Obrigado pelo Benefício.
Me embrulha o estômago participar de audiências em que se julga a possibilidade de livramento condicional. Algumas perguntas que alguns magistrados fazem irritam profundamente. Um exemplo:
"Você é casado? Mas, no papel? Você bebe?"
O que importa se o cara é casado, solteiro, ou enrolado, como diria Gugu Liberato? Vai julgar a organização familiar dele também? E daí se ele bebe? O juiz não bebe? Ah! Mas, claro, ele pode, pois faz parte do seleto grupo dos que sabem beber e têm um nível cultural e moral superior, que permite o auo-controle, sob o efeito do álcool.
Porém, o que mais me enerva é o discurso que vem depois de concedido o livramento. É mais ou menos assim, com meus comentários entre parênteses:
" Olhe, rapaz, apesar do que você fez, eu vou te dar um benefício....
( você vai dar coisa nenhuma, quem deu foi a lei. E não é nenhum benefício, mas um direito dele).
O Estado está te dando uma oportunidade de provar que aproveitou o período de prisão ....
(aproveitou o período de prisão? Ele estava em um Hotel Resort, ou casa de campo, por acaso?),
que realmente está ressocializado...
(eita palavra que esconde preconceitos!)
e vai se comportar. Veja bem, lhe foram dadas as chances, agora cabe a você arranjar um trabalho digno.
( Foram lhe dadas as chances? Que chances? Prisão em delegacias, estabelecimentos penais inadequados, celas sempre acima da capacidade, sem ofertas de trabalho, ou com ofertas de trabalho ridículos, sem cursos profissionalizantes, ou com cursos ridículos, sem creche, berçario, ou alas para gestantes, sem acesso a hospitais, sem pátios de visita, sem área de lazer, bebendo água que ninguém tem coragem de beber, comendo o que ninguém tem coragem de comer, conseguindo a progressão de regime e o livramento, com muito atraso, ou cumprindo a pena em regime integralmente fechado, submetido a revistas constrangedoras, assim como seus familiares, e a agressões de outros presos ou de agentes, com a complacência silenciosa de todos. Estas foram as chances).
O juiz sabe que os direitos do cara foram desrespeitados, desde a primeira abordagem policial, até a hora que recebeu o livramento condicional. Sabe que as prisões são um ambiente absolutamente degradante, mas, parece querer agradecimentos. Isto se for um juiz mediocre. Se for um juiz muito bom (e estes são raros), sabe que os direitos foram desrespeitados desde que nasceu. O apenado ideal parece ser o personagem central do filme "A vida de Brian". O protagonista, ao ser crucificado, sorri e canta alegremente, pedindo aos seus companheiros que olhem sempre o lado bom da vida.
Não termina aí. Além de ignorar os abusos que o cara sofreu, esquece-se o que ele ainda enfrentará. É mesmo fácil, para um egresso conseguir um emprego lícito? Ele vive sob constante suspeição por todos. E qual a qualificação ele obteve antes e durante a prisão?
Ainda que consiga um trabalho, que emprego será este? Haverá, de fato, uma remuneração digna? Entenda por digna aquela quantidade de dinheiro suficiente para você mesmo (e não sua empregada doméstica) suprir o que crê ser as suas necessidades( afinal, é fácil achar que o outro precisa, naturalmente, de menos que nós). Que confortável dizer que a responsabilidade é dele, não? Demos todas as chances, até ensinamos a costurar bola ou fazer artesanato, mas ele não é um cidadão de bem, como nós, porque não teve disciplina e desprezou as belas oportunidades que a vida apresentou.
Aliás, indo além, se o próprio Estado desrespeita os seus direitos o tempo todo, não é, no mínimo, compreensível que ele ache legítimo desrespeitar os direitos dos outros também? Possivelmente, se vier a cometer um assalto, também vai dizer para a vítima: "olhe, estou te dando uma chance de permanecer com os seus documentos e o benefício de não levar um tiro. Cabe a você aproveitar a oportunidade." O raciocíonio é o mesmo do juiz: "permiti ou causei danos, mas ainda assim, sou muito generoso, pois me abstive de causar prejuízos ainda maiores ,te fiz o favor de respeitar parcialmente um dos seus direitos e quero, portanto, os devidos agradecimentos."
Acredite, a violência acumulada em anos de prisão ( e às vezes, em um único dia) é muito maior que a efetuada em 99% dos assaltos. Se o Estado quer punir, que puna de acordo com a lei. Se não é capaz de cumprir a lei, não puna. Do contrário, será tão ou mais violento que aquele que está sendo castigado. E para terminar, benefício é o caramba!
