Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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Alexandre Morais da Rosa

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12/08/2009

Direito de Família Total Flex



Segue, abaixo, artigo escrito num livro em homenagem ao Des. Norberto Ungareti. 






DIREITO DE FAMÍLIA "TOTAL FLEX"

 

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Direito de Família Liberal: segurando a mão – 3. Modelo Neoliberal: então se fez produto. 4. Direito de Família Neoliberal: soltando e trocando de mãos, sempre – 5. As ambivalências do Direito de Família "Total flex" – 6. Considerações finais – Bibliografia.

"como nunca se mostra o outro lado da lua/ eu desejo viajar pro outro lado da tua/ meu coração galinha de leão não quer mais amarrar frustração/ oh eclipse oculto na luz do verão/ bem que nós fomos felizes/ só durante o prelúdio/ gargalhadas e lágrimas/ até irmos pro estúdio/ mas na hora da cama/ nada pintou direito/ e a minha cara a falar/ não sou proveito, eu sou pura fama." Cazuza

1. Introdução

1 – A leitura do Direito de Família, neste texto, é pessoal e parcial. Claro, sempre se o é, mesmo para quem se acredita neutro. Por isto o que se segue pretende apontar o entorno do Direito de Família inserido numa lógica de Mercado ultraliberal e, também, cruzado pela leitura com a Psicanálise. Neste contexto, o título dado é ambivalente propositadamente. Junta ao ramo Direito de Família a denominação dos atuais motores de automóveis que funcionam com qualquer combustível para, girando o sentido, indicar, talvez, uma forma de compreender o Direito de Família inserido no contexto neoliberal. Assim é que a velocidade (Virilio) das ditas evoluções dos costumes exigem – este é o discurso hegemônico – respostas politicamente corretas que chancelem todos os (ditos) direitos dos indivíduos, sem qualquer preço, ou limite (Melman). O Direito, que sempre foi uma barreira, acabou se travestindo no trampolim de vontades, inclusive as mais loucas (im)possíveis. Resgatando, assim, um pouco do limite do direito, na linha do que Lacan apontou como sendo sua função.

2 – Importante destacar, de plano, que este escrito navega nas águas da Filosofia da Linguagem, sem a pretensão de estabelecer ilusória e definitivamente conceitos, dada a impossibilidade, já que a linguagem é da ordem do não-todo. Mas, mesmo assim, opera com conceitos, até porque o Direito como tal, é significante e ficção. Evidentemente que desprovido de meta-linguagem salvadora. Assim é que pincelando algumas questões relevantes, neste ensaio, falarei sobre o que posso do Direito de Família "Total flex".

3 – Nunca fui – e lamento –, aluno do Professor Norberto Ungaretti. Isto me marcou porque ele sempre me tratou como tal. Foi com ele que aprendi a respeitar o estudar, discutir e analisar, caso por caso, as situações que se apresentavam para julgamento. Seus acórdãos no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) são a marca do compromisso ético com a Jurisdição. Seu exemplo ilumina, sempre. Homem de não escrever muitos artigos, dedicou-se ao que gostava: o magistério. É em homenagem a ele que este texto segue.

2. Direito de Família Liberal: segurando a mão

1 – O casamento e a união estável – homo e hetero – são as formas de família aceitas, desde que sem preconceito, pelo ordenamento jurídico. Famílias no contexto plural e democrático (matrimonial, informal, homoafetiva, monoparental, anaparental e eudemonista). É na Família que o sujeito surge. Filho de dois, ele é o três, mesmo que filho de inseminação artificial e paire a dúvida de quem forneceu o esperma: o três é ele. Longe de se reconstruir a história da família no mundo ocidental, cabe, mesmo assim, uma aproximação que destaque o que se esconde sobre a Instituição dita fundamental da sociedade.

