Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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22/07/2009

Prisão Preventiva em Estelionato? O que diz Ana Cláudia Pinho.

PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DE BELÉM
2º PROMOTOR DE JUSTIÇA DO JUÍZO SINGULAR

Pedido de Revogação de prisão preventiva

Requerente: VÂNIA DO SOCORRO MIRANDA QUEIROZ (advogado: Paulo Roberto Vale dos Reis)
Referência: processo nº 001.2009.2.037130-5
3ª VARA PENAL DE BELÉM
Meritíssimo Juiz,
VÂNIA DO SOCORRO MIRANDA QUEIROZ, através de advogado legalmente habilitado, pretende a revogação da prisão preventiva contra si decretada em 25 de junho de 2009.
A ora requerente e MÁRCIA ALVES DA SILVA encontravam-se presas em razão de flagrante delito desde o dia 05 de junho de 2009, por conta de uma TENTATIVA DE ESTELIONATO.
A denúncia foi ofertada, nos termos do art. 171, caput, c/c 14, II.
Ambas as denunciadas peticionaram à fl. 84, requerendo a concessão de liberdade provisória.
Às fls. 101/103, a Magistrada titular dessa Vara indeferiu a liberdade provisória para VÂNIA DO SOCORRO e, na mesma decisão, DECRETOU A CUSTÓDIA PREVENTIVA.
Pelo que se depreende da decisão acostada aos autos, o fundamento da cautela teria sido a garantia da ordem pública, como se vê do trecho abaixo transcrito:
“A acusada representa perigo para a sociedade devendo a mesma ser resguardada de novas infrações que podem vir a ser cometidas pela agente, uma vez que solta encontrará os mesmos estímulos que a levaram a delinqüir, sendo presente a possibilidade de reiteração de novas práticas criminosas, fato esse que se retira do histórico criminal da mesma, a qual já responde por outros crimes nesta comarca, tendo o juiz a obrigação de promover a paz e a tranqüilidade social (...)” (sic.) (destaques nossos).
Às fls. 107/108, Vossa Excelência concedeu LIBERDADE PROVISÓRIA à acusada MÁRCIA ALVES DA SILVA, nos termos do art. 310, parágrafo único, do CPP.
Às fls. 111/112, a defesa da postulante ingressou com o pleito de REVOGAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA e vieram os autos ao Ministério Público, para manifestação.
Assiste total razão à defesa de VÂNIA DO SOCORRO.
O Ministério Público entende que não há como prosperar a decisão de fls. 101/103, vez que em desacordo com os princípios constitucionais que regem a matéria (nomeadamente, a presunção do estado de inocência), e com a doutrina processual contemporânea, de viés democrático, senão vejamos.
Como sabido, a prisão preventiva insere-se no contexto das medidas cautelares pessoais e, por sua incontestável natureza aflitiva, é revestida de extrema excepcionalidade. É dizer, num Estado Democrático de Direito, forjado constitucionalmente através da valorização dos direitos fundamentais, a liberdade é a regra, somente admitindo ser tangenciada quando respeitadas as normas constitucionais que lhe são pertinentes.
Nesse sentido, é de vital importância relembrar a dimensão do princípio constitucional da presunção do estado de inocência (CF, art. 5º, LVII).
É, no mínimo, difícil, compatibilizar as prisões cautelares com o princípio em questão, pois a prisão cautelar pressupõe privação da liberdade que – em tese – deveria ser a conseqüência de uma condenação. Isto porque, na prisão provisória, ao menos nos moldes como é delineada e executada no Brasil, existe verdadeira antecipação de pena (não é por acaso, a propósito, que a lei prevê o instituto da detração – CP, art. 42).
Na verdade, autores há que chegam até mesmo a questionar – com fortes argumentos - a legitimidade das prisões cautelares, por acharem que são incompatíveis com a presunção de inocência, na medida em que somente uma condenação poderia impor a privação da liberdade1.
Aqui, não se vai pugnar pela inconstitucionalidade, em tese, da prisão preventiva como um todo, mas demonstrar a necessidade de uma (re)leitura apropriada e garantista do instituto, avaliando as normas do Código de Processo Penal à luz da Constituição, e não o inverso. Afinal, não é novidade que o CPP de 1941 é fruto do autoritarismo varguista (Estado Novo) e, por isso, muitas de suas normas (pra não dizer a totalidade de sua concepção e idealização) estão em franco desacordo com os valores constitucionais e democráticos, calcados na garantias individuais e nos direitos fundamentais.
