimos três anos, ser bem distribuída entre os membros da equipe e ser adequada às exigências de cada área; o corpo docente deve contar com os especialistas necessários para o desenvolvimento das áreas de concentração e linhas de pesquisa correspondentes ao projeto do curso. (grifei)

Essa discussão não pode ser simplificada. O documento que trata dos MP’s visivelmente ignora as especificidades da área do direito, circunstância que Gesta Leal parece não considerar relevante. Ora, essa discussão envolve não somente o tipo de docente que poderá lecionar no MP, circunstância que parece favorecer profissionais do direito, como juízes, procuradores, advogados etc., cuja experiência profissional poderia suprir a “deficiência de grau acadêmico”. Esse discurso, embora não explícito, esconde-se nas entrelinhas da discussão.
Outro ponto não devidamente problematizado é o do “produto final”, que poderia ser uma produção técnica ou algo do gênero, que no direito poderia ser uma decisão judicial, um acórdão, uma petição ou um conjunto de decisões (sic). Despiciendo relembrar a histórica crítica que vem sendo feita ao modus operandi da dogmática jurídica. Afinal, se o foco da crítica do direito vem sendo esse senso comum operativo, qual é a razão de um profissional, não formado academicamente, vir a lecionar em um programa de Mestrado?
Nessa trilha, o parecer pró-MP arremata:

E não se fale que o MP corre o risco de formar profissionais sem reflexão crítica sobre o meio em que atuam, haja vista que o art.7º, II, conclama possibilitar a inclusão, quando justificável, de atividades curriculares estruturadas das áreas das ciências sociais aplicadas correlatas com o curso, tais como legislação, comunicação, administração e gestão, ciência política e ética. (grifei)

A primeira perplexidade: em que momento estar-se-ia em face da expressão “quando justificável”? Epistemologicamente, estaria tão frágil a pesquisa do direito, a ponto de se contentar com “atividades curriculares estruturadas das áreas das ciências sociais aplicadas” (sic)?
Mais: considerando os avanços que a teoria do direito vem alcançando no Brasil, com estudos aprofundados na filosofia do (no) direito, em que condições o direito se colocaria como uma disciplina “isolada” das ditas áreas humanísticas? São respostas que parecem não estar presentes no parecer pró-MP. Aliás, nesse sentido, tudo está a indicar que se está em face de uma nítida cisão entre teoria e práxis ou entre o direito, entendido como uma mera técnica, e as “disciplinas” que, de forma exógena, pode(ria)m vir a “humanizar” o direito. Pergunto: isso não coloca o direito em uma situação de subordinação epistêmica aos ramos ditos humanísticos? O que seria o direito, nesse contexto? Seria uma “ciência” dura? Uma mera racionalidade instrumental?
Ou seja, no entremeio dessa crise, o que devemos fazer é insistir em aprofundar a reflexão na pós-graduação acadêmica. O que o mestrado profissionalizante propõe é uma institucionalização da tese de que o direito é uma “mera técnica”, uma “simples racionalidade instrumental”. No fundo, para o MP, o direito não difere do ensino da engenharia ou da contabilidade. Basta saber manejá-lo...!
Em síntese, o parecer favorável ao MP dá a impressão de que o modelo proposto de ensino profissionalizante pode ser o fator de correção daquilo que até aqui tem sido feito de errado no ensino jurídico especialmente da pós-graduação.
Frente a isso, não tenho medo de afirmar que, sufragando a tese do Mestrado Profissionalizante, a comunidade jurídica estará confessando que a teoria do direito fracassou e que o direito, efetivamente, não passa daquilo que, erroneamente, outros ramos do conhecimento pensam de nós: o direito é uma técnica; ela é um instrumento a serviço de alguém. E, logo, logo, estaremos diante de doutorados profissionalizantes.
Numa palavra final: não ficou claro na defesa do Mestrado Profissionalizante se ele é necessário para suprir demandas ou para atender ao mercado. Se for para suprir demandas hoje não atendidas pelo Mestrado Acadêmico, então, há uma confissão implícita de que o MP é um disfarce para a formação de “professores profissionais”, que usarão seus títulos de Mestrado Profissional para ingressar no “mercado acadêmico” (que exige formação mínima no nível de Mestre); de outro modo, se for para atender o “mercado stricto sensu – profissional”, a sua concepção parte de um equívoco epistêmico, ou seja, de conformação teórica acerca de qual deve ser o papel do direito em uma sociedade democrática.
De todo modo, somente ad argumentandum tantum, já que a tese central do Mestrado Profissional(izante) é, embora isso não esteja confessado, a de atender a “crise de demanda” de “mestres em direito” (mestres acadêmicos), esta -  a crise de demanda - pode(ria) ser resolvida de outro modo (e sem perder a qualidade ínsita aos Programas acadêmicos já consolidados no sistemas Capes). Há várias alternativas que não implicam o comprometimento da reflexão da pós-graduação stricto sensu até aqui alcançada. Nesse sentido, independentemente do que aconteça com os MP’s, no plano do MA é possível agregar valor do seguinte modo:
a) Incentivar a implementação de mestrados e doutorados interinstitucionais, premiando, na avaliação trienal, os programas que investirem nessa modalidade;