2 – Importante destacar, com base em Foucault, na perspectiva do mundo ocidental, que as origens gregas ainda geram efeitos, já que para ser um bom cidadão da polis, o verdadeiro pater familia, era absolutamente necessário o casamento. Consistia em condição de possibilidade do exercício deste status social. Casar, portanto, era um dever para os gregos. Objetivava, em síntese, 3 (três) finalidades: a) legitimar a prole; b) propiciar a educação conjunta dos filhos; e c) estipular a obrigação de ajudas recíprocas. Escondia, por óbvio, o escopo da coesão social decorrente da constante vigília e correção moral estabelecidas entre os membros da família, e do entorno social. Dito de outra forma, a família proporcionava a amálgama da coesão social: costurava seu tecido, dando-lhe consistência. O casamento era tido, pois, como uma relação: adual: decorrente da conjunção de esforços, sob o controle do homem, advinda de uma inclinação natural; buniversal: apesar do casamento entre duas pessoas de sexos diferentes, a relação mantinha vínculos invisíveis com toda a sociedade, tornando os companheiros dignos representantes da sociedade, além de honrar a descendência; csingular: malgrado a participação de duas pessoas, após o casamento, a sociedade fazia aparecer uma nova e única individualidade social: o casal (esse andrógino fruto da ilusória fusão integral). Com a agregação da Moral Cristã, essa concepção foi mais recrudescida: agravada. O monopólio sexual, com a conjugalização das relações sexuais exclusivamente para fins de reprodução, de forma direta e recíproca, é tratado com todo o rigor possível, emergindo o cânone sexual maior da sonegação da fruição: o sexo somente se legitima para procriação. Foucault argumenta que a sexualidade é encerrada na casa da família, calando-se sobre o sexo. Este modelo gera interditos à sexualidade, cujos efeitos farão se sentir nos filhos, além de implicar uma posição dos próprios pais. O sexo é percebido então como dever (de procriar) e não como fazendo parte da sexualidade, que não se restringe, sabe-se ao ato sexual, até porque a relação sexual é impossível (Lacan), com a absoluta castração do desejo. O mundo do erotismo, do prazer, da sedução e fruição é simplesmente sonegado por uma moral gregária de índole cristã. Warat chama a sociedade que impõe esse discurso de "capador-capado", ou seja, a que simplesmente nega para si próprio o gozo, impondo culpas. De qualquer sorte, impera ainda a visão clássica cristã, sonegadora da fruição, do gozo. Conjugada com esta concepção, a preponderância masculina na sociedade – falocracia –, reina absoluta no discurso consciente e imaginário social, inclusive no Direito.

3 – O casamento além de ser poderoso meio de controle social, ainda servia para manutenção/defesa da propriedade privada, fazendo com que se limite o gozo, bem assim se favorece a produção (em maior escala) de bens de consumo (pelo menos no início da Revolução Industrial, dado que com a informatização das indústrias, o trabalho passa a ser descartável). Aglutina os familiares e parentes na defesa daquilo que lhes pertence contra todos que ousam a ameaçar. Basta se pensar as conseqüências de uma sociedade em que a propriedade privada não seja defendida pela instituição família. Aliás, para a ideologia dos dominantes, os dois mais belos e defensáveis institutos sociais: família e propriedade. A família, nesta perspectiva, é condição de possibilidade da reprodução do ideário liberal da propriedade, como bem assevera Ameno"Propriedade privada e poligamia não combinam. ... A monogamia é essencial à sociedade capitalista, cuja base de sustentação econômica é a propriedade privada." Com estas breves leituras pode-se perceber para além do discurso que simplesmente nega, impõe interditos ao gozo, subjaz uma racionalidade ideológica reprodutora da dominação de classes. Em face dessa conformação, criam-se regras, leis, crimes, critérios morais para conter o excesso de gozo. Contudo, o desejo transgride, rompe as normas, avança sobre o interditos. O casamento informado pela racionalidade cristã do sexo, somente para reprodução, abdicando do gozo, não deixa de ser uma forma de ‘loucura privada’.

3. Modelo Neoliberal: então se fez produto

1 – A sociedade, anota Miranda Coutinho, seguindo a indicação de Hayek e Friedman, procedeu a um câmbio epistemológico, abandonando a relação causa-efeito para engolir a eficiência como parâmetro de atuação, erigida até a princípio constitucional (CR/88, art. 37, caput). Confundindo efetividade (fins) com eficiência (meios), grudando falsamente os significantes como sinônimos, na ânsia de melhorar a realidade, muitos atores jurídicos caem na armadilha do discurso neoliberal, ao preço da exclusão (sempre existem vítimas, ecoa Dussel) e da Democracia, por se vilipendiar, necessariamente, os ‘direitos e garantias’ Constitucionais, rumo ao que se chama de ‘Mercado Eficiente’, com inexoráveis efeitos no modelo de aplicação do Direito, como defende ingênua e astutamente a escola da Análise Econômica do Direito.