( a palavra certa no final era outra, mas vá lá. Vamos jogar um baralho.)
"Você é casado? Mas, no papel? Você bebe?"
O que importa se o cara é casado, solteiro, ou enrolado, como diria Gugu Liberato? Vai julgar a organização familiar dele também? E daí se ele bebe? O juiz não bebe? Ah! Mas, claro, ele pode, pois faz parte do seleto grupo dos que sabem beber e têm um nível cultural e moral superior, que permite o auo-controle, sob o efeito do álcool.
Porém, o que mais me enerva é o discurso que vem depois de concedido o livramento. É mais ou menos assim, com meus comentários entre parênteses:
" Olhe, rapaz, apesar do que você fez, eu vou te dar um benefício....
( você vai dar coisa nenhuma, quem deu foi a lei. E não é nenhum benefício, mas um direito dele).
O Estado está te dando uma oportunidade de provar que aproveitou o período de prisão ....
(aproveitou o período de prisão? Ele estava em um Hotel Resort, ou casa de campo, por acaso?),
que realmente está ressocializado...
(eita palavra que esconde preconceitos!)
e vai se comportar. Veja bem, lhe foram dadas as chances, agora cabe a você arranjar um trabalho digno.
( Foram lhe dadas as chances? Que chances? Prisão em delegacias, estabelecimentos penais inadequados, celas sempre acima da capacidade, sem ofertas de trabalho, ou com ofertas de trabalho ridículos, sem cursos profissionalizantes, ou com cursos ridículos, sem creche, berçario, ou alas para gestantes, sem acesso a hospitais, sem pátios de visita, sem área de lazer, bebendo água que ninguém tem coragem de beber, comendo o que ninguém tem coragem de comer, conseguindo a progressão de regime e o livramento, com muito atraso, ou cumprindo a pena em regime integralmente fechado, submetido a revistas constrangedoras, assim como seus familiares, e a agressões de outros presos ou de agentes, com a complacência silenciosa de todos. Estas foram as chances).
O juiz sabe que os direitos do cara foram desrespeitados, desde a primeira abordagem policial, até a hora que recebeu o livramento condicional. Sabe que as prisões são um ambiente absolutamente degradante, mas, parece querer agradecimentos. Isto se for um juiz mediocre. Se for um juiz muito bom (e estes são raros), sabe que os direitos foram desrespeitados desde que nasceu. O apenado ideal parece ser o personagem central do filme "A vida de Brian". O protagonista, ao ser crucificado, sorri e canta alegremente, pedindo aos seus companheiros que olhem sempre o lado bom da vida.
Não termina aí. Além de ignorar os abusos que o cara sofreu, esquece-se o que ele ainda enfrentará. É mesmo fácil, para um egresso conseguir um emprego lícito? Ele vive sob constante suspeição por todos. E qual a qualificação ele obteve antes e durante a prisão?
Ainda que consiga um trabalho, que emprego será este? Haverá, de fato, uma remuneração digna? Entenda por digna aquela quantidade de dinheiro suficiente para você mesmo (e não sua empregada doméstica) suprir o que crê ser as suas necessidades( afinal, é fácil achar que o outro precisa, naturalmente, de menos que nós). Que confortável dizer que a responsabilidade é dele, não? Demos todas as chances, até ensinamos a costurar bola ou fazer artesanato, mas ele não é um cidadão de bem, como nós, porque não teve disciplina e desprezou as belas oportunidades que a vida apresentou.
Aliás, indo além, se o próprio Estado desrespeita os seus direitos o tempo todo, não é, no mínimo, compreensível que ele ache legítimo desrespeitar os direitos dos outros também? Possivelmente, se vier a cometer um assalto, também vai dizer para a vítima: "olhe, estou te dando uma chance de permanecer com os seus documentos e o benefício de não levar um tiro. Cabe a você aproveitar a oportunidade." O raciocíonio é o mesmo do juiz: "permiti ou causei danos, mas ainda assim, sou muito generoso, pois me abstive de causar prejuízos ainda maiores ,te fiz o favor de respeitar parcialmente um dos seus direitos e quero, portanto, os devidos agradecimentos."
Acredite, a violência acumulada em anos de prisão ( e às vezes, em um único dia) é muito maior que a efetuada em 99% dos assaltos. Se o Estado quer punir, que puna de acordo com a lei. Se não é capaz de cumprir a lei, não puna. Do contrário, será tão ou mais violento que aquele que está sendo castigado. E para terminar, benefício é o caramba!
( a palavra certa no final era outra, mas vá lá. Vamos jogar um baralho.)
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