Assim, vejamos porque o argumento da decisão atacada não pode prevalecer:
Como fundamento da decisão, o Juízo invocou a necessidade de garantir a ordem pública.
Em primeiro lugar, e principalmente por essa razão, convém lembrar que a requerente está respondendo, aqui, por um suposto crime de TENTATIVA DE ESTELIONATO (CP, art. 171, caput, c/c 14, II).
Na visão da doutrina contemporânea, nacional e estrangeira (Luiz Flávio Gomes, Paulo Queiroz, Alexandre Rosa, Roxin, Zaffaroni, Ferrajoli, Bustos Ramírez, dentre outros), a tentativa de crimes patrimoniais sem violência já seria, em si, uma hipótese de ATPICIDADE MATERIAL ante a ausência de lesão a bem jurídico, sequer configurando ilícito penal, portanto.
A propósito, o próprio Supremo Tribunal Federal vem acatando, com maestria e tranquilidade, o princípio da insignificância como excludente de tipicidade, ante a ausência de lesão ou ofensa ínfima ao bem jurídico, demonstrando a Suprema Corte que está aliada aos ensinamentos doutrinários atuais do Direito Penal democrático. São vários os acórdãos que reconhecem a atipicidade pela insignificância da lesão. Apenas para exemplificar: HC 92.988/ HC 96.688 / HC 92.946.
Assim, o próprio mérito da acusação – sob o prisma da dogmática contemporânea, que trabalha com o Direito Penal constitucionalmente orientado, e em obediência à orientação da Suprema Corte – já poderia ser contestado.
Porém, por mais que se admita a ocorrência formal e em tese de crime de estelionato tentado, ainda assim, a prisão cautelar apresenta-se como absurda e descabida.
Tal infração é de médio potencial ofensivo, admitindo a SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO e SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS.
Portanto, ainda que condenada, dificilmente a postulante será encarcerada, pois sua pena deverá ser substituída por outra restritiva de direitos.
Assim, não se pode admitir – em nome do princípio da proporcionalidade – que fique a denunciada presa acautelarmente se, caso condenada em definitivo, não receberá como sanção a privação da liberdade!
Trata-se de raciocínio lógico e comezinho! Não é preciso nenhuma formulação teórica sofisticada para concluir a procedência do que ora se afirma.
E não se diga que a presença de antecedentes obstaria a aplicação dos institutos despenalizadores! Prejudicar alguém por possuir antecedentes criminais é violação clara ao princípio constitucional da presunção de inocência e aplicação direta de Direito penal de autor.
Embora o fato do crime de TENTATIVA DE ESTELIONATO não admitir, sequer em tese, prisão provisória, cumpre demonstrar que a prisão preventiva não se sustenta, também, pela total imprestabilidade constitucional do “fundamento” relativo à garantia da ordem pública, tão utilizada e decantada pelos foros do país. Vejamos.
Com efeito, a prisão preventiva é medida cautelar e, como tal, é absolutamente instrumental; ou seja, presta-se, tão somente, para servir de meio a garantir a efetividade do processo de conhecimento. Não se pode perseguir, através da prisão preventiva, qualquer finalidade repressiva, ou retributiva, que são inerentes (se é que o são...) à prisão definitiva, fruto de uma sentença condenatória.
Portanto, quando o juiz determina a prisão preventiva de um acusado, deve fazê-lo, exclusivamente, tendo em vista qualquer necessidade de assegurar o processo (e aqui bem se aplicam os fundamentos da garantia da aplicação da lei penal e da conveniência da instrução criminal – quando justificados, por evidente), como, por exemplo, porque o réu está, claramente, demonstrando intenção de fugir, ou porque está ameaçando alguma testemunha, ou impossibilitando a colheita de provas, ou embaraçando a instrução criminal, enfim, praticando alguma conduta prejudicial ao regular desenvolvimento do processo.
Entretanto, quando sustenta a “garantia da ordem pública (ou econômica)”, o Magistrado raramente invoca, em seu decisum, fundamento de natureza cautelar.
Ao contrário, são comuns as referências à “gravidade do crime”, ao “clamor público”, ao grau de “periculosidade” do acusado, aos “antecedentes criminais” registrados pelo réu, a uma suposta “reiteração da conduta” (quase que num exercício de vidência), a um certo “sentimento de impunidade por parte da sociedade”, a um “descrédito na Justiça”, etc.