2 – Destaque-se que foi a partir do pensamento evolucionista – tal qual Lombroso – de Hayek, que o neoliberalismo ganhou um estatuto forte no combate às idéias do Estado do Bem-Estar, eis que as considera prejudicial ao ‘Mercado’, a verdadeira (e ilusória) fonte da Democracia, justificando, portanto, a sua diminuição. ‘Ordem natural’ e ‘Mercado’ são os slogans difundidos, tudo em nome da "Liberdade", o significante vedete, bem sabia o Banqueiro Anarquista de Pessoa. Os indivíduos, segundo o modelo neoliberal, não podem depender do Estado que, pelo ‘Mercado’ e a seleção natural dos mais capazes, pode ‘naturalizar’ as desigualdades sociais. A ‘Liberdade’ retoricamente realçada como valor democrático fundamental retiraria a legitimidade das ações estatais, salvo na repressão, claro. Assim é que o Estado deveria ser mínimo na busca de Justiça Social, a cargo do ‘Mercado’, mas com mão de ferro implacávelna esfera penal, reprimindo as manifestações sociais que busquem o que Hayek denomina como ‘paternalismo estatal’. Miranda Coutinho, na interlocução com a psicanálise, expõe com clareza: "A racionalidade neoliberal despreza o homem, mas assim o faz não só porque tende a admitir despreocupadamente os excluídos, mas porque, operando um desmonte do Estado, furta-lhe a possibilidade de exercer a função paterna, apondo aí o seu próprio ‘eu’, ou seja, o mercado. (...) Sem ele [Estado], já referi, não há desejo. (...). De qualquer sorte, a um mercado-Pai, que não tem qualquer referencial outro, não importam os efeitos, a não ser aqueles que enderecem na direção do lucro. Lucro, porém, é sinônimo de gozo, que tem por pressuposto a satisfação pela via do objeto. (...) Precisamos de uma certa ordem, sim; mas não nesse diapasão. (...) Em segundo lugar, falar em desmonte do Estado implica, necessariamente, em arrebentar as barreiras do direito. No neoliberalismo há um evidente desprezo pelo direito que limita."

3 – O Estado, mesmo quando Hayek defende a estipulação de uma ‘rede social de seguridade’, afeiçoa-se à perspectiva de ‘custos sociais’ paliativos da ‘desigualdade natural’ cujo ‘Mercado’ é capaz de colmatar, mantidas, de qualquer sorte, a ‘mão invisível’ e a propriedade privada, já que "el gobierno no puede utilizar la persona y la propiedad del ciudadano para alcanzar sus propios objetivos." Deveria o Estado, para ele, assumir uma postura de manutenção da ‘ordem espontânea’, adaptando os cidadãos ao modelo de ‘Mercado’, especialmente pela via penal, autorizando, inclusive, a morte de quem não consegue meios de sobreviver. Eis o discurso cínico hegemônico, acoplado pelos iludidos de todos os dias. As teorias da Justiça Liberal são um acinte, como se verifica com Rawlsque naturaliza a diferença social e diz que todos possuem a liberdade de vencer e que os pobres não devem ser invejosos. Pode? E o pior é que existem crédulos.

4 – Azevedo ressalta, entretanto, que o pensamento de Hayek e Friedman somente foi apropriado quando passou a interessar aostatus quo, em substituição ao de Keynes, contracenando com a ausência de crítica e coragem de setores sociais aderentes ao receituário neoliberal. E o que reage é "tachado de ‘dinossauro’, preso a posições ultrapassadas, avessas às demandas incontestáveis da modernidade." Só que, acompanhado de Veríssimo, afirma que "os dinossauros ‘foram grandes criaturas. Já os bichos que se adaptam a tudo, que estão aí desde o começo do mundo e sobreviverão até o fim, todos sabem quais são: as baratas, os ratos...’"Para além deste discurso de ‘aprendiz de feiticeiro’, aderido por muitos, escondem-se interesses inconfessáveis de ‘Defesa Social’ orquestrados por movimentos conservadores. Apesar da sedução do discurso eficientista por anestesiar os crédulos de sempre, não se pode, contudo, romper-se com a função de limite do Direito. Nesta lógica neoliberal impera a perspectiva do consumidor, de tudo, inclusive relacionamentos afetivos.