b) Permitir a formação de Turmas Especiais (à semelhança da modalidade Minter);

c) Flexibilizar a equação orientador-numero de orientandos, elevando-se a relação MB – hoje em 1 para 6 – para 1-8 ou 1-9, o que propiciaria uma elevação do numero de vagas entre 40 e 50% em cada Programa (há alguns Programas importantes que já praticam uma equação acima de 1-6, sem perder a qualidade); esse aumento de vagas ocorrerá sem a perda qualidade; não devemos esquecer que, na hipótese de aprovação dos MP’s, os docentes que hoje atuam nos MA’s lá atuarão; daí a pergunta: não seria melhor mantê-los no acadêmico?

d) A providência do item “c” retro propiciará um salto do número de vagas, que, registre-se, não é tão reduzido quanto se apregoa.
d’) Com efeito, hoje o sistema de pós-graduação stricto sensu CAPES, composto de 75 mestrados e 27 doutorados, formou, na modalidade Mestrado Acadêmico, 4.379 no triênio 2003-2006 e 4.569 no triênio 2007-2010 (totalizando, nestes seis anos, 8.948 mestres); com a agregação dos novos cursos em funcionamento, que não foram objeto da avaliação trienal, ter-se-á, no próximo triênio, o expressivo número de 6.500 dissertações defendidas, levando em conta a taxa de sucesso de 85%. A partir disso, considerando o aumento da relação 1-6 para 1-8 ou 9 orientandos, ter-se-ia, daqui a três anos, além dos 6.500 mestres formados no triênio, mais  um incremento de cerca de 2.000 mestres; assim, somando-se aos 8.948 mestres formados nos triênios 2003-2006 e 2007-2010, alcançar-se-ia  o expressivo número de 17.440. Nessa trilha, é possível afirmar que o triênio 2013-2015 deverá formar 10.000 mestres, considerando a agregação de novos mestrados à taxa de 15% ao ano, com o que, no período entre 2003 e 2015, será possível alcançar o número de 27.440 mestres. Ainda, se levarmos em conta o incremento de oferta de Minters, esse número deverá ser acrescentado de 20%;
d’’) No nível doutorado, o sistema formou, no triênio 2003-2006, o número de 719 doutores, ; no triênio 2007-2010, formou-se 758 doutores, chegando ao número de 1.577, com apenas 11 e subsequentemente, 18 cursos funcionando nesses períodos. Considerando que atualmente existem 27 doutorados em andamento, dos quais 9 não foram objeto de avaliação ainda, teremos, levando em consideração a taxa de 85% de sucesso, o número de 1.050 doutores no triênio 2010-2012; com o aumento de número de vagas, na mesma proporção anterior, chegar-se-á no final do próximo triênio a 1.500 doutores, ao que se deve acrescentar a taxa de crescimento de 15% de cursos novos, o que aponta para números alvissareiros no triênio que se seguirá; assim, entre 2003 e 2012, ter-se-á  mais de 3.000 doutores. Ressalte-se que esses números deverão ser acrescidas as vagas decorrentes de oferta de Dinters (cerca de 20% a mais).
Com isso, fica desmitificado o problema relacionado à demanda.


4. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

I. Do que ficou dito, é possível perceber que a concepção do Mestrado Profissionalizante parte de um erro em suas fundações: a separação entre teoria e prática. Essa discussão deveria estar superada na área do direito. A proposta de criação dos Mestrados Profissionalizantes pressupõe que os acadêmicos sofreriam de um mal consistente em um distanciamento do mundo da vida, o que não se mostra verdadeiro.
II.  Esse é o problema presente na concepção epistêmica da dogmática jurídica. O ensino da pós-graduação stricto sensu acadêmica ainda não conseguiu instalar uma concepção de direito que seja compatível com o novo paradigma jurídico. Há ainda muito por fazer. O que a proposta de Mestrado Profissionalizante olvida é que alguns Programas de Pós-Graduação em Direito – e é desse campo do direito que vem a principal defesa do MP –, ao repetirem com um leve aprofundamento, as disciplinas da graduação, realmente não possuem qualquer potencialidade de intervenção em relação ao sistema jurídico, nem tampouco em relação ao entorno social, uma vez que, na maioria dos casos, contentam-se em fazer um inventário das instituições já existentes ou, no máximo, estabelecer alguma “crítica”, se é que é possível, em nome dos valores e instituições já estabelecidos.
III. Entretanto, não se pode esquecer que o ensino acadêmico, de qualidade, avançou enormemente. Em outras palavras, Programas de mestrado e doutorado que efetivamente materializam um elemento crítico diferencial, têm contribuído enormemente com alguns câmbios significativos em todo o universo operacional do Direito. Veja-se, nesse sentido – e isso não é coincidência –, o ranking da pós-graduação brasileira: a expressiva maioria dos Programas que possuem nota 5 e 6 apostam nesse tipo sofisticado de ensino. São exatamente nos cursos que priorizam em seus componentes curriculares espaços de diálogo entre o Direito e a Filosofia, entre o Direito e a Sociologia, entre o Direito e a Antropologia, entre o Direito e a Ciência Política, em um movimento totalmente diverso do pretendido pelos mestrados profissionalizantes, onde têm sido elaboradas construções sofisticadas que encerram possibilidades de mudanças efetivas no âmbito de intervenção concreta do Direito na sociedade.
IV.  Nestes cursos – repita-se, que estão no topo do ranking –, o elemento crítico-reflexivo constitui-se, para além do campo meramente especulativo, num elemento positivo de criação, como expressão ativa de um modo de existência ativo. Exemplo claro disso é o movimento constitucionalista brasileiro, que praticamente inexistia até a entrada em vigência da Constituição de 1988. Após a sua promulgação, estava todo o mundo jurídico diante de um gravíssimo dilema: por um lado, o texto possuía uma série de novos institutos, típicos do Estado Social de Direito, cuja implementação era de vital importância para a solução de uma série de situação de desigualdades existentes no Brasil; por outro, não se dispunha de elementos prático-racionais, dentro de uma esfera ontológica regional como o Direito, para dar concretude às previsões abstratas existentes na Constituição. Quem buscou encontrar os caminhos teórico/práticos que possibilitassem a implementação dos direitos sociais e difusos previstos na Carta Política de 1988? Exatamente os Programas de Pós-Graduação em Direito, instalados na modalidade acadêmica, foram os responsáveis pela crítica da situação, pela reflexão dirigida a novas possibilidades e por propostas práticas que criaram uma nova época no constitucionalismo brasileiro. Concepções que hoje são largamente utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal e por outros tribunais do País, tais como Constituição Dirigente, Constituição Pós-Positivista, Novos Direitos, Soberania Constitucional, Interpretação Conforme etc., migraram das reflexões e discussões iniciadas nos programas acadêmicos e pararam nas cortes.
V. Na continuidade deste raciocínio, pensar em cursos de Mestrado Profissionalizante, imaginando que, com a inclusão de operadores jurídicos não titulados no corpo docente, mas que, em sentido diverso, possuam larga experiência forense, possam eles gerar soluções efetivas para a melhoria do sistema de administração da justiça no Brasil, é incorrer num erro brutal de concepção acerca do papel da academia na transformação social. Parcela considerável dos docentes dos cursos de mestrado e doutorado é composta também por profissionais da advocacia, do Ministério Público, do Poder Judiciário, da Advocacia Pública etc. Portanto, os profissionais mais experientes já hoje são titulados com doutorado e estão atuando junto aos Mestrados e Doutorados Acadêmicos. Ou seja, esses docentes já trazem a experiência concreta da operacionalização forense do Direito. Não é raro encontrar juízes e membros do Ministério Público coordenando programas de pós-graduação de excelência.