Nada disso, porém, justifica a prisão preventiva, pois, em nenhum desses “fundamentos” se vê demonstrada a necessidade cautelar inerente à medida.
No caso vertente, fica absolutamente claro que o mote da decisão foi a suspeita de reiteração de crimes pelo fato de a requerente registrar antecedentes criminais.
Evitar novos crimes é ilusão. A prisão nunca foi, não é e jamais será garantia de que alguém sinta-se dissuadido a delinqüir. Pelo contrário, a violência no cárcere, inclusive, estimula as práticas criminosas. Não há prisão perpétua. O sujeito que reitera será um dia libertado e, seguramente, reiniciará o ciclo.
Por outro lado, não se pode negar a liberdade de alguém por conta de antecedentes criminais. Isso não tem natureza cautelar. E, ainda, viola a presunção de inocência. A requerente está denunciada em outro processo, mas não é condenada. Assim, negar a liberdade com base em processos existentes é presumir que ela é culpada, o que é afastado constitucionalmente, já que a única presunção admitida no Direito brasileiro é a de inocência.
A custódia provisória, igualmente, não é instrumento de retribuição ou repreensão (essa é a finalidade da prisão definitiva, da prisão-pena). Assim, não se pode tentar legitimar a prisão preventiva a partir de nenhuma necessidade retributiva. Se a sociedade está refém da criminalidade, não é a prisão cautelar que deve aplacar esse legítimo sentimento. A resposta à sociedade não pode ser dada pela prisão cautelar, mas pela adoção de um processo justo, constitucional e de garantias.
Infelizmente, a avidez pela prisão preventiva é patente e acaba comprometendo as garantias constitucionais. Cada vez prende-se mais e mais. Aliás, prende-se primeiro, julga-se depois. A realidade dessa constatação está nos demonstrativos, Brasil afora, da quantidade de presos provisórios (superior ao de definitivos). Em Belém não é diferente. A superlotação nas casas penais está a demonstrar a veracidade desse fato.
O clamor público por “justiça” (entenda-se, vingança, em muitos casos) acaba por exigir do Poder Judiciário uma manifestação de pronto. E a prisão preventiva bem se presta para, de certa forma, calar a pressão popular, simbolizando um pseudo sentimento de punição (ainda que antecipada).
O princípio da presunção do estado de inocência não é nenhuma criação fantasiosa da doutrina, mas norma constitucional expressa. Com isso, há que se remodelar a compreensão da prisão preventiva. A garantia da ordem pública, por certo, afronta a Constituição, pois – além de utilizar-se de uma fórmula indeterminada e genérica, que apenas serve ao autoritarismo e arbítrio (o que é garantia da ordem pública, afinal?)- confunde prisão cautelar com definitiva, já que possibilita a decretação da medida extrema com base em argumentos que fogem à teoria da cautelaridade.
A Constituição Brasileira, apesar de seus vinte anos de vigência, continua sendo – como diz, com propriedade, AURY LOPES JÚNIOR (Doutor em Processo Penal pela Universidad Complutense de Madrid) - “uma ilustre desconhecida em muitas delegacias, foros e tribunais brasileiros” (In Introdução crítica ao processo penal – fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. Pág. 44).
Aliás, é LOPES JÚNIOR quem afirma, convictamente, a inconstitucionalidade da garantia da ordem pública e econômica. É ler-se:
“Grave problema encerra ainda a prisão para garantia da ordem pública, pois trata-se de um conceito vago, impreciso, indeterminado e despido de qualquer referencial semântico. Sua origem remonta a Alemanha na década de 30, período em que o nazi-fascismo buscava exatamente isso: uma autorização geral e aberta para prender. Até hoje, ainda que de forma mais dissimulada, tem servido a diferentes senhores, adeptos dos discursos autoritários e utilitaristas, que tão “bem” sabem utilizar dessas cláusulas genéricas e indeterminadas do Direito para fazer valer seus atos prepotentes (...).
É inconstitucional atribuir à prisão cautelar a função de controlar o alarma social, e por mais respeitáveis que sejam os sentimentos de vingança, nem a prisão preventiva pode servir como pena antecipada e fins de prevenção, nem o Estado, enquanto reserva ética, pode assumir esse papel vingativo” (In op. cit. Pág. 205/206) (grifos nossos).