4. Direito de Família Neoliberal: soltando e trocando de mãos, sempre.

1 – Este discurso, pois, cobra um preço no campo do Direito de Família. Bauman sustenta que, diferentemente do modelo liberal, não se trata mais de acumular bens e/ou produtos, mas sim de usar e descartar, trocando-se o modelo, conforme as ondas do Mercado. Neste modelo em que impera a velocidade, a novidade, rotatividade é que acabam medindo o sucesso, diz Bauman, do Homo consumens.

2 – Conjugando BaumanLebrun e Melman, pode-se dizer que a concepção de sujeito apropriada ideologicamente pelo modelo neoliberal é o do "homem de baixas calorias", sem vínculos, desprovido de ideais, preocupado egoísticamente com a satisfação de suas necessidades imediatas. Neste contexto, os laços sociais, ou seja, os vínculos simbólicos de uma civilização encontram-se frouxos, deprovidos de amarras. São tênues, lânguidos, mutáveis conforme os gostos, estéticos. Bauman fala de uma "modernidade líquida" manifestada pelo paradoxo da exigência de laços fortes que facilmente se desfazem, rumo ao futuro que promete plena e irrestrita satisfação. Com medo de vínculos eternos, na ambivalência de (não)querer o que se quer, vaga-se na existência "relacionando-se". Mais recentemente, os adolescentes – muitos hoje já adultos – lançaram a prática do "ficar-com", isto é, da satisfação sem vínculos, imediata, de interesses afetivos e/ou sexuais, na balada. O fast-love passou a ser o padrão dos relacionamentos, com reflexos imediatos na maneira pela qual a sociedade se organiza e se constrói. O declínio da figura paterna, do lugar da autoridade, do limite, pois, cede lugar a um desmesurado ambiente de satisfações parciais. Aponta-se, sempre, a possibilidade de um preenchimento total – de um super amor – no futuro, por isso não se pode prender. Ficar à disposição, relacionando-se com o que vier, der ou puder, acaba se instalando. Desta constatação, pois, reflete-se muito da impossibilidade de o Direito de Família clássico responder às demandas de uma sociedade com estrutura perversa.

3 – Em face da perda, de saída, do objeto a, que imaginariamente poderia nos conceder a felicidade plena, total, surge, na sociedade atual, o seu revés, isto é, os que acreditam saber o que é melhor para si, agora. Tudo imediatamente, conforme os humores. Num passe de mágica encontram-se apaixonados, depois se desapaixonam. Ligam-se e desligam-se como se troca de canal, tudo em nome do amor pelo objeto. O objeto, por definição, está perdido. Todavia, o discurso do capital não aceita; empurra para eternos rallys de consumo objetal. O modelo de relacionamento padrão exige a colocação de acessórios, garantias e trocas pelos mais-vendidos da estação. A pretensão de relacionamentos duradouros esbarra na difusão do slogam de que se deve estar aberto ao futuro, ao melhor, que virá, quem sabe, na próxima estação/. Uma desconfiança universal aduba ideologicamente os relacionamentos atuais, sempre abertos ao futuro pleno, formando, não raro, "redes" de vínculos tênues. Enfim, algo que poderia se denominar de Paradigma Leasingdos relacionamentos.

4 – Anote-se que a satisfação decorrente do estar apaixonado promove a procura do retorno às condições infantis para amar, direcionadas ao objeto e capaz de remover as repressões e devolver as perversões, sendo que o outro é confundido com a satisfação do desejo. Por isso o estar apaixonado é uma tentativa de retorno, mesmo que fugaz, à pretensão de plenitude. Esbarra, todavia, napulsão de morte, da qual o sono descortina e propicia aquilo que a vida não consegue curar, dado que se está alienado na existência da representação especular do outro que angustia e gera o medo.