Numa palavra final:
- Se a ideia central do Mestrado Profissionalizante é capacitar operadores que criem soluções práticas no âmbito jurídico para melhorar o Sistema de Administração de Justiça, isto já é muito bem feito pelos Mestrados Acadêmicos;
- se a criação dos Mestrados Profissionalizantes tem como foco qualificar o protagonismo dos atores forenses, no sentido de otimizar as engenhosidades institucionais jurídicos, isto já é feito pelos Mestrados Acadêmicos;
- se uma das finalidades dos Mestrados Profissionalizantes é aproximar a academia da operacionalização concreta do Direito dentro dos tribunais, isto já é feito pelos Mestrados Acadêmicos, pois a maioria dos operadores que realmente têm se preocupado em refletir sobre o Sistema de Administração da Justiça buscaram seus espaços dentro de lugar mais apropriado para isto, a academia e os programas de investigação mantidos pelos cursos de mestrado e doutorado;
- se os Mestrados Profissionalizantes têm um foco voltado à ampliação e qualificação do mercado dos operadores, isto também já é realizado pelos Mestrados Acadêmicos, que, a cada dia, sofisticam mais e mais o modo-de-fazer Direito, ampliando o mercado de trabalho de seus egressos.




POST SCRIPTUM RATIFICATIVO:

Por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho
Doutor e Pós-Doutor em Direito
Professor Titular de Processo Penal da UFPR
Advogado Criminalista
Coordenador da Área do Direito (2004-2007)