Ainda sobre a constitucionalidade duvidosa do “fundamento” ora analisado, é oportuna a reflexão de ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES, renomado processualista da Escola de São Paulo, que reconhece:
“A necessidade da prisão por garantia da ordem pública revela-se nos casos em que o acusado vem reiterando a ofensa à ordem constituída. Não é fácil justificar doutrinariamente esta prisão ante a teoria da cautelaridade. Daí a resistência a ela por parte da doutrina, entendendo que a prisão cautelar para a garantia da ordem pública configuraria uma verdadeira medida de segurança, com antecipação da pena” (In Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 1999. P. 284) (grifos nossos).
Portanto, Meritíssimo Magistrado, a garantia da ordem pública – pelo fato de confundir prisão cautelar com definitiva – viola flagrantemente o princípio da presunção do estado de inocência e, por isso, não pode servir – desde uma perspectiva garantista e democrática – como fundamento da prisão preventiva.
É necessário compreender, em definitivo, que muitas das regras do (mofado) CPP há mais de 20 anos não possuem mais validade, por contrastarem com valores da Constituição Federal. O autoritarismo varguista, ao menos historicamente, já ficou para trás. As inspirações do CPP/41 não são as mesmas da CF/88. A ditadura cedeu lugar à democracia e o arbítrio, ao racionalismo.
Assim, cabe ao Poder Judiciário, em sua tarefa (re)definida pelo constituinte originário, preservar o núcleo fundante da Carta Política de 1988, baseado na dignidade humana (CF. art. 1º, III) e na defesa intransigente dos direitos fundamentais e, com isso, redesenhar o Processo Penal, fazendo-o compatível com os valores constitucionais e com o ideal democrático ali presente.
ANTE O EXPOSTO, e considerando, primeiramente, que o crime de estelionato tentado não admite, sequer em tese, encarceramento (definitivo e, muito menos, provisório) e que os argumentos invocados pela Magistrada que confeccionou a decisão violam o princípio constitucional da presunção do estado de inocência, já que a garantia da ordem pública, como analisado, não foi recepcionada pela Constituição Federal, o Ministério Público manifesta-se pela revogação da prisão preventiva de VÂNIA DO SOCORRO MIRANDA QUEIROZ, expedindo-se, em seu favor, o competente alvará de soltura.
É a manifestação.
Belém, PA, 20 de julho de 2009.

ANA CLÁUDIA BASTOS DE PINHO
6º PJ Criminal de Ananindeua, respondendo pelo
expediente do 2º PJ do Juízo Singular da capital

3 comentários:

  1. Muito bom!
    Vou encaminhar para "meu" promotor de justiça!

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  2. Puxa, que alegria constatar que existem promotores DE VERDADE em nosso país!
    O que me deixa triste é verificar que estão tão longe... aqui no Paraná, quando você acha um, ganha uma bicicleta!

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  3. EXCELENTE! AGRADEÇO A OPORTUNIDADE DE PODER DESFRUTAR DE UM MATERIAL, TÃO RICO.
    LUCIANA CYRINO 28/06/2010

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