5 – Nesta intrincada situação, surgem as fórmulas da felicidade. Guias de auto-ajuda afetiva, sexual, holística, budista, et coetera, que apontam metodológica e ortopedicamente um caminho da felicidade que, por básico, não se consegue por fórmulas, nem pílulas de fluoxetina, ritalina, prozac, viagra. Enfim, vende-se a falsa ilusão de que felicidade se obtém por comprimidos.
6 – Disto tudo, resulta que a nova concepção de família se fundamenta numa ambivalência de consumo de objetos. Por isto insistir na crise da família é uma contradição em termos. A família é sinônimo de crise. Se não houver crise no sentido de culpa, angústia, alguma coisa falha e o normal, no sentido que se quiser, acaba se instalalando. Então, o seu mancar, falhar, é importante. Evidentemente que é portadora do estabelecimento da Lei do Pai e a única crise que se pode apontar, neste enleio de crises, é o do declínio da figura paterna, situação já apontada por Lacan desde a obraComplexos Familiares. Quando ausentes os limites simbólicos e o autoritarismo prepondera, a imagem do pai ideal se desfaz, não no sentido que se deseja da autonomia, mas da foraclusão da Lei, com as conseqüências decorrentes na subjetivadade do sujeito. A dinâmica familiar, diante das novas conformações perdeu, em grande parte, a intimidade. Com a TV e internet abrindo as portas da casa, cada vez mais é preciso ver e ser visto (Quinet), enfraquecendo os vínculos simbólicos que deveriam fundamentar as relações familiares.
5. As ambivalências do Direito de Família "Total flex"
1 – A perda da referência, do totem, do limite, do impossível de ser feliz, apontado por Freud em o Mal-Estar da Civilização, como um horizonte que faz caminhar, porque se mantêm lá, sempre, hoje, acaba sendo apontado por objetos parciais que excluem a responsabilidade da escolha e prometem a completude: a eficiente-felicidade. O consumo torna-se a presentificação do objeto que daria acesso ao gozo, não confundindo, claro, com o "objeto a" indicado por LacanSão Paulo resta relegado ao esquecimento, defenestrado, fora de moda, superado pelas tendências atuais. A prevalência do ideal neoliberal do Estado Mínimo, direito reflexivo, das agências reguladoras – nas quais o saber técnico substitui a democracia –, cobra um preço. Este preço reflete-se na nova maneira de satisfação de todas as vontades, principalmente com novas demandas judiciais.
2 – A promessa de gozo que seria melhor garantido, pois, faz-se pelos discursos no campo público, não mais pela voz, mas pela imagem, no qual o signo presentifica o objeto. E o Poder Judiciário, ao acolher esta reinvindicação, põe-se à serviço do fomento perverso, sem que ocupe o lugar de limite. Passa a ser um gestor de acesso ao gozo. Se a realidade de exclusão causa insatisfação, se o outro olhou de maneira atravessada, não quis cuidar de mim, abandonou-me, coloco-se na condição de vítima e reinvindico reparação, moral. Sem custas, nem riscos. Aliás, dano moral passou a serband-aid para qualquer dissabor, frustação, da realidade, sem que a ferida seja cuidada. Pais que demandam indenização moral porque não podem ver os filhos, filhos que querem indenização moral porque os pais não os querem ver. Maridos e Mulheres que se separam e exigem dano moral pela destruição do sonho de felicidade. Demandas postas, acolhidas/rejeitadas, e trocadas por dinheiro, cuja função é sabida. Enfim, o Poder Judiciário ocupa uma função repatória, de conforto, como fala Melman:."O direito me parece, então, evoluir para o que seria agora, a mesmo título que a medicina dita de conforto, um direito ‘de conforto’. Em outras palavras, se, doravante, para a medicina, trata-se de vir a reparar danos, por exemplo os devidos à idade ou ao sexo, trata-se, para o direito, de ser capaz de corrigir todas as insatisfações que podem encontrar expressão no nosso meio social. Aquele que é suscetível de experimentar uma insatisfação se vê ao mesmo tempo identificado com uma vítima, já que vai socialmente sofrer do que terá se tornado um prejuízo que o direito deveria – ou já teria devido – ser capaz de reparar."
6. Considerações finais
Um artigo assim não se termina, diz Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, mas se abandona. São reflexões da maneira pela qual, em nome das ditas evoluções sociais, a perplexidade se instaura no Direito de Família. Inexiste, contudo, possibilidade ética de apontar "a" saída única, porque ela precisa se dar com o outro e o Outro. Talvez através de um diálogo muitas vezes pouco tolerado. Por isso cabe, aqui, a colocação do homenageado, Des. Norberto Ungaretti:"Alinhei idéias, que ficam submetidas ao debate de quantos me distinguiram com sua audiência. (...) Não tive a pretensão de esgotar o tema sobre o qual discorri, e muito menos a de analisá-los sob enfoques irretocáveis e definitivos."
O diálogo está aberto. Continuamos? 

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