Concordo com o texto do Prof. Dr. Lenio Luiz Streck.
O debate acerca dos Mestrados Profissionalizantes vem perpassando os últimos Comitês de Área do Direito junto a Capes, um dos quais tive a honra de Coordenar, tendo como adjunto o Prof. Dr. Luiz Alberto David de Araújo, o qual compartilha comigo da mesma posição.
Efetivamente, os argumentos favoráveis à implementação dos MP’s são, em verdade, paradoxais, uma vez que, de um lado, apontam para o esgotamento do modelo acadêmico e, de outro, apostam em uma concepção de Direito que se mostra frontalmente antitética com aquilo que a academia jurídica vem sustentando deste os anos 80 do século passado. Ou seja, se desde os estudos de Warat, Lyra Filho, Tércio, Coelho, Aguiar, Faria, para citar apenas alguns dos próceres do debate no Brasil  (problemática que vem confirmada nos relatórios do CNPq e da FAPESP trazidos à colação pelo estudo do Prof. Lenio), o problema residia na excessiva “tecnicidade-dogmatização” do Direito, razão pela qual não parece que, passados tantos anos e na vigência de uma Constituição com o perfil transformador como é a nossa, venha-se, agora, tentar um retorno àquilo que se constituiu no polo de tensão da Crítica do Direito.
Não se pode, aqui, esquecer a existência de mais de 2.000 cursos de Especialização em Direito – com nítido perfil profissionalizante – espalhados em todo o país. Trata-se de um volume mais de vinte vezes superior aos cursos de mestrado autorizados. Assim, se se examina os documentos do MEC, vê-se que os cursos de especialização têm exatamente a função que se quer para o Mestrado Profissionalizante.
Tal especificidade, como sabem todos ou deveriam saber, não existe nas outras áreas do conhecimento e sempre foi uma das bandeiras levantadas para se exigir da Capes-MEC um olhar responsável e diferenciado à Área do Direito, o que é necessário e inadiável. Além do mais, demonstra que a “lacuna” que a Capes-MEC pretende preencher já está sendo preenchida no Direito por cursos lato sensu.
Nesse mesmo contexto, veja-se como os argumentos que vêm sendo utilizados a favor dos MP’s podem ser esgrimidos a favor do atual modelo: i) ao argumento de que, no modelo dos MP’s os professores poderiam ser buscados fora da academia – em uma espécie de “mundo profissional” (como se fosse possível fazer uma distinção de tal nível) – cabe relevar que essa já, de há muito, é uma importante especificidade da área do Direito, pela maciça presença de profissionais (magistrados de todas as instâncias, membros do ministério público de todas as instâncias, membros das demais carreiras jurídicas, como defensoria pública, advocacia geral da união, tribunais de constas, advogados especializados nos diversos ramos jurídicos) lecionando nos Programas de Mestrado e Doutorado do país, parcela considerável deles coordenada por tais profissionais; ii) na crítica ao argumento de que o Mestrado Profissionalizante (segundo sustenta o ilustre Prof. Gesta Leal, a quem tanto se respeita) não corre o “risco de formar profissionais sem reflexão crítica sobre o meio em que atuam” (sic), uma vez que se pode(ria) recorrer às áreas das ciências sociais (sic), a resposta parece evidente. Ora, toda a luta travada nas últimas décadas tem sido no sentido de que o Direito é um campo que não pode ser cindido da filosofia, da ciência política, da sociologia, da economia, da história; e assim por diante. Observe-se que o documento de área vem afirmando, há várias gestões, a necessidade de inter-transdisciplinaridade. Por conta disso, os Programas de Pós-graduação em Direito vêm avançando muito nessa direção e, justo por tal razão, a qualidade da produção dos precitados programas tem tido um avanço reconhecido, algo que se pode perceber (para se ficar tão só em um exemplo) na área do Direito Constitucional após a Constituição da República de 1988: o que se fez não é mero reflexo da referida “tecnicidade-dogmatização” e sim um trabalho transformador e que possibilitou sentidos os mais variados mas sempre democráticos.  Por tais razões é que se não deve ter receio em afirmar que, ao contrário do que vem sendo apregoado, a área do Direito corre o risco – sim – de formar profissionais sem reflexão crítica. Para tanto, basta que se afaste da linha que encontrou na estrutura da pós-graduação stricto sensu, justo o que se quer com a implementação dos MP’s.
Por fim, é preciso ter presente sempre – e sempre! – que nunca houve decisão formal da Área do Direito junto a Capes contra a legislação em vigor, o que seria um absurdo técnico, como é primário. A Área, porém, desde a coordenação do Prof. Dr. Luiz Edson Fachin – e também naquela do Prof. Dr. Fernando Scaff, assim como, mais tarde, na minha – sempre decidiu, em reuniões às quais todos os programas foram chamados e puderam participar ativamente, exigir para a criação de tais cursos de Mestrados Profissionais, mutatis mutandis os mesmos requisitos exigidos à criação dos Mestrados Acadêmicos. As razões para tanto são as mais variadas e se encontram em vários documentos extraídos de tais reuniões. Um deles, porém, deve ser analisado: por lei o diploma do Mestrado Profissionalizante tem o mesmo valor daquele do Mestrado Acadêmico!  Ora, diante de algo do gênero, por que se haveria de não cobrar dos programas (ao proporem tais cursos) a seriedade que sempre se exigiu das propostas do Mestrados Acadêmicos, mudando o que deve ser mudado, por óbvio? Em suma, a Área, por sua especificidade, sempre entendeu que se teria um Mestrado com aspecto de Especialização mas com um título vero e próprio de Mestre (o que é de lei), portanto, ao qual se deveria cobrar as exigências mínimas que sempre se cobrou dos Mestrados Acadêmicos. E nunca foi isso nenhum demérito. Afinal, tratava-se de matéria legal e ela precisava ser observada seriamente. Portanto, foi a Área (pela reunião de todos os seus programas!), em vista da sua especificidade, que decidiu (durante a minha coordenação a decisão foi unânime!) pelas exigências equiparadas, na medida do possível. Eis por que jamais vingou sequer um novo curso, sempre propostos (APCN) sem o preenchimento dos requisitos necessários ao deferimento dos pedidos.
Vale, por derradeiro – e já que se está a relembrar os fatos que se não pode esquecer facilmente –, uma pequena passagem. Coordenador de Área o Prof. Dr. Fernando Facury Scaff o Comitê estava reunido no velho Anexo II do prédio do MEC para apreciar novos APCNs. Na pauta uma proposta de Mestrado Profissionalizante em Direito de uma universidade do interior. Instituição apreciável. Uma das proprietárias comparece à sala na qual se reunia o Comitê e pede para sustentar a proposta. O Prof. Scaff, como sempre fazia e democraticamente, admite a sustentação oral; e a referida senhora deita falação. Argumenta sobre as maravilhas da “sua” universidade (algumas significativas) e, honestamente, escorrega em alguns requisitos, dentre os quais a biblioteca, a qual não só tinha poucos volumes (quando muito para um curso de graduação e sem a mínima qualidade para um curso de pós-graduação) mas, sobretudo, no número de alunos. Salvo engano eram 40 (ou seriam 60 ou 80?). Terminada a brilhante – e honesta, é bom não esquecer! – sustentação oral, alguns professores presentes à reunião estão um tanto intranquilos e solicitam a palavra. O Prof. Scaff, mais uma vez democraticamente, abre espaço ao debate e eis que vem à tona o Prof. Lenio Streck para perguntar a razão de ser de tão expressivo número de vagas, por sinal com linguagem tranquila e educada. A resposta, mais uma vez honesta, não deixa dúvida (e de certa forma resume todo o estado-da-arte): “Mas professor, se não for com tal número de alunos, como vamos ganhar dinheiro?”
Aí o busílis! Vista a questão pelo aspecto econômico, saltam logo à ribalta os neoliberais. Neste aspecto, sobre a equação ensino do Direito-mercadoria ninguém, no arsenal do conhecimento do ensino brasileiro, conhece melhor que a gente da área do Direito. Com mais de 1.200 Faculdades produzindo bacharéis, sabe-se bem quem foi ao patíbulo: a qualidade! Os Exames de Ordem que o digam. Esgotados – ou quase – os espaços para novas Faculdades (fala-se muito em crise financeira de algumas instituições, mormente pela inadimplência), o passo seguinte no avanço do mercado parece ser a pós-graduação, ainda preservada por conta de regras que garantem limites. Superados os últimos bastiães, restará esperar que o mercado (do ensino de pós-graduação) selecione quem vai nele ficar. É a lógica neoliberal, antiética (não seria aética?) como sempre. Enquanto o mundo arde, no Brasil, como sempre, alguns estocam lenha e combustível. Eis mais uma crônica de uma morte anunciada!